AGOSTO.2015 Infecção das vias aéreas superiores no adulto 1. INTRODUÇÃO As infecções virais agudas das vias aéreas superiores (IVAS) são as condições mais comuns que afetam os seres humanos e acomete a população adulta em torno de dois a cinco episódios ao ano. A incidência é mais comum do início do outono ao início da primavera. Entre 0,5 a 2% das IVAS evoluem para rinossinusite bacteriana e, aproximadamente, 90% das rinossinusites bacterianas são precedidas por um episódio de infecção viral. Essas infecções podem ainda evoluir para otite, faringoamigdalite, laringite e pneumonia. As taxas de internação por complicações, associadas às infecções virais das vias aéreas superiores em indivíduos acima de 65 anos, variam de 200 a 1.000 internações por ano para cada 1.000.000 habitantes, enquanto, na faixa etária de 45 a 64 anos, essa taxa cai para 20 a 40 internações anuais. Mais de 200 sorotipos diferentes de vírus são responsáveis pelo resfriado comum. O rinovírus é o mais prevalente respondendo por cerca de 30-50% das infecções, enquanto o coronavírus é o segundo mais prevalente, responsável por 10-15% dos quadros. Outros vírus citados são o parainfluenza, vírus sincicial respiratório, adenovírus e enterovírus. Neste texto, serão abordados, de forma sucinta, os principais tipos de IVAS, com apresentação aguda, excetuando-se a gripe. No QUADRO 1, estão descritos principais tipos, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento dessas infecções no adulto. 2 QUADRO 1 – Infecções virais agudas do trato respiratório superior no adulto, exceto gripe. Tipo Manifestações clínicas Agentes etiológicos Rinorreia e obstrução nasal são os sintomas proeminentes. Adultos podem apresentar 2 a 3 episódios ao ano. Os rinovírus são responsáveis pela maioria dos casos. Também pode ser causado pelo coronavírus, metapneumovírus e vírus sincicial respiratório. A presença de mais de um patógeno é comum. Outros vírus respiratórios causam comumente sintomas de resfriado, mas frequentemente estão associados aos sintomas de infecção do trato respiratório inferior. Clínico Analgésicos comuns Viral: dor de garganta, disfagia, mialgia, febre baixa, tosse, coriza hialina e espirros e ausência de adenomegalia. Bacteriana: dor de garganta intensa, disfagia, otalgia reflexa, febre de intensidade variável, que podem ser acompanhadas de queda do estado geral e presença de adenomegalia. Viral: Rinovírus, coronavírus, adenovírus, herpes simples, influenza, parainfluenza, coxsackie e outros. Bacteriana: Streptococos do Grupo A. Clínico. Oroscopia: Quadro viral: hiperemia e edema da mucosa faríngea e das amígdalas, com presença de exsudato (raramente). Quadro bacteriano: exame físico revela hiperemia, aumento de tonsilas e exsudato purulento Diagnóstico diferencial – Vide quadro 2. Viral: analgésico e anti-inflamatórios não hormonais. Bacteriana: analgésico e antiinflamatórios e antibioticoterapia(A) Resfriado Faringoamigdalite Diagnóstico Tratamento 3 Tipo Manifestações clínicas Geralmente associada a outra IVAS. O diagnóstico clínico é baseado na história e nas alterações da voz. Visualização da laringe revela edema e hiperemia vascular da membrana mucosa com eritema e edema das cordas vocais. Repouso da voz, analgésico e hidratação. Laringite aguda Síndrome clínica caracterizada por voz rouca com a diminuição da fonação e projeção de voz, que ocorre geralmente após uma infecção do trato respiratório superior com tosse. É mais comum em mulheres, do que em homens, com média de idade de 36 anos. Nos homens a média de idade é de 41 anos. Obstrução nasal, congestão, rinorreia anterior e/ou posterior, espirros, associados a manifestações sistêmicas infecciosas como febre baixa, halitose, mal-estar, tosse, pressão nos ouvidos, dor dentária e astenia Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e, mais raramente, Moraxella catarrhalis ou Streptococcus pyogenes. Clínico na maioria das vezes. Analgésico, lavagem nasal com solução salina, sprays nasais com corticosteroides, antibioticoterapia(D) se houver suspeita de infecção bacteriana(B) Rinossinusite aguda (RSA) Agentes etiológicos Diagnóstico (B) A radiografia simples, realizada nas posições mentonaso, fronto-naso e perfil têm valor diagnóstico controverso. (C) Só deve ser solicitada nas seguintes situações: dúvida diagnóstica, com sintomas vagos, achados clínicos duvidosos ou resposta pobre ao