Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências PLANTAS MEDICINAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA BIOLOGIA E QUÍMICA MARIA CRISTINA DOS SANTOS CAVAGLIER Orientador: Prof. Dr. Jorge Cardoso Messeder NILÓPOLIS 2011 Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências PLANTAS MEDICINAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA BIOLOGIA E QUÍMICA MARIA CRISTINA DOS SANTOS CAVAGLIER Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências. Orientador: Prof. Dr. Jorge Cardoso Messeder NILÓPOLIS 2011 ii CAVAGLIER, MARIA CRISTINA DOS SANTOS Plantas Medicinais na Educação de Jovens e Adultos: uma proposta interdisciplinar para Biologia e Química. [Rio de Janeiro] 2011. 92 p. 29,7 cm (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências/IFRJ, M.Sc., Ensino, 2011). Dissertação – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, PROPEC. 1. Educação de Jovens e Adultos. 2. Plantas Medicinais. 3. Interdisciplinaridade. 4. Ensino de Química e Biologia. I. PROPEC/IFRJ. II. Título (série) iii Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências PLANTAS MEDICINAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA BIOLOGIA E QUÍMICA MARIA CRISTINA DOS SANTOS CAVAGLIER Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências. Aprovada em ____ de ____________ de 2011. Banca Examinadora ______________________________________________ Prof. Dr. Jorge Cardoso Messeder – Presidente da Banca Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro ______________________________________________ Profª. Drª. Flávia Monteiro de Barros Araujo Universidade Federal Fluminense __________________________________________________ Profª. Drª. Márcia Narcizo Borges Universidade Federal Fluminense NILÓPOLIS 2011 iv AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, prof. Dr. Jorge Cardoso Messeder, por acreditar no meu potencial, pelo incentivo, disponibilidade e apoio durante todo o percurso de elaboração desta dissertação e por quem gostaria de expressar minha admiração profissional. A profª. Drª. Maylta Brandão dos Anjos, pelas trocas e preciosas palavras de incentivo. A profª. Drª. Flávia Monteiro de Barros Araújo pelas dicas precisas após o exame de qualificação. A minha família, a qual em tantos momentos estive ausente, pela compreensão e pelo carinho. Ao meu pai (In Memorian) que sempre me incentivou a buscar o conhecimento. Ao meu marido, Francisco, pela paciência e compreensão em tantos momentos de ausência. Sua presença e apoio foram muito importantes na realização deste trabalho. Aos amigos da turma 2009, pela força e momentos de descontração e em especial à Ana Cristina, com quem tantas vezes troquei experiências, angústias e anseios. A todos os colegas do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do IFRJ. Ao amigo Leandro, que pacientemente me auxiliou na elaboração da parte técnica do produto final. A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho! v "Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino”. “ A educação necessita tanto de formação técnica e científica como de sonhos e utopias." Paulo Freire. vi RESUMO O Parecer CEB nº 11/2000 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos destaca, reiteradas vezes, a importância de considerar que os alunos dessa modalidade de ensino são diferentes dos alunos que se encontram nas séries adequadas à faixa etária. Portanto, a abordagem pedagógica, assim como o material utilizado pelos mesmos, precisa ter uma proposta diferenciada. Porém, o que se tem percebido, na maioria das vezes, é um ensino desvinculado da realidade do educando adulto, baseado na transmissão de conteúdos estanques que geram apenas um conhecimento abstrato, o que pode estar relacionado aos crescentes índices de evasão escolar. Em se tratando de ensino de Ciências na EJA, as dificuldades parecem ser semelhantes. Dessa forma, a proposta dessa dissertação foi fazer uma pesquisa bibliográfica a respeito das principais dificuldades encontradas no ensino de Ciências da EJA. Através desse levantamento, constatamos que dentre as principais dificuldades encontradas, estão a carência de documentos legais que orientem a abordagem do ensino de Ciências, a falta de materiais didáticos incluindo livros especializados, a especialização do corpo docente para lidar com esse público e o reduzido número de publicações acadêmicas voltadas a esse assunto. Após a constatação de que um desses entraves é a falta de material didático adequado para essa modalidade de ensino, buscou-se elaborar como produto final, uma proposta de abordagem interdisciplinar para o ensino de Química e Biologia, a partir do tema Plantas Medicinais, relacionado diretamente à saúde e que faz parte da vivência desses alunos. O material didático em CD-ROM, conta com recursos multimídia e visa auxiliar aos professores na promoção de uma aprendizagem mais significativa, estimular os cuidados com a saúde, demonstrar que o uso de fitoterápicos atualmente é uma prática reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde e além de tudo, valorizar os saberes populares que alunos da EJA trazem como conhecimento na construção da prática educativa, demonstrando também como esses saberes influenciam no desenvolvimento da Ciência e da sociedade. Palavras-chave: EJA; Plantas Medicinais; Interdisciplinaridade; Ensino de Química e Biologia. vii ABSTRACT The CEB Opinion No 11/2000 laying down the National Curriculum Guidelines for the Education of Young Adults and out, repeatedly, the importance of considering the type of education that students are different from students in grades that are appropriate to the age. Therefore, the pedagogical approach, as well as the material used by them must have a different proposal. But what has been noted, in most cases, is an education detached from the reality of the adult learner, based on content watertight generate only an abstract knowledge, which may be related to rising levels of truancy. When it comes to science teaching in adult education, the difficulties seem to be similar. Thus, the purpose of this dissertation was to do a literature search regarding the main difficulties in teaching science of adult education. Through this survey, we found that the main difficulties are the lack of legal documents that guide the approach to science teaching, lack of teaching materials including books specialized expertise of the faculty to deal with this population and the small number of academic publications focused on this issue. After finding that one of these obstacles is the lack of suitable teaching material for this type of education, we tried to work out how the final product, a proposal for an interdisciplinary approach to teaching chemistry and biology from the theme Medicinal Plants, related directly to health and is part of these students experience. The teaching material on CD-ROM, multimedia features and aims to assist teachers in promoting a more meaningful learning, encourage health care, demonstrating that use of herbal medicines is now a practice recognized and encouraged by the Ministry of Health and above all, valuing popular knowledge that students bring to the EJA knowledge in the construction of educational practice and demonstrates how this knowledge influence the development of science and society. Keywords: EJA; Medicinal Plants; Interdisciplinarity; Teaching of chemistry and biology. viii LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Plantas Medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás”................61 Figura 2: Plantas Medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás”.............. 61 Figura 3: Plantas Medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás” ..............62 Figura 4: Plantas Medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás” ..............62 Figura 5: Análise gráfica de algumas respostas ao questionário respondido durante a Oficina de chás “..................................................................................................................62 Figura 6: Cena de vídeo - ANVISA regulamenta a produção e venda de produtos fitoterápicos. Fonte: Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão. Livro digital: Unidade 1 anexo 1.3. ............................................................................................................................77 Figura 7: Cena de vídeo – Coleção Atlas do Corpo Humano Discovery HOME & HEALTH. Fonte: Discovery Communications. Livro digital: Unidade 2 – anexo 2.2. ..............................................................................................................................................77 Figura 8: Apresentação de slides – Plantas Medicinais utilizadas pela população nas doenças do sistema respiratório e que constam na Tabela ANVISA. Livro digital: Unidade 3 - anexo 3.3. .......................................................................................................................78 Figura 9: Cena de Vídeo – Embrapa pesquisa os benefícios do alho. Fonte: TV NBR. Livro digital: Unidade 4 – anexo 4.4...................................................................................78 Figura 10: Cena de vídeo – Pílulas de Ciência – Resistência à antibióticos. Fonte: Coleção Pílulas de Ciências, UFMG. Livro digital: Unidade 5 – anexo 5.6....................................79 Figura 11: Ilustração: modelo de Sistema Respiratório ......................................................84 ix LISTA DE SIGLAS ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CNE/CBE Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica CONFINTEA Conferência Internacional de Educação de Adultos EJA Educação de Jovens e Adultos EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ENEBIO Encontro Nacional de Ensino de Biologia ENPEC Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação e Cultura OMS Organização Mundial da Saúde PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNDL Programa Nacional do Livro Didático PNPMF Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos RENAME- FITO Relação Nacional de Medicamentos Fitoterápicos SEDF Secretaria de Educação do Distrito Federal SEEDUC/RJ Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro SUS Sistema Único de Saúde UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura x SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................13 Caminhos metodológicos.....................................................................................................15 CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................................18 1.1 – Os alunos da EJA........................................................................................................18 1.2 – Um pouco da história da EJA no Brasil e a influência de Paulo Freire .....................21 1.3 – Os caminhos políticos da EJA pós-década de 60........................................................23 1.4 – A EJA como direito público subjetivo....................................................................... 25 1.5 – Perspectivas e dificuldades atuais...............................................................................27 CAPÍTULO II - O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EJA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS.................................................................................................................32 2.1 – O Ensino Médio e a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias..........................................................................................................................32 2.2 – A interdisciplinaridade e a contextualização no Ensino Médio..................................33 2.3 - O ensino de Ciências na EJA.......................................................................................37 2. 4 – O ensino de Química e Biologia na EJA....................................................................47 2.4.1 – O ensino de Química na EJA...................................................................................50 2.4.2 – O ensino de Biologia na EJA...................................................................................54 CAPÍTULO III – O TEMA PLANTAS MEDICINAIS E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO NA PESQUISA .................................................................................................................. 59 3.1 – A escolha do tema .................................................................................................... 59 3.2 - O contexto do tema Plantas Medicinais na Pesquisa .................................................63 CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO DO PRODUTO FINAL..........................................69 4.1 – A abordagem do tema ................................................................................................69 4.2 – O produto final ...........................................................................................................70 4.3 – O referencial teórico considerado ..............................................................................72 xi 4.3.1 – A Teoria de Aprendizagem Significativa de David Ausubel ..................................72 4.3.2 – O ensino baseado em Competências .......................................................................73 4.4 – A estrutura do livro digital .........................................................................................75 4.5 – Resumo das unidades temáticas .................................................................................79 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................92 ANEXO 1 ..........................................................................................................................98 xii 13 INTRODUÇÃO A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – nº 9394/96 estabelece como finalidades do Ensino Médio, o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, o desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado (Art.35). Alguns problemas ainda precisam ser solucionados para que tais finalidades possam ser atingidas. Um desses problemas é o chamado ensino conteudista praticado por alguns educadores preocupados em cumprir todo o conteúdo curricular, mesmo que muitas vezes essa temática desenvolvida nada tenha a ver com a vida dos estudantes. No ensino de Ciências, além dos problemas já tradicionais enfrentados no processo de ensino-aprendizagem, podemos destacar também segundo MUENCHEN e AULER: (...) a fragmentação, ou seja, o enfoque unicamente disciplinar, desconsiderando-se a complexidade do mundo real; a desvinculação entre o “mundo da escola” e o “mundo da vida”; o ensino propedêutico; concepção de ciência-tecnologia neutras e redentoras dos problemas enfrentados pela humanidade (MUENCHEN e AULER, 2007, p.422). A situação da Educação de Jovens e Adultos (EJA) não parece ser diferente. A EJA é uma modalidade de ensino voltada àqueles que não tiveram oportunidades escolares em idade adequada. O Parecer CEB nº 11/2000 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA destaca, reiteradas vezes, a importância de considerar que esses alunos são diferentes dos alunos que se encontram nas séries adequadas à faixa etária. Portanto, a abordagem pedagógica, assim como o material utilizado pelos mesmos precisa ter uma proposta 14 diferenciada. Porém, o que se tem percebido, na maioria das vezes, é um ensino desvinculado da realidade do educando adulto, baseado na transmissão de conteúdos estanques que geram apenas um conhecimento abstrato, o que pode estar relacionado aos crescentes índices de evasão escolar. Em se tratando de ensino de Ciências na EJA, as dificuldades parecem ser semelhantes. O uso de plantas medicinais para fins terapêuticos é um conhecimento popular que vem sendo passado de geração a geração ao longo dos séculos. Mesmo diante do avanço da medicina em diversas partes do mundo, no Brasil as plantas medicinais costumam ser a alternativa para uma parcela da população de baixa renda devido a diversos fatores, dentre os quais, o custo alto dos medicamentos industrializados e o acesso restrito a um sistema de saúde de qualidade. Em contrapartida, o uso deste tipo de terapia tem crescido também entre as pessoas de maior poder aquisitivo, na busca por opções terapêuticas mais saudáveis. Além disso, o Ministério da Saúde, através da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos – PNPMF (BRASIL, 2006) tem por objetivo ampliar as opções terapêuticas aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), com garantia de acesso a plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, com segurança, eficácia e qualidade, na perspectiva da integralidade da atenção à saúde, considerando o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais. Desde de a criação do PNPMF, o tema Plantas Medicinais tem ganhado maior credibilidade e destaque inclusive na mídia. Um assunto que antigamente era tratado apenas como crendice, ganha o respaldo de órgãos oficiais de saúde e desperta um maior interesse na população que detém certo conhecimento popular a respeito deste tipo de terapia. Assim, na EJA o tema pode ser utilizado como facilitador na aprendizagem de 15 conteúdos curriculares relacionados, uma vez que o conhecimento prévio dos alunos seria o ponto de partida para o desenvolvimento do processo. Ciente de que existem barreiras a serem transpostas para que a EJA exerça sua função reparadora, equalizadora e qualificadora, como proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais, através do Parecer CEB/CNE, de 11 de maio de 2000, o objetivo geral dessa dissertação foi fazer levantamento a respeito das principais dificuldades encontradas no ensino de Ciências da EJA. Mesmo reconhecendo que o problema delimitado na pesquisa encerra diversos caminhos, essa análise se faz necessária com o objetivo de encontrar melhores alternativas frente a alguns dos problemas diagnosticados. A partir da conclusão de que um dos principais entraves ao desenvolvimento do ensino de Ciências na EJA é a falta de material didático adequado para esse público, como objetivo específico, buscou-se elaborar, como produto final, uma proposta de abordagem interdisciplinar para o ensino de Química e Biologia, a partir do tema Plantas Medicinais, através de um material didático multimídia em CD-ROM. Tal material visa auxiliar aos professores na promoção de uma aprendizagem mais significativa, estimular os cuidados com a saúde, demonstrar que o uso