Convite à Filosofia

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Convite à Filosofia
Ivo José Triches1
Cláudio Joaquim Rezende2
A verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo.
Merleau-Ponty
Não se pode aprender a Filosofia;
somente se pode aprender a filosofar.
Kant
Etimologia da palavra Filosofia
Q
uando olhamos para a Filosofia, considerando a natureza do seu objeto
de ­estudo, podemos perceber a importância de estudarmos a etimologia
de cada novo conceito por nós investigado. Se procedermos dessa maneira, perceberemos que a capacidade de reflexão acerca de um dado fenômeno
tornar-se-á mais ­fecunda.
Podemos perceber que o conceito de Filosofia, quando olhado sob seu viés
etimológico, pode ser assim compreendido:
Phylos = amigo, amor
Sophya = sabedoria
Daí: “amor à sabedoria.”
Esse termo foi inicialmente elaborado por Pitágoras (séc. VI a.C.) e designa
a procura amorosa pela verdade, pelo conhecimento. É nesse sentido que Aristóteles define a Filosofia como a “ ciência da verdade.”3
Por isso, aquele que desejar ter uma postura filosófica frente ao mundo precisa, inicialmente, buscar o conhecimento como um ato de prazer, ou seja, como o
amante que procura seu par pelo mais puro desejo de estar com o mesmo.
A atitude filosófica
Em que consiste uma atitude filosófica? Quando, de fato, estão os envolvidos no processo do filosofar? O que há de fundamental na atitude filosófica é a
sua capacidade de indagar. Perguntar o que a coisa é; perguntar como a coisa é, e,
ainda, perguntar por que a coisa é assim4 são questões que fazem parte da atitude
de alguém que quer colocar-se numa postura filosófica frente ao mundo.
Foi considerando acima a ideia de que a Filosofia é um conhecimento instituinte, à medida que questiona o saber instituído. O saber instituído pode ser
1
Mestre em Engenharia
de Produção pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Especialista em Filosofia Política pela
Universidade federal do Paraná (UFPR). Graduado em
Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR).
2
Cláudio Joaquim Rezende. Professor na Faculdade Bagozzi Ctba. Direito
de pesquisa do Centro de
pós-Graduação da Faculdade
Bagozzi Curitiba
3
Esta afirmação está inserida no ­contexto da elaboração no verbete Filosofia no
Dicionário de Filosofia de Jacqueline Russ. Uma obra que
recomendamos como leitura
de apoio para aqueles que desejam aprofundar-se no tema
em questão. Na sua obra Metafísica, Aris­tóteles afirmou:
“É [...] a justo título que se
chame a Filosofia como a ciência da verdade.”
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Quando perguntamos o
que a coisa é, estamos falando de qualquer coisa. Lembrar-se sempre de que não há
nada sobre o que a Filosofia
não possa debruçar-se.
Fundamentos Filosóficos da Educação
compreendido como o saber já posto, como tudo aquilo que se afirma num determinado momento, no mundo da cultura. Nesse processo de indagação acerca
desse saber institucionalizado, o homem vai dando um novo significado ao mundo
e à sua própria existência.
Outro aspecto é que o conteúdo da reflexão filosófica, o tecido do seu pensar, é a trama dos acontecimentos do cotidiano. É por isso que nesse processo de
indagação estão presentes os temas mais diversos, que nos causam preocupação.
Buscamos conhecê-los para podermos viver melhor. Nesse sentido,
a Filosofia caracteriza-se por ser uma busca incessante do sentido último das coisas, um
saber universal acerca das questões fundamentais. Tem como finalidade compreender o
significado da existência humana em seus diferentes aspectos, bem como as relações entre
o homem, Deus e o mundo. (SOUZA, 1995, p. 64)
Na atitude filosófica, está implícito o pressuposto de que não podemos aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores em geral, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais devemos
aceitá-los sem, antes, havê-los investigado e compreendido.
Por ser seu papel questionador, o filósofo acaba confrontando-se com o poder. Toda vez que algum detentor de poder5 deseja fazer com que uma determinada situação permaneça inalterada – uma vez que dela obtém privilégios – ele não
aceita a possibilidade de mudanças. É por esta razão que os filósofos são odiados
em tempos de d­ itaduras.
Por fim, mas não por último, indicamos as três principais questões que certamente ajudarão a situarmo-nos no “clima da Filosofia”: por que pensamos o que
pensamos? Por que dizemos o que dizemos? Por que fazemos o que fazemos?
Com base nessas questões, poderíamos refletir sobre a Educação Infantil:
por que tenho essas ideias acerca das crianças? Será que não há outra maneira de
ver o processo de constituição da infância? Por que falo dessa maneira sobre ou
com nossas crianças? Existe outra maneira de falar sobre ou com as crianças com
as quais trabalho ou pretendo trabalhar? Por que me comporto dessa maneira em
relação ao que as crianças fazem? Será que não há outra maneira de comportar-me
em face ao comportamento das crianças? Essas questões, uma vez refletidas, certamente vão nos ajudar a compreendermos melhor o que desejamos fazer, quando
estamos envolvidos nesse trabalho.
Para que Filosofia?
5
Os políticos profissionais
no Brasil, de modo geral,
são especialistas nisso.
6
A bibliografia dessa autora, Convite à Filosofia
(Editora Ática), torna-se
uma leitura complementar
necessária para aqueles que
desejam saber mais sobre a
importância da Filosofia em
nossa existência.
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A Filosofia é um dos únicos, senão o único, conhecimento questionado. Como
bem lembