PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO Curso de Relações Internacionais TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO FORMAÇÃO E FIM DA IUGOSLÁVIA: UMA VISÃO HISTÓRICA E GEOESTRATÉGICA. Autor: Luiz Gonzaga Bonfim Filho Orientador: Nelson Santini Júnior BRASÍLIA-DF 2012 LUIZ GONZAGA BONFIM FILHO FORMAÇÃO E FIM DA IUGOSLÁVIA: UMA VISÃO HISTÓRICA E GEOESTRATÉGICA Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Dr. Nelson Santini Júnior Brasília TERMO DE APROVAÇÃO Monografia de autoria de Luiz Gonzaga Bonfim Filho, intitulada “FORMAÇÃO E FIM DA IUGOSLÁVIA: UMA VISÃO HISTÓRICA E GEOESTRATÉGICA.” Apresentada como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Relações Internacionais, defendida e aprovada em pela banca examinadora constituída por: Nome do Professor ___________________________________________________________________ Nome do Professor Nome do Professor Brasília UCB RESUMO Referência: BONFIM FILHO, Luiz Gonzaga. Formação e Fim da Iugoslávia: uma visão histórica e geoestratégica.2012.41f. Monografia apresentada ao curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2012. O objetivo deste trabalho é mostrar a impossibilidade de manter unido um Estado Iugoslavo sobre diferentes identidades nacionais como a sérvia, croata, muçulmana, montenegrina, eslovena e macedônia. Para compreender este cenário político é necessário: Analisar o processo histórico dos diferentes Impérios ali passados: Alexandrino, Romano, Bizantino, Austro-Húngaro e Otomano. A Formação da Iugoslávia só foi possível no contexto da Guerra Fria e se tornou inviável após a morte do General Tito seu governante e também por causa do fim da bipolaridade que se acabou com o fim da União Soviética. Após estes dois importantes eventos, sentimentos nacionalistas despertaram dentro do país que levaram a guerras separatistas sangrentas nos anos 1990 entre bósnios, croatas e sérvios. Ao final deste processo foram criadas seis novas nações: Eslovênia, Croácia, Sérvia, Montenegro, Macedônia e Bósnia-Herzegovina. Este processo se analisará com mais detalhes analíticos neste presente trabalho. ABSTRACT Reference: BONFIM FILHO, Luiz Gonzaga. Formation and the end of Yugoslav: one strategic and history vision 2012. 41f. Monograph presented to the course of International relations at the Catholic University of Brasília. Brasília: the Catholic University of Brasília, 2012. Introduction: The objective of this work is to show the impossibility to keep united a Yugoslav State with different national identities such as Serbian, Croatian, Muslim, Montenegrin and Kosovar. To understand this politic scenery it is necessary to analyze the historical process of the different empires from the old days: Alexander, Roman, Byzantine, Austrian-Hungarian and Ottoman. The formation of Yugoslavia was possible in the context of the Cold War and became impossible after the death of General Tito, his leader, and also because the end of Soviet Union. After those two important events, feelings of nationalism woke up inside that country and led people to bloody separatist wars in the 1990’s between Bosnians, Croatians, and Serbians. At the end of this process six new countries were created: Slovenia, Croatia, Serbia, Montenegro, Macedonia and Bosnia. This process will be analyzed with more details in this work. RESUMEN Referencia: FILHO BONFIM, Luiz Gonzaga. Formación y fin de Yugoslavia: una visión histórica y estratégica. 2012. 41f. Monografía presentada al curso de Relaciones Internacionales de la Universidad Católica de Brasília. Brasília: de la Universidad Católica de Brasília,2012. El Objetivo de este trabajo es mostrar la imposibilidad de mantener unido un Estado yugoslavo con diferentes identidades nacionales como servia, croata, musulmán, montenegrina, eslovena y kosovar. Para comprender este escenario político se hace necesario analizar el proceso histórico de los diferentes imperios allí existentes: EL Alejandrino,Romano, Bizantino, Austro- Húngaro y Otomano. La Formación de Yugoslavia sólo fue posible en el contexto de la Guerra Fría y se hizo inviable después de la muerte del General Tito su gobernante y también por causa de la bipolaridad que se acabó con el fin de la Unión Soviética. Después de estos importantes acontecimientos, sentimientos nacionalistas despertaron dentro del país que trajeron guerras separatistas sangrientas en los años 1990 entre bosnios, croatas y serbios. Al final de ese proceso surgieron seis nuevas naciones: Eslovenia, Croacia, Serbia, Montenegro, Macedonia y Bosnia-Herzegovina. Este proceso se analizará con más detalles en este trabajo. LISTA DE SIGLAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados COMINFORM - Communist Information Bureau CSNU - Conselho de Segurança Das Nações Unidas FAO - (Food and Agriculture Organization) (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) G- 77 - Grupo dos setenta e sete OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte UNICEF - Fundo Internacional das Nações Unidas para a Criança e Educação URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................... 7 ABSTRACT ................................................................................................................. 8 RESUMEN .................................................................................................................. 9 LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 10 SUMÁRIO.................................................................................................................. 11 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12 1.1 O PROBLEMA E SUA IMPORTÂNCIA ................................................................................................ 12 1.2.1 Como manter uma Iugoslávia unida como Estado Nacional dentro de uma realidade multiétnica em um contexto histórico conturbado? ............................................................................................... 12 1.2. HIPÓTESE ........................................................................................................................................ 15 1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................................... 15 1.3.1. Objetivo Geral ............................................................................................................................. 15 1.3.2 Objetivos Específicos .................................................................................................................... 15 1.4. METODOLOGIA............................................................................................................................... 15 2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 16 2.1.REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................................................. 16 2.2 MARCO TEÓRICO ............................................................................................................................ 18 3 DESENVOLVIMENTO ........................................................................................... 21 3.1 Antecedentes históricos .................................................................................................................. 21 3.1.2 Império Otomano ......................................................................................................................... 23 3.1.3 Início da Iugoslávia ....................................................................................................................... 25 3.2. IUGOSLÁVIA E TITO ........................................................................................................................ 28 3.3. IUGOSLÁVIA: GUERRAS NOS ANOS 90, INÍCIO DO FIM DO ESTADO ATÉ A DESINTEGRAÇÃO TOTAL ............................................................................................................................................................... 31 4 CONCLUSÃO......................................................................................................... 38 12 1 INTRODUÇÃO A problemática por meio da qual se formou a Iugoslávia e posteriormente se gerou o processo de desintegração de suas seis repúblicas autônomas é tema relevante de estudo deste trabalho. Analisar como e por quais razões ocorreu este esfacelamento do Estado Iugoslavo é importante para entender um processo violento do fim da Iugoslávia a partir dos anos 1990 da última década do século XX. No presente estudo, o foco principal é verificar porque é impossível manter unido um Estado iugoslavo com múltiplas identidades nacionais, com suas seis diferentes repúblicas devido a uma total falta de união política, econômica e étnica entre as mesmas, que acabaram por dividir a Iugoslávia por meio de sangrentas guerras, as quais geraram seis novos Estados no mapa político europeu: Bósnia, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Sérvia e Montenegro. 