de fitoterápicos atualmente é uma prática reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde e além de tudo, valorizar os saberes populares que alunos da EJA trazem como conhecimento na construção da prática educativa, demonstrando também, como esses saberes influenciam o desenvolvimento da Ciência e da sociedade. Caminhos metodológicos A partir do objetivo de conhecer as principais dificuldades no desenvolvimento do ensino de Ciências na EJA, buscou-se realizar, uma pesquisa bibliográfica, em base qualitativa 16 e em caráter exploratório. Neves (1996) descreve algumas características da pesquisa qualitativa que demonstram sua relação com o estudo desenvolvido nesta dissertação: [...] a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo de seu desenvolvimento; além disso, não busca enumerar ou medir eventos e geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos estatísticos (NEVES, 1996, p.1). A pesquisa bibliográfica permite analisar documentos que se constituem de dados ricos e estáveis, podendo ser obtidos sem um contato direto com o sujeito da pesquisa. Assim, foram analisados alguns artigos, livros e dissertações voltadas para o ensino de Ciências na EJA, além dos documentos oficiais norteadores do ensino de Ciências. Inicialmente, foi feita uma breve análise do desenvolvimento do ensino de Ciências no Brasil para em seguida observar o caminho que vem sendo traçado no âmbito deste ensino na EJA. Para a produção do livro didático, os objetivos educacionais procuraram privilegiar o ensino baseado em competências propostas nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2002) na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Este trabalho está estruturado em 4 capítulos. O primeiro capítulo caracteriza de forma geral a EJA, fazendo um breve retrospecto histórico dessa modalidade de ensino no Brasil, descrevendo um pouco da influência exercida por Paulo Freire e analisando-a como direito público subjetivo. Traz ainda, algumas perspectivas e dificuldades atuais, como a questão da 17 organização curricular e o papel e a formação do professor. O capítulo é encerrado com algumas considerações na busca de ressignificação para a EJA. O segundo capítulo traça o caminho metodológico utilizado na pesquisa. O terceiro capítulo trata do ensino de Ciências na EJA. A partir de um levantamento bibliográfico, foram analisados os principais desafios e perspectivas encontradas atualmente no ensino de Ciências desta modalidade, e ainda mais especificamente, no ensino de Química e Biologia. O quarto capítulo apresenta o tema Plantas Medicinais e sua contextualização na pesquisa, descrevendo sua importância e relevância, tanto em termos de políticas públicas de saúde, quanto para a valorização dos saberes populares que o público da EJA possui e que foram adquiridos, na maioria das vezes, com seus antepassados. O quinto e último capítulo apresenta o produto final, com a descrição de sua elaboração, estrutura, sugestão de utilização, referenciais teóricos e o resumo de cada uma das cinco unidades temáticas abordadas neste livro digital. As considerações finais propõem algumas conclusões, e os possíveis desdobramentos deste trabalho. 18 CAPITULO I - A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 1.1 Os alunos da EJA A educação de jovens e adultos é uma modalidade de ensino, amparada por lei e voltada para pessoas que não tiveram acesso, por algum motivo, ao ensino regular na idade apropriada. Apesar disso, são pessoas com cultura própria, histórias diferenciadas, muitas vezes marcadas pelo fracasso escolar ou por realidades socioeconômicas difíceis. Enfrentam grandes desafios ao retornarem à sala de aula: precisam conciliar a rotina diária pessoal e de trabalho com a rotina de estudos. Precisam acreditar que são capazes de enfrentar o fracasso ou a desistência de tempos atrás. Esse aluno adulto, conforme Gadotti (2007), tem a necessidade de ver a aplicação imediata do que está aprendendo e ao mesmo tempo, precisa ser estimulado, criar autoestima. Mas quem são realmente os alunos atendidos por essa modalidade de ensino? Para Oliveira (2004) podemos identificar três especificidades dentro deste público: a etária, a sociocultural e a ético-política. Na especificidade etária, segundo a autora, podemos caracterizá-los como pessoas jovens, adultas e idosas, com experiência de vida e profissional, o que gera uma certa complexidade nessa diferença etária, pois contamos com diferenças de interesses, motivações e atitudes no processo educacional desse público. O jovem tem um olhar para o futuro, está mais ligado às inovações tecnológicas, às mudanças que ocorrem no mundo; o adulto, por sua vez, está interessado em ser inserido no mercado de trabalho, mais ligado ao presente; e o idoso busca em geral, ser inserido na sociedade, ser cidadão respeitado por sua história de vida. A chamada especificidade sociocultural, segundo Oliveira, 19 caracteriza os alunos da EJA, na medida em que as atividades educativas são predominantemente voltadas a uma determinada classe social e cultural, ou seja, jovens, adultos e idosos de uma classe economicamente baixa. Dessa forma, sobre o aspecto sociocultural podemos caracterizar os sujeitos da EJA: De modo geral, são trabalhadores assalariados, do mercado informal ou do campo, que lutam pela sobrevivência na cidade ou no interior, apresentando em relação à escola uma desconfiança, por não terem tido acesso à escola ou já terem sido evadidos. Jovens, adultos e idosos «marginalizados» pelo sistema econômico - social, vistos como «analfabetos» e muitas vezes considerados «incapazes de aprender (OLIVEIRA, 2004, p.2). Ainda podemos analisar quem são os sujeitos atendidos por essa modalidade de ensino através de uma especificidade ético-política, na medida em que a EJA está no centro das relações de poder existente entre os escolarizados e os não-escolarizados. Relação de poder que “tem sido construída através de representações e práticas discriminatórias excludentes” (OLIVEIRA, 2004, p.2). Também porque as pessoas que se sentem excluídas do processo de escolarização, muitas vezes rotuladas de “burras”, “mobral”, etc., manifestam um «sofrimento ético-político»1 de injustiça perante os escolarizados e apresentam frequentemente um sentimento de inferioridade e de incompetência, inclusive com a perda da autoestima frente a sua família e ao seu grupo social. Dessa forma, Sawaia apud Oliveira (2004) descreve: O sofrimento ético-político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes de cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade (SAWAIA, 1999, p.104). 1 Conceito usado por SAWAIA (1999, p.11) para «incorporar a ética, a felicidade e o humano como critérios que se entrelaçam com o econômico e o político, na análise do processo de inclusão perversa» 20 Quanto à distribuição etária real desses alunos, dados da Pesquisa Nacional da Amostra por Domicílios – PNAD 2007, revelaram que o segmento que compreende entre 25 a 39 anos correspondia a 36,5 %; os jovens entre 15 a 24 anos a 31,3 %; os de 40 a 59 anos a 26,5%. Apenas 6,6% do conjunto tem idade superior a 60 anos. A evasão escolar é um dos fatores mais preocupantes nesta modalidade de ensino. Segundo dados do PNAD (2007), de cerca de 8 milhões de pessoas que passaram pela EJA antes de 2007, 42,7% não concluíram o curso, sendo que o principal motivo apontado para o abandono foi a incompatibilidade do horário das aulas com o de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%). No mesmo ano de 2007 a taxa de abandono do ensino médio regular foi de 13,2% a nível nacional, fato que ressalta a situação preocupante da EJA. Assim, ao analisar as especificidades e os muitos aspectos do público que a EJA representa, notamos que é preciso um olhar diferenciado para perceber que muitos dos sujeitos da EJA são trabalhadores, donas de casa, outros jovens que não se adequaram ao ensino regular, mas todos parecem ter em si um objetivo comum: a busca pelo seu espaço na sociedade. A conclusão do nível básico de ensino significa, para muitos, a abertura de novas possibilidades, novos anseios, mas para outros pode significar apenas um reconhecimento de ser capaz, de alcançar a escolaridade mínima para se inserir no mercado de trabalho. Contudo, o ensino básico, não deve significar apenas uma etapa a ser superada na busca por um diploma ou para alcançar novas oportunidades como o ensino superior, deve sim, além de fornecer, conforme ressalta a LDB (BRASIL, 1996), meios para que o estudante progrida no trabalho e em estudos posteriores, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da 21 cidadania. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), em uma sociedade em constante mudança, torna-se necessário então, um ensino que estimule o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, de buscar informações, analisá-las e selecionálas; a capacidade de aprender, criar, formular, em oposição ao ensino que temos presenciado atualmente, ou seja, vivenciamos ainda, na maioria das vezes, um ensino tradicional, marcado pela memorização, cheio de conteúdos estanques que não trazem sentido para o processo de ensino e aprendizagem, principalmente para uma classe tão rica em histórias de vida, como a EJA. 1.2 Um pouco da história da EJA no Brasil e a influência de Paulo Freire Alguns movimentos contrários ao modelo tradicional de ensino foram pontos importantes na história da EJA no Brasil dos últimos anos. Desde a criação do Sistema Paulo Freire de Alfabetização de Adultos, década de 60, no Movimento de Cultura Popular, gestão de Miguel Arraes na prefeitura do Recife, já podemos perceber, a contestação ao modo de trabalhar da escola tradicional. Em 1958 foi realizado o 2º Congresso Nacional de Educação de Adultos, que gerou a ideia de um programa permanente de enfrentamento do problema da alfabetização de jovens e a adultos, nascendo assim o Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, dirigido por Paulo Freire (Gadotti, 2007). Dessa forma, segundo Fávero (2009), Freire e sua equipe destacaram a alfabetização como o primeiro passo de ampla educação de adultos, questionando, transformando a aula num debate e o professor em um animador. A proposta de Paulo Freire baseia-se na realidade do educando, levando-se em conta suas experiências, suas opiniões e sua história de vida. Esses dados devem ser organizados pelo educador, a fim de que as informações 22 fornecidas por ele, o conteúdo preparado para as aulas, a metodologia e o material utilizados sejam compatíveis e adequados às realidades presentes. Educador e educandos devem caminhar juntos, interagindo durante todo o processo de alfabetização. É importante que o adulto alfabetizando compreenda o que está sendo ensinado e que saiba aplicar em sua vida o conteúdo aprendido na escola (LOPES e SOUSA, 2003, p.11). A prática pedagógica de Paulo Freire trouxe efetivamente a proposta de tomar a realidade dos alfabetizando e pós-alfabetizados como ponto de partida para o processo de aprendizagem, além de trabalhar a educação como elemento de sua transformação. A partir de então, segundo ainda Fávero (2009), outros movimentos de cultura e educação popular foram influenciados por essa metodologia. A despeito desses avanços, no período pós-golpe militar de 1964 procurou-se enterrar a proposta desses movimentos e sua lógica, principalmente, devido ao reconhecimento do caráter político da educação. Logo depois outros movimentos surgiriam, inspirados no Sistema de Alfabetização Paulo Freire, como o Mobral, que visava inicialmente à alfabetização e certificação de milhares de trabalhadores mobilizados para grandes obras públicas. Porém, Fávero termina salientando que a grande parte das propostas apresentadas não priorizavam o direcionamento dos recém-alfabetizados para uma escolarização regular, o que demonstrava a fragilidade do sistema. Ainda hoje, Paulo Freire é uma grande referência para educadores da EJA. Sua pedagogia privilegia o desenvolvimento da consciência crítica e estabelece uma nova relação entre professor-aluno, pois exige também uma compreensão crítica dos educadores do que vem ocorrendo no meio popular, o qual deveria ser o ponto de partida de sua prática. Não pode haver por parte desses educadores, segundo Freire (2007), o desconhecimento do cotidiano de seus alunos e seus saberes anteriores feitos de experiência, podem ser substituídos 23 por um saber mais crítico, superando muitas vezes, o que chamamos de senso comum, a partir dele próprio e não por seu desprezo. 1.3 Os caminhos políticos da EJA pós-década de 60 Os caminhos políticos que a EJA seguiria anos mais tarde, mostrariam as contradições do sistema ao longo do tempo. Para Jane Paiva (2009), no Brasil, apesar do aparato legal que a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - nº 9394/96 trouxeram às novas construções da realidade brasileira, a participação de nosso país em conferências como a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), em 1997, em Hamburgo, mostrava seu posicionamento contraditório em relação ao reconhecimento da importância da EJA, como veremos adiante. A Constituição brasileira tornou a educação “um direito de todos e um dever do Estado e da família”, visando o desenvolvimento da pessoa como cidadã e o seu preparo para o trabalho (CF, art.205). Já a LDB em 1996 reconhece como modalidade de ensino a EJA, trazendo uma dignidade própria ao assegurar a gratuidade de estudos àqueles que não puderam efetuá-los em idade própria, assegurando ainda, oportunidades educacionais apropriadas de acordo com as características do alunado. Além disso, a V CONFINTEA trouxe considerações importantes como o reconhecimento da maciça presença de jovens na EJA e também de que essa educação podia atuar alterando as construções sociais e a esfera dos direitos das populações, se pensada pelo sentido de aprender por toda a vida. Porém, em 1997 nosso país ainda sustentava que a educação de jovens e adultos tratava-se de um “desvio” causado pelo fracasso do ensino fundamental de crianças. Paiva continua acrescentando que, para o Ministério da Educação e Cultura (MEC), tão logo esse fracasso fosse corrigido, 24 cessaria a necessidade da educação de adultos, ou seja, bastaria priorizar o ensino fundamental de crianças que a “fonte” de analfabetos estancaria. Para os não alfabetizados bastariam programas compensatórios de assistência social, como o Programa de Alfabetização Solidária, sem maior comprometimento do referido ministério e, com a mesma lógica que historicamente vem regendo a educação de jovens e adultos. Analisando a posição de Paiva, percebemos a clara contradição das políticas governamentais de nosso país que firmou a Declaração de Hamburgo e a Agenda para o Futuro, na V CONFINTEA, mas descumpria o preceito constitucional de que a educação é um direito de todos, além de promover a exclusão dessa parcela da população. Outro entrave na construção de políticas públicas para a EJA no Brasil foi o período de 1990 a 2002, em que houve certo distanciamento dessa modalidade de ensino da educação continuada, como se a EJA se restringisse apenas à alfabetização, estando indissociada da educação básica como um todo. Para Andrade (2009) essa realidade parece continuar nos dias atuais, se constituindo num grande desafio uma vez que, não há como dissociar a educação básica da alfabetização, pois ambos fazem parte de um mesmo processo. Apesar de tudo, na década de 90 também surgiram debates importantes no âmbito da EJA que tiveram dois espaços fundamentais de atuação: o primeiro são os Fóruns2 de EJA, que existem em todos os estados brasileiros e são espaços articuladores e de divulgação das políticas e ações no campo da EJA; o segundo são os Encontros Nacionais desses Fóruns que são propositivos e de avaliação, assim como encaminham novos temas sobre a área. 2 “Os Fóruns têm-se configurado como uma das estratégias dos chamados “trabalhadores sociais”, principalmente educadores, docentes e professores, entre outros, para continuar a desenvolver seu trabalho frente às contradições do mundo social. Como articulação informa, os fóruns têm encontrado modos de gestão e apontado perspectivas de resistência que vêm sendo capazes de interferir, em muitos casos, nas políticas locais e nacionais, no sentido de que, cada vez mais, possam ser assumidas como políticas públicas, dada a relevância da participação e da consciência do lugar político dos educadores, qualquer que seja o cargo que ocupem nas redes de ensino, instituições, universidades, ONGs, etc” (PAIVA, 2009, p.25). 25 1.4 A EJA como direito público subjetivo A partir do estabelecimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, através do Parecer CEB/CNE, de 11 de maio de 2000, surge uma forma diferenciada de discutir essa modalidade de ensino: através da função de restaurar o direito de todos a uma educação de qualidade. Em tal parecer os princípios da educação de jovens e adultos no Brasil são definidos conforme Oliveira (2004, p.10) resume: 1) A educação como direito público subjetivo, compreendido como aquele pelo qual o titular de um direito (de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória) pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Direito que pode ser acionado por qualquer cidadão, associações, entidades de classe e o Ministério Público (Parecer CEB 11/2000 e Art. 5º da LDB/96). 2) Educação como direito de todos, através da universalização do ensino fundamental e médio. A Constituição Federal de 1988 expressa ser dever do Estado a garantia do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria (art. 208) e a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental e a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio (Art. 4º). 