saiba+ edição 11 – ano 4 – junho de 2014 atualização Diante de infecções graves ou de repetição, pense em imunodeficiências primárias A maior predisposição a processos infecciosos graves ou a autoimunidade em idade atípica podem significar defeito no sistema imune. As infecções não usuais, conceituadas pelo envolvimento de patógeno oportunista, pela duração e pela necessidade de tratamento prolongado ou, ainda, por complicações inesperadas, podem indicar uma imunidade comprometida. Embora as causas secundárias de imunodeficiência sejam largamente mais frequentes, em especial após o advento do HIV, é importante considerar também as primárias. As imunodeficiências primárias (IDPs) são distúrbios geneticamente herdados que envolvem o sistema imune e suas respostas, tornando o indivíduo mais vulnerável a infecções recorrentes ou graves, bem como a afecções autoimunes e a doenças malignas. Situações como perda prematura da dentição ou gengivite frequente, dificuldade de cicatrização, infecções respiratórias de repetição e bronquiectasia inexplicada, diarreia arrastada e má absorção e retardo no crescimento, entre outras, devem conduzir a essa hipótese, bem como múltiplas doenças autoimunes, sobretudo em faixas etárias precoces. A localização do defeito no sistema imune depende de testes específicos, mas já costuma ser apontada pela idade de início dos quadros infecciosos, pelo tipo de agente e pela região acometida. Na prática, a falha pode se encontrar na imunidade adquirida, quando afeta os sistemas humoral, celular ou uma combinação de ambos, ou abranger elementos da imunidade inata, como os fagócitos e o sistema complemento. Avaliação laboratorial inicial em pacientes com infecções de repetição e/ou graves Excluir causas de imunodeficiência secundária (por ex.: HIV) Imunidade humoral Imunidade celular Complemento Fagócitos Níveis séricos das imunoglobulinas (IgG, IgM, IgA) Hemograma CH 50 Hemograma Fenotipagem de células T, B e NK AP 50 Teste de oxidação da di-hidrorrodamina (DHR) Respostas sorológicas a vacinas Pesquisa de subclasses de IgG Proliferação de células T a mitógenos e antígenos 1. Duas ou mais pneumonias no último ano 2. Quatro ou mais novas otites no último ano 3. Estomatites de repetição, monilíase ou micose cutânea por mais de dois meses 4. Abscessos de repetição na pele ou profundos 5. Duas ou mais infecções sistêmicas graves (meningite, osteomielite e sepse) 6. Dois ou mais episódios de sinusite grave no último ano 7. Uso de antibiótico por dois meses ou mais, com pouca resposta 8. Nas crianças, falência em ganhar peso ou crescer normalmente 9. Necessidade de antibioticoterapia endovenosa para melhora clínica 10. História familiar de imunodeficiência primária Na presença de, pelo menos, um sinal, é mandatória a investigação laboratorial de IDP. Contagem de células B (CD19/CD20) infecções e autoimunidade Dez sinais de alerta nas IDPs Fonte: Fundação Jeffrey Modell IDPs na infância imunoglobulinas e linfócitos atualização Entre falhas inatas e adquiridas na imunidade, As complicações decorrentes da imunodeficiência e o tipo de agente etiológico Nos primeiros anos de vida, o sistema imune é exposto aos mais variados antígenos pela primeira vez, montando uma resposta e adquirindo memória imunológica. É natural, portanto, que a população pediátrica seja mais vulnerável às infecções, bem como que estas se manifestem de forma recorrente em tal faixa etária. Imunodeficiência comum variável pode ocorrer em qualquer idade Considerada um diagnóstico de exclusão, a imunodeficiência comum variável (ICV) abrange um grupo heterogêneo de doenças semelhantes, porém com defeitos moleculares distintos, caracterizando-se pela presença de infecções recorrentes, pela redução dos níveis séricos de IgG e de mais uma classe de imunoglobulina, pelo menos, e por ausência na produção de anticorpos específicos após exposição natural a um antígeno ou estímulo com vacina. Nos pacientes com ICV, os sintomas podem começar em qualquer idade, especialmente na segunda e terceira décadas de vida. Há