| ODONTOLOGIA HOSPITALAR | DE SORRISO ABERTO O IMPACTO DO SERVIÇO DE ODONTOLOGIA HOSPITALAR NA QUALIDADE ASSISTENCIAL E OS DESAFIOS EM IMPLANTÁ-LO Por Daniela Dias A atenção à saúde bucal de um indivíduo internado, em especial nos casos de doenças graves, é fundamental no ambiente hospitalar e condição indispensável a uma assistência efetiva. Essa percepção vem crescendo nas últimas décadas, seja pela ampliação e reconhecimento do papel do profissional de odontologia, seja pelo movimento em favor da segurança do paciente. A higiene oral adequada em hospitalizados interfere diretamente na prevenção e controle dos casos de infecções e complicações de quadros clínicos, o que impacta a eficácia do tratamento como um todo, o tempo de internação, o uso de recursos e, consequentemente, os custos para a instituição. “As intervenções odontológicas preventivas, curativas e paliativas são relevantes no controle de intercorrências e 62 | Melh res Práticas sobretudo na qualidade de vida e sobrevivência do paciente, mas ainda são raras, mesmo nos hospitais privados”, explica Elaine C. Camargo, fundadora e presidente da Associação Brasileira de Odontologia Hospitalar (ABRAOH) e integrante de equipe multiprofissional do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Na opinião de Elaine, a presença de profissionais odontológicos nas equipes dos hospitais deveria ser ampliada para além de casos especiais e cirurgias específicas. “O odontólogo pode atuar de forma multidisciplinar também com pacientes de ambulatório, emergência, unidades de internação”. Segundo explica, o exame odontológico logo após a acomodação do paciente ao leito para orientações e condicionamento bucal básico é um grande aliado no resultado assistencial final do paciente. Entre os exames e prescrições auxiliares, estão: tratamento para acidentes dentários trans e pós-operatórios; prescrição do controle personalizado de placa bacteriana; controle dos efeitos indesejáveis do tratamento sobre o sistema estômato-dentário; programa preventivo para cárie dentária; xerostomia, mucosites; candidíase; consultoria para profissionais, familiares e cuidadores; controle dos fatores de risco de infecção; exame, orientação e prescrição de cuidados específicos, raspagem de tártaro, entre outros. Como resultado, observa-se, por exemplo: redução da incidência de pneumonia, menor necessidade de antibióticos; controle das infecções bucais por fungos, vírus e bactéria; diminuição do tempo de internação e dos custos hospitalares. A UTI Na Unidade de Terapia Intensiva, os riscos de uma orientação odontológica inadequada são ainda maiores. “Isso acontece devido à microbiota da própria UTI, com germes mais resistentes, e a condição de gravidade da doença da pessoa. O uso de cateteres e sondas também pioram a imunidade natural e favorecem a invasão de microrganismos na árvore brônquica. Em pacientes com ventilação mecânica, o tubo endotraqueal acaba “guiando” as secreções bucais com germes até as re­ A HIGIENE ORAL ADEQUADA EM HOSPITALIZADOS INTERFERE DIRETAMENTE NA PREVENÇÃO E CONTROLE DOS CASOS DE INFECÇÕES E COMPLICAÇÕES DE QUADROS CLÍNICOS, O QUE IMPACTA A EFICÁCIA DO TRATAMENTO COMO UM TODO giões mais internas do sistema respiratório. “Sabemos que 48 h após a admissão na UTI, o biofilm oral que antes era colonizado por patógenos gram +, comuns à cavidade bucal, passam a ser colonizados por patógenos potencialmente respiratórios gram – e, através de microinfiltrações ocorridas entre o balonete e a traqueia, atingem as vias aéreas inferiores”, explica Claudia Baiseredo, diretora do Centro Multidisciplinar de Odontologia Intensiva (CEMOI). “A pneumonia associada à ventilação (PAV), responsável por altos índices de mortalidade, nas UTIs tem uma redução significativa quando há cuidados odondológicos ao paciente. Cabe ao cirurgiãodentista criar e estabelecer protocolos de higiene oral, juntamente com a comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH), treinando e monitorando a equipe de enfermagem”, diz. Além dos protocolos específicos, a atua­ç ão do profissional também está voltada à remoção de focos infecciosos, manifestações orais de doenças sistêmicas, prevenção e tratamento de úlceras traumáticas, além das ações preventivas, curativas e paliativas. Um dos problemas mais comuns para a inserção do profissional de odontologia nos hospitais, em especial nas UTIs, é a falta de indivíduos com qualificação e treinamento. Não há