3) Educação permanente, que considere as necessidades e incentive as potencialidades dos educandos; promova a autonomia dos jovens e adultos, para que sejam sujeitos da aprendizagem; educação vinculada ao mundo do trabalho e às práticas sociais; projeto pedagógico com flexibilidade curricular e conteúdos curriculares pautados em 3 princípios: contextualização, reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas (Parecer CEB 11/2000). De acordo com esses princípios, novas funções foram estabelecidas para a EJA: • Reparadora - ao reconhecer a igualdade humana de direitos e o acesso aos direitos civis, pela restauração de um direito negado; • Equalizadora - ao objetivar propor igualdade de oportunidades de acesso e permanência na escola e, 26 • Qualificadora - ao viabilizar a atualização permanente de conhecimentos e aprendizagens contínuas (Parecer CEB 11/2000). Dessa forma, o Parecer CEB nº 11/2000, além das novas formas de conceber a EJA, trouxe também a necessidade de contextualização do currículo e dos procedimentos pedagógicos e aconselha a formação específica dos educadores. Todas essas propostas buscariam a garantia do princípio da equidade, ou seja, a forma de garantir uma distribuição dos bens sociais, como uma educação de qualidade, de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. Por outro lado, o mesmo documento amplia o incentivo à atuação da iniciativa privada e da sociedade civil organizada no atendimento a EJA, diminuindo a atenção devida do governo à área, já que outras instâncias poderiam assumir a responsabilidade com a escolarização dessa parcela da população. Nos anos seguintes a 2003, Paiva (2009) continua descrevendo os novos cenários que começaram a se delinear para a EJA, com o surgimento de um governo popular que colocava a centralidade da educação de jovens e adultos como prioridade política. Esse objetivo começou a se consolidar em 2007, em termos de financiamento, garantindo uma fonte estável de recursos, com a extensão do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) a toda a educação básica, apesar de não haver isonomia na distribuição das verbas a cada modalidade de ensino. Desde então, novos programas federais vieram incentivar o desenvolvimento da EJA, tanto destacando a condição de jovens como repensando a compreensão da educação profissional integrada à escola básica. Mesmo diante de tais incentivos, os recursos ainda são restritos, os modelos repetidos são insuficientes, as ações 27 criadas pelas formas políticas são fragmentadas em vez de integradas e a questão da alfabetização sem garantia de escolarização, ou seja, com ênfase na alfabetização e reduzida atenção ao ensino fundamental e médio, tem resultado numa forma insuficiente para alterar o quadro da desigualdade e da exclusão do direito à educação. Em dezembro de 2009, realizou-se pela primeira vez na América Latina, em Belém, no Pará, a VI CONFINTEA. Tal conferência gerou como documento final O Marco de Ação de Belém, documento que estabelece as diretrizes internacionais que balizarão a educação de adultos até 2020 e expõe problemas e desafios a serem enfrentados. Define que a educação e a aprendizagem de adultos desempenham um papel crítico para o enfrentamento dos desafios culturais, sociais e políticos do mundo contemporâneo e aponta a necessidade de se colocar a educação de adultos em um contexto mais amplo do desenvolvimento sustentável. O conceito de educação de jovens e adultos passa a ser uma forma de acesso à cidadania, e não apenas como sistema de alfabetização. O texto também reconhece que as condições necessárias para que jovens e adultos estejam prontos a exercer os seus direitos à educação são as políticas efetivas de governança, financiamento, participação, inclusão, equidade e qualidade. 1.5 Perspectivas e dificuldades atuais Por mais que, avanços de nosso país em torno de políticas públicas e da participação em encontros nacionais e internacionais dedicados a educação de jovens e adultos tenham acontecido, outros aspectos precisam ser analisados e discutidos para que toda a ação pretendida se torne realidade. Para começar, podemos destacar a alta taxa de evasão que aflige a EJA. Analisando as causas desse fato, podemos ter alguns motivos, como sugere Martins (2007), como o uso de 28 material didático inadequado destinado a esse público, o conteúdo sem significado e sem relação com o cotidiano do aluno, as metodologias infantilizadas aplicadas por professores que não tiveram formação adequada, e os horários de aula que não respeitam a rotina de quem estuda e trabalha. Os dados do PNAD (2007) garantem uma visão mais ampla desse aspecto do abandono escolar. Assim, dentre as outras causas de evasão citadas anteriormente, podemos incluir também: a incompatibilidade do horário das aulas com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%), seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%), como citado anteriormente. Outros motivos que levaram à desistência dos estudos foram a incompatibilidade do horário das aulas com o dos afazeres domésticos (13,6%), a dificuldade de acompanhar o curso (13,6%), a inexistência de curso próximo à residência (5,5%), a inexistência de curso próximo ao local de trabalho (1,1%), falta de vaga (0,7%) e outro motivo (22,0%). Alguns fatores merecem uma análise mais criteriosa, como a organização curricular e a formação docente voltada para a EJA. Outro problema enfrentado pela EJA, historicamente, tem sido decorrente, de acordo com Oliveira: [...] da tendência predominante das propostas curriculares à fragmentação do conhecimento, e à organização do currículo numa perspectiva cientificista, excessivamente tecnicista e disciplinarista, que dificulta o estabelecimento de diálogo entre as experiências vividas, os saberes que os educandos trazem e os conteúdos escolares. São propostas curriculares organizadas do mesmo modo que aquelas destinadas a crianças, com objetivos de escolarização que desconsidera experiências, interesses e modos de estar no mundo dos jovens e adultos que buscam essa modalidade de ensino (OLIVEIRA, 2009, p.97). 29 Oliveira ressalta que, para superar esse entendimento formal e tecnicista de currículo, é preciso compreendê-lo como oriundo de múltiplos e singulares processos locais de tessitura cotidianos. É preciso superar a ilusão da homogeneidade dos sujeitos envolvidos, repensar a seleção de conteúdos, lembrando que não existem critérios que possam ser chamados de científicos na seleção de saberes escolares e a consequente proposição da organização curricular. É necessária uma reflexão. A partir da possibilidade da flexibilização curricular que a EJA proporciona e que vem expressa nos documentos legais, a resposta a essa reflexão pode estar na “seleção de conteúdos que reflitam a vida cotidiana, como meio para a autonomia do sujeito” (OLIVEIRA, 2007, p.11) e que no tocante ao ensino de Ciências possa contribuir na formação de um aluno crítico que saiba utilizar os conhecimentos científicos apreendidos para participar das decisões que envolvem seu cotidiano. A formação inicial e continuada do professor brasileiro também tem se configurado como mais uma dificuldade na EJA. A atividade do docente que lida com essa modalidade de ensino, na maioria das vezes, está mais voltada para lidar com um público formado por crianças e adolescentes de um ensino regular. Geralmente, nas universidades, as disciplinas voltadas para educação de jovens e adultos, se existem, são de caráter optativo. Por conseguinte, é comum encontrar pelos corredores e salas das escolas da EJA práticas que refletem o modelo tradicional de ensino, em que o professor continua sendo o detentor de conhecimentos e o aluno um mero receptor de informações, ao que Paulo Freire se referiria como “Educação bancária” (FREIRE, 2007, p.16). Diante dessa realidade, a formação continuada tornou-se muito importante neste contexto, pois ser professor da EJA requer especificidades para se trabalhar com esse público. O professor precisa compreender que esses educandos, conforme ressalta Martins (2007), já trazem para a sala de aula, experiências de 30 vida e possuem estratégias de sobrevivência na sociedade, buscando na escola apropriar-se do conhecimento e da tecnologia, da leitura e da escrita para fazerem sua leitura de mundo. O autor também sugere que o professor precisa desenvolver práticas pedagógicas que valorizem as diversas linguagens utilizadas pelos alunos e a autonomia que já possuem para resolver as questões práticas do dia-a-dia. A cultura popular, por sua vez, pode ser transformada em conteúdo didático, que é um dos fundamentos metodológicos da educação popular, defendida por Paulo Freire. Dessa maneira, a formação inicial e continuada de professores deve ser entendida como prioridade na educação de jovens e adultos dentro das universidades e nas políticas públicas de incentivo à qualificação docente. Como citado anteriormente, o Parecer CEB nº 11/2000 representa um avanço nesse sentido, pois estabelece que a formação desse profissional deva inserir, além das exigências formativas a qualquer professor(a), aquelas relativas à complexidade diferencial dessa modalidade. Infelizmente, muitas vezes, a realidade não condiz com o que a legislação preconiza, visto que, ainda hoje, os incentivos à qualificação docente são poucos e boa parte dos professores precisa enfrentar uma dupla jornada de trabalho em busca de melhores condições salariais, ficando sem tempo e sem condições financeiras para se qualificar ou buscar aprimorar sua prática. Como podemos perceber, as questões que envolvem a EJA são discussões antigas e ao mesmo tempo atuais, embora muitos avanços tenham acontecido, torna-se necessário um maior comprometimento e integração por parte do poder público na busca de políticas públicas mais efetivas, em qualificação e valorização docente para trabalhar com esse público e em propostas curriculares que contemplem a realidade da EJA. É preciso, antes de tudo, 31 acreditar que jovens e adultos são capazes de aprender por toda a vida, e que as mudanças nas políticas, na sociedade e nas tecnologias impõem aquisição e atualização constante de conhecimento por indivíduos de todas as idades, mas tais conhecimentos não terão sentido se não partirem de uma realidade concreta para os educandos e se não tiverem por objetivo serem seus instrumentos de leitura do mundo em busca da cidadania. 32 CAPÍTULO II - O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EJA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS 2.1 O Ensino Médio e a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias A LBDEN (BRASIL, 1996) estabeleceu o Ensino Médio como a etapa final da Educação Básica, passando a ter, desde então, a característica da terminalidade, o que significa assegurar a todos os cidadãos a oportunidade de consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental. De acordo com os PCN (BRASIL, 1999), o Ensino Médio deve buscar ao longo de seu decurso a formação da pessoa, com o objetivo de desenvolver valores e competências necessárias à sua integração na sociedade, também o aprimoramento do aluno como pessoa humana, incluindo sua formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, além disso, deve visar a preparação e orientação básica do aluno para a sua integração ao mundo do trabalho, o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos e, além de tudo, a compreensão dos fundamentos científicotecnológicos dos processos produtivos. As mudanças pelas quais a sociedade vem passando tem demandado uma nova abordagem de ensino que considere, tanto no desenvolvimento de competências básicas para o exercício da cidadania quanto para o desempenho de atividades profissionais, a capacidade de abstração, o desenvolvimento do pensamento sistêmico, a criatividade, a curiosidade e o saber buscar o conhecimento. Neste sentido, a proposta curricular instituída através do Parecer CEB nº 15/98, tem como diretrizes gerais e orientadoras as premissas apontadas pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer, 33 aprender a viver e aprender a ser. Tais premissas têm como significado respectivamente, considerar a importância de um aprendizado geral, privilegiar a aplicação da teoria na prática e enriquecer a vivência da ciência na tecnologia e destas no social, aprender a viver juntos, permitindo a realização de projetos comuns e por fim o compromisso da educação com o desenvolvimento total da pessoa. Outra proposta que a reforma curricular do Ensino Médio trouxe foi a divisão do conhecimento escolar em três áreas – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias para que haja uma maior facilidade entre áreas que compartilhem objetos de estudo e para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização dos conteúdos curriculares. 2.2 A Interdisciplinaridade e a Contextualização no Ensino Médio Atualmente, o conhecimento escolar ainda tem sido tratado de forma segmentada, com um enfoque meramente disciplinar, sem desenvolver a compreensão dos múltiplos conhecimentos que se interpenetram. Essa perspectiva precisa ser superada e um dos primeiros passos nesse sentido foi a divisão do conhecimento escolar por áreas, um incentivo à abordagem interdisciplinar. O termo interdisciplinaridade é definido por Fazenda (2002) como um neologismo, que nem sempre possui o mesmo significado e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma. A autora, fazendo uma revisão geral de algumas análises conceituais do termo, sugere a seguinte definição: “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os 34 especialistas e pelo grau de integração real entre as disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa” (FAZENDA apud JAPIASSÚ, 2002, p.25). A interdisciplinaridade não tem o objetivo de criar novas áreas ou saberes, mas o de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista (PCN, 1999). Justifica-se, sobretudo, pela necessidade de se reorganizar e reagrupar os âmbitos do saber para não perder a relevância e a significação dos problemas a deter, pesquisar, intervir e buscar soluções. Possibilita, também, a formação de um sujeito mais aberto, flexível, solidário, democrático e crítico. Mais além, reúne estudos complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de âmbito mais coletivo. E ainda, implica em uma vontade de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas em contato são por sua vez modificadas e passam a ser dependentes claramente uma das outras, sem no entanto, consistir numa desvalorização do conhecimento produzido por cada uma delas. Entre as diversas matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações e passa a existir um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas. Para Santomé (1998), o ensino baseado na interdisciplinaridade tem um grande poder estruturador, pois possibilita uma maior contextualização dos conteúdos e o estabelecimento de relações entre as disciplinas. A contextualização dos conteúdos curriculares, por sua vez, é um recurso que a escola tem para tirar o aluno da sua condição de expectador passivo, principalmente o aluno da EJA, tão cheio de vivências e que pode enriquecer muito o diálogo em sala de aula. Segundo os PCN (BRASIL, 1999), contextualizar significa assumir que todo conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto e no ambiente escolar o conhecimento é quase sempre produzido 35 nas situações originais nas quais acontece sua produção, por isso, torna-se necessário um processo de transposição didática, no qual ocorre a transformação do saber científico para a linguagem do saber a ser ensinado em sala de aula. O processo de transposição didática pode ser trabalhado com os alunos através de situações-problema que envolva suas vivências, fazendo com que busquem as soluções através de suas experiências, elevando com isso sua autoestima e estimulando uma maior participação. A interdisciplinaridade, apesar de ser um tema bastante atual e uma prerrogativa essencial dos PCN, encontra dificuldades em sua aplicação prática. Fazenda (2002) cita obstáculos epistemológicos, institucionais, culturais, metodológicos e também a questão da formação docente. A falta de um planejamento escolar, a falta de tempo, a falta de material didático e até de incentivos e de conhecimento dos professores, também acaba por dificultar a mínima interação entre disciplinas dentro do ambiente escolar. Lopes (2005), fazendo uma análise dos principais discursos curriculares na disciplina escolar Química, destaca também, que os próprios parâmetros apresentam contradições no que tange à abordagem interdisciplinar, visto que apresentam documentos sobre os conhecimentos de cada uma das áreas subdivididos de forma disciplinar. Relembra ainda, que os livros didáticos permanecem com a organização disciplinar. Portanto, materiais didáticos que trabalhem os conteúdos curriculares de forma interdisciplinar e contextualizada para o público da EJA, como o produto final sugerido nesta dissertação, são necessários. Há que se ressaltar ainda que, diante de todas as dificuldades frente à aplicação prática da interdisciplinaridade, este tipo de abordagem só se torna possível em um ambiente de colaboração no qual o trabalho em grupo prevaleça entre professores e a equipe escolar. 36 Nessa perspectiva, a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias têm como base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo e mantêm uma maior facilidade de comunicação. Os saberes disciplinares da Matemática, Física, Química e Biologia estão incluídos nessa área do conhecimento que tem por finalidade, de acordo com os PCN (BRASIL, 1999), compreender as Ciências da Natureza como construções humanas e a relação entre conhecimento científico-tecnológico e a vida social e produtiva. Os estudos na área devem levar em consideração a compreensão e a utilização dos conhecimentos científicos, para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar e avaliar ações de intervenção na realidade. A área foi denominada, não só como Ciências e Matemática, mas também de suas Tecnologias, com o objetivo de promover competências e habilidades que sirvam para o exercício de intervenções e julgamentos práticos. Isto significa, por exemplo, o entendimento de procedimentos e equipamentos técnicos, como obter e analisar informações, a avaliação de riscos e benefícios em processos tecnológicos, com um significado amplo para a cidadania e para a vida profissional. As competências e habilidades descritas nos PCN e que se pretende desenvolver em busca de uma formação efetiva, apresentam inter-relações com as outras duas áreas de conhecimento e podem ser subagrupadas neste sentido. Assim, juntam-se as competências e habilidades de caráter mais específico na categoria investigação e compreensão científica e tecnológica; aquelas que, de certa forma, se direcionam no sentido da representação e comunicação em Ciências e Tecnologia estão associadas a Linguagens e Códigos; e aquelas relacionadas com a contextualização sócio-cultural e histórica da ciência e da tecnologia se associam a Ciências Humanas. 37 Neste trabalho de dissertação, a abordagem interdisciplinar do tema Plantas Medicinais para a Química e a Biologia, busca privilegiar as competências e habilidades propostas anteriormente, que encontram inter-relações com as outras áreas do conhecimento, numa visão de formação ampla do estudante da EJA. Dessa forma, o livro digital proposto como produto final desta dissertação de mestrado profissional foi elaborado visando tais competências e habilidades. 