destaque para as infecções gastrointestinais, nas quais a Giardia lamblia configura um agente etiológico relevante, e para as sinopulmonares, causadas por bactérias extracelulares. Nesses casos, com frequência o quadro evolui para sequelas pulmonares, mesmo diante de tratamento adequado. Apesar de a característica principal da doença ser a deficiência de anticorpos, existe a possibilidade de alguns pacientes apresentarem também comprometimento da imunidade celular. Principais imunodeficiências na população infantil DEFICIÊNCIA HUMORAL Doença Apresentação Deficiência seletiva de IgA • Geralmente assintomática • Infecções de repetição, especialmente nos sistemas respiratório e gastrointestinal • Alergias (asma) Imunodeficiência comum variável • Infecções de repetição, sobretudo nos sistemas respiratório e gastrointestinal Agamaglobulinemia ligada ao X • Infecções bacterianas recorrentes e/ou graves IMUNODEFICIÊNCIA COMBINADA Imunodeficiência combinada grave (SCID) • Apresentação precoce • Infecções graves e persistentes • Retardo no crescimento Giardia lamblia • Eczema DEFICIÊNCIA DE FAGÓCITOS Doença granulomatosa crônica • Abscessos • Adenite supurativa • Pneumonia Os portadores dessa imunodeficiência têm ainda maior suscetibilidade a afecções inflamatórias e autoimunes, como enteropatias, inflamação granulomatosa e citopenias, assim como a neoplasias, principalmente hematológicas, o que costuma ser bem caracterizado e pode até mesmo ser a primeira manifestação da ICV. Quando investigar IDPs na presença de doenças autoimunes do que desconfiar na infância? envolvido dão pistas importantes para o diagnóstico clínico. Contudo, cabe lembrar que, apesar de a maioria das crianças que adoecem com frequência ter imunidade normal, algumas podem realmente apresentar uma imunodeficiência de base e precisam ser reconhecidas. Conheça as principais hipóteses a suspeitar nesse grupo. Agentes infecciosos Laboratório • Doenças autoimunes • Bactérias e vírus • IgA diminuída (<0,07 g/L) ou ausente • Doença celíaca • Doenças autoimunes, notadamente citopenias e endocrinopatias • IgG e IgM normais • Bactérias extracelulares • Giardia lamblia • Ausência de resposta à vacinação • Sequela pulmonar • Células B >2% em sangue periférico • Malignidades • Bactérias encapsuladas • Sequela pulmonar • Mycoplasma spp • Ureaplasma spp • Giardia lamblia • Evolução fatal se não diagnosticada precocemente • IgG + IgA e/ou IgM diminuídas ou ausentes • IgG, IgA e IgM diminuídas ou ausentes • Ausência de resposta à vacinação • Enterovírus • Células B <2% em sangue periférico • Bactérias, vírus e fungos • IgG, IgA e IgM diminuídas ou ausentes • Agentes oportunistas (P. jirovecii) • Micobactérias • Abscessos (pulmonar, hepático ou cutâneo) • Bactérias catalase-positivas • Sepse • Fungos • Obstrução do trato gastrointestinal por granulomas • Patógenos não usuais ou oportunistas Formado por um conjunto de proteínas séricas, o sistema complemento é parte da resposta imune inata e participa da importante função de impedir a instalação das infecções, promovendo a destruição de microrganismos e a depuração de imunocomplexos e estimulando a inflamação. A deficiência de componentes iniciais da via clássica (C1q, C2 e C4) está mais frequentemente associada a doenças autoimunes, em especial ao lúpus eritematoso sistêmico. Já a deficiência primária de C3 e dos componentes tardios (C5 a C9) da via comum do sistema complemento está entre as imunodeficiências mais raras e se relaciona com uma maior vulnerabilidade a processos infecciosos, sendo as bactérias encapsuladas, como a Neisseria meningitidis, o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae, os patógenos mais comumente envolvidos. CDC Complicações Deficiência congênita do complemento compromete a imunidade inata • Redução ou ausência das células T • Índice de oxidação neutrofílico diminuído no teste da di-hidrorrodamina (DHR) • Autoimunidade e alta suscetibilidade para infecções • Doenças autoimunes na infância (em idade precoce e no sexo masculino) • Autoimunidade