1.1 O PROBLEMA E SUA IMPORTÂNCIA 1.2.1 Por que é inviável manter uma Iugoslávia unida como Estado Nacional ? A Importância do problema de manter uma Iugoslávia unida como um Estado Nacional nos moldes do Estado Moderno Nacional ocorre porque, em um contexto histórico desfavorável, a manutenção da unidade territorial deste país se tornou totalmente inviável. A Iugoslávia, criada em um momento de grandes mudanças no cenário do mapa político europeu, passou por três fases: a de 1918- 1929, como reino dos Croatas, Sérvios e Eslovenos, de 1929 a 1945, como uma república parlamentarista nos moldes da França, e de 1945 até 1991, na época do General Tito. 13 Para compreender a complexidade do processo de formação da Iugoslávia no século XX é preciso recorrer a certos eventos políticos iniciados no século XIX. Nesse contexto histórico, Enquanto as grandes potências da Europa Ocidental ampliavam suas indústrias, a exemplo da Grã- Bretanha, Alemanha, ÁustriaHungria, França e, em menor grau, a Itália, os países da região dos Bálcãs ainda praticavam uma agricultura atrasada, e a maior parte da população oriunda dos países dessa região era analfabeta e dominada por grandes fazendeiros. Países como a Sérvia tinham uma grande dívida externa e dificuldades em obter um desenvolvimento econômico. A Romênia também tinha problemas porque devia mais de 1,7 bilhões de francos. Nesse cenário o Império Otomano já estava muito enfraquecido e controlava apenas 20% da península balcânica. Nesse ínterim, a Áustria-Hungria aproveitou-se da fragilidade de vácuo de poder na região para anexar a Bósnia-Herzegovina. O Império Austro- Húngaro tentou “colonizar” a região ao trazer católicos romanos da Tchecoslováquia, da região da Croácia e Eslovênia, numa tentativa astuta de diminuir o número maior de sérvios na região. A Sérvia se empenhou em conquistar a Macedônia e Albânia, que tinham como apoio o reino de Montenegro, cujos valores se identificavam com a Sérvia, como o idioma servocroata, a fé católica ortodoxa, e a utilização do alfabeto cirílico, nome derivado do Imperador Cirilo, seu autor. Os sérvios tinham também o apoio da poderosa Rússia e recebiam armamentos das potências ocidentais. Neste contexto, Sérvia, Bulgária e Grécia se uniram em 1912 com o objetivo de tomar o último país sob domínio dos otomanos na região: a Macedônia. Esta Liga Balcânica venceu a guerra e expulsou os turcos otomanos dos Bálcãs. A Albânia aproveitou-se disso para proclamar sua independência, pois era um protetorado dos otomanos. A consequência desta guerra foi o aumento do território de Sérvia e Montenegro. Depois disso, houve a segunda Guerra Balcânica da Sérvia, Romênia e Turquia contra a Bulgária. A Sérvia saiu vencedora, dobrando o seu território. Nesse momento histórico, havia seis países independentes nos Bálcãs: Albânia, Bulgária, Grécia, Romênia, Sérvia e Montenegro. Áustria-Hungria, Alemanha e o Império Otomano formavam a Tríplice Aliança, enquanto França, Inglaterra e Rússia eram a Tríplice Entente. Tais alianças 14 ocorreram no início do século XX e tinham como objetivo a luta pela conquista de territórios no qual os Bálcãs estavam inseridos no contexto. Essas potências disputavam a hegemonia e domínio político na região dos Bálcãs. No dia 28 de junho de 1914, num ato de ousadia e provocação, o arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando decidiu ir a Sarajevo, capital da Bósnia com o objetivo de demonstrar seu poder. É importante recordar que o valor simbólico dessa data para o reino da Sérvia, pois no mesmo dia e mês em 1389 fora derrotada pelos turcos na batalha de Kosovo na época que reinava na Sérvia o rei Dusan. Então,em 1914, um estudante da organização sérvia “Mão Negra” assassinou o Arquiduque e sua esposa. Foi o estopim para o início da primeira guerra mundial. A Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia que por sua vez, recebeu o apoio de russos, franceses e ingleses. Os austro-húngaros perderam o domínio imperial na Bósnia após serem derrotados pelos franceses e ingleses. Apesar de a guerra ter se iniciado e se desenvolvido nos Bálcãs, foi decidida na Europa Ocidental. Surgiam duas novas potências mundiais não europeias, os Estados Unidos e o Japão. O resto do império turco se acabou e a Alemanha ficou com uma pesada dívida de guerra. Surge então uma nova ordem mundial na Conferência de Versalhes (1919). O principal objetivo dessa Conferência era manter a paz na Europa, num novo equilíbrio de poder entre as principais potências da região: França, GrãBretanha, Itália e Alemanha. Nesse momento renascem ideias políticas antigas da “Grande Sérvia” e é criada a união do Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia. O problema era enorme, porque havia conflitos de fronteiriços com todos os vizinhos: Albânia, Áustria, Hungria, Bulgária, Itália e Romênia. A ideia da “grande Sérvia” era fora da realidade porque idealizava a união de todos os povos eslavos. Seria uma monarquia parlamentarista nos moldes da França. Um problema muito sério na região era seu atraso econômico e extrema dependência de uma agricultura primária e atrasada. Apesar de o rei Alexandre fazer uma reforma agrária na Sérvia, esta não foi suficiente para a estabilidade da economia local. Este grave problema econômico deu margem para que duas ideologias políticas pudessem tentar dominar a região: o nazi-facismo e o comunismo. 15 1.2. HIPÓTESE -Mostrar porque ocorre a impossibilidade de manter um Estado iugoslavo unido sobre múltiplas identidades nacionais e contexto histórico conturbado no âmbito externo e interno. 1.3 OBJETIVOS 1.3.1. Objetivo Geral - Estudar o processo de desintegração do Estado Iugoslavo e a impossibilidade de manutenção deste. 1.3.2 Objetivos Específicos - Avaliar como o processo de formação dos diferentes Estados (Croácia, Eslovênia, Sérvia, Montenegro, Macedônia e Bósnia. ocorreu com a desfragmentação da Iugoslávia. -Compreender o fim de um Estado socialista com um modelo de socialismo autônomo em relação aos países satélites dominados pela União Soviética. -Mostrar as causas e consequências das guerras iugoslavas na década de 90 do século XX. 1.4. METODOLOGIA Será utilizada neste trabalho a investigação de fatos históricos, políticos, econômicos e culturais, para que se possa compreender o processo gradual, progressivo e cronológico da formação e em um momento posterior do Fim da Iugoslávia. O método será dedutivo e indutivo e será utilizada em seu tipo de pesquisa a bibliografia de vários autores consagrados pertinentes ao assunto em questão, Formação e Fim da Iugoslávia a exemplo de Huntington (1997), em sua obra “Choque de Civilizações”; Sérgio Aguilar em “A guerra da Iugoslávia – Uma década de crise nos Bálcãs”;(2003) “Ascensão e Queda das 16 grandes potências” de Paul Kennedy;(1989) “ Na Guerra na Bósnia” de Claudinei Roncollato,(2004) “Iugoslávia holocausto nos Bálcãs” do jornalista espanhol Alfonso Rojo;(1992) “Era dos extremos”, do historiador Eric Hobbsbawm(1995) “Da Balcanização à Balcanização”, de Moacir Nunes e Silva. (2008) As fontes bibliográficas previamente citadas são de suma importância para o desenvolvimento de pesquisa deste trabalho, com o objetivo de chegar a um resultado plausível e compreensível para estabelecer a possibilidade de desenvolvimento de capítulos para uma futura consulta por alunos, professores, mestres e estudiosos que desejem compreender os porquês da desintegração iugoslava. A veracidade e constatação desse fenômeno histórico e geopolítico está presente de maneira detalhada e explícita em maior ou menor grau em cada uma das obras citadas, já que todas elas fazem uma referência direta ao tema Iugoslávia. A partir dessa vasta literatura e devido à riqueza de detalhes dessas obras clássicas da Literatura de Relações Internacionais, buscar-se-á, com maior êxito possível o entendimento do surgimento e fim de um Estado Nacional, no caso, a Iugoslávia, que só existiu de fato e de Direito de 1929 a 1991 ,em sua maior parte durante a Guerra Fria. Nesta monografia utilizar-se-ão as regras citadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) importante para a elaboração de trabalhos acadêmicos. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O tema Iugoslávia tem uma riqueza de análise política, cultural e econômica muito grande e relevante para o estudo das Relações Internacionais. Isso se nota nas mais diversas obras bibliográficas referentes ao tema e abordadas neste trabalho. Roncollato(2004) em “Guerra na Bósnia”(2008) e Alfonso 17 Rojo(1992), em “Iugoslávia Holocausto nos Bálcãs” mostram uma visão mais dramática e assustadora das consequências das guerras iugoslavas no que diz respeito à destruição material e às violações dos direitos humanos segundo a visão do Ocidente na questão das liberdades de expressão política e religiosa. Relatam-se de maneira rica, clara e precisa os dramas e os conflitos da guerra na região. Nas obras de Brener,(1996) “Os Bálcãs História e crise”, Aguilar,(2003) em “A guerra da Iugoslávia: uma década de crise nos Bálcãs” e Silva, em seu livro “Da Balcanização à Balcanização”(2008) já mostra-se uma visão histórica e geoestratégica rica em detalhes e relevante para a compreensão de como surgiu a ideia de Nação da “Grande Sérvia” e seu projeto expansionista, bem como o que mais tarde viria a gerar a ideia de criação da Iugoslávia. Destacam-se também nestas obras a riqueza de mapas e a explicação de como se deu a evolução do mapa político daquela região ao longo da história desde o século XIV, mas principalmente a partir do século XIX, quando se deu o processo de aceleração do fim do Império Otomano, e no século XX com o fim do Império Austro-Húngaro, a divisão do mapa político europeu do Tratado de Versalhes de 1919, a criação da Iugoslávia após a primeira guerra e o começo de seu fim nos anos 90 do século XX. As mudanças do mapa europeu, da Primeira Guerra Mundial até o fim dos anos noventa foram muito acentuadas. No caso da região dos Bálcãs, foi bastante intensa com a geração de muitos novos Estados, a exemplo do que ocorreu em outras regiões da Europa ,como a ex-Tchecoslováquia ,dividida em República Tcheca e Eslováquia, ou os antigos Estados como Lituânia, Letônia e Estônia ,pertencentes à antiga União Soviética. No caso da Iugoslávia criaram-se, ao fim dos conflitos, seis novos Estados: Sérvia, Montenegro, Croácia, Bósnia- Herzegovina, Macedônia e Eslovênia. A Obra de Paul Kennedy “Ascensão e Queda das grandes potências”,(1989) embora não tenha uma relação direta com o tema, ajuda a compreender o fenômeno de formação da ideia de Nação e Impérios na Europa, porque é rica em explicar como se deu a formação de poderosos Impérios como o Britânico, Russo, Austro-Húngaro,o qual tem uma relação direta com o domínio nos Bálcãs. É uma obra bastante diversificada também de como se deram as 18 mudanças políticas do mapa europeu e por quais razões estas mudanças ocorreram no cenário político daquela região. A Iugoslávia também faz parte deste processo após a Primeira Guerra Mundial, assim como anteriormente o antigo Império Otomano e a Sérvia estiveram diretamente envolvidos neste contexto. Destaca-se também na bibliografia deste trabalho a obra clássica de Huntington (1997) “O Choque de Civilizações” onde o autor destaca dois capítulos, o 10 e o 11, para explicar com riqueza de detalhes o caso do problema das guerras da Iugoslávia, que, segundo o autor, entram na lógica de um de seus estudos científicos onde as guerras modernas dar-se-ão no que o autor chama de linhas de fratura, ou seja, ocorrerão por causa de guerras entre civilizações e não entre Estados ,o que em parte motivou as guerras de ódio e limpeza étnica na ex- Iugoslávia. A obra de Hobbsbawmn, “A Era dos Extremos”, (1990) ajuda a compreender a loucura das ideias de ditadores e suas terríveis consequências para atingir seus objetivos políticos e econômicos, ainda que tenham que eliminar o “inimigo” comum. Em “Nações e Nacionalismo”,do mesmo autor ,há uma clara ideia de formação do sentido de Nacionalismo, ou o que seja pertencer a uma determinada Nação. Esta obra serviu como um dos pontos de partida pra que se pudesse desenvolver o processo histórico de formação da Iugoslávia uma vez que o autor mostra a formação de Estados como a Itália e a Alemanha no século XIX. Enfim, a obra de Olic,(1993) “A Desintegração do Leste”, faz uma análise geral do fim da União Soviética e a consequente desintegração de alguns Estados do Leste Europeu que estavam sob a “Cortina de Ferro” de Moscou. Embora a Iugoslávia não fosse dominada pela URSS, tinha influência do regime político socialista bem, como seu modelo econômico. 2.2 MARCO TEÓRICO Para o presente estudo foi escolhida a Escola Realista das Relações Internacionais como base para o marco teórico. A teoria realista clássica diz 19 que a ordem internacional é anárquica e os Estados estão sempre em conflito em busca de seus interesses. Tal escolha se deu pelo fato do presente trabalho envolver conflito armado, gerar um problema seríssimo de Segurança Internacional na Europa, na região dos Bálcãs, e haver chocado a opinião pública mundial quando da transmissão de conflitos, genocídios e fugas em massa de refugiados de guerra naquela região. A relevância dos atores internacionais mais importantes como os Estados envolvidos no conflito diretamente (Sérvia, Croácia, Bósnia, Eslovênia, Montenegro e Macedônia) e os indiretamente (Países da OTAN, Rússia, Estados Unidos e até mesmo o Brasil) servirá para defender os argumentos de que a teoria realista se encontra no trabalho pelo motivo de que diversas variáveis de natureza, étnica, política e econômica levem a impossibilidade real de manter um Estado iugoslavo unido sem a possibilidade de verdadeiros e crueis massacres étnicos jamais vistos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Foi utilizada uma vasta bibliografia que aborda o assunto de maneira clara, precisa e detalhada, e outros que apesar de não terem necessariamente esta relação direta servem de arcabouço teórico para explicar porque a teoria realista é a melhor para se analisar e explicar o fenômeno político da formação e fim da Iugoslávia como Estado Nacional. Entre os autores está o clássico Huntington, em “Choque de Civilizações”,(1997) Paul Kennedy, em “Ascensão e Queda das Grandes potências” , Sérgio Aguilar, em “Iugoslávia uma década de crise nos Bálcãs”,(2003) MOACIR (2008) , com a obra da “Balcanização à Balcanização. “ Estes são os principais autores nos quais se fundamentou este trabalho que teve como bibliografia pesquisada também outros autores como OLIC(1993), ALFONSO ROJO(1992), HOBBSBAW(1990) e BRENER(1996). A literatura investigada e usada neste trabalho adota principalmente o espaço-temporal que vai do Século XIV quando da formação da ideia de se criar a “Grande Sérvia”,a qual seria mais tarde defendida com projetos expansionistas no Século XIX e mais tarde o que viria a ser a Iugoslávia em 1929, e em menor medida e proporção desde a época do Império Macedônico, passando pelo Império Romano até os dias atuais. O século XX, no período que vai de 1918 até 1999 é o contexto histórico da real existência da Iugoslávia. Por outro lado, é completamente impossível 20 compreender o processo de formação e fim da Iugoslávia sem recorrer a um antecedente histórico muito rico do ponto de vista de influência político-cultural ao longo da História a exemplo da influência do Império Otomano e Austrohúngaro que dominaram esta região durante muitos séculos. A Iugoslávia é uma prova real, de que os Estados defendem seus interesses e que se precisarem usar a força militar para atingi-lo o farão, ainda que tenham que destruir o outro Estado. Durante os conflitos que levaram ao processo de desintegração da Iugoslávia, a imprensa internacional deu destaque às guerras iugoslavas com terríveis relatos de crimes de guerra desumanos, como genocídio por parte de bósnios, sérvios e croatas, estupros, mutilações, bem como danos materiais com a destruição de casas, templos religiosos, infra-estrutura de cidades com luz, água e energia. Há um fato muito curioso, porque apesar de as três principais etnias (sérvios, croatas e bósnios) terem cometido abusos durante os conflitos, a imprensa norte-americana elegeu somente os sérvios como “criminosos” de guerra e os bósnios como “vítimas” dos conflitos. Destaca-se também o apoio militar de países como Arábia Saudita, Irã e Paquistão a Bósnia, enquanto a Croácia recebia apoio militar da OTAN e a Sérvia, da Rússia. Huntington explica com clareza de detalhes estas complexas alianças na região em sua obra “Choque de Civilizações”. (1997) Já o jornalista espanhol Alfonso Rojo, em sua obra “Iugoslávia Holocausto nos Bálcãs”, faz uma narrativa dramática das consequências dos conflitos na região. De maneira semelhante, porém com uma ênfase mais de uma experiência pessoal, o Oficial Claudinei Roncollato(2004) faz relatos terríveis em seu livro a “Guerra na Bósnia “de como a guerra afetou psicologicamente a população local. Não há como analisar o processo histórico da Iugoslávia sem considerar as terríveis consequências destes conflitos onde houve a presença de campos de concentração e de extermínio semelhantes aos construídos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Centenas de milhares de pessoas foram assassinadas pelo simples fato de pertencer a uma determinada etnia. Enfim, a experiência da intolerância e selvageria na desintegração da Iugoslávia é algo traumático que não se espera que se repita, e é uma prova 21 real de que a inviabilidade da manutenção da Iugoslávia é um fato devido à total impossibilidade de manter a unidade das estruturas políticas entre as seis repúblicas no extinto país. 3 DESENVOLVIMENTO 3.1 Antecedentes históricos A atual região dos Bálcãs situa-se a leste do continente europeu em uma posição estratégica perto do Mar Adriático, do Mar Egeu, da Ásia Menor e compreende atualmente os seguintes países: Albânia, Bósnia, Bulgária, Croácia, Eslovênia, Grécia, Macedônia, Montenegro, Romênia, Sérvia Turquia (parte europeia.) Um território total de menos de um milhão de quilômetros quadrados. Vale destacar que esta divisão política nem sempre foi desta maneira e aqui se analisará o processo de alteração do mapa político dessa região com ênfase especial na formação e fim da Iugoslávia. A história da região dos Bálcãs tem origem nos povos ilírios, os