2.3 O ensino de Ciências na EJA Ao longo de nossa história, os objetivos educacionais brasileiros refletiram a situação econômica e política de cada época, segundo Krasilchik (1987), tendo como resultado diferentes reformas curriculares. Com o ensino de Ciências não foi diferente e conforme os avanços da Ciência e Tecnologia aconteciam, ganhava espaço e importância a Ciência no aprendizado escolar. A autora faz um levantamento da evolução no ensino das Ciências no período 1950-1985 e traz alguns fatos que corroboram esta afirmação. De acordo com os relatos de Krasilchik (1987), no período de 1950-1960, por exemplo, o ensino das Ciências refletiu a situação do mundo ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Nos países que saíam de conflitos recentes, que apostaram em recursos bélicos para obter resultados, cientistas conquistavam uma posição de prestígio e exerciam grande influência no campo educacional. Assim, o desenvolvimento científico e tecnológico, aliados a industrialização, não puderam deixar de influenciar o currículo escolar. O Brasil passava também por uma fase de industrialização e a educação sentia a influência do desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, assim como no cenário mundial. O curso ginasial, propedêutico, tinha como objetivo, a formação de uma elite de cientistas que libertaria o país da dependência 38 estrangeira e levaria ao desenvolvimento científico e tecnológico. O ensino de Ciências era, como hoje, teórico, estimulava a memorização e a passividade. Na EJA, foi talvez nesse período, segundo Vilanova e Martins (2008), que ocorreu o primeiro, e talvez o principal distanciamento entre os campos desta modalidade e o ensino de Ciências. É na década de 1950 que o ensino de Ciências e a educação de jovens e adultos passam a ser considerados importantes para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e, também, a serem alvos de programas e reformas educacionais governamentais, mas apesar disso, o discurso sobre os objetivos do ensino de Ciências é declaradamente o da formação de elites, enquanto o da educação de jovens e adultos é aquele da alfabetização para a formação de mão-de-obra melhor qualificada. Krasilchik (1987) descreve ainda, o período de 1960-1970, marcado pela Guerra Fria, no qual mais uma vez, o contexto das transformações sociais e econômicas influenciou na estrutura curricular daquela época. Uma das importantes modificações na estrutura desse período, foi a incorporação de mais um objetivo – permitir a vivência do método científico como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais apenas à preparação do futuro cientista. Houve então, o início de um processo de democratização do ensino destinado ao homem comum que convivia com os produtos da Ciência e da Tecnologia, e precisava por sua vez do conhecimento, não de especialista, mas como cidadão. No Brasil, o sistema educacional, resistia às mudanças e os exames vestibulares continuavam a exigir conhecimentos ao nível de memorização apenas. O regime militar tinha a intenção de modernizar e desenvolver o país, assim o ensino de Ciências passou a ser valorizado como contribuinte da formação de mão-de-obra qualificada. 39 Acompanhando ainda o relato de Krasilchik (1987), o mundo, no período de 19701980, continuou sendo agitado por questões econômicas e políticas, sendo um dos principais sintomas desta situação. o processo de crise energética. Além disso, as agressões ao meio ambiente, decorrentes do processo de desenvolvimento industrial desenfreado, fizeram surgir mais um objetivo no ensino das Ciências: o de fazer com que os alunos discutissem também as implicações sociais do desenvolvimento científico. De acordo com Santos (2006), no final dos anos 70, em decorrência do agravamento desses problemas ambientais surgem propostas curriculares com ênfase nas inter-relações Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Dessa forma, a noção de que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia leva ao desenvolvimento social passa a ser questionada e, consequentemente, os objetivos do ensino de Ciências são revistos, com o intuito de responder a uma demanda por um ensino que contemple as questões e implicações sociais da ciência.. No cenário brasileiro, Krasilchik mostra a influência da lei nº 5.692/71, nas mudanças significativas do sistema educacional. A escola secundária deveria servir não mais a formação do futuro cientista ou do profissional liberal, mas principalmente do trabalhador, peça essencial para responder às demandas do desenvolvimento econômico do país. O ensino de Ciências passa a ter um caráter profissionalizante. O texto da lei, apesar de valorizar as disciplinas científicas, acabou por atingi-las profundamente, pois o currículo foi atravancado por disciplinas chamadas instrumentais ou profissionalizantes, que teve como resultado a fragmentação das disciplinas científicas, sem que isso significasse benefício na formação profissional. Os “cursinhos” preparatórios aos exames vestibulares começaram a se ampliar, reforçando a característica da preocupação com a transmissão de conteúdos. Outra dificuldade desse período, foram os cursos de formação de professores que colocavam no mercado, 40 profissionais despreparados, que dependiam, muitas vezes, de livros-texto, em sua maioria de má qualidade, e contavam com péssimas condições de trabalho. Na década de 80 surge um novo contexto de democratização do acesso ao conhecimento científico e países membros da Unesco firmam um compromisso internacional lançando o movimento “Ciências para todos” (CAZELLI e FRANCO, 2001 apud VILANOVA e MARTINS, 2008, p.336) cujo desafio consistia em pensar um currículo que considerasse as problemáticas do ensino de Ciências e buscasse tornar os educandos cientificamente alfabetizados. Tal movimento relacionava o ensino de Ciências à vida diária e à experiência dos estudantes englobando as relações estreitas entre problemas éticos, religiosos, ideológicos, culturais, étnicos e as relações com o mundo interligado por sistemas de comunicação e tecnologias cada vez mais eficientes com benefícios e riscos no globalizado mundo atual (KRASILCHIK, 2000). A partir de então, com a promulgação da LDB de 1996, a educação brasileira visa formar o cidadão-trabalhador e o com a publicação dos PCN, que trazem recomendações para o desenvolvimento de currículos em âmbito nacional, o ensino de Ciências busca tornar o aluno alfabetizado cientificamente. Ser alfabetizado cientificamente para Chassot (2003, p. 91) significa “saber ler a linguagem em que está escrita a natureza”, uma vez que considera que a Ciência deva ser vista como uma linguagem. “É um analfabeto científico aquele incapaz de uma leitura do universo”. “Essa leitura, ajuda a entender o mundo em que vivemos e fazer parte dele, contribuindo assim para a inclusão social” (CHASSOT, 2003, p. 93). Segundo outros autores, a alfabetização científica tem como definição : [...] um indivíduo cientificamente alfabetizado caracteriza-se por entender as inter-relações entre ciência e sociedade, a ética que rege a produção 41 científica, a natureza da ciência, as diferenças entre ciência e tecnologia, conceitos básicos da ciência e as inter-relações entre a ciência e as humanidades. Neste sentido, o indivíduo letrado cientificamente seria capaz de desenvolver habilidades que o permitiriam utilizar conceitos científicos para a tomada de decisões responsáveis sobre sua própria vida (LAUGKSCH, 2000 apud VILANOVA e MARTINS, 2008, p.336). W. Santos (2007) em seu artigo “Educação científica na perspectiva de letramento como prática social” faz uma revisão de estudos desenvolvidos no âmbito da educação em ciências, buscando contribuir com reflexões sobre as suas diferentes funções. O autor destaca a expressão “letramento científico” no sentido da prática social e faz um paralelo com a alfabetização científica. O autor define a alfabetização científica como um processo mais simples do domínio da linguagem científica, enquanto o letramento, além desse domínio, exige o da prática social, buscando enfatizar o uso social da educação científica. De uma forma mais ampla, W. Santos conceitua letramento científico no sentido da prática social como: [...] um cidadão letrado não apenas sabe ler o vocabulário científico, mas é capaz de conversar, discutir, ler e escrever coerentemente em um contexto não-técnico, mas de forma significativa. Isso envolve a compreensão do impacto da ciência e da tecnologia sobre a sociedade em uma dimensão voltada para a compreensão pública da ciência dentro do propósito da educação básica de formação para a cidadania. (SANTOS & SCHNETZLER, 1997 apud W. SANTOS, 2007, p.479). Considerando tanto a alfabetização científica ou letramento científico, há um consenso de que o aprendizado em Ciências deve ser um instrumento que possibilite ao aluno, exercer sua cidadania, além de possibilitar a percepção da influência nítida da ciência e da tecnologia na sociedade em que está inserido. 42 Assim, no cenário atual, a alfabetização científica representa um dos principais objetivos do ensino de Ciências. Os currículos ganham a preocupação de relacionar questões de ciência, tecnologia e sociedade, retomando a proposta iniciada no final dos anos 70, da ênfase curricular em CTS, como citado anteriormente, e muitos trabalhos acadêmicos são publicados nesse sentido. Esses currículos elaborados a partir da preocupação com a alfabetização científica, diferenciam-se significativamente dos convencionais, à medida que, conforme Santos e Mortimer (2000) ressaltam, se preocupam mais com a formação de atitudes e valores, sendo assim, são organizados em temas e valorizam a opinião dos estudantes, ao contrário dos extensos programas tradicionalmente oferecidos. Com o objetivo de avançar rumo ao ensino de Ciências nesta perspectiva, alguns pontos importantes também devem ser considerados. Um deles, de acordo com Machado e Mortimer, seria valorizar o pensamento dos alunos na busca da construção do conhecimento, pois para os autores: “o conhecimento não é transmitido, mas construído ativamente pelos indivíduos; aquilo que o sujeito já sabe influencia na sua aprendizagem” (MORTIMER e MACHADO, 2007, p.22), passo importante, principalmente na EJA na qual os alunos possuem uma enorme gama de experiências e saberes que devem ser valorizados pelo professor. Outros pontos importantes também citados por Mortimer são: Propor um ensino que prepare o cidadão para participar do debate e da tomada de decisões na sociedade sobre problemas sociais, ambientais, políticos e econômicos que envolvam a ciência e a tecnologia. O aluno deve ser capaz de interpretar textos e informações científicas divulgadas pela mídia e de usar o conhecimento científico na sua vida diária. Propor um ensino em que o aluno aprenda não só os conceitos científicos, mas também como funciona a ciência e como os cientistas procedem para 43 investigar, produzir e divulgar conhecimentos. A história da ciência desempenha papel importante para ajudar o aluno a entender a natureza do conhecimento científico, ao mostrar que a atividade científica faz parte da atividade humana (MORTIMER, p.7 2006) Contudo, o autor continua ressaltando a necessidade de se considerar, que nas aulas de ciências, as concepções trazidas pelos alunos podem ser diferentes daquelas cientificamente aceitas, e isso pode interferir na aprendizagem dos conceitos científicos, ou seja, o que é considerado senso comum, muitas vezes entra em conflito com o saber científico. Para o jovem e em especial para o adulto, essa é uma situação bastante comum, diante do aprendizado pessoal que herdam do grupo social em que estão inseridos. Esse processo pode dificultar ainda mais a internalização por parte desses estudantes dos modelos explicativos da ciência e de sua aplicação de forma correta. Outro ponto importante a ser alcançado é trabalhar com um currículo escolar no qual os conteúdos sejam permeados pela interdisciplinaridade e contextualização, o que pode representar uma aprendizagem mais significativa para o público jovem e adulto, a medida em que as disciplinas científicas mantêm uma estreita relação e a contextualização torna a linguagem científica muito mais acessível. Apesar de tudo, essa ainda é uma realidade um tanto distante da maioria das salas de aulas brasileiras, mormente na EJA, que ainda apresenta muitos desafios, como veremos mais adiante. Diante da breve retrospectiva descrita sobre os objetivos da educação brasileira e do ensino de Ciências ao longo dos anos, podemos constatar avanços e retrocessos que se relacionavam com o contexto político e econômico do país ou do mundo. No que tange a 44 EJA, há que se destacar alguns avanços: a educação para os jovens e adultos já não visa mais a alfabetização para formação de mão-de-obra melhor qualificada, visa formar o cidadãotrabalhador, como proposto na LDB em 1996. Além de tudo, de acordo com Vilanova e Martins (2008), a tendência das últimas décadas dessa modalidade de ensino tem sido buscar se configurar como um campo pedagógico comprometido com o desenvolvimento de reflexões críticas sobre suas necessidades e objetivos. No entanto, os entraves no desenvolvimento de uma educação cientifica de qualidade na EJA parecem superar os avanços citados na teoria. Na busca da alfabetização científica ou mesmo do letramento científico como prática social, o ensino de Ciências na EJA precisa transpor vários desafios. O aluno da EJA precisa, não apenas estar ciente dos impactos do desenvolvimento da ciência e da tecnologia e dominar a linguagem científica, mas saber utilizá-la de modo a expressar suas opiniões, tomar decisões e fazer o uso social desta linguagem para poder exercer sua cidadania. No que tange ao ensino da disciplina Ciências, Vilanova e Martins (2008) ressaltam que poucos esforços vêm sendo feitos no sentido de explicitar ou discutir os contornos e especificidades neste campo pedagógico. Reiteram também, que trabalhos desenvolvidos junto a estudantes jovens e adultos são praticamente inexistentes na literatura do campo da Educação em Ciências e mesmo trabalhos que investigam concepções de professores, leituras realizadas por alunos e interações discursivas nesta modalidade de ensino, não problematizam sua natureza, suas especificidades e questões. O reduzido número de trabalhos acadêmicos voltados exclusivamente para o ensino de Ciências na EJA, são citados pelas autoras como exemplo explícito deste cenário: no Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências (V ENPEC) dos 731 trabalhos inscritos, apenas três eram referentes ao tema Educação em 45 Ciências na EJA. No VI ENPEC, em 2007, o quadro se manteve semelhante: dos 601 trabalhos apresentados apenas 12 se referiam à EJA e no VII ENPEC (2009), do total de 798 trabalhos aceitos, somente 9 tiveram relação com o tema EJA. Fazendo uma breve análise dos trabalhos apresentados nos dois últimos encontros, podemos concluir que não há uma padronização de temas. Alguns dos trabalhos aceitos, guardam relação com o tema desta dissertação. O ensino de Química e de Biologia são citados em diferentes trabalhos, porém de forma isolada, sem abordagem interdisciplinar. A interdisciplinaridade por sua vez, é citada em um único trabalho denominado “Trabalhando textos em turmas de EJA do ensino médio: abordagens interdisciplinares como estratégias de ensino de matemática e física visando melhorar a questão do numeramento” (Lozada et. al 2007). O educador Paulo Freire, tema também presente nesta dissertação foi citado em dois trabalhos, um deles denominado “Articulações entre o pressuposto do Educador Paulo Freire e o movimento CTS: enfrentando desafios no contexto da EJA” (Muenchen e Auler 2007), no qual são apresentados desafios a serem enfrentados no âmbito de intervenções curriculares balizadas por uma aproximação entre pressupostos do educador Paulo Freire e referenciais ligados ao denominado movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). Já o outro trabalho em que Paulo Freire é citado chamase “Chico Bento, Henry Giroux e Paulo Freire: reflexões sobre a Ciência ensinada na escola” (Bueno e Oliveira, 2007), em que uma história em quadrinhos do personagem Chico Bento criado por Maurício de Souza é tomada por base com o objetivo de contribuir para a discussão entre a validade dos saberes e as relações entre conhecimentos e saberes de senso comum, científicos e escolares. Diante disso, os poucos trabalhos relacionados à EJA apresentados no ENPEC, demonstram mais uma vez uma certa desvantagem desta modalidade de ensino em relação às 46 outras e como consequência desta realidade, as questões que dizem respeito aos objetivos e às formas de abordar temas relacionados às ciências naturais junto a grupos de estudantes jovens e adultos permanecem obscuras. Vilanova e Martins (2008) destacam ainda, outros pontos que também têm se constituído em desafios nesta área de ensino na EJA: a baixa frequência de discussão acerca da educação em ciências para jovens e adultos em documentos oficiais, a escassez de profissionais especializados e de literatura direcionada ao ensino de Ciências. Além de tudo, as autoras também afirmam que os materiais existentes e as metodologias de ensino são, em sua maioria, adaptações criadas para atender aos objetivos do ensino regular. Em se tratando de materiais didáticos, a produção de livros voltados exclusivamente para a EJA no Ensino Médio também se constitui em mais um obstáculo. Na maioria das vezes, são utilizadas apostilas que resultam de cópias de partes de livros didáticos voltados para o ensino regular. Recentemente, o governo federal instituiu o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos, PNDL-EJA (MEC, 2010), mas o programa contempla apenas os primeiros e segundos segmentos dessa modalidade de ensino. No Ensino Médio, contudo, ocorre uma grande dificuldade em se trabalhar com obras voltadas exclusivamente a esse público. No que tange ao ensino de Química e Biologia, a oferta é praticamente nula. Um exemplo ilustrativo desta situação ocorreu no Distrito Federal. A Secretaria de Educação, em novembro de 2010, divulgou a seguinte notícia (SEDF, 2010): “Para garantir qualidade do ensino, professores da rede pedem modificações nas edições adquiridas no início deste ano pela SEDF: a Secretaria de Educação do Distrito Federal recolherá cerca de 30 mil livros de Física e Biologia que foram comprados no início deste ano, especificamente, para estudantes da Educação de Jovens e Adultos – EJA. Depois de passarem por uma avaliação de um grupo de professores da rede pública, especialistas em 47 cada um dos componentes curriculares, os livros serão devolvidos à editora para serem revistos, atualizados ou reeditados”. Diante do exposto, a carência de documentos legais que orientem a abordagem do ensino de Ciências para a EJA, assim como a falta de materiais didáticos incluindo livros especializado, a especialização do corpo docente para lidar com esse público e o reduzido número de publicações acadêmicas voltadas a esse assunto, são fatos reais desta modalidade de ensino que atravancam ainda mais seu desenvolvimento e demonstram a necessidade de maiores investimentos na área. 2.4 O ensino de Química e Biologia na EJA Como o produto final desta dissertação tem por objeto de estudo a abordagem interdisciplinar do tema Plantas Medicinais para a Química e a Biologia, convém destacarmos as principais características das duas áreas de ensino e relacioná-las à EJA. O ensino de Biologia e Química de forma geral que temos presenciado, na maioria das vezes, tem sido um ensino conteudista, tratado de maneira repetitiva e descontextualizada, marcado por uma enorme quantidade de informações que precisam ser memorizadas pelos alunos, apesar de não fazerem o menor sentido para sua vivência pessoal. São fórmulas, conceitos, classificações e nomenclaturas que não costumam fazer parte do cotidiano dos estudantes. A Química e a Biologia são ciências muito presentes em nosso dia-a-dia e tem em comum principalmente, a investigação sobre a natureza e o desenvolvimento tecnológico. 48 O objeto de estudo da Biologia é a vida em toda sua diversidade de manifestações. A vida se caracteriza por um conjunto de processos químicos desde o nível celular até o nível de um indivíduo ou de um organismo em seu meio e até mesmo da interação entre indivíduos. A Química, por sua vez, tem por objeto de investigação as propriedades, a constituição e as transformações dos materiais e das substâncias. Desse modo, as transformações e reações da Química estão presentes nesse fenômeno chamado vida, o objeto de estudo da Biologia, por isso as duas ciências mantêm uma estreita relação, uma auxiliando a outra a explicar ou entender a diversidade de fenômenos que envolvem os seres vivos. Para entender a Biologia vários conhecimentos químicos são necessários. No processo de fotossíntese, no metabolismo celular, na digestão entre outros temas há a necessidade de uma base química. Um organismo vivo pode ser definido como uma máquina química, no qual ocorrem reações necessárias à manutenção da vida e mesmo na interação entre dois ou mais seres vivos, as reações continuam a manter o equilíbrio vital para a existência. Diante da matéria inanimada, a química das substâncias continua a manter relação com seres vivos, pois nosso corpo necessita de água e sais minerais. O homem, ao entender e utilizar os conhecimentos químicos a seu favor, acaba por desenvolver novas tecnologias que podem melhorar a vida, gerando novos materiais como medicamentos, alimentos, materiais de construção, papéis, combustíveis, lubrificantes e etc. De modo contrário, também pode gerar resíduos químicos, poluentes, lixo e até mesmo armas nucleares que podem ser prejudiciais a uma população inteira. Em suma, se observarmos atentamente, a Biologia e a Química estão constantemente ao nosso redor, fazem parte do nosso dia-a-dia. Então, qual seria a razão de tantas dificuldades numa abordagem interdisciplinar e no processo de contextualização dos conteúdos curriculares 49 dessas disciplinas? Certamente, a metodologia, o currículo e a estrutura escolar que temos adotado não seriam o ideal na superação dessas dificuldades. Lopes e Abreu (2010) fazendo uma análise do discurso da interdisciplinaridade no ensino de Química, concluem que não há uma valorização pela própria comunidade disciplinar de uma maior integração entre disciplinas. Defendem que há sim, uma preocupação maior na crítica ao currículo tradicional, aos conteúdos e métodos utilizados do que a falta de integração disciplinar. Cria-se então, uma certa contradição entre o discurso dos documentos oficiais que preconizam a interdisciplinaridade e os objetivos da comunidade de ensino de Ciências mais preocupadas em integrar o saber científico ao saber prévio ou cotidiano dos alunos, o que pode contribuir para diminuir a oferta de projetos ou publicações que utilizam uma abordagem interdisciplinar na área de ciências da natureza. Tal processo pode se tornar mais um desafio ao professor, que muitas vezes teve uma formação deficitária, a superar a visão fragmentada dos conteúdos curriculares. Além das causas citadas anteriormente como a escassez de materiais didáticos, a formação do professor, a ausência de documentos legais que norteiem o ensino de Ciências na EJA entre outros, o que se torna essencial perceber é que um ensino com a responsabilidade de formar cidadãos vai muito além do estudo de conteúdos fragmentados, que bordam apenas aspectos teóricos não contextualizados. O mundo atual exige que o estudante se posicione, julgue e tome decisões baseadas em conhecimentos que adquire também no ambiente escolar. Por isso, ele precisa sentir a necessidade, a utilidade e a importância de aprender Química e Biologia como algo que faz parte de sua realidade, que independente do estado socioeconômico, está diretamente relacionada com sua vida e seu trabalho. 50 2.4.1 O ensino de Química na EJA A Química pode ser entendida como “uma forma de pensar e falar sobre o mundo, que pode ajudar o cidadão a participar da sociedade industrializada e globalizada, na qual a ciência e a tecnologia desempenham um papel cada vez mais importante” (MORTIMER, p. 7, 2006). Todavia, o ensino de Química que temos observado tanto na educação básica, assim como na maioria das outras ciências, continua sendo baseado num conhecimento essencialmente acadêmico, com um número enorme de conteúdos a desenvolver, permeados por detalhes desnecessários. Chassot (2004) apud Ribeiro e Melo classifica esse tipo de ensino como avaliado de uma maneira ferreteadora, ou seja, uma avaliação que tem por objetivo prejudicar o estudante. Os professores se veem obrigados a acelerar suas aulas para “dar conta” do conteúdo e o aluno recebe um amontoado de informações de forma passiva. Todo esse contexto vivenciado se contrapõe ao proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais Complementares: [...] a Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade. (BRASIL, 2002, p.87): Na EJA encontramos também, além de tudo, a falta de materiais didáticos exclusivamente destinados a esse público. Conforme destaca Martins: Os materiais didáticos do Ensino de Química na EJA não são elaborados e direcionados para o público da EJA. Consequentemente, esses materiais não 51 levam em conta o contexto dos estudantes, pois a forma como os conteúdos são apresentados acaba influenciando apenas o uso da memorização como ponto de partida para a aprendizagem, não permitindo qualquer vínculo com a realidade do educando. (MARTINS, p. 14, 2007) Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais Complementares (BRASIL, 2002), a compreensão dos processos químicos em si e a construção de um conhecimento químico em estreita ligação com o meio cultural e natural, em todas as suas dimensões, com implicações ambientais, sociais, econômicas, ético-políticas, científicas e tecnológicas deveriam ser os principais objetivos a serem atingidos em um ensino de Química preocupado com a formação ampla de cidadãos. Como podemos perceber, tanto os PCN quanto pesquisadores em Educação Química como Mortimer, ressaltam a importância do conhecimento químico para a vida em sociedade. A sociedade e seus cidadãos interagem com esse conhecimento por diferentes meios. Através da mídia, informações por vezes, superficiais, errôneas ou extremamente técnicas são veiculadas e acabam por contribuir cada vez mais para transformar a Química em uma grande vilã, desconsiderando seus importantes papéis no controle de fonte poluidoras, na melhoria de processos industriais, na indústria alimentícia e na produção de medicamentos. Através da cultura popular, a tradição cultural difunde saberes fundamentados em um ponto de vista químico, científico ou baseado em crenças populares. No caso das plantas consideradas medicinais, existe um ponto de contato entre saberes, pois as ações terapêuticas popularmente difundidas são, na maioria das vezes, justificadas por fundamentos químicos. O tema desta dissertação, “Plantas Medicinais na Educação de Jovens e Adultos: uma Proposta Interdisciplinar para a Biologia e Química”, foi escolhido também por esse motivo: o contato 52 do saber popular tradicional baseado em seus fundamentos químicos, ou o conhecimento científico. Muitas plantas já têm sua ação terapêutica confirmada através de pesquisas científicas, mas a maioria teve como ponto de difusão desse conhecimento, a cultura popular da qual muitos jovens e adultos são detentores. Na EJA, de acordo com a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, os objetivos a serem atingidos no ensino de Química são praticamente os mesmos do Ensino Médio regular: [...] deve possibilitar uma aprendizagem significativa, na qual os conceitos científicos assimilados auxiliarão a interpretar e a interagir com as realidades, ou seja, a preparar o indivíduo para o mundo do trabalho. Tais intervenções o levarão a atuações mais efetivas no meio social, ao fortalecimento de sentimentos de solidariedade e, consequentemente, a uma melhoria na qualidade de vida. (SEEDUC/RJ, p. 106, 2006) Mediante os obstáculos enfrentados pelo ensino de Química e os objetivos a serem atingidos em busca de uma educação química com importância social, torna-se interessante apresentar algumas propostas alternativas ou novas perspectivas para essa área de ensino. Schenetzler (2010) no capítulo “Apontamentos sobre a História do Ensino de Química no Brasil” do livro “Ensino de Química em Foco” faz uma análise de trabalhos, ações e encontrados voltados para a Educação Química nos últimos anos e cita os esforços de uma comunidade de educadores químicos empenhados em superar o modelo tradicional de ensino que tem afastado tanto os discentes da educação básica como diminuído a procura por cursos de licenciatura em Química. Nessa perspectiva, a autora cita algumas mudanças que têm sido sugeridas nas novas abordagens do ensino de Química. Uma delas é a de que o professor seja o mediador do conhecimento químico. Para isso é necessário que algumas decisões 53 pedagógicas sejam tomadas, como ao invés de procurar “dar conta” de todos os conteúdos presentes nos livros didáticos tradicionais, selecionar e organizar conteúdos que sejam fundamentais para abordar a identidade e a importância da Química, ou seja, mesmo que se ensinem poucos conteúdos, mas uma vez bem ensinados, se tornem fundamentais. Outra característica dessas novas abordagens alternativas, também citadas pela autora: [...] é a de explorar a constituição, propriedades e transformações de substâncias e materiais, contemplando os três níveis de conhecimentos químicos, a saber: fenomenológico, que é caracterizado por observações, passível de descrições, quantificações e determinações; o representacional, que trata da linguagem da Química, com seus símbolos, fórmulas e equações, e o teórico-conceitual, com teorias e modelos que permitem interpretar e prever os fenômenos com os quais nos defrontamos ou dos quais dependemos. Articulações entre esses três níveis de conhecimento são tão importantes para o Ensino de Química que vários pesquisadores da área reafirmam [...]: “se um aluno não consegue interpretar um conceito em termos teórico-conceituais, então esse aluno não aprendeu Química” (SCHENETZLER, 2010, p. 66). Schenetzler também destaca a importância do processo de contextualização dos conteúdos, evidenciando dessa forma, que o conhecimento químico mantém estreita relação com a vida humana, cujas aplicações e implicações sociais, tecnológicas, econômicas e ambientais precisam ser analisadas em sala de aula. Nessa nova perspectiva do ensino de Química há um apelo maior pela dialogicidade, isto é, pela negociação de significados, por trocas, por interações discursivas que trazem uma maior aproximação entre professor e aluno e entre aluno e aluno. Isso implica na valorização do pensamento do aluno pelo professor e em aceitar que o conhecimento é construído ativamente por meio de mediações do docente e que estes saberes prévios influenciam em novas aprendizagens. 54 Mais uma característica importante também citada pela autora é a importância das aulas experimentais, não mais como meras demonstrações ou confirmações de conteúdos previamente ensinados, mas como fontes de investigação, de elaboração e testagem de hipóteses, de busca de interpretação por parte dos alunos, configurando uma relação epistemológica mais contemporânea entre teoria e experimentação no Ensino de Química. Partindo desse pressuposto, Schenetzler (2010) ressalta que a Ciência deixa de ser vista como inquestionável, exata, mas passa a ser concebida como construção humana, sujeita a influência de fatores sociais, econômicos e culturais, tendo portanto compromisso social com a formação de cidadãos. Dessa maneira, a autora finaliza, afirmando que a visão que se tem nas abordagens alternativas do ensino de Química, não é mais a preparação para enfrentar o vestibular e sim contribuir para a formação social e cultural do aluno, bem como para a constituição de seu pensamento abstrato. 2.4.2 O ensino de Biologia na EJA O ensino de Biologia tem sido marcado por certa dicotomia: preparar alunos para exames como vestibular, com uma enorme quantidade de conteúdos, e a diversidade de assuntos que surgem na mídia através de jornais, revistas e Internet e que representam o rápido avanço tecnológico pelo qual nossa sociedade vem passando. Isto tem representado um grande desafio para os educadores que tem o objetivo de alfabetizar cientificamente seu alunado. Constantemente, surgem notícias sobre assuntos como a genética, meio ambiente, zoologia, fisiologia e tantos outros que exigem do docente a constante atualização, além de achar necessário repassar ao aluno todo o conteúdo estabelecido no currículo do ensino de Biologia como forma de preparação aos exames vestibulares. Segundo as Orientações 55 Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006a), esse tipo de abordagem, pautada pela memorização de denominações e conceitos e pela reprodução de regras e de processos – como se a natureza e seus fenômenos fossem sempre repetitivos e idênticos – contribui apenas para a descaracterização dessa disciplina enquanto ciência que deveria ter uma preocupação maior com os diversos aspectos da vida no planeta e com a formação de uma visão do homem sobre si próprio e de seu papel no mundo. Nesse sentido, esse ensino apresenta alguns desafios: um deles seria possibilitar ao aluno a participação nos debates contemporâneos que exigem conhecimento biológico. Outro desafio que mantém relação estreita com o anterior, como já citado, é a quantidade de informações veiculadas na mídia em torno de conceitos biológicos. A população está sujeita constantemente a matérias, propagandas e campanhas comerciais sobre assuntos como os alimentos transgênicos, clonagem, reprodução assistida, impactos ambientais, sexualidade, alimentação e etc., e apesar da grande variedade de informações, se sente pouco confiante para opinar sobre esses temas polêmicos e que podem interferir diretamente em suas condições de vida. O ensino de Biologia deveria nortear o posicionamento do aluno frente a essas questões e contribuir para a formação de um indivíduo com sólidos conhecimentos na área e com raciocínio crítico. Convém acrescentar ainda, que apesar de a Biologia fazer parte do dia-a-dia da população, o ensino dessa disciplina encontra-se distanciado da realidade e o aluno não consegue relacionar o que é estudado e seu cotidiano, impossibilitando-o de estabelecer relações inclusive entre a produção científica e seu contexto. No ensino de Biologia, a falta de materiais didáticos destinados exclusivamente ao público da EJA também é uma realidade. 56 As Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006a) ressaltam que para enfrentar tais desafios e contradições, o ensino de Biologia deveria se pautar também pelo conceito da alfabetização científica, já citado anteriormente. Nessas orientações o conceito é dividido em três dimensões: a aquisição de um vocabulário básico de conceitos científicos; a compreensão da natureza do método científico e a compreensão sobre o impacto da ciência e da tecnologia sobre os indivíduos e a sociedade. No que tange a EJA, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, as propostas de trabalho em Biologia são semelhante às citadas para o Ensino Médio regular: Os conteúdos devem, portanto, ser apresentados e desenvolvidos com a finalidade de tornar os alunos competentes para analisar o mundo que os cerca, interpretar criteriosamente as informações divulgadas pelos meios de comunicação de massa, identificando o que é relevante e pertinente, condição indispensável para o exercício consciente e responsável da cidadania. (SEEDUC/RJ, p. 92, 2006): Como podemos perceber, existem contradições entre a teoria contida nos documentos norteadores e a prática diária do ensino de Biologia nas salas de aula. Cabe então, apresentar algumas perspectivas do ensino de Biologia necessárias no sentido de aliar a teoria e a prática na busca por uma educação significativa. Krasilchik (2008) em seu livro “Prática de Ensino de Biologia” traz alguns questionamentos necessários em busca de novas perspectivas nessa área de ensino, como por exemplo: “Como será a escola do futuro”? “E o ensino de biologia nessa escola”? “O que se deve mudar no atual ensino de Biologia”? Assim, a autora cita inicialmente a necessidade de mudanças no sistema educacional, mostrando que apesar da oferta do número de vagas nas escolas públicas terem crescido, a qualidade do ensino não acompanhou essa demanda, consequentemente, o público com maior poder aquisitivo migra 57 para as escolas particulares que, por sua vez, mantém a cultura da preparação ao vestibular. Cita também problemas na utilização do livro didático, na falta de apoio para aulas práticas, a dificuldade de atualização docente e a inadequação da estrutura curricular. Diante disso, são sugeridas outras mudanças para o ensino de Biologia em uma nova perspectiva como a necessidade de enfoque naturalístico dos conteúdos. Ao invés da preocupação maior em decorar fórmulas químicas ou matemáticas, que o aluno perceba que a observação de organismos em seus habitats, de seus hábitos alimentares e de comportamento também é um componente importante como atividade científica relevante. Krasilchik (2008), continua acrescentando que outra mudança necessária seria a análise dos processos científicos da medicina e da Biologia sob a luz da bioética. Tal análise deveria revelar uma maior preocupação moral com temas polêmicos como o da eutanásia, do controle da natalidade, da eugenia, do aborto, do uso de drogas e etc. Para a autora, geralmente, os professores são estimulados pelos alunos a emitir opiniões e discutir esses problemas, mas o ideal seria que tomasse a iniciativa de auxiliar os alunos a identificar questões para discutir em classe, tomando conhecimento do que é um problema ético, e em seguida, examinar formas alternativas de análise, observando princípios, regras e direitos alternativos. Além das perspectivas para o ensino de Biologia, seria interessante perceber quais as tendências que têm sido encontradas no ensino de Biologia em nosso país. Borges e Valderez (2007) fizeram uma análise dos trabalhos apresentados no I Encontro Nacional de Ensino de Biologia (I ENEBIO), realizado em 2005. As autoras analisaram cento e dezoito resumos e no que tange as metodologias mais utilizadas, as atividades extraclasse foram as mais citadas (28), seguidas de atividades práticas (26), jogos em sala de aula (17), atividades envolvendo leitura e escrita (16), projetos de trabalho (12), propostas interdisciplinares (9) e outros (10) 58 (temas diversos, cada um com apenas uma ocorrência na lista de trabalhos) – ideias prévias, analogia, mapas conceituais, planejamento didático, oficinas, atividade de observação, construção de tabelas, uso de Internet, confecção de mural, formas alternativas de trabalho. Nessa análise, as Borges e Valderez relatam importantes constatações. Afirmam que houve um avanço em relação às formas de trabalho predominantes em décadas anteriores, à medida que, a utilização de estratégias didáticas como as apresentadas nos trabalhos inscritos, dão relevo ao diálogo entre teoria e prática, incentivando o aluno a ser protagonista de sua aprendizagem e exigindo dele autoria de textos e ideias. Constatam também que, mais uma vez, havia um baixo número de trabalhos envolvendo a EJA. Chama a atenção também, o reduzido número de propostas interdisciplinares, ou seja, menos de 10% dos trabalhos apresentados. Apesar dos esforços, novamente evidencia-se a necessidade de propostas didáticas exclusivas para a EJA, assim como uma maior oferta de propostas interdisciplinares. 59 CAPÍTULO III - O TEMA PLANTAS MEDICINAIS E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO NA PESQUISA 3.1 A escolha do tema A escolha do tema Plantas Medicinais para uma abordagem didática tem relação com minha formação como bióloga. Durante a graduação, participei de um grupo de pesquisa em fitoterápicos como bolsista de iniciação científica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O grupo do departamento de bioquímica pesquisava os efeitos terapêuticos de algumas plantas como a carqueja, o chapéu de couro, a sucupira, e a semente de jaca. Meu projeto de pesquisa avaliava o efeito do tratamento oral com extrato oleoso de Pterodon pubescens, conhecida popularmente como sucupira, na resposta imune de camundongos tratados com diferentes doses de extrato da planta. A sabedoria popular foi utilizada como ponto de partida para o desenvolvimento da pesquisa, pois a semente de sucupira é popularmente conhecida pelo seu efeito no tratamento da artrite. O resultado demonstrou que a sucupira atua na diminuição da produção de anticorpos, um dos principais problemas da artrite reumatóide, a qual é caracterizada por reação inflamatória nas articulações e alterações na resposta imunológica 3. Foi assim que conheci os estudos sobre efeitos terapêuticos de plantas e assim também que transmiti o conhecimento aprendido em minha pesquisa aos meus familiares. Minha família, que já possuía conhecimentos a cerca de certas plantas medicinais, pode então associar o referencial científico à sabedoria popular. Esse tipo de sabedoria parece ser comum na população brasileira que em grande parte, tem dificuldade de acesso ao sistema público de saúde e a medicamentos industrializados. Em contrapartida, o uso deste tipo de 3 O trabalho foi apresentado na XII Semana de Iniciação Científica da UERJ (CAVAGLIER et al., 2003). 60 terapia tem crescido também entre as pessoas de maior poder aquisitivo, na busca por opções terapêuticas mais saudáveis. Os jovens e adultos da EJA, com os quais trabalho, parecem vivenciar esta realidade, na qual muitas vezes, em casos de doenças de baixa gravidade, preferem usar a medicina popular a utilizar as unidades de saúde pública. Com o objetivo de constatar este fato e verificar a importância e a relevância do tema Plantas Medicinais para os alunos da EJA, realizei com meus alunos uma atividade denominada “Oficina de chás: o conhecimento popular sobre plantas medicinais” com uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, de 22 alunos, na faixa etária de 22 a 65 anos. A oficina foi desenvolvida em julho de 2009, durante uma de minhas aulas, no refeitório da Escola Estadual Montebello Bondim, localizada em Muriqui, distrito de Mangaratiba, Rio de Janeiro. Iniciou-se com a distribuição de um pequeno questionário (ANEXO 1) com 10 perguntas abertas para os alunos com o objetivo de avaliar o grau de conhecimento e envolvimento com o tema. Vinte e dois alunos responderam ao questionário. Cada aluno ficou responsável por trazer algum exemplar que cultivasse em casa, fizesse uso ou que tivesse conhecimento sobre seu efeito terapêutico. Assim, a maioria trouxe a folha ou parte da planta que conhecia e um pequeno cartaz reportando seu efeito terapêutico conhecido popularmente e sua forma de ingestão. Destacaram-se na oficina as seguintes plantas: erva cidreira, cana-do-brejo, alcachofra, boldo, orégano, capim-limão, barbatimão, manjericão, folha de laranjeira, folha de pitanga, aroeira, gengibre, erva-doce, louro, sete sangrias, hortelã e camomila. Durante a oficina, as plantas com suas respectivas informações puderam ser observadas por todos os alunos. Houve troca de informações entre eles, e o que se percebeu foram a valorização de suas vivências e saberes adquiridos de gerações anteriores, como pais e avós. A oficina pode demonstrar que os alunos são capazes de trazer 61 conhecimentos importantes para contribuir no desenvolvimento do trabalho em sala de aula, tendo como consequência a valorização da autoestima. O resultado do questionário aplicado, bem como a atividade realizada, revelaram que o tema é bastante pertinente para os alunos dessa modalidade de ensino. A maior parte já fez uso de algum tipo de planta medicinal, cultiva alguma espécie em casa e concordam que este tipo de terapia pode ser mais barato e acessível. Conclui que o conhecimento de termos científicos relacionados à fitoterapia é pouco desenvolvido, porém os alunos demonstraram interesse em saber mais sobre o assunto, visto que todos acreditam que o tema Plantas Medicinais pode ser interessante em um desdobramento em sala de aula. Outra conclusão importante é que esse tipo de conhecimento continua sendo adquirido entre os familiares, constituindo-se num saber popular que atravessa gerações. Abaixo, algumas plantas trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás” e análise gráfica de algumas respostas ao questionário aplicado: Figuras 1 e 2: Plantas medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás”. 62 Figuras 3 e 4: Plantas medicinais trazidas pelos alunos durante a “Oficina de chás”. 25 20 15 sim não não resp. 10 5 0 já utilizou cultiva em casa é mais tema barato e interessante acessível Figura 5: Análise gráfica de algumas respostas ao questionário aplicado durante a “Oficina de chás” Avaliando as respostas ao questionário como um todo, percebe-se que há relevância no tema para um projeto de educação. Surge então, uma forma de trazer o conhecimento prévio desses alunos para a sala de aula e abordar conceitos das áreas de Química e Biologia que 63 podem ter relações estreitas, mas que têm sido abordados de forma abstrata, sem sentido para a vida do estudante adulto. 3.2 O contexto do tema Plantas Medicinais na pesquisa O uso de plantas para fins medicinais é uma prática milenar da humanidade. Há muito tempo, o homem vem buscando na natureza recursos que melhorem sua condição de vida e aumentem suas chances de sobrevivência. A tradição de usar medicamentos caseiros para curar doenças comuns como gripes, resfriados e problemas de digestão é uma prática que tem acompanhado o homem através dos tempos. São receitas que utilizam plantas medicinais e são passadas de geração a geração. Alguns relatos feitos por Martins et al. (1994) apud Trindade et al. (2008) podem comprovar essa relação estabelecida desde tempos imemoriais. Segundo os autores, no ano 3.000 a.C., na China, já se cultivava plantas medicinais; desde 2.300 a.C. egípcios, assírios e hebreus cultivavam ervas e as traziam de outras regiões, com finalidades medicinais, cosméticas, culinárias e para embalsamar múmias; na Grécia, século V a.C., Hipócrates em seu livro “Corpus Hipocraticum” indicava para cada enfermidade o tratamento adequado utilizando plantas. Os autores relatam ainda, que na Idade Média houve certo período de obscuridade em relação ao estudo de plantas medicinais e das ciências em geral que só foi vencido pelo advento do Renascimento, período de grande incentivo à experimentação e da observação, fato que estimulou o início de um grande progresso no conhecimento das plantas. No século XV houve uma maior preocupação em catalogar espécies vegetais, classificando-as de acordo com a procedência e as características dos princípios ativos. 64 Trindade et al.(2008) relatam ainda, que no Brasil, a utilização de plantas medicinais sofreu influência das diferentes etnias que formaram a população e difundiram o conhecimento das ervas locais e de seus usos, transmitidos e aprimorados de geração em geração. Índios e negros empregavam rituais e plantas para a cura de doenças. Os europeus por sua vez, difundiram o cultivo e a utilização de plantas de origem européia no Brasil, principalmente através da ação dos Jesuítas. Até a primeira metade do século XX, o Brasil era essencialmente rural e fazia amplo uso da flora medicinal, tanto nativa quanto introduzida. Atualmente, a maioria das plantas medicinais que utilizamos é de origem europeia. Mesmo não sendo nativas, grande parte delas se adaptaram e se reproduziram espontaneamente, formando variedades distintas daquelas que vieram com os europeus durante a colonização. A fitoterapia vem do grego therapia (tratamento) e pyton (vegetal) e ficou conhecida como o “estudo das plantas medicinais e suas aplicações na cura de doenças, ou ainda, a terapêutica das doenças através das plantas utilizando fitoterápicos” (ARENA, p. 19, 2008). A autora considera como fitoterápico, “toda preparação farmacêutica (extratos, tinturas, pomadas e cápsulas) que utiliza como matéria-prima parte de plantas, como: folhas, caules, raízes, flores e sementes, com conhecido efeito farmacológico” (ARENA, p. 20, 2008). Hoje, o estudo das propriedades medicinais de vegetais com potencial fitoterapêutico é muito intenso no Brasil e no mundo. Dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006b) revelam que as plantas medicinais, as preparações fitofarmacêuticas e os produtos naturais isolados representam um mercado que movimenta bilhões de dólares, tanto em países industrializados como em desenvolvimento. O mesmo texto básico de saúde relata que o uso de fitoterápicos com finalidade profilática, curativa, paliativa ou com fins de diagnóstico passou a ser oficialmente reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1978, 65 quando foi recomendada a difusão mundial dos conhecimentos necessários para o seu uso. Nesse sentido, as plantas medicinais foram consideradas importantes instrumentos da Assistência Farmacêutica, por isso, vários comunicados e resoluções da OMS expressam a posição do organismo a respeito da necessidade de valorizar o uso desses medicamentos no âmbito sanitário. Segundo a OMS, atualmente 80% da população mundial dependem das práticas tradicionais no que se refere a atenção primária à saúde, e 85% dessa parcela utiliza plantas ou preparações a base de vegetais. Ainda segundo a OMS, as práticas da medicina tradicional expandiram- se globalmente na última década do século passado e ganharam popularidade. Essas práticas são incentivadas tanto por profissionais que atuam na rede básica de saúde dos países em desenvolvimento, como por aqueles que trabalham onde a medicina convencional é predominante no sistema de saúde local. A OMS tem elaborado uma série de resoluções com objetivo de considerar o valor potencial da medicina tradicional em seu conjunto para a expansão dos serviços de saúde regionais. Com o compromisso de estimular o desenvolvimento de políticas públicas a fim de inseri-las no sistema oficial de saúde de seus Estados-membros, a entidade publicou em maio de 2005, o documento Política Nacional de Medicina Tradicional e Regulamentação de Medicamentos Fitoterápicos, em se que discute a situação mundial a respeito das políticas de Medicina Tradicional e Fitoterápicos. A inclusão do Brasil neste documento encontra uma forte justificativa no fato de nosso país ter a maior diversidade genética vegetal do mundo, com cerca de 55.000 espécies catalogadas de um total estimado entre 350.000 e 550.000 espécies e, também, por possuir ampla tradição do uso das plantas medicinais, vinculada ao conhecimento popular, transmitido oralmente por gerações (BRASIL, 2006b). 66 O conhecimento popular é um aspecto cultural brasileiro tão importante na produção de novos medicamentos fitoterápicos que, segundo Ferreira (2006), das 119 substâncias químicas extraídas de plantas para o uso medicinal no Brasil, 74% foram obtidas com base no conhecimento popular fitoterápico. No ano de 2006 foi instituída a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, publicada por meio de Portaria GM nº 971, de 03 de maio de 2006 (BRASIL, 2006c), que propõe a inclusão das plantas medicinais e fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa/acupuntura e termalismo social/crenoterapia como opções terapêuticas no sistema público de saúde. Essa política traz dentre suas diretrizes para plantas medicinais e fitoterapia a elaboração da Relação Nacional de Medicamentos Fitoterápicos (RENAME-FITO) e o provimento do acesso a plantas medicinais e fitoterápicos aos usuários do SUS. Logo depois, diante do potencial do Brasil em termos de cultura popular sobre plantas medicinais, disponibilidade de espécies potencialmente fitofarmacêuticas e do avanço das políticas, dos programas e dos projetos do governo na área de plantas medicinais e fitoterápicos, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), através do decreto presidencial Nº 5.813, de 22 de Junho de 2006 (BRASIL, 2006d). O objetivo geral desse decreto é garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Entre os objetivos específicos e diretrizes do decreto estão: .Ampliar as opções terapêuticas aos usuários, com garantia de acesso a plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, com segurança, eficácia e qualidade, na perspectiva da integralidade da atenção à saúde, considerando o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais. 67 .Estabelecer estratégias de comunicação para divulgação do setor plantas medicinais e fitoterápicos: estimular a produção de material didático e de divulgação sobre plantas medicinais e fitoterápicos (BRASIL, p. 22-23, 2006d). Dessa forma, fica clara a importância das plantas medicinais no cotidiano do povo brasileiro. Especialmente, depois da publicação de um decreto que formaliza a intenção de aplicação desta prática pelo SUS, objetivando empregar a fitoterapia de base científica, extraída do conjunto de plantas colecionadas por gerações sucessivas, para uma grande parcela da população com acesso restrito a um sistema de saúde de qualidade. Pessoas que têm, na maioria das vezes, como única opção para o tratamento de seus males, o uso empírico das plantas medicinais de fácil acesso em cada região do país. Por conseguinte, a sabedoria popular sobre plantas medicinais não deveria ser subestimada e sim valorizada como ponto de partida para descoberta de potenciais medicamentos. Apesar de tudo, tal conhecimento só deve ser repassado como verdadeiro para o povo, depois de confirmar se a atividade terapêutica atribuída realmente existe e que o seu uso como medicamento é seguro. Mediante isso, uma Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, assume um caráter agregador, à medida que reúne ações, pesquisa e políticas públicas que reconhecem e garantem estímulos a prática milenar da utilização de plantas medicinais pela população brasileira. Desde a criação da PNPMF, o tema tem se destacado e atualmente tem sido bastante difundido também na mídia, sendo foco de programas de televisão, livros, reportagens em jornais de horário nobre e em revistas de grande circulação. Uma das notícias mais atuais difundida em rede nacional pela televisão foi a aprovação da resolução RDC Nº 10, de 9 de março de 2010 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Tal resolução foi criada considerando a necessidade de contribuir para a construção de um marco regulatório 68 para produção, distribuição e uso de plantas medicinais, a partir da experiência da sociedade civil nas suas diferentes formas de organização, de modo a garantir e promover a segurança, a eficácia e a qualidade no acesso a esses produtos. Assim, as empresas que comercializam este tipo produto ficam sujeitas às normas da ANVISA para fabricação, controle, embalagem e comercialização de seus produtos, padronizando os processos. Recomendações como a de que o produto pode ser utilizado sem prescrição médica para o alívio sintomático de doenças de baixa gravidade por períodos curtos, por exemplo, devem fazer parte de todas as embalagens. Além disso, todas as recomendações quanto à forma de utilização foram padronizadas e estão disponíveis em uma tabela de fácil compreensão, a qual encontra-se no material didático produzido nesta dissertação e que regulamenta o uso de 60 espécies de plantas medicinais. Na tabela são encontradas a nomenclatura popular e cientifica de cada planta, a parte do vegetal utilizada no preparo, a forma e a via de utilização, as indicações, contra-indicações, efeitos adversos e ainda, as referências de estudos científicos realizados com cada espécie. A atualidade e relevância do tema Plantas Medicinais também pode ser mais uma justificativa na sua escolha para a produção de um material didático como o produto final de mestrado profissional sugerido nesta dissertação. 69 CAPITULO IV - APRESENTAÇÃO DO PRODUTO FINAL Após o levantamento realizado, podemos constatar que uma das principais dificuldades enfrentadas no ensino de Ciências da EJA é a falta de material didático adequado ou exclusivo ao público a que se destina. Partindo dessa conclusão, surge então, a oportunidade de sugerir como produto final desta dissertação de mestrado profissional, um material didático que aborda o tema Plantas Medicinais, de maneira interdisciplinar para a Química e a Biologia e destinado à EJA. 4.1 A abordagem do tema Como dito anteriormente, durante a graduação participei de um grupo de pesquisa em fitoterápicos como bolsista de iniciação científica. Dessa forma, o tema Plantas Medicinais sempre despertou meu interesse e me fez perceber que como a maioria dos fitoterápicos testados despertou interesse pela comunidade científica a partir da sabedoria popular, esse conhecimento ainda deveria estar presente na população dos jovens e adultos para os quais leciono atualmente. E foi assim, ouvindo relatos da população em geral, inclusive em sala de aula e fazendo trabalhos em torno do tema que surgiu a vontade de relacionar o conhecimento apreendido na graduação com uma proposta didática prática para a pós-graduação. Tal proposta busca relacionar as áreas da Biologia (minha formação acadêmica e onde atuo atualmente) e a de Química, área em que atuei substituindo professores devido à carência de profissionais no magistério. Lecionando nas duas disciplinas no mesmo ano letivo, percebi que há uma grande dificuldade em se trabalhar de maneira interdisciplinar, visto que professores das duas áreas não se comunicam, não há um planejamento comum, apenas disciplinar, ou 70 seja, os docentes da mesma disciplina se reúnem e fazem o planejamento anual sem perceber as inter-relações que possuem as disciplinas da área das Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias. Dessa maneira, estamos propondo um material didático em forma de livro digital, em CD-ROM, voltado aos professores de Química e Biologia, a partir do tema Plantas Medicinais e que visa contribuir na promoção de uma aprendizagem mais significativa, levando em consideração a definição teórica deste termo por Ausbel et al. (1980) apud Martins (2006). O material visa ainda, promover o estímulo aos cuidados com a saúde, demonstrar que o uso de fitoterápicos atualmente é uma prática reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde e além de tudo, valorizar os saberes populares que alunos da EJA trazem como conhecimento na construção da prática educativa, demonstrando como esses saberes influenciam no desenvolvimento da Ciência e da sociedade. 4.2 O produto final De acordo com suas características, este livro, concebido na forma de módulo de ensino, pode ser definido como um “Livro digital”, uma vez que, para alguns autores: [...] O livro eletrônico se refere a uma publicação digital não periódica, quer dizer, que se completa em um único volume ou em um número predeterminado de volumes e que pode conter textos, gráficos, imagens estáticas e em movimento assim como sons. Também se nota que é uma obra expressa em várias mídias (multimídia: textos, sons e imagens) armazenadas em um sistema de computação. Em suma, o livro eletrônico se explica como uma coleção estruturada de bits que pode ser transportada e visualizada em diferentes dispositivos de computação (GAMA RAMIREZ apud VELASCO e ODDONE, p. .3, 2007). 71 Partindo desse conceito, um dos diferenciais deste módulo de ensino é o atrativo dos recursos multimídia nele inseridos, que fazem parte do cotidiano do aluno e a contextualização dos conteúdos curriculares que podem tornar a abordagem mais significativa. A seleção do conteúdo do livro digital se deu através da escolha de temas cotidianos, os quais os alunos da EJA pudessem vivenciar, como por exemplo colesterol, doenças respiratórias, automedicação, chás, etc. Dentre os recursos multimídia presentes, encontram-se vídeos, apresentação de slides, animações, artigos científicos, reportagens e sugestões de abordagem das unidades ao professor. São recursos bastante atuais e de fácil acesso e têm a intenção de trazer a realidade vivenciada pelo aluno da EJA para a sala de aula, pois muitas das reportagens foram veiculadas em jornais de grande circulação. A intenção é a de que o professor possa reproduzir os vídeos, artigos ou animações para seus alunos, bastando para isso a conexão de seu computador a um aparelho projetor multimídia. O livro em CD-ROM foi elaborado na forma de páginas da Internet off line, sendo facilmente acessado em qualquer tipo de computador, através de qualquer programa que visualize páginas da web, sem a necessidade de conexão com a Internet. O programa utilizado para a elaboração foi o Microsoft Front Page, com a linguagem HTML. Ao decorrer de seu texto, existem hiperlinks onde estão os recursos multimídia e que podem ser acessados com apenas um toque do cursor, sem a necessidade de conexão com a Internet. 72 4.3 O referencial teórico considerado 4.3.1 Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel O livro digital proposto nesta dissertação busca contribuir no desenvolvimento de uma aprendizagem mais significativa. Torna-se então, necessário conhecer um pouco mais esse termo, baseado na teoria de David Ausubel. A teoria de aprendizagem de Ausubel et al (1980) apud Martins (2006) é baseada no estudo e aplicação de mapas conceituais, ou seja, essa teoria baseia-se na suposição de que as pessoas pensam com conceitos. A aprendizagem significativa ocorreria quando uma nova informação ancora-se em conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz. Através dessa ancoragem, Moreira (1997) apud Martins (2006), esclarece que ocorre crescimento e modificação de um conceito dito subsunçor4, que por sua vez pode ser um conceito abrangente e bem desenvolvido ou um conceito limitado e pouco desenvolvido. Dessa maneira, há a necessidade da interação das novas informações com conceitos já existentes no cognitivo do aprendiz, justificando-se a necessidade de que o processo de ensino-aprendizagem tenha como ponto de partida as informações ou conceitos prévios do aluno. Assim, a proposta de abordagem do livro digital foi partir de informações cotidianas, abordadas através de vídeos, textos ou imagens que possam refletir a realidade do aluno jovem ou adulto e que possam também, contribuir na promoção de uma aprendizagem significativa. 4 “A palavra “subsunçor” não existe em português; trata-se de uma tentativa de aportuguesar a palavra inglesa “subsumer”. Seria mais ou menos equivalente a inseridor, facilitador ou subordinador.” (MOREIRA, 1997 apud MARTINS, 2006, p. 28) 73 4.3.2 O ensino baseado em Competências: Os objetivos educacionais propostos neste módulo de ensino, proposto no livro digital, procuram privilegiar o ensino baseado em competências proposto nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2002) na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. A seguir são apresentadas as sínteses das competências gerais a serem promovidas nesta área, divididas em três grupos principais e que estão presentes nas unidades temáticas do módulo, justificando assim sua representação nesta dissertação (PCN, 2002): Competências gerais a) Representação e comunicação: - Símbolos, códigos e nomenclatura da Ciência e Tecnologia (C&T): Reconhecer e utilizar adequadamente na forma oral e escrita os símbolos, códigos e a nomenclatura da linguagem científica. - Articulação dos símbolos e códigos da Ciência e Tecnologia: Ler, articular e interpretar símbolos e códigos em diferentes linguagens e representações: sentenças, equações, esquemas, diagramas, tabelas, gráficos e representações geométricas. - Análise e interpretação de textos e outras comunicações de Ciência e Tecnologia: Consultar, analisar e interpretar textos e comunicações de Ciência e Tecnologia, veiculados através de diferentes meios. - Elaboração de comunicações: 74 Elaborar comunicações orais ou escritas para relatar, analisar e sistematizar eventos, fenômenos, experimentos, questões, entrevistas, visitas, correspondências. - Discussão e argumentação de temas de interesse da Ciência e Tecnologia: Analisar, argumentar e posicionar-se criticamente em relação a temas de Ciência e Tecnologia. b) Investigação e compreensão: - Estratégias para enfrentamento de situações-problema: Identificar em dada situação-problema as informações ou variáveis relevantes e possíveis estratégias para resolvê-la. - Interações, relações e funções; invariantes e transformações: Identificar fenômenos naturais ou grandezas em dado domínio do conhecimento científico, estabelecer relações; identificar regularidades, invariantes e transformações. - Medidas, quantificações, grandezas e escalas: Selecionar e utilizar instrumentos de medição e de cálculo, representar dados e utilizar escalas, fazer estimativas, elaborar hipóteses e interpretar resultados. - Modelos explicativos e representativos: Reconhecer, utilizar, interpretar e propor modelos explicativos para fenômenos ou sistemas naturais ou tecnológicos. - Relações entre conhecimentos disciplinares, interdisciplinares e inter-áreas: Articular, integrar e sistematizar fenômenos e teorias dentro de uma ciência, entre as várias ciências e áreas de conhecimento. c) Contextualização sócio-cultural: - Ciência e Tecnologia na história: 75 Compreender o conhecimento científico e o tecnológico como resultados de uma construção humana, inseridos em um processo histórico e social. - Ciência e Tecnologia na cultura contemporânea: Compreender a ciência e a tecnologia como partes integrantes da cultura humana contemporânea. - Ciência e Tecnologia na atualidade: Reconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, suas relações com as ciências, seu papel na vida humana, sua presença no mundo cotidiano e seus impactos na vida social. - Ciência e Tecnologia, ética e cidadania: Reconhecer e avaliar o caráter ético do conhecimento científico e tecnológico e utilizar esses conhecimentos no exercício da cidadania. 4.4 A estrutura do livro digital O livro tem início com uma apresentação do produto ao professor. Em seguida, ocorre a apresentação do módulo de ensino, incluindo um sumário e um texto introdutório, o qual sugere-se que seja lido com os alunos e que tem por objetivo despertar o interesse, ou até mesmo levantar conhecimentos em torno do tema Plantas Medicinais. O texto tem como título: “Em busca de medicamentos naturais” e traz informações sobre a enorme quantidade de plantas com propriedades farmacêuticas existentes no Brasil, um pouco da história da utilização de medicamentos naturais e relatos sobre o potencial da indústria farmacêutica na exploração desses produtos. Como complemento, podemos destacar as informações sobre os benefícios que a produção desses fitoterápicos trazem para o meio ambiente, no que diz 76 respeito a preservação de espécies ainda desconhecidas e que podem trazer diversos benefícios através de medicamentos naturais. Logo em seguida, são apresentadas as cinco unidades temáticas que compõem o módulo de ensino. Todas obedecem a uma mesma ordem sequencial: a abordagem interdisciplinar, o texto introdutório à unidade, objetivos da unidade, sugestão de abordagem ao professor, hiperlinks com arquivos multimídia ou outros, contribuição teórica, estudo dirigido e referências ou créditos da unidade. No tópico abordagem interdisciplinar é sugerida a relação da Biologia com a Química. O texto introdutório à unidade traz um artigo ou uma reportagem escrita que possa despertar o interesse pelo tema da unidade. Nos objetivos da unidade são descritos os objetivos educacionais a serem atingidos com o trabalho desenvolvido e que procuram privilegiar o ensino baseado em competências proposto nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2002) na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. No tópico sugestão de abordagem ao professor, encontram-se propostas de como abordar o tema da unidade. Porém, por se tratar apenas de uma orientação, o professor pode utilizar o material da maneira que melhor lhe convir, uma vez que os artigos, reportagens e vídeos presentes, podem ser utilizados de maneira independente. Nos hiperlinks de cada unidade existem artigos científicos, reportagens escritas de jornais de grande circulação, vídeos, apresentações em PowerPoint e alguns outros textos que visam favorecer a inter-relação com o tema Plantas Medicinais. As figuras 1 a 5, ilustram algumas imagens extraídas dos vídeos ou apresentação de slides: 77 Figura 6: vídeo - ANVISA regulamenta a produção e venda de produtos fitoterápicos. Fonte: Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão. Unidade 1 - anexo 1.3. Figura 7: vídeo – Coleção Atlas do Corpo Humano Discovery HOME & HEALTH. Fonte: Discovery Communications. Unidade 2 – anexo 2.2. 78 Guaco (Mikania glomerata) Fonte: Farmácia Viva- Utilização de Plantas Medicinais. Viçosa, MG, CPT, 2008. • Parte utilizada: folhas. • Forma de utilização: oral – Infusão: 3g (1 colher sopa) em 150 mL(xic. chá) água. 3x ao dia. • Alegações: gripes e resfriados, bronquites alérgicas e infecciosa, como expectorante. Figura 8: apresentação de slides – Plantas Medicinais utilizadas pela população nas doenças do sistema respiratório e que constam na Tabela ANVISA. Unidade 3 - anexo 3.3. Figura 9: vídeo – Embrapa pesquisa os benefícios do alho. Fonte: TV NBR. Unidade 4 – anexo 4.4. 79 Figura 10: vídeo – Pílulas de Ciência – Resistência à antibióticos. Fonte: Coleção Pílulas de Ciências, UFMG. Unidade 5 – anexo 5.6. O tópico contribuição teórica de cada unidade, traz a relação do tema com alguns dos conteúdos curriculares do Ensino Médio. O último tópico traz um estudo dirigido como atividade de consolidação dos conhecimentos apreendidos ao longo da unidade temática. A escolha dessa atividade para a finalização da unidade tem como base as colocações de Libâneo (1994) apud OKANE, (2004). Para o autor, o estudo dirigido apresenta duas funções principais: uma delas seria a consolidação dos conhecimentos por meio de uma combinação da explicação do professor com exercícios e a segunda seria a busca da solução dos problemas por meio de questões que os alunos possam resolver criativamente e de forma independente. As unidades 2, 4 e 5 apresentam ainda, sugestões de trabalho de pesquisa. 4.5 Resumo das unidades temáticas A seguir, são apresentados os resumos de cada unidade temática: Unidade 1- Tema: A biodiversidade e a produção de fármacos. 80 Abordagem interdisciplinar: na Biologia o foco é a biodiversidade brasileira e a importância de sua preservação, já na Química aborda-se a produção de fármacos a partir de plantas medicinais resultantes dessa biodiversidade. Nesta unidade o aluno é estimulado a refletir sobre a importância da manutenção da biodiversidade brasileira ao entender que um dos benefícios desta riqueza à humanidade é ser a base para a fabricação de diversos fármacos (abordagem interdisciplinar). Além disso, o aluno é levado a perceber a importância da fitoterapia de base científica na medicina atual, reconhecendo que este tipo de terapia no Brasil é uma prática reconhecida e utilizada pelo Ministério da Saúde, principalmente depois da implementação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. A reportagem do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão ilustra muito bem essa realidade ao se referir à liberação de mais de sessenta Plantas Medicinais pela ANVISA que possuem referências em pesquisas científicas. Outro aspecto importante é o de conhecer o processo de fabricação de fármacos e como se dá sua ação no organismo. Os assuntos abordados na unidade 1, tendo como base os Parâmetros Curriculares Nacionais Complementares – Ensino Médio (BRASIL, 2002), privilegiam o domínio da Representação e Comunicação, o qual envolve em todas as disciplinas da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias o reconhecimento, a utilização e interpretação de seus códigos, símbolos e formas de representação; a análise e síntese da linguagem científica presente nos diferentes meios de comunicação e expressão; a elaboração de textos; a argumentação e posicionamento crítico perante temas da Ciência e Tecnologia (C&T). Em síntese, na Unidade 1 deste módulo de ensino, há estímulo para que o aluno desenvolva as seguintes competências: 81 - Análise e interpretação de textos e outras comunicações de C&T (consultar, analisar e interpretar textos e comunicações de C&T veiculados através de diferentes meios), uma vez que, são levados a ler e analisar o texto introdutório à unidade: “2010, Ano Internacional da Biodiversidade”. - Discussão e argumentação de temas de interesse da C&T (analisar, argumentar e posicionar-se criticamente em relação a temas de C&T), pois os alunos são convidados a debater sobre a importância da manutenção da biodiversidade e de nossas atitudes como cidadãos nessa ação. Unidade 2 – Tema: Substâncias produzidas pelas plantas. Abordagem interdisciplinar: na Biologia são explorados os sentidos olfato e paladar. Na Química são abordados os óleos essenciais de plantas e a produção de perfumes, relacionando-os ao olfato e ainda, à separação de substâncias. A unidade busca contribuir para que o aluno perceba o olfato e o paladar como sentidos que contribuem para a proteção do organismo ao nos impedir de ingerir alimentos estragados ou de alguma forma deteriorados e ainda perceber e apreciar os odores agradáveis como os dos perfumes e essências. Outro fator importante é entender que os óleos essenciais são substâncias consideradas como um dos princípios ativos que conferem às plantas atividades terapêuticas. São misturas complexas, com muitos constituintes, contendo proporções variáveis de ésteres, éteres, álcoois, fenóis, aldeídos, cetonas e hidrocarbonetos de estrutura aromática ou terpênica, por isso, para sua utilização como produto terapêutico, há a necessidade de um processo de separação como a destilação por arraste de vapor. Dessa forma, surge a oportunidade para abordar outros processos de separação de mistura como a destilação simples e a destilação fracionada. Os óleos essenciais são usados, 82 principalmente por seus aromas agradáveis, em perfumes, incensos, temperos e como agentes flavorizantes em alimentos. Alguns óleos essenciais são também conhecidos por suas propriedades fitoterápicas como a ação antibacteriana e antifúngica. O mentol da hortelã (Mentha piperita) tem ação expectorante e antisséptica, já o eucaliptol do eucalipto (Eucaliptus globulus) tem apenas ação expectorante (TRINDADE et al., 2008). Nesta unidade é proposto um trabalho de pesquisa em torno do tema separação de misturas: “Separação de misturas na indústria do petróleo: a destilação fracionada”. Esta pesquisa pode contribuir para que ocorra a assimilação dos conceitos de separação de misturas tanto utilizados na indústria farmacêutica, cosmética ou alimentícia (destilação por arraste de vapor para a separação de óleos essenciais) como na indústria petrolífera (destilação fracionada). Em termos de objetivos educacionais, esta unidade privilegia as competências voltadas para o domínio da investigação e compreensão científica e tecnológica: - Em relação à Biologia espera-se que o aluno reconheça a presença de conhecimentos biológicos e da tecnologia no desenvolvimento da sociedade, ao perceber que a produção de óleos essenciais a partir de plantas medicinais e aromáticas é um processo que movimenta financeiramente um grande setor industrial e que tem como ponto de partida o estímulo de uma área de nosso sistema nervoso. - Em relação à Química podemos levar o aluno a compreender que as interações entre matéria e energia, em certo tempo, resultam em modificações da forma ou da natureza da matéria ao demonstrar os processos de separação de misturas utilizados na preparação de óleos essenciais e na destilação fracionada, no caso do petróleo. - Além de tudo, a história da utilização e criação dos perfumes tem por objetivo privilegiar os aspectos histórico-sociais da produção e utilização dos conhecimentos 83 científicos, mostrando que estes conhecimentos científicos e tecnológicos são resultados de uma construção humana, inseridos em um processo histórico e social. Unidade 3 – Tema: A química dos chás, o sistema respiratório e doenças associadas. Abordagem interdisciplinar: na Química os chás são abordados como exemplo de uma solução aquosa. Já na Biologia, são trabalhados o sistema respiratório e algumas doenças associadas, assim como os chás usualmente utilizados pela população no combate a essas doenças. Nesta unidade, o principal objetivo é que o aluno perceba que a utilização de plantas medicinais no tratamento de doenças do sistema respiratório é feita em forma de substância química classificada como solução aquosa, ou seja, o chá. Dessa maneira, surge uma boa oportunidade de abordar temas como o sistema respiratório humano, doenças associadas e uma substância química comumente utilizada por eles, o chá, que por sua vez é um ótimo exemplo de solução aquosa. Além de tudo, o aluno poderá reconhecer algumas espécies de plantas medicinais que são utilizadas e que já possuem estudos científicos, como as que constam na tabela da ANVISA e na apresentação de PowerPoint desta unidade. Em termos de competências gerais esta unidade busca privilegiar os domínios da representação e comunicação, articulando os símbolos e códigos da Ciência e da Tecnologia, principalmente no momento em que se sugere a atividade de construção de um gráfico a partir dos dados de saúde pública presentes na reportagem do jornal “O Estadão”: “Poluição do ar piora doença respiratória e aumenta infecção, diz Unifesp”. Espera-se que o aluno seja capaz de ler, articular e interpretar símbolos e códigos em diferentes linguagens, como os gráficos. Além disso, a leitura dessa reportagem ainda privilegia, neste mesmo domínio de competências, a análise e interpretação de texto e outras 84 comunicações de Ciência e Tecnologia (consultar, analisar e interpretar textos e comunicações de C&T veiculados através de diferentes meios). No domínio da investigação e compreensão, espera-se que o aluno seja capaz de elaborar, reconhecer e utilizar modelos explicativos e representativos, como o proposto, para explicar processos biológicos como o mecanismo de respiração pulmonar (figura 11). Figura 11: Modelo de Sistema Respiratório. Ilustração: Robles/Pingado. Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/ensino-médio/funcionamento-sistema-respiratório552993.shtml Ainda em relação ao conceito de soluções construído a partir do tema chás, há o estímulo para que o aluno, no domínio da representação e comunicação, reconheça símbolos e nomenclaturas da Ciência e Tecnologia, conseguindo reconhecer os chás como uma substância chamada de solução aquosa, identificando termos como solutos, solventes e solubilidade, linguagem própria da Química e que está presente em nosso cotidiano. Unidade 4 – Tema: O alho e o colesterol. Abordagem interdisciplinar: a Química apresenta o colesterol como exemplo de substância orgânica e de lipídio. A Biologia traz o colesterol associado a doenças cardiovasculares e o alho como potente agente de prevenção dessas doenças. 85 O objetivo desta unidade é levar o aluno a perceber que os lipídios são moléculas orgânicas importantes no organismo e que desempenham diferentes funções como armazenamento de energia (óleos e gorduras), fazem parte das membranas biológicas (fosfolipídios), apresentam funções hormonais (esteróides), são essenciais no funcionamento de alguns sistemas enzimáticos, atuam como isolantes térmicos e são agentes emulsificantes. Por isso, nos alimentos, os lipídios assumem um importante papel nutricional e tecnológico, sendo fonte de calorias, transportam vitaminas lipossolúveis e ainda são responsáveis pela textura “deliciosa” de sorvetes e algumas massas, sendo também importantes na obtenção de aromas. Dessa forma, se consumidos dentro dos limites recomendados, os lipídios são essenciais à saúde. É necessário que o aluno perceba que o colesterol, por exemplo, desempenha funções importantes em nosso organismo, mas que reconheça que, se ingerido em excesso, esta substância pode levar a doenças graves como a aterosclerose. Assim, torna-se necessário que se saiba reconhecer tal molécula quimicamente e biologicamente falando. Também é importante conhecer alimentos que são ricos em colesterol, saber seu mecanismo de ação no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e saber que existe um alimento barato, utilizado comumente pelo brasileiro e que atua prevenindo tais doenças: o alho. Outro ponto importante é a pesquisa recomendada no final da unidade sobre tipos de gorduras presentes na alimentação e sua ação no organismo, para que o aluno saiba a importância de uma alimentação correta na prevenção de doenças do sistema cardiovascular. Os objetivos educacionais dessa unidade buscam privilegiar o domínio da investigação e compreensão para que o aluno desenvolva competências na área de relações entre conhecimentos disciplinares, interdisciplinares e inter-áreas ao construir uma 86 visão sistematizada de moléculas orgânicas como os lipídios, sabendo reconhecê-los por possuírem características semelhantes e conhecendo, por exemplo, a estrutura química do colesterol, identificando seus efeitos no organismo e que tipos de alimentos contribuem para seu aumento na circulação sanguínea. Na área de representação e comunicação há o estímulo para que se desenvolvam competências como reconhecer e compreender símbolos, códigos e nomenclaturas da Química e Tecnologia Química, ao interpretar símbolos e termos químicos nos rótulos de produtos alimentícios que se propõe no trabalho sobre gorduras saturadas, insaturadas e trans. Desta forma o aluno pode reconhecer nos rótulos dos alimentos, termos próprios de Ciências como a Química e a Biologia e saber empregá-los corretamente ao produzir textos escritos ou orais. Outra questão importante que se relaciona com o domínio da área de interações, relações e funções, invariantes e transformações é estimular o aluno a desenvolver competências em Biologia como identificar regularidades em fenômenos e processos biológicos, para construir generalizações como perceber que a estabilidade de qualquer sistema vivo, como o corpo humano, depende da perfeita interação entre seus componentes e processos. Alterações em qualquer de suas partes desequilibram seu funcionamento, às vezes de maneira irreversível, como ocorre no corpo humano, quando da falência de determinados órgãos, como no caso do aumento do colesterol, a aterosclerose e o infarto do miocárdio. Ao analisar o trecho do artigo “Ação farmacológica do alho (Allium sativum L.) e da cebola (Allium cepa L.) sobre o sistema cardiovascular” (texto introdutório da unidade), assim como um vídeo sobre a pesquisa científica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em torno das ações terapêuticas do alho, o principal objetivo é que o aluno saiba interpretar e analisar textos e comunicações de Ciência e Tecnologia, 87 como avaliar a procedência da fonte de informação para analisar a pertinência e a precisão dos conhecimentos científicos veiculados nas duas fontes apresentadas. Unidade 5 – Tema: Toxicidade de plantas medicinais e a automedicação. Abordagem interdisciplinar: na Biologia o foco são as Plantas Medicinais potencialmente perigosas, como aquelas que se utilizadas de maneira incorreta podem causar danos à saúde e as consideradas tóxicas ao organismo humano. Já na Química, o uso indiscriminado de medicamentos alopáticos e fitoterápicos, assim como a concentração de substâncias são os temas principais. Nesta unidade, o aluno vai conhecer as principais plantas consideradas tóxicas e causadoras de acidentes domésticos, assim como as plantas medicinais que se utilizadas de maneira incorreta ou com dosagens diferentes da recomendada, podem causar danos à saúde, ou seja, há a necessidade de se rever conceitos do senso comum, como o de que “tudo que é natural não faz mal”. Além disso, é importante perceber os perigos da automedicação, pois um medicamento, apesar de ter origem natural, também pode causar efeitos indesejáveis, podendo levar até a morte. Assim, as plantas medicinais devem ser utilizadas com acompanhamento médico e seguindo as recomendações estabelecidas cientificamente, visto que, a interação entre medicamentos alopáticos e fitoterápicos pode potencializar ou inibir o efeito de um ou de outro. Apesar de ser uma prática que atravessa gerações, o uso de fitoterápicos é um conhecimento popular que deve ter o respaldo científico para ser utilizado de forma segura e eficaz. O conceito de concentração comum foi trabalhado abordando o preparo dos chás ou dos medicamentos fitoterápicos que constam na tabela liberada pela ANVISA. O aluno deve perceber que quanto maior a adição de partes da planta (soluto) na mesma quantidade 88 de água, maior será a concentração da solução e consequentemente de seus efeitos indesejados. Outro aspecto muito importante desta unidade é a questão da automedicação com antibióticos ou o seu uso incorreto. Essa prática tem levado ao surgimento de microorganismos resistentes a uma série de antibióticos por seleção artificial causada pelo próprio homem. É imprescindível que o aluno perceba que suas ações podem contribuir para o agravamento deste quadro. A automedicação, com outros tipos de medicamentos, também tem sido responsável por uma série de casos de intoxicações, por isso o trabalho de pesquisa sugerido sobre medicamentos alopáticos e fitoterápicos, torna-se uma oportunidade valiosa na contextualização de um tema de interesse da Química e que tem se tornado um grave problema de saúde pública. A maioria dos temas do trabalho de pesquisa sugerido, foi retirada do Guia Didático sobre Vigilância Sanitária, Alimentos, Medicamentos, Produtos e Serviços de Interesse à Saúde (ANVISA- 2007) que traz também, outras sugestões de abordagens didáticas interessantes para o ensino de Química e Biologia. O trabalho de pesquisa: foi dividido em duas partes principais: medicamentos fitoterápicos e medicamentos alopáticos Medicamentos fitoterápicos - a sugestão é que a pesquisa consiga responder aos seguintes questionamentos: Onde são obtidas as informações sobre os efeitos de plantas medicinais? As plantas medicinais vendidas em farmácias contêm informações claras sobre as recomendações de uso? E quando vendidas em feiras ou coletadas diretamente nas matas, há como se certificar se realmente estamos utilizando a espécie medicinal correta? Neste caso, como saber a quantidade correta a ser utilizada? As plantas medicinais podem ser vendidas 89 livremente? Qual é o órgão responsável pela regulamentação de vendas de plantas medicinais? Medicamentos alopáticos - a sugestão de pesquisa é que sejam organizados em três subtemas: automedicação, medicamentos genéricos e cuidados ao comprar, tomar e descartar os medicamentos. Quanto aos objetivos educacionais propostos na unidade cinco, há uma ênfase maior no domínio da expressão e comunicação. O objetivo principal é que o aluno desenvolva competências, como saber discutir e argumentar temas de interesse de Ciência e Tecnologia, ao analisar dados relacionados a problemas de saúde para avaliar as condições de vida da população e posicionar-se criticamente por meio de argumentação consistente. Ao entender que muitos casos de intoxicação por medicamentos e plantas medicinais acontecem pela desinformação ou por dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde, o aluno tem informações para se posicionar e argumentar criticamente sobre um assunto que afeta a sociedade. Em termos de contextualização sócio-cultural espera-se que o aluno saiba se posicionar frente a questões da Ciência e Tecnologia na atualidade, ao estimular a percepção dos efeitos positivos, mas também perturbadores, da Ciência e da Tecnologia na vida moderna, como por exemplo, reconhecer o papel dos antibióticos na preservação da vida e, ao mesmo tempo, as alterações que esses medicamentos vêm introduzindo nas populações microbianas e as consequências dessas modificações para a manutenção da saúde dos indivíduos. 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou analisar algumas das principais dificuldades encontradas no ensino de Ciências da EJA. Ao escolher tal modalidade de ensino como foco principal da pesquisa, busquei comprovar no levantamento bibliográfico realizado, algo que já constatava na prática como professora: apesar de alguns avanços, ainda é uma realidade o reduzido investimento e atenção que a EJA vem recebendo em relação às outras modalidades de ensino. Mesmo reconhecendo que o problema delimitado na pesquisa encerra diversos caminhos, essa análise se faz necessária com o objetivo de encontrar melhores alternativas frente a alguns dos problemas diagnosticados. Em relação ao ensino de Ciências, fica a conclusão de que a baixa frequência de discussão acerca da educação em Ciências para jovens e adultos em documentos oficiais, a escassez de profissionais especializados e de literatura direcionada ao ensino de Ciências para esta modalidade, são os fatores que demonstram uma importância secundária que tem sido atribuída à EJA. Além de tudo, outra conclusão importante, foi a de que os materiais didáticos existentes e as metodologias de ensino continuam sendo, em sua maioria, adaptações criadas para atender aos objetivos do ensino regular. Dessa forma, o material didático produzido como produto final desta dissertação é voltado para o público da EJA, por tratar de assuntos que eles vivenciam, como plantas medicinais e saúde. Com a publicação de uma Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos em 2006, o momento parece ser muito propício para tal abordagem, uma vez que, o próprio Ministério da Saúde objetiva empregar a fitoterapia no SUS. Assim, a forma pela qual o tema Plantas Medicinais é abordada no material didático, tem a intenção de levar o estudante a perceber que a fitoterapia é um tratamento com eficiência e eficácia comprovadas, desde que empregadas sob orientação de um profissional de saúde. 91 É importante salientar que, apesar do material didático produzido ser voltado para o público da EJA, por se tratar de uma questão de vivência, ele também pode ser utilizado por professores do ensino médio regular, pois são trabalhadas questões de saúde, a partir de uma abordagem interdisciplinar e contextualizada que pode ser facilitadora do processo de ensino-aprendizagem em qualquer modalidade de ensino. Entretanto, entendendo que a aplicação do material didático junto aos professores ou alunos, demandaria uma quantidade de tempo muito maior, optamos por fazer apenas a sugestão do produto, sendo um dos possíveis desdobramentos futuros, a aplicação e análise dos dados de aceitação. Dessa maneira, compreendendo as possíveis limitações deste estudo, esperamos que o material didático possa contribuir para que os professores de Química e Biologia possam enriquecer ou diversificar suas práticas com um material didático alternativo, com uma proposta de contextualização de conhecimentos que visa auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. Contudo, entendemos também, que o uso deste produto, assim como de outros recursos didáticos, não são garantias de um ensino completo em qualidade. A valorização e o investimento em formação continuada do profissional atuante no magistério são fatores importantes, que muitas vezes podem influenciar o professor na vontade de mudar a realidade vivenciada em sala de aula, buscando novas propostas e metodologias. É necessário, antes de tudo, rever a importância da EJA, como forma de acesso a um direito negado na infância ou adolescência: a educação. É preciso perceber que jovens e adultos são capazes de aprender por toda a vida e que mudanças nas políticas, na sociedade e nas tecnologias impõem aquisição e atualização constante de conhecimento por indivíduos de todas as idades, mas tais conhecimentos não terão sentido se não partirem de uma realidade concreta para os alunos e se não tiverem por objetivo ser seus instrumentos de leitura do mundo em busca da cidadania. 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, E.R. Os jovens da EJA e a EJA dos jovens. In PAIVA, J.; OLIVEIRA, I.B. (orgs.) Educação de Jovens e Adultos. 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Qual (is)? 7- Acredita que o uso deste tipo de terapia pode ser mais barato e acessível? 8- Acredita que o tema ‘Plantas Medicinais’ poderia ser interessante para ser trabalhado em sala de aula? 10- Os principais conhecimentos que possui sobre plantas medicinais foram adquiridos com: ( ) familiares ( ) amigos ( ) outros