tratamento clínico inicial. A tomografia computadorizada só é indicada quando não há melhora após o tratamento clínico adequado, após 5 dias ou se houver suspeita de complicações. Tratamento 4 Tipo Manifestações clínicas Otites A otite média aguda é uma doença primária da infância e não será descrita. A otite externa (OE) pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas idosos são mais acometidos. Vide Manifestações Clínicas de acordo com os tipos no quadro 3. Agentes etiológicos Vide quadro 3. Diagnóstico Vide quadro 3. Tratamento Vide quadro 3. A. Esquema de antibiótico sugerido para amigdalite bacteriana não complicada: primeira escolha - penicilina e seus derivados (penicilina benzatina 1.200.000 UI via IM dose única OU amoxicilina 875mg mg VO de 12/12 horas OU amoxicilina clavulanato, mesma posologia da amoxicilina. Para alérgicos a penicilina como segunda escolha, podem ser utilizados macrolídeos, cefalosporina de primeira geração ou clindamicina. B. Distinguir uma infecção viral das vias aéreas superiores de uma infecção bacteriana dos seios da face é o principal problema em relação ao diagnóstico da rinossinusite aguda. De acordo com as diretrizes do “Institute for Clinic Systems Improvement” (ICSI), a probabilidade de um diagnóstico correto aumenta se os sintomas de IVAS viral persistirem por pelo menos sete dias e se o paciente tiver pelo menos dois dos seguintes sintomas: secreção nasal purulenta, dor facial agravada por manobra de Valssalva, alterações posturais ou cefaleia. Nesses casos, justificase o uso de antimicrobianos. C. Achados específicos: velamento total e nível hidroaéreo. Há correlação com cultura positiva também, assim como o espessamento de mucosa maior que 6 mm. D. Esquemas sugeridos: Amoxicilina 875 mg duas vezes ao dia 10 dias, OU Amoxicilina 875 mg associada a clavulanato duas vezes ao dia, OU para adultos alérgicos a penicilina: Levofloxacino 500 mg uma vez ao dia por 10 dias, OU Claritromicina 500 mg duas vezes ao dia, OU Clindamicina 300 mg três ou quatro vezes ao dia. Não se justifica, de forma sistemática, a utilização de corticosteroides sistêmicos. 5 QUADRO 2 - Principais diagnósticos diferenciais das faringites e faringoamigdalites agudas. Tipo Abscesso periamigdaliano Síndrome de Lemierre Manifestações clínicas Agentes etiológicos Diagnóstico Tratamento Paciente no curso da amigdalite aguda apresenta alteração no quadro, evoluindo com odinofagia acentuada e unilateral, piora da disfagia e da halitose, salivação, alteração no timbre da voz e trismo. Ao exame, observa-se edema dos tecidos localizados superiormente e lateralmente à amígdala envolvida e deslocamento da úvula. Mais comum em jovens. Inicia-se com faringite e propaga-se até a veia jugular interna, promovendo uma fonte de bacteremia contínua e êmbolos sépticos pulmonares. Manifestações clínicas incluem febre, alterações respiratórias e massa cervical. Flora mista composta de germes aeróbios e anaeróbios, sendo o Streptococcus pyogenes o mais comumente isolado. Oroscopia: edema dos tecidos localizados superiormente e lateralmente à amígdala envolvida e deslocamento da úvula. Antibioticoterapia (penicilina cristalina + metronidazol; amoxicilina + clavulanato, clindamicina) associada a antiinflamatórios e punção para coleta de material para cultura e drenagem. Não é recomendada a realização de amigdalectomia (“a quente”) durante o processo infeccioso. Fusobacterium necrophorum. Tomografia computadorizada e duplex scan, além de hemocultura ou cultura direta. Antibióticos betalactâmicos resistentes à beta-lactamases, sendo a cirurgia raramente necessária. 6 Tipo Mononucleose infecciosa Difteria Manifestações clínicas Agentes etiológicos Diagnóstico Tratamento Acomete com mais frequência jovens e adolescentes. Febre acompanhada de astenia, angina, poliadenopatia, hepatomegalia em 10% dos casos e esplenomegalia em 50% dos pacientes. A angina pode ser eritematosa, eritemato exsudativa ou pseudomembranosa. Causada em 70% dos casos pelo vírus EpsteinBarr (EBV)e 30% pelo Citomegalovírus (CMV). Hemograma: linfocitose com 10% ou mais de atipia linfocitária e aumento de transaminases. * Pesquisa de Ac IgM ou IgG para EBV e CMV. Hidratação e analgésicos, evitando-se uso de ampicilina, pelo risco de provocar aparecimento de rash cutâneo morbiliforme. Apresenta-se de forma insidiosa, com febre, queda do estado geral, pulso rápido, linfonodomegalia cervical, palidez, hipotensão, adinamia e albuminúria. Ao exame, observam-se pseudomembranas brancoacinzentadas, aderidas à mucosa, resistentes ao descolamento com espátulas, deixando o leito sangrante quando removidas, localizadas sobre as amígdalas, pilares amigdalianos, úvula e podendo se estender e até ocupar todo o trato aerodigestivo, resultando em obstrução das vias aéreas. Corynebcterium diphteriae. Exame bacterioscópico direto e pela cultura de exsudatos faríngeos ou de fragmentos de pseudomembrana em meios de Klebs-Loeffler. Internação - iniciar soro antidiftérico. Realizar eritromicina para eliminação do foco difftérico. 