quais descendem de uma etnia de linhagem e língua de origem (indo-europeia) cujo tronco linguístico é a origem da maioria das línguas do mundo atual, principalmente dos idiomas da Europa, a exemplo das derivadas do Latim (espanhol, português, francês, italiano e romeno) ou as anglo-saxônicas também conhecidas como germânicas (alemão, inglês, sueco, norueguês, entre outras). Neste contexto, ainda se destacam as de origem eslava que pertencem ao mesmo tronco indo europeu que são as línguas: polonesa, russa, sérvio-croata (que antes eram separadas: existia o sérvio e o croata) ucraniano entre outras. Esse rápido histórico linguístico é muito importante para compreensão deste trabalho, já que nem todas as línguas pertencem a este tronco indo-europeu a exemplo do hebreu, japonês e o basco, cuja origem vem de outra lógica estrutural de linguagem. O Império Macedônico de Alexandre o Grande, no século IV antes de Cristo (AGUILAR 2003 pág 31) foi o primeiro a exercer uma dominação política 22 significativa na região e se estendeu por boa parte da Ásia, pois este Imperador conquistou o Egito, a Babilônia (atual Iraque), derrotou o poderoso Império Persa (Irã) do rei Dario, cujo reino se encontra em relatos bíblicos no livro das Lamentações e em Macabeus(século IV a.c) (presente só nas bíblias católicas). Neste império, Alexandre impôs aos povos conquistados os valores da civilização helênica (cultura grega). O Império de Alexandre chegou até as fronteiras da atual Índia. Alexandre morreu jovem, aos 32 anos, e seu império dividido então nesta ocasião por três de seus generais não pode subsistir porque havia divergências políticas entre eles e falta de uma boa unidade administrativa do reino. O Império Romano em 146 antes de Cristo (AGUILAR 2003 p.32), aproveitando-se desta fraqueza do império alexandrino, conquistou a região dos Bálcãs e a dominou por quatro séculos. Vale destacar que um dos sucessos do Império Romano foi a capacidade de permitir e tolerar certas práticas religiosas e civis dos povos conquistados ao possibilitar uma relativa autonomia a estes, desde que pagassem impostos e não perturbassem a “Paz Romana”. A possibilidade da promoção da cidadania romana em alguns casos também era algo que tornou este Império tão duradouro ao longo da História. A cidadania romana era algo concedido não só aos nascidos em Roma, mas a todos os que pertenciam ao Império que ia do atual Portugal até as proximidades da Turquia. Os romanos deixaram seu legado histórico e cultural na região e foram responsáveis pela construção de Belgrado (Singdunum), na Sérvia e Sofia (Serdica), na Bulgária. A região foi o cenário de violentas guerras por disputa do poder de Roma de onde surgiram importantes imperadores como Diocleciano e Constantino. Constantino foi o responsável por legalizar o Cristianismo em 313 D.C para reforçar seu poder temporal. Foi o responsável também pela construção de Constantinopla em 330, que mais tarde se tornaria Bizâncio (AGUILAR 2003 p.33), e hoje é a atual Istambul na Turquia. Divergências políticas levaram à divisão do Império Romano em 395 pelo Imperador Teodósio. Assim, o Império Romano se dividia em Império do Ocidente, cuja capital era Roma, e do Oriente também conhecido como Bizantino, cuja capital era Bizâncio. O novo Império Bizantino abarcava a 23 região dos Bálcãs, onde a principal língua era o Grego, e não o Latim. Estes dois idiomas eram os principais da Antiguidade em proporção aos da atualidade, como o inglês, e em menor grau, o espanhol no mundo. Esta divisão política foi uma das raízes para mais tarde em 1054 surgir outra divisão de caráter político-religiosa: A separação da Igreja de Roma (Católica Romana) da de Bizâncio (Católica Ortodoxa). Foi o Grande Cisma, a primeira divisão séria da Igreja na História. No século VI, as tribos eslavas chegaram na região e devido ao seu poder foram toleradas pelo Império Bizantino. Em 681 foi criado o primeiro estado eslavo: a Bulgária. Bizantinos e eslavos conviviam bem. Chegaram, então, os Otomanos. 3.1.2 Império Otomano A origem dos turcos é bem longínqua pois vem da Mongólia e da Manchúria (região da China).(BRENER 1996 p.13) Vale destacar que os turcos não pertencem aos povos árabes, apesar de a maioria adotar a religião islâmica como um de seus princípios. O Islamismo foi muito importante como unidade cultural e religiosa para expansão de conquistas militares e divulgação de valores comuns desta comunidade a diferentes povos da Antiguidade. Em apenas 100 anos, de 632 d.c anos de sua origem na Arábia como religião no mundo até 732 d.c quando foram derrotados na batalha de Poitiers por Carlos Martel na França, o islamismo conquistou todo o Norte da África e quase todo o Oriente Médio. Chegaram a dominar a Península Ibérica por mais de 700 anos, de 711 até 1492,quando foram expulsos de seu último reduto em Granada,na atual Espanha. É importante destacar que ao contrário do senso comum , o Islã era muito mais tolerante a outras religiões que o catolicismo romano medieval,(BRENER1996 p.15) que matava a todos os que resistissem converter-se ao cristianismo. O Islã permitia uma relativa liberdade religiosa desde que seus cidadãos de outros credos pagassem pesados tributos, não ocupassem importantes cargos 24 públicos e não pegassem em armas. Mas podiam exercer sua fé sem problemas. Nos domínios do Império Otomano conviviam pacificamente, pessoas do cristianismo, judaísmo e islamismo, condição inimaginável na Europa medieval exceto em certas regiões da Espanha muçulmana. O império Turco Otomano tem sua denominação derivada do nome do emir Osman (ou Othman), chefe turco que declarou guerra santa aos “infiéis” do Império do Oriente. De 1362 a 1481 os turcos empreenderam-se em conquistar os Bálcãs e contavam então com os janízaros (poderosos e bem armados soldados profissionais) leais ao sultão.(BRENER1996 p. 17) A conquista turca foi facilitada pelo fracasso da tentativa de reunificação das Igrejas Católica e Ortodoxa, dívidas do Império Bizantino e o desgaste de França e Inglaterra na Guerra dos cem anos (1337-1453). Em 1372, a Sérvia e a Bulgária eram os dois reinos independentes dos Bálcãs. Em 28 de junho de 1389, ocorreu a famosa batalha de Kosovo, onde o rei turco Murad derrotou a Sérvia do rei Dusan com um exército de cem mil homens contra sessenta mil soldados sérvios, bósnios, albaneses e valáquios (romenos). Apesar de Murad morrer na batalha, os Otomanos ganharam a guerra e passaram a dominar a região. Em 1453, os turcos otomanos terminaram sua conquista no Oriente com a tomada de Constantinopla, ao colocarem a lua muçulmana no lugar da cruz na Igreja de Santa Sofia (a qual existe até hoje). A cidade passava então a se chamar Istambul. Apesar de seu enorme poder militar, o Império Otomano começou a enfraquecer porque sua economia não era tão forte e estava estagnada devido ao avanço econômico da Europa Ocidental por causa das descobertas marítimas da América e da Ásia no século XVI e XVII. Outro problema era a centralização de poder nas mãos do sultão e a falta de uma burguesia rica crescente e independente, como ocorria na Europa Ocidental. As duas tentativas frustradas de dominar Viena ,em 1529 e em 1683, cidade então pertencente ao Império Austrohúngaro, também colaboraram para o início da derrocada do Império turco. Aí veio uma série de derrotas: em Budapeste, na Hungria, em 1687, quando Viena tomou Atenas, e em 1688, os otomanos perderam Belgrado, na Sérvia.(BRENER 1996 p. 24-25) Estas derrotas otomanas também ocorreram por causa dos primeiros sentimentos de nacionalismo dos povos dominados, a 25 exemplo de gregos e sérvios, e a hostilidade de potências como a Rússia e outros países como a Polônia. O autor Hobbsbawn(1990) em sua obra “Nações e Nacionalismo” destaca em boa parte de seu livro o sentimento e o despertar do nacionalismo e do sentido de pertencer a uma determinada Nação. No contexto deste trabalho, destacamse os movimentos balcânicos que buscam a independência em relação ao Império Otomano. O rei Karageorge lutou contra os turcos de 1804 a 1813, quase criou a Sérvia. De 1821 a 1830, a Grécia se tornou independente do Império em uma violenta guerra. Enfraquecido, o Império Otomano foi invadido pela Rússia na Guerra da Criméia, em 1853. As potências europeias da época, Grã-Bretanha, França e Áustria, deram apoio, mas somente por interesses políticos e econômicos ao império Otomano, por temerem um maior domínio político do czar Nicolau I. Neste contexto ressurgiu a ideia de formação de uma “Grande Sérvia” nos moldes do tempo do rei Dusan no século XIV. Em 1877, o tratado de Santo Estéfano fazia os turcos entregarem Chipre à Grã-Bretanha, o Império Austro-Húngaro controlava a Bósnia–Herzegovina e Sérvia, Bulgária e Romênia ganhavam sua independência. Era o fim do Império Otomano. Uma nova região dos Bálcãs, com vários países independentes gerou outros problemas gravíssimos quanto à delimitação de territórios na região. Neste contexto, a Macedônia era disputada por gregos, búlgaros e macedônios. Os sérvios tinham problemas fronteiriços com o Império Austro-húngaro. Neste cenário os sérvios se identificavam com a Rússia, os croatas com o Ocidente católico, a Romênia com a Rússia e o Kaiser Alemão. Estas disputas complicadas e encarniçadas por territórios viriam a ser algumas das causas do início da Primeira Guerra Mundial e da formação da Iugoslávia como Estado Nacional. 