associada a manifestações atópicas ou similares • Múltiplas doenças autoimunes em qualquer idade • História familiar de imunodeficiência primária Fonte: Carneiro-Sampaio M, Coutinho A. J Clin Immunol, 2008; 28 (Suppl 1): S4–S10. Streptococcus pneumoniae Os defeitos na via do complemento podem ser inicialmente investigados por meio de ensaios hemolíticos para avaliação da via clássica (CH 50) e, se necessário, da via alternativa (AP 50). Os exames fornecem uma ideia da integridade funcional da cascata do complemento. Caso haja anormalidade, devem ser dosados os componentes individuais apropriados, de acordo com o cenário clínico-laboratorial. na prática Conheça os recursos empregados na investigação de IDPs O estudo das imunoglobulinas e dos linfócitos fornece respostas objetivas no esclarecimento dos casos. Avaliação das imunoglobulinas séricas A principal ferramenta na avaliação da imunidade humoral, geralmente suficiente para confirmar ou afastar a suspeita de deficiência de anticorpos, é a quantificação das imunoglobulinas G (IgG), A (IgA) e M (IgM). Esses testes são realizados por turbidimetria ou por nefelometria, que apresentam a vantagem da automação, bem como alta sensibilidade e baixa variabilidade intrínseca. Da mesma forma, a quantificação das quatro subclasses de IgG também pode ser útil em situações de suspeita clínica de deficiência de anticorpos, na presença de níveis séricos normais de imunoglobulinas. Além disso, a medida da produção de anticorpos específicos a antígenos igualmente tem utilidade para verificar a adequação da resposta humoral do ponto de vista funcional. Para essa avaliação da IgG, por exemplo, é possível solicitar sorologias a antígenos proteicos aos quais o indivíduo foi previamente sensibilizado, como os do tétano, do sarampo e da rubéola. Ocorre que, mesmo diante de quantidades normais de imunoglobulinas, o comprometimento da função dos anticorpos pode estar presente. Vale adicionar que alguns pacientes apresentam deficiência específica na produção de anticorpos contra antígenos polissacarídeos. Esse defeito pode ser pesquisado por meio da titulação de anticorpos antipneumocócicos pelo menos de quatro a seis semanas após a imunização com vacina pneumocócica não conjugada. Quantificação das subpopulações de linfócitos Utilizando citômetros de fluxo, equipados com mais de quatro cores, anticorpos monoclonais e microesferas fluorescentes, a quantificação das subpopulações linfocitárias por citometria de fluxo com tecnologia de plataforma simples é um exame fundamental para auxílio ao diagnóstico das imunodeficiências primárias, tanto humoral quanto celular. A metodologia permite a contagem absoluta e percentual de linfócitos B (CD19+), linfócitos T (CD4+ e CD8+) e células NK (CD16+/CD56+) somente com a utilização de medidas derivadas do citômetro, baseando-se na adição de um número conhecido de microesferas a um volume conhecido de amostra. Ao contrário do método anteriormente utilizado, a chamada plataforma dupla, que era suscetível a um maior número de resultados imprecisos e a uma maior variação interlaboratorial, a plataforma simples possui não só maior acurácia e reprodutibilidade, como também consegue resolver resultados discrepantes e ainda diminuir a quantidade de casos que necessitam de reanálise e nova coleta. Tanto o nível sérico das imunoglobulinas quanto os valores dos linfócitos devem ser interpretados à luz da história clínica e da idade do paciente. saiba+ é uma publicação da a+ medicina diagnóstica • Responsável técnico: Dr. Celso Francisco Hernandes Granato (CRM 34.307) • Editora científica: Dra. Fernanda Aimée Nobre • Editora executiva: Solange Arruda • Produção gráfica: Solange Mattenhauer Candido • Impressão: Burti • Contribuíram com esta edição: Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade e Dr. Sandro Felix Perazzio, assessores médicos do Grupo Fleury em Imunologia Assessoria técnica SP: [email protected] RJ: [email protected] PE: [email protected] BA: [email protected] RS: [email protected] PR: [email protected]