7 Tipo Angina de PlautVincent Anginas vesiculosas Manifestações clínicas Agentes etiológicos Diagnóstico Tratamento Adulto jovem ou adolescente mais frequentemente, apresentando disfagia e odinofagia unilateral, geralmente sem elevação de temperatura e queda do estado geral. Ao exame, evidencia-se ulceração na amígdala, recoberta por pseudomembrana, facilmente desprendida e friável acompanhada de eliminação de odor fétido. Acometimento da faringe e da mucosa oral por vesículas, podendo ser múltiplas e disseminadas, que rompem com facilidade, dando lugar a ulcerações superficiais recobertas por exsudato esbranquiçado. Simbiose entre o bacilo fusiforme Fusobacterium plautvincentie e o espirilo Spirochaeta dentuim, saprófitos normais da cavidade bucal humana, que adquirem poder patogênico quando associados. É sugerido pela unilateralidade das lesões e pela presença de lesões gengivais concomitantes próximas ao terceiro molar superior e confirmado pelo achado bacterioscópico fusoespiralar. Antibioticoterapia (penicilina via parenteral ou metronidazol), gargarejos com soluções anti-sépticas, sintomáticos e tratamento dentário. Vírus herpes simples tipos 1 e 2 Coxsackie A, Coxsackie B e Echovírus (Herpangina), mais frequente em crianças. Clínico. Pode ser utilizada cultura viral ou microscopia eletrônica. Se a suspeita for o herpes vírus e na dependência da sintomatologia, utilizar aciclovir. Para os outros vírus, tratamento sintomático. 8 QUADRO 3 OTITES EXTERNAS – DEFINIÇÃO, QUADRO CLÍNICO E TRATAMENTO Tipo de OE Aguda difusaA Eczematosa Circunscrita (foliculite) Definição Quadro clínico É uma celulite da pele e do tecido subcutâneo do CAE (canal auditivo externo). É conhecida como otite do nadador. O patógeno mais frequente é a Pseudomonas, aeruginosa, seguido por Stafilolococcus, epidermidis e aureus. Otalgia que pode se refletir em toda região periauricular, piora com a manipulação da orelha ou mastigação. Otorreia inicialmente clara podendo chegar a seropurulenta. Otoscopia: Pele do CAE edemaciada e hiperemiada, levando a obliteração parcial ou totaldo conduto. Membranas timpânicas sem sinais de infecção. Várias patologias dermatológicas podem acometer a orelha externa, como dermatite atópica, dermatite seborreica, dermatite de contato, psoríase, lúpus eritematoso, entre outras. É a inflamação da unidade pilossebaceana porção cartilaginosa do CAE geralmente causada pelo S. aureus. Quadro clínico: prurido intenso Otoscopia: hiperemia e descamação da pele do CAE, podendo apresentar otorreia serosa. Se houver contaminação bacteriana a otorreia passa a ser amarelada. Quadro clínico: intensa otalgia que piora com a manipulação do tragus. Otoscopia: presença de abaulamento no terço externo do CAE, que pode demonstrar ponto de flutuação. Tratamento Limpeza do CAE, medicações tópicas contendo polimixina B, neomicina e hidrocortisona quatro vezes ao dia, que devem ser evitadas em pacientes com perfuração da membrana timpânica devido à ototoxicidade dos antibióticos. Preparações com ciprofloxacino e ofloxacina, duas vezes ao dia, associadas ou não a hidrocortisona. Em casos de celulite ou extensão da infecção para tecidos periauriculares está indicado uso de antimicrobiano (quinolonas ou cefalosporinas de terceira geração). Analgésicos ou anti-infamatórios podem ser usados para controlar a dor.1 Cremes a base de corticoide. Gotas otológicas com antibiótico podem ser utilizadas em casos de infecção secundária. Em estágios iniciais, tratamento tópico com mupirocina e AINEs. Na presença de coleção purulenta, celulite ao redor da lesão, febre ou linfadenopatia reacional, iniciar com antibioticoterapia sistêmica contra estafilococo. 