3.1.3 Início da Iugoslávia Com uma economia desestabilizada, o reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos sofreu um golpe de Estado do rei Alexandre. Sob o domínio dos sérvios nascia 26 o reino da Iugoslávia, que significa: “o reino dos eslavos do sul.” Os ustachis (rebeldes) nacionalistas croatas, não aceitaram o golpe, e começaram a treinar guerrilheiros para separar-se da Sérvia. Os croatas tinham o apoio dos nazistas e do Vaticano para se separarem do reino da Sérvia. Recebiam este apoio por se identificarem com o Ocidente quanto a seus valores. Hitler aproveitou-se desta ideologia e simpatia dos croatas em relação aos nazistas para invadir esta região da Iugoslávia, e a partir daí, após 12 dias de bombardeio sobre Belgrado, conquistou o país em 1941. Montenegro foi entregue à Itália, a Eslovênia foi dividida entre alemães e italianos. Hitler usou uma tática astuta ao prometer a criação de um Estado croata independente, quando, na prática, ocorreu a mesma coisa que na Tchecoslováquia, onde havia um Estado eslovaco fantoche. Houve ali um genocídio pouco falado na mídia, em que centenas de milhares de sérvios foram executados nos campos de concentração, principalmente no campo de Jesenovac. O grande líder da resistência iugoslava foi o Marechal Josip Broz Tito, que em 1941 começou a guerrilha junto com seus partidários “partisans” para libertar o país do jugo dos nazistas. Mais de 350 mil soldados ajudaram na libertação da Iugoslávia. O programa político de Tito prometia uma reforma agrária radical com o fim dos latifúndios, e a criação de uma Federação Iugoslava onde nenhuma república dentro do novo país teria hegemonia. Após duras batalhas, os nazistas foram expulsos em definitivo do país e uma nova Iugoslávia não mais como uma Monarquia, mas agora uma Federação Socialista composta por seis repúblicas (Croácia, Eslovênia, Sérvia, Montenegro, Macedônia, Bósnia)( MOACIR 2008 p. 45-56) relativamente autônomas passavam a existir. A criação da Iugoslávia neste contexto de Guerra Fria só foi possível porque as seis repúblicas se uniam com um objetivo comum de lutar para se manterem independentes da possibilidade de dominação de outro “gigante” que despontava no cenário internacional: a URSS ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Tito foi capaz de exercer uma atuação política independente porque não aceitou o plano Marshall norte-americano de reconstrução da Europa, nem se alinhou a Moscou, quando não quis fazer parte do Pacto de Varsóvia e do COMINFORM (Communist information Bureau). A República Federativa Iugoslava permitia a liberdade da prática 27 religiosa, enquanto nos outros países socialistas esta era duramente reprimida com prisões, exílios, torturas e até a morte. Outro fator de destacada importância no governo titista foi sua adesão ao movimento dos não-alinhados (G-77) (Grupo dos setenta e sete), que era o grupo de países que não se consideravam do bloco soviético, tampouco do estadunidense. Os países desta ideologia buscavam apenas seu desenvolvimento. Na Iugoslávia neste mesmo período havia também uma rotatividade de poder entre as repúblicas autônomas, de maneira que nenhuma se tornasse mais influente que a outra. Então, ora ocupavam os cargos mais importantes os sérvios, ora os croatas, ora os bósnios. Quando Tito morreu, em 1980, os iugoslavos se sentiram “órfãos” e antigos sentimentos de revanchismo, separatismo e nacionalismo despertaram nas mais diferentes repúblicas. Neste período a Guerra fria entre URSS e Estados Unidos entrava em declínio porque a lógica da Guerra entre Leste e Oeste não era mais a única ideologia aceitável de entendimento de como funcionava o mundo. Surgiram outras, como a “guerra entre o sul subdesenvolvido e o norte industrializado.” Outro fator importante foi a crise da dívida externa que atingiu vários países emergentes nesta década, a exemplo de Brasil, México e Argentina. De alguma maneira e de forma bem intensa tal crise atingiu os Bálcãs, em especial a Iugoslávia, porque com a morte de seu líder carismático, Tito, repúblicas mais industrializadas como Eslovênia e Croácia já decidiam separar-se da Iugoslávia, por se recusarem a continuar a ajudar repúblicas mais pobres, como a Sérvia ou Montenegro. Enquanto as duas primeiras se identificavam mais com os valores do Ocidente em relação a cultura, religião, valores e política comum, os últimos se identificavam mais com a religião ortodoxa, a Rússia, em parte o Islamismo, principalmente por parte dos bósnios, o regime comunista, e os povos eslavos. Mais adiante mostrar-se-á como e porque não foi e nem é possível manter um Estado Iugoslavo “artificial” dentro de uma realidade extremamente complexa em um caso ímpar na humanidade, como é o da Iugoslávia. Isto será mais explicitado, problematizado e explicado na hipótese e nos objetivos geral e específico. 28 O contexto histórico de manutenção de um Estado iugoslavo unido mostra-se desfavorável a partir do seu fim,em 1991, quando se iniciou o fim da União Soviética, que até então representava um inimigo comum para as repúblicas que formavam a Iugoslávia. ( MOACIR 2008 p.47) Tal Estado comunista deixou de existir como país o qual era uma ameaça à manutenção de um Estado iugoslavo unido. Já a partir da morte de Tito, nos anos 80, nenhum político na Federação Iugoslava quis manter a união das seis repúblicas. Surgem, em cada uma destas, antigos sentimentos nacionalistas e de arraigado e profundo desejo de separatismo por parte de todas as seis repúblicas da Iugoslávia por razões econômicas, políticas e étnicas. Isso se mostra real no momento em que ocorrem guerras genocidas, sanguinolentas e terríveis em todas as repúblicas, em especial na Bósnia e na Sérvia de 1992 a 1995 com massacres de populações civis, inteiras, estupros de bósnias para fazer limpeza étnica porque nesse caso, havia a ideia de “contaminação” da “pureza do sangue” quando certas mulheres eram violadas e engravidadas pelo sangue do inimigo. Em 1991, quando Eslovênia e Croácia tiveram o apoio de sua independência por parte dos países da Europa Ocidental, e a Sérvia não aceitou e desejou manter as repúblicas unidas nos moldes antigos, o caos ocorreu na Iugoslávia com cinco violentas guerras separatistas as quais inviabilizaram a manutenção da ideia de um Estado iugoslavo unido. ( AGUILAR 2003) 3.2. IUGOSLÁVIA E TITO Durante sua primeira fase de existência como uma Monarquia em 1929 a Iugoslávia sob o reinado de Alexandre I, filho de Pedro I,( AGUILAR 2003 p.57) sofreu um golpe de Estado do monarca Alexandre o qual pôs fim ao reino dos croatas, sérvios e eslovenos, dando início a existência do Estado Iugoslavo. (MOACIR 2008 p.38). Foi suspensa a Constituição e implantada uma ditadura onde o rei dividiu a região em nove regiões administrativas sem respeitar nenhum vínculo das identidades históricas nas novas fronteiras então criadas. Neste novo processo de reorganização político-administrativa, os croatas foram excluídos da administração dos principais serviços do Estado, o que colaborou 29 para o surgimento e enaltecimento de grupos organizados croatas de cunho fascista e nazista na região. A invasão nazista das tropas de Hitler à Iugoslávia durante a Segunda Guerra Mundial colaborou para a criação de um Estado croata sob a liderança de Ante Pavelic (MOACIR 2008, pág 39) com um governo denominado Ustachi, contribuiu para que se pudesse haver uma política genocida de extermínio de judeus, sérvios e ciganos. Neste contexto o general sérvio Draza Mihalovic liderou a resistência sérvia nas montanhas. O sentimento nacionalista sérvio se fortaleceu, uma vez que, os croatas foram considerados traidores da pátria Iugoslávia já que, apoiaram a entrada dos nazistas na região. Nesse cenário conturbado, um combatente com formação de brigada e de forte influência do partido dos partisans, de uma grande visão de multiculturalidade étnica chamado Joseph Broz, mais conhecido por Tito, inicia seu projeto de criar uma Iugoslávia Federativa. A personalidade de Tito se confunde com a própria Iugoslávia pois este foi o herói e líder da resistência partisan no objetivo de expulsar os nazistas e fascistas daquela região.A personificação de poder e liderança no intuito de tentar manter a Iugoslávia unida com suas diferentes repúblicas deve-se muito a este líder político. É importante destacar que Tito foi um dos criadores dos movimentos dos países não–alinhados que buscavam uma autonomia política em relação à bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética. Em sua atuação política conseguiu manter unidas as repúblicas iugoslavas por causa da ideia de combater o “Perigo vermelho” real da União Soviética, o qual tinha um domínio político estratégico sobre vários países do Leste europeu, os quais eram chamados de“ países satélites” de Moscou, a exemplo da Romênia e ex- Tchecoslováquia. Tito soube fazer muito bem o jogo político na nova Iugoslávia sob sua gestão, porque procurou manter um caráter multiétnico na organização de seu governo, com a presença das mais diferentes etnias como eslovacos, eslovenos, montenegrinos, sérvios, croatas e judeus. A visão comum na Europa da Segunda Guerra Mundial dos nazistas e fascistas como criminosos de guerra colaborou para o fortalecimento dos partisans liderados por Tito. Os croatas inicialmente vilões neste processo histórico por haver apoiado a política nazista, são aceitos nesta nova Iugoslávia, desde que adotassem o projeto político de unificação de Tito. 30 O desafio de reconstruir uma Iugoslávia num sistema socialista com um desenvolvimento industrial pós Segunda Guerra Mundial necessitava de uma estratégia multiétnica e multicultural para possibilitar um eficaz desenvolvimento econômico na região. Para isto seria necessário tentar manter “adormecidos” antigos desejos de um despertar nacionalista por parte de croatas, sérvios e bósnios. Na nova Iugoslávia liderada por Tito a influência da Sérvia, a qual era muito grande durante o período das duas guerras mundiais, diminuiu bastante na região. Tito defendia a ideia da necessidade da união das diferentes repúblicas iugoslavas no intuito de proteger o país de ameaças externas poderosas, a exemplo da União Soviética. No campo externo, o governante da Iugoslávia defendeu importantes valores ocidentais, como a democracia, o princípio da não intervenção, da independência e do nãoalinhamento. A decisão de Stalin em tirar a Iugoslávia do COMINFORM colaborou para que Tito fortalecesse diante do novo povo iugoslavo o desejo de defender o novo país de uma ameaça externa poderosa como a União Soviética. Para isto, procurou manter uma política de equilíbrio na distribuição dos principais cargos públicos de uma maneira relativamente equitativa entre croatas, bósnios e sérvios para evitar possíveis ódios e disputas étnicas com forte viés político entre as repúblicas dentro da Iugoslávia. Tito procurou estabelecer um plano de governo que satisfizesse as diferentes repúblicas, de maneira que não houvesse um despertar de nacionalismo independentista por parte da Croácia, Sérvia ou Bósnia. Tito soube governar com “mão-de–ferro” a Iugoslávia. Quando morreu ,em 1980, em um contexto de crise de dívida externa em âmbito mundial que também atingiu o Estado Iugoslavo, começou a se abrir caminho para a falência do modelo titista de união “dos eslavos do sul” ( Iugoslavos) que se intensificou após a queda do muro de Berlim em 1989, e fim da União Soviética, em 1991. As razões, os problemas e a análise do tema referente ao fim da Iugoslávia serão explicitados de maneira mais detalhada na próxima sessão deste trabalho. 31 3.3. IUGOSLÁVIA: GUERRAS NOS ANOS 1990, INÍCIO DO FIM DO ESTADO ATÉ A DESINTEGRAÇÃO TOTAL Em 1991, o mundo se encontrava numa nova ordem mundial porque o Muro de Berlim já havia caído dois anos antes em 1989, e com o fim da União Soviética e o triunfo do capitalismo, novos rumos seriam tomados na nova configuração política mundial. O reconhecimento por parte do Vaticano, da Alemanha e boa parte dos países da Europa da independência da Croácia e Eslovênia, gerou na antiga Iugoslávia sentimentos de revanchismo e ódio, principalmente por parte dos sérvios os quais viam os croatas como verdadeiros vilões da Segunda Guerra Mundial. ( AGUILAR 2003 p.69-92) As forças armadas sérvias decidem bombardear Zagreb, a capital da Croácia, e então se inicia um doloroso e violento processo de desintegração da Iugoslávia que vai se finalizar por inteiro somente no ano de 2005. A questão da delimitação das fronteiras na Iugoslávia não era algo fácil de se definir porque a própria noção de união dos povos eslavos do sul ( Iugoslávia) naquela região é algo muito artificial, porque o país só existiu de fato e de direito no século XX. Esta delimitação se problematiza porque no século XIV a Sérvia existiu de fato como um reino independente até ser conquistada totalmente pelo Império Otomano; a Croácia teve seu reino no século XVI até ser conquistada pelo antigo Império Austro- Húngaro, a região da Bósnia havia sido anexada pelo mesmo Império Austro-Húngaro; após a primeira guerra mundial; os bósnios estes que são de fato, sérvios ou croatas convertidos ao islamismo quando da ocupação do Império Otomano desde o século XIV até o início da Primeira Guerra Mundial. As guerras iugoslavas têm uma importância grande para o estudo das Relações Internacionais porque durante a época de Tito, seu comandante que morreu em 1980, até o fim da Guerra Fria, foi o país considerado como um Estado-tampão entre o mundo socialista e capitalista. A conflagração de uma guerra sangrenta na Europa neste momento histórico era inadmissível, uma vez que já se haviam lançado as raízes da união política e monetária no citado continente e os horrores da Segunda Guerra Mundial ainda estavam presentes na memória de muitos europeus. O envolvimento da comunidade internacional, principalmente dos Estados Unidos, Rússia, boa parte dos países europeus e 32 inclusive o Brasil, ocorreu com o apoio logístico e envio de tropas para tentar equilibrar a instabilidade política daquela região. A complexidade do processo de desintegração da Iugoslávia se agrava porque além da questão da Sérvia não aceitar a independência da Eslovênia e Croácia, porque queriam manter e consolidar a ideia antiga na região da “Grande Sérvia” havia a questão da Macedônia, a mais pobre das repúblicas iugoslavas que desejava tornar-se independente. Tal desejo macedônico remonta o antigo Império Macedônico existente. Além do problema da Sérvia não aceitar esta divisão, havia problemas fronteiriços da Macedônia com a Grécia, ocorridos devido a desacordos políticos causados desde as primeiras guerras balcânicas do século XIX.Quando a Eslovênia e Croácia decidiram separa-se da Iugoslávia em 1991, A Macedônia na forma de FYROM( Former Yugoslavia Republico of Macedonia ) decidiu também declarar sua independência no dia 8 de setembro de 1991 (AGUILAR 2003 p.247). A Sérvia por sua vez não aceitou a independência do então novo país e o nome Macedônia causou um impasse diplomático com a Grécia em relação à Independência macedônica. Em 111 de dezembro de 1991 o CSNU ( Conselho de Segurança das Nações Unidas) criou a resolução nº 795 quew requisitava apresença das tropas da UNPROFOR(United Nations Protection Force) com o objetivo de mandato preventivo para evitar que o que ocorreu em termos de conflito na Bósnia e Sérvia ocorresse na nova Macedônia. Tal medida possibilitava o monitoramento das Fronteiras do novo país com a Albânia e a República Federal Iugoslávia. (AGUILAR 2003 p.248 ). A missão obteve êxito ao evitar um conflito armado na região. Em 13 de setembro de 1995, Grécia e Macedônia assinaram o acordo interino de reconhecimento das fronteiras e soberania entre os dois países. (Aguilar 2003 p.250) . Os conflitos de caráter político, econômico, étnico e militar nas repúblicas iugoslavas levaram a verdadeiros genocídios entre sérvios, croatas, bósnios, montenegrinos, era comum nesses conflitos a prática de estupros com o intuito de fazer “contaminar” o outro com um “sangue” diferente. Houve também assassinatos em massa, deserções de cidades à força, fugas em massa das mais diferentes etnias o que fez com que cidades inteiras ficassem praticamente desertas. Jornais televisivos da época noticiaram as fugas dramáticas de milhares de pessoas durante os conflitos. Alguns militares 33 brasileiros como Sérgio Aguilar, em “Iugoslávia uma década de crise nos Bálcãs” de Roncollato (2004) , presentes na revisão bibliográfica deste trabalho, relatam com riquezas de detalhes os dramáticos cenários dos conflitos na Iugoslávia. A Bósnia-Herzegovina é uma região de importante posição estratégica e de valor político na Iugoslávia porque lá se organizou, durante a época de Tito, um movimento de resistência iugoslava à ameaça de um possível domínio hegemônico da União Soviética na referida região. Fator importante é a “união” de sérvios e croatas naquela área com o objetivo de manter uma certa autonomia na mesma, ao passo que as duas diferentes etnias deixaram de lado ódios e desejos separatistas, ao menos na referida região. Vale destacar que ali foram desenvolvidas a fabricação de armas que além de financiar uma resistência bélica na região, financiavam guerras em países do Oriente Médio, a exemplo do Irã. Outro fator de importante é o aspecto geográfico da região pelo fato de ser montanhosa, ou seja, de difícil acesso, logo difícil de ser ocupada do ponto de vista militar. Ali se desenvolveu durante a época do governo de Tito a indústria bélica iugoslava, um importante fator de defesa do país frente aos inimigos externos. Quanto ao aspecto étnico e religioso, os bósnios em geral não praticavam um modelo de islamismo extremista, e sim moderado, ou seja, não tinham objetivos expansionistas. Algumas exceções existiam a exemplo dos guerreiros mujahedins. (AGUILAR p. 108) A Bósnia é importante no contexto das guerras iugoslavas porque ali se representam expressiva e consideravelmente as principais etnias: sérvios, croatas e bósnios. O legado histórico da “Grande Sérvia”, os resquícios da influência do Império Otomano, bem como do Império Austro-húngaro, são fatores que fazem valer a importância política e estratégica da Bósnia, bem como os porquês da complexidade dos conflitos na região. Um acordo como o de Dayton proposto no Estado de Ohio, em 1995, nos Estados Unidos (AGUILAR 2003, p142), é algo totalmente artificial ao tentar propor uma divisão política percentual onde 51% seria controlada por uma Federação Croata- Muçulmana e a uma república Sérvia, 49%.Tal divisão não respeitava o peso proporcional das representações políticas daquela região, o que levaria a novos conflitos . 34 Sobre o desenrolar das guerras iugoslavas é importante destacar a atuação das máfias e seus negócios “sujos” no contexto dos conflitos. O autor Moacir Nunes,(2008) em sua obra “Da Balcanização à Balcanização” destaca todo um capítulo para descrever o papel da de tais máfias. O fato é que a atuação dessas máfias possibilitou o enriquecimento ilícito de alguns mafiosos no câmbio negro de venda de cigarros, venda ilegal de armas, tráfico de drogas e entorpecentes, prostituição internacional e contrabando de armas, o que favoreceu o financiamento das guerras. Aí surgiram também milícias com poder de persuasão para controlar o movimento das estradas na Iugoslávia, incentivar a deserção à força em várias cidades, exterminar cidades inteiras pelo fato de pertencerem a uma determinada etnia. A verdade é que ironicamente, a guerra por, mais dolorosa que possa parecer, é algo altamente lucrativo para alguns grupos e o contexto conturbado das guerras iugoslavas colaborou para que tais máfias pudessem se autointitularem “defensoras” de uma ou outra determinada etnia. Essas máfias estavam presentes e tinham uma certa influência tanto nos governos da Sérvia, da Croácia, bem como da Bósnia. A atuação dessas organizações criminosas gerou um clima de total insegurança na antiga Iugoslávia porque se, por exemplo, um croata se encontra com um grupo paramilitar radical sérvio, as chances de ser fuzilado por simplesmente pertencer a outro grupo eram enormes. A realidade é que apesar da imprensa ocidental apontar os sérvios como vilões das guerras iugoslavas, outros grupos como croatas e radicais bósnios praticaram genocídios durante as guerras, mas tais fatos não foram noticiados pelos principais telejornais da época.( AGUILAR 2003 p. 281) A questão de Kosovo é outro fator de muita importância devido à complexidade política e étnico-cultural presente naquela região, porque há ali uma presença significativa de albaneses em torno de 90% da população daquela região. Kosovo encontra-se ao sul da ex-Iugoslávia e faz fronteira com a Albânia e também onde está a atual Macedônia e o país de Montenegro. Os protestos dos albaneses na região de Kosovo começaram em julho de 1990 após algumas medidas serem do governo sérvio que colocou na nova constituição sérvia medidas repressoras, como a dissolução do ensino da língua albanesa nas escolas, censura da imprensa e fim da autonomia de Kosovo. (AGUILAR 35 2003, p. 214). Tais medidas geraram insatisfação por parte de grupos políticos albaneses, a exemplo dos sociais-democratas e democratas-cristãos. Em setembro do mesmo ano os albaneses proclamaram a República de Kosovo, não reconhecida pelo governo da Iugoslávia). Neste contexto surge o ELK( Exército de Libertação de Kosovo), um grupo radical armado que lutava pela independência da região em relação à Iugoslávia. As ações desse grupo paramilitar tinham apoio de máfias naquele país. Ressurgiu então a ideia de uma “Grande Albânia” o que gerou violenta repressão militar por parte do governo iugoslavo entre os anos de 1991 e 1995, quando houve a prática de “limpeza étnica” naquela região. Neste contexto conturbado, milhares de albaneses se tornaram refugiados e tentavam atravessar as fronteiras do país. O problema dos refugiados foi noticiado por vários telejornais do mundo, e gerou um grande impasse político na Europa. Em 31 de março de 1998, por meio da resolução nº 1160 da ONU, houve um embargo de armamento à Iugoslávia. Tal resolução também determinava a retirada da polícia iugoslava da Albânia e autorizava a ajuda humanitária de grupos como o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Outra resolução da ONU, de nº 1199 do CSNU (Conselho de Segurança das Nações Unidas) de 23 de setembro de 1998 reconhecia que o conflito punha em perigo a paz e a segurança naquela região. Devido à crise quanto à negociação entre albaneses e iugoslavos e a intensificação dos combates entre os mesmos, as forças da OTAN decidiram bombardear a Iugoslávia em março de 1999 em diversos pontos do país, inclusive a capital Belgrado. Os ataques aéreos destruíram a infra-estrutura do país e geraram um sério problema porque foram usadas radiações que contaminaram boa parte da população, tipos de armas proibidas de serem usadas pelas Convenções de Genebra. A Rússia condenou os ataques, bem como a China e a Namíbia. O CSNU aprovou os ataques por doze votos a três. Mais de dez mil soldados sérvios foram mortos. Entre os civis as baixas foram em torno de dois mil habitantes. Apesar da intensidade dos bombardeios, o governo de Slobodan Milosevic manteve uma feroz resistência e só após dois meses de intenso bombardeio onde o Presidente iugoslavo assinou um acordo o qual permitia a presença de tropas militares da OTAN e da Rússia em Kosovo. Em nove de junho de 1999, generais iugoslavos e da OTAN assinaram o Acordo técnico Militar (AGUILAR 2003 36 p.223), onde o governo iugoslavo concordava com a presença das tropas da OTAN na região, e aceitava a previsão da gradual retirada das tropas sérvias da região. Outra ação que se fazia necessária era o desarmamento da população daquela região com o intuito de se evitar novos conflitos. A ONU se responsabilizou pela reorganização da estrutura política e administrativa da região, a OTAN da Segurança militar, a UNICEF (Fundo Internacional das Nações Unidas para a Criança e a Educação ) a recuperação das escolas da região e a FAO ( Food anda Agriculture Organization) (Organização das Nações Unidas para a alimentação e Agricultura) tratou de recuperar a produção agrícola da região, a qual foi muito afetada por causa dos bombardeios que trouxeram como consequência o assoreamento dos rios da região. Em novembro de 2001 foram realizadas eleições para a província de Kosovo quando venceu a Liga Democrática de Kosovo, liderada por Ibrahim Rugova. A situação precária no campo econômico, a política genocida de Slobodan Milosevic, bem como os intensos bombardeios da OTAN à Iugoslávia levam a população local a apoiar a saída do presidente do governo. Então em cinco de outubro de 2000, uma revolta popular iniciou o processo de queda do presidente. Em 2001, (AGUILAR 2003 p.267)Milosevic foi o primeiro presidente em exercício entregue ao Tribunal Penal Internacional “ad hoc” devido a diversos crimes praticados contra a humanidade durante o período em que governou a ex- Iugoslávia. As raízes dos conflitos iugoslavos ocorridos durante a década de crise nos Bálcãs (AGUILAR 2003) têm suas origens a partir de três vertentes de extermínio étnico iniciadas a partir do ano de 1941: os dos ustachis( croatas), chetniks ( sérvios), e dos partidários comunistas (partidários de Tito). Para que Tito se firmasse no poder, foram assassinadas mais de um milhão e duzentas mil pessoas tanto por parte dos sérvios, croatas e os habitantes da então nova Iugoslávia liderada por Tito. Então, nos anos 90 do século XX, os sérvios exploraram os abusos cometido durante a Segunda Guerra, para justificar a possibilidade de um possível separatismo da Iugoslávia. Por sua vez, croatas e muçulmanos alegavam que não podiam manter-se unidos a sérvios 37 nacionalistas que praticavam políticas de genocídio. As fronteiras internas existentes na Iugoslávia foram impostas pelo próprio governo titista. Aguilar (2003) destaca que tal política de governo não considerou a representação das minorias étnicas a exemplo dos sérvios da Krajina e Eslavônia ( regiões da atual Croácia), os albaneses de Kosovo, ( região dentro da Sérvia ) ou os croatas da Bósnia.Quando a Croácia se tornou independente da Iugoslávia em 1991, os sérvios da Krajina não se viram representados como cidadãos no então novo Estado independente. Quanto aos muçulmanos, sua luta na Bósnia era principalmente pela sua sobrevivência na região diante de ódios, revanchismos e disputas antigas geradas por conflitos históricos ocorridos nos Bálcãs. Na Iugoslávia, enquanto existiu o comunismo, havia um sentimento de nacionalismo muito forte. No momento em que o regime do comunismo no mundo “ruiu” e triunfou o regime capitalista em escala mundial, ideias separatistas e de criação da ”Grande Nação” foram ressuscitadas. Os sérvios desejavam voltar aos moldes da “Grande Sérvia do rei Dusan do Século XIV, os croatas, ao reino independente do Século XVI, e os bósnios desejavam a independência a partir