regulamentação atual que INTERVENÇÕES ODONTOLÓGICAS E COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS: UMA ESTREITA RELAÇÃO As complicações infecciosas podem começar pelo comprometimento do equilíbrio nas bactérias da boca do paciente, muitas vezes causado pelo estresse sofrido durante a internação e pelas interações medicamentosas que afetam diretamente o estado geral do organismo. Em certos casos, pode haver a proliferação de microorganismos e a formação um biofilme (placa bacteriana) capaz de espalhar-se não só pelas gengivas, como pelos próprios dentes, bochechas e língua com uma resistência tão contundente que é necessário mais do que uma simples higienização rotineira para extirpá-las. Para quem tem diabetes, por exemplo, há propensão para que surjam feridas na boca ou mesmo pequenos vasos sanguíneos mais fragilizados que venham a romper-se. Essa abertura pode abrir caminho para a penetração das bactérias bucais na corrente sanguínea. “Doenças que acometem a boca como por exemplo, a doença periodontal tem relação direta com diversas morbidades sistêmicas, tais como aterosclerose, infarto agudo do miocárdio, nascimentos prematuros, baixo peso de criança ao nascer, problemas respiratórios, gastrites, endocardites, inclusive sepsis”, ou seja, as lesões infecciosas podem desencadear agravos sistêmicos significativos. Melh res Práticas | 63 | ODONTOLOGIA HOSPITALAR | discrimine as atividades e especializações necessárias para atuar nesse segmento, embora ele exija um conhecimento profundo da fisiologia humana e das patologias. Normalmente, os especialistas, quando estão presentes nas equipes, são oriundos de odontologia para pacientes com necessidades especiais, estomatolgia e cirurgia e traumatologia buco-maxilo-faciais porque são as que mais estudam propedêutica clínica, que têm mais proximidade com a rotina hospitalar. “Mas há sinais de que essa história já começa a mudar. Neste ano, a III Assembleia Nacional de Especialidades Odontológicas determinou que a odontologia hospitalar seja uma área com registro de habilitação junto ao Conselho Federal de Odontologia (CFO). O profissional para ser registrado deve ter o perfil e as qualificações para o perfeito entrosamento com as equipes multiprofissionais ou transprofissionais hospitalares”, conta Elaine Camargo. Para Cláudia Baiseredo, a qualidade técnica demanda um processo periódico e sistemático de análise desses profissionais por meio de instituições dedicadas e especializadas, e cita como exemplo os conceitos e propostas apresentados pelo Colégio Brasileiro de Odontologia Hospitalar e Intensiva (CBROHI). Outra dificuldade encontrada pelos ALÉM DOS PROTOCOLOS ESPECÍFICOS, A ATUA­ ÇÃO DO PROFISSIONAL TAMBÉM ESTÁ VOLTADA À REMOÇÃO DE FOCOS INFECCIOSOS, MANIFESTAÇÕES ORAIS DE DOENÇAS SISTÊMICAS, ALÉM DAS AÇÕES PREVENTIVAS, CURATIVAS E PALIATIVAS hospitais é o convencimento das operadoras de saúde sobre a importância desses procedimentos, que oneram a conta no primeiro momento. “Há um baixo percentual de atendimento assistencial das operadoras da saúde suplementar nessa área de atuação. São raros os planos de saúde que autorizam procedimentos odontológicos em ambiente hospitalar”, conta Elaine. Os poucos casos em que isso ocorre mostram que não há motivos para arrependimento: “As estatísticas justificam o investimento, garantindo excelência no atendimento. Entretanto, o grande desafio ainda é fazer com que instituições de saúde compreendam que qualidade, segurança e ampla assistência ao paciente é um elo único e permanente quando se deseja manter o padrão de excelência mitigando riscos”, finaliza a pesquisadora. ACREDITAÇÃO Conhecimento técnico é apenas um dos pilares para a qualidade e segurança do paciente e profissional na odontologia hospitalar. Outros focos de atenção são: gerenciamento de precauções padronizadas, riscos ocupacionais, conduta após exposição ao material biológico, higienização, antibiótico profilaxia, gerenciamento de resíduos e proteção radiológica, ademais de seguir as regulamentações e normas SEU HOSPITAL VAI IMPLEMENTAR UM SERVIÇO DE ODONTOLOGIA HOSPITALAR? Elaine Camargo, do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, dá algumas orientações: >>> Informe a existência do novo serviço nas unidades e para todos os profissionais. >>> Desenvolva com a enfermagem a técnica a ser adotada. >>> Crie indexadores para avaliação da contribuição do serviço na qualidade total. >>> Participe dos rounds e grupos de estudo juntamente com médicos e residentes. Integre-se. >>> Esteja disponível para a enfermagem. Mensagens eletrônicas e celulares são bons canais. >>> Disponibilize o serviço de odontologia para realização dos procedimentos, inclusive no leito do paciente. 64 | Melh res Práticas MELHORIAS ESPERADAS: • Diminuição de custos e média de permanência hospitalar; • Oportunidade de Ensino e Pesquisa; • Aumento da qualidade no atendimento, benefícios ao paciente, profissionais envolvidos e na missão do CHSCPA. previstas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Nada diferenciaria um atendimento em consultório do realizado no hospital sob a ótica sanitária, se não fosse a posição do profissional durante o atendimento ao paciente (ergonomia), as barreiras físicas existentes em UTI e a complexidade clínica do paciente hospitalizado. A odontologia é a mesma, podendo ser empregada em qualquer lugar, desde que se obedeça às peculiaridades exigidas para um ambiente clínico, domiciliar ou hospitalar”, afirma dra. Claudia. A equipe, alinhada, pode contar ainda com ferramentas de mapeamento, padronização, processo e desenvolvimento de indicadores que garantam a qualidade do processo, amparados pelos modelos indicados nas metodologias de acreditação para garantir uma assistência segura e de qualidade. “A acreditação de serviços odontológicos tem atraído a atenção de entidades do setor, a procura é pequena, mas vem crescendo significativamente. É preciso estar preparado e atento ao grau de complexidade das cirurgias e saber se a infraestrutura existente permite que o procedimento seja feito no local com segurança”, conta a superintendente da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Maria Carolina Moreno. CASO PRÁTICO Entrevista com Isabela Castro, responsável pelo atendimento odontológico a pacientes de alta complexidade da Casa de Saúde São José. COMO FUNCIONA A EQUIPE DE ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA NO HOSPITAL? O trabalho da odontologia hospitalar começou em dezembro de 2013. Basicamente, consiste em realizar rotina nos setores fechados e atuar como parecerista nas enfermarias. Nos CTIs, por uma questão prioritária, os pacientes elegíveis são aqueles em ventilação mecânica. Durante as visitas clinicas realizadas pela odontologia, emite-se um parecer especializado sobre o quadro bucal do paciente. Por isso, é fundamental que o cirurgião-dentista seja um profissional capaz de vislumbrar a interface saúde bucal versus saúde geral. Assim, um tratamento odontológico em CTI só é executado se for gerar desdobramento positivo no estado geral do paciente. Em outras palavras, é necessário que o quadro bucal apresentado esteja alterando o estado clínico e laboratorial do paciente e que represente piora em seu estado. COMO É O ACOMPANHAMENTO DOS CASOS? O dentista realiza rotina nos pacientes internados. Caso haja necessidade fora de seu horário de trabalho, é acionado como sobreaviso da odontologia. Todos os pacientes internados nos setores fechados são vistos, independente da criticidade do caso. Quando não há demanda por tratamento odontológico a realizar, a odontologia estabelece protocolos personalizados de higiene oral com vistas à manutenção da saúde bucal. Nos casos em que se identifica que a intervenção odontológica poderia contribuir para o melhor curso clínico do caso como um todo, a conduta é amplamente discutida com os médicos (rotina) da casa. Juntos, decide-se sobre a conduta de acordo com o estado clínico vigente e sempre considerando a relação custo x benefício da abordagem. O QUE ESPERAR DA EQUIPE DE ODONTOLOGIA HOSPITALAR >>> Detectar fatores de risco e anomalias intrabucais. >>> Controlar infecção e bacteremia de origem odontogênica. >>> Adotar medidas preventivas para saúde bucal. >>> Ajudar no estado geral e recuperação do paciente. >>> Confeccionar protetores intraorais. >>> Tratar de acidentes dentários trans-operatórios. >>> Minimizar posterior reabilitação. >>> Avaliar e corrigir prótese traumatizante. >>> Prevenir cárie e doenças periodontais. >>> Manter a capacidade mastigatória e fonética. >>> Controlar os efeitos das medicações: xerostomia e mucosites. >>> Controlar os fatores sistêmicos (diabetes, enfermidades hematológicas, cardiovasculares e nefropalógicas). >>> Orientar dentistas clínicos ou especialistas em suas condutas e manejos ao paciente do tratamento fora do hospital. Melh res Práticas | 65