9 Tipo de OE Granulosa Maligna Definição Quadro clínico Inflamação do CAE, caracterizada por tecido de granulação na pele deste ou na camada superficial da membrana timpânica. Quadro clínico: exsudação serosa até purulenta. Otoscopia:há formação de tecido de granulação polipoide no terço interno do CAE, causada por Proteussp e P. aeruginosa. Tratar a infecção que está predispondo a formação do tecido de granulação e, se necessário, remoção da área da pele granulosa. É uma osteomielite do osso temporal e da base do crânio, potencialmente letal consequente a um quadro inicial de otite externa difusa. Principais fatores predisponentes: pacientes idosos, imunodeprimidos, diabéticos e pacientes em tratamento quimioterápico. Quadro clínico: otalgia que pode chegar a lancinante com pouca resposta a analgésicos e otorreia purulenta e fétida. Tecido de granulação ou pólipos na porção pósteroinferior do CAE secundários a osteíte são encontrados. Edema e hiperemia de CAE. Pode ocorrer ainda paralisia de pares cranianos, sendo o mais afetado o nervo facial. São critérios obrigatórios para o diagnóstico de OEM: Sinais de otite externa que não respondem à terapia adequada por 2 a 3 semanas. Tecido de granulação ou microabscessos na junção osteocartilaginosa do CAE. Ausência de carcinoma no exame microscópico após biópsia incisional do tecido de granulação. Internação hospitalar com instituição de antibioticoterapia endovenosa, controle da glicemia e limpeza do CAE. Utiliza-se ceftazidima associada a ciprofloxacino entre 4 a 8 semanas. O tratamento cirúrgico é limitado podendo ser feito o debridamento do tecido necrótico. A TC de osso temporal: Erosão do osso timpânico e da base do crânio, envolvimento dos tecidos moles parafaríngeos e do sistema nervoso central e acometimento da mastoide. Tratamento 10 Tipo de OE Definição Quadro clínico Causada pelo vírus varicela zoster. Quadro clínico: vesículas no pavilhão, dor e sensação de queimação. Evolui com paresia ou paralisia facial podendo também apresentar vertigem e hipoacusia. Otoscopia: vesículas em pavilhão auricular. Aciclovir 1 a 4 g/dia, analgésicos e, se possível, corticoides para aliviar a neuralgia pós-herpética. Se a evolução for desfavorável e a paralisia facial não regredir, indicado descompressão cirúrgica do nervo facial. Secundário a otohemetoma infectado, queimaduras e geladuras do pavilhão e infecções superficiais. Agente etiológico: cocos e pseudomonas Quadro clínico: dor intensa. Exame físico: pavilhão auricular aumentado de volume, endurecido, deformado e congesto. Drenagem cirúrgica, antibióticos e corticoides. Infecção aguda do pavilhão auricular causada pelo Streptococcus pyogenesgrupo A. Quadro clínico: dor e queimação em região do pavilhão auricular. Exame físico: a pele da orelha se torna edemaciada e congesta, e sua superfície lembra o aspecto em “casca de laranja”. Há febre, calafrios e pulso rápido. Penicilina ou derivados. Processo inflamatório do CAE provocado por fungos do gênero Candida albicans e Aspergillusniger, fumigatus e cianus. Quadro clínico: prurido e dor. Pode estar associado à infecção bacteriana. Otoscopia: presença de massa e conglomerado de micélios de coloração variável de acordo com a espécie do fungo: branca, preta, amarelada ou azul clara. Remoção das secreções, medicação tópica a base de miconazol, cetoconazol. Herpética Síndrome de Ramsay-Hunt Pericondrite do pavilhão Erisipela do pavilhão Otomicose Tratamento A. Prevenção: secar os ouvidos após nadar e mergulhar ou após o banho, com uma toalha apenas. Evitar nadar e mergulhar em águas poluídas. Não introduzir objetos, como cotonetes e lápis, no canal externo do ouvido. Nadadores com otite externa recorrente devem usar protetores auriculares. 11 2. REFERÊNCIAS 1. Rotinas em Otorrinolaringologia/organizadores, Otávio B. Piltcher, et al. - Porto Alegre: Artmed, 2015. p.15-20. 2. Campos CAH, Costa HOO. Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Roca, 2002; v.3. p.26-31. 3. Mandell GL, Bennett JE, Dolin R. Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious diseases. Churchill Livingstone. 8th ed. 2015. 4909p. 4. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervico Facial. Guideline IVAS – Infeccção das Vias Aéreas Superiores. 2007. [Acesso em 28 jun. 2015]. Disponível em http://www.aborlccf.org.br/imageBank/guidelines_completo_07.pdf. Acesse este documento no site Sessões Clínicas em Rede: www.acoesunimedbh.com.br/sessoesclinicas