de resquícios da influência do poder do Império Otomano na região dos Bálcãs. Neste cenário, a figura do presidente Slobodan Milosevic surgia como um líder que remontava o ressurgimento da “Grande Sérvia”. Milosevic soube usar a propaganda por meio da imprensa de disseminação do ódio aos não-sérvios e utilizou a máquina estatal no intuito de atingir seus objetivos políticos. O envolvimento direto da comunidade internacional nos conflitos da exIugoslávia teve consequências diretas no desenrolar dos conflitos naquela região porque quando a Alemanha reconheceu a independência da Croácia em 1991, e logo após os Estados Unidos propuseram a divisão da Bósnia em duas regiões por meio do acordo de Dayton em 1995, se iniciou o processo de tentativa dos sérvios da Krajina em conquistar a Croácia e o desejo dos mesmos em conquistar toda a região da Bósnia. Apesar de seu maior poder militar diante das outras repúblicas, o exército sérvio não tinha condições de conquistar e derrotar todas as outras repúblicas iugoslavas. A ação das tropas da OTAN e dos organismos humanitários da ONU foram capazes de estabilizar os conflitos. As ações humanitárias objetivavam socorrer os civis refugiados da 38 guerra enquanto que as tropas da OTAN realizavam ataques aéreos em pontos estratégicos como aeroportos, construções militares e outros alvos governamentais importantes. Houve uma preocupação em evitar conflitos terrestres os quais causariam muito mais baixas de ambos os lados. O aspecto negativo das ações da OTAN na Iugoslávia são as destruições causadas, as quais arrasaram a economia do país de maneira que serão precisos pelo menos cinquenta anos para que voltem os mesmos valores da economia em 1989, antes das guerras se iniciarem na região. A verdade é que a guerra é algo altamente lucrativo porque possibilita o enriquecimento da indústria bélica mundial. No caso dos conflitos da Iugoslávia, os maiores beneficiados dessas ações foram os Estados Unidos que puderam “treinar” o poder bélico de algumas novas armas e se mostraram no âmbito internacional como “ libertadores” do Ocidente das atrocidades da guerra. Do ponto de vista dos direitos humanos, as guerras iugoslavas foram um fracasso, porque na Europa, na região dos Bálcãs, inúmeras atrocidades e barbaridades proibidas pela Convenção de Genebra, as quais ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial e que se pensava superadas e jamais repetidas, ocorreram na região, ações estas que as tropas da OTAN não puderam evitar como estupros, assassinatos de famílias inteiras, deserções à força, destruição de casas, mutilações por uso de minas terrestres entre outras. Destaca-se nos conflitos iugoslavos a participação brasileira por meio de oficiais militares que deram apoio logístico nos combates ao trabalharem em hospitais e postos de atendimento, levando tropas de soldados, auxiliando a população civil local com ajuda humanitária. O convívio com oficiais e soldados de diversas nações, proporcionou aos militares brasileiros uma experiência única de colaboração logística, bem como contribuíram para uma maior inserção internacional do Brasil no âmbito político mundial. 4 CONCLUSÃO A Região dos Bálcãs, situada ao leste da Europa, é o cenário de várias e importantes guerras ao longo da história que foram capazes de mudar a 39 configuração política do mapa da Europa durante diferentes momentos ao longo dos séculos. A importância estratégica da região justifica-se porque ali é uma “ponte” entre três “mundos”; Europa, Oriente Médio e parte da Ásia Central. Tal localização geográfica tornou-se alvo de cobiça de vários Impérios ao longo da História como o Império Macedônico, Romano, Bizantino, Otomano e Austro Húngaro. O impacto de conquistas por parte dos otomanos no século XIV e do Império Austro Húngaro em dois momentos distintos, sendo o primeiro no século XVI e o segundo em 1914 durante a Primeira Guerra Mundial quando esses anexaram a região da Bósnia–Herzegovina ao Império austríaco fator que foi uma das principais causas do início do conflito mundial, foi razão para criar-se sentimentos de ódio e revanchismos naquela região por causa da opressão política exercida contra as minorias durante a existência dos mais diferentes impérios por ali passados. O desejo do “ despertar” de uma “ grande Sérvia” nos moldes do tempo do rei Dusan do século XIV, ou o desejo de se reerguer a Croácia em sua integridade territorial existente no século XVI, nunca foram questões bem resolvidas até o século XX. Uma questão extremamente complexa e de difícil solução na região é que nunca houve um entendimento mútuo quanto à delimitação das fronteiras na região dos Bálcãs a qual sempre foi um “barril de pólvora” na história. Como exemplo de alguns dos conflitos ali existentes, estão a Guerra da Criméia, as guerras balcânicas no início do século XX, as duas guerras mundiais, e finalmente, as guerras iugoslavas na década de 90 do mesmo século. A Iugoslávia “terra dos eslavos do sul “teve a sua origem e seu fim no século XX e sua criação como Estado-Nação foi motivada por uma ideologia bastante idealista do ponto de vista da estabilidade da paz na região porém totalmente inviável quanto à sua manutenção como Estado unido sobre múltiplas identidades nacionais e étnicas. Durante sua curta existência em termos históricos (1918- 1999), a época em que o país teve seu maior êxito em manter-se unido foi durante o governo de Tito que soube muito bem fazer o “jogo político” o qual possibilitou a manutenção da existência de um “Estado iugoslavo artificial”. Com o fim da Guerra Fria entre Estados Unidos e União 40 Soviética que separavam dois mundos distintos e a queda do muro de Berlim fenômenos históricos que tiveram como consequência a derrocada do regime comunista no mundo e o triunfo do capitalismo, confirma-se a hipótese de impossibilidade de manutenção da existência da Iugoslávia a partir dos resultados analisados no estudo desse trabalho por duas principais razões: no âmbito externo, o fato de não existir mais a União Soviética um poderoso estado comunista que poderia representar uma ameaça real à Iugoslávia deixava o país sem um inimigo externo real a combater quando da falência do regime comunista de Moscou em relação à sua política expansionista. No âmbito interno, após a morte do General Tito, aliado as crises econômicas dos anos 80 que atingiram a Iugoslávia, nenhum chefe de Estado iugoslavo pós Tito quis herdar seu legado político no objetivo de manter unida a Iugoslávia na forma de um Estado unitário. Tal problema agravou-se e pôde ser constatado também pelo fato das minorias na antiga Iugoslávia não se sentirem representadas em regiões onde se sentiam expatriadas a exemplo dos sérvios da Krajina na Croácia, os bósnios ou os sérvios da Bósnia. Enfim, as razões políticas e econômicas que usaram argumentos étnicos para praticar políticas de extermínio na região, bem como a intolerância e desacordo em ceder e reconhecer territórios tanto por parte da Sérvia, da Croácia e da Bósnia, “esgotaram” por completo qualquer possibilidade de manter uma Iugoslávia unida. Enquanto a Eslovênia e a Croácia possuíam a economia mais desenvolvida e desejavam separar-se da Iugoslávia, mas não possuíam um forte pode militar, a Sérvia não tinha uma economia muito forte, mas possuía um forte exército e não aceitava a separação dessas repúblicas. Daí surgiram os conflitos tão sangrentos dos anos noventa, os quais tiveram participação intensa de vários países, o que levou a total desintegração da antiga Iugoslávia. A questão ainda não está totalmente resolvida porque a região de Kosovo, considerada o “coração” da nação sérvia, ainda hoje é reivindicada pela Albânia porque nessa região há uma representação significativa de 90% da população de origem albanesa. Atualmente, a ex- Iugoslávia é a região onde se encontram seis novos países: Bósnia- Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia. 41 42 5 REFERÊNCIAS AGUILAR, Sérgio Luiz Cruz. A Guerra da Iugoslávia: uma década de crise nos Bálcãs. São Paulo: Usina do Livro, 2003. ALFONSO ROJO. Jugoslávia Holocausto nos Bálcãs: a agonia de um Estado e a razão por que se matam entre si os e seus habitantes. [Lisboa] : Editorial Inquérito, 1992. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre : Globo, 1976. p. 3. BRENER, Jaime. Os Bálcãs história e crise. São Paulo: Editora Ática, 1996. HOBBSBAWM, E. J.Nações e Nacionalismo desde 1780: programa mito e realidade. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. HOBBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro : Editora Objetiva Ltda, 1997. KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das grandes potências: transformações econômicas e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro; Elsevier, 1989 p.267-415. OLIC, Nelson Bacic. A desintegração do Leste: URSS, Iugoslávia, Europa Oriental. São Paulo: Moderna; 1993. RONCOLATTO, Claudinei. Na Guerra da Bósnia.Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed: 2004 SILVA, Moacir Nunes. Da Balcanização à Balcanização: o fim da Iugoslávia. Porto Alegre : Zouk, 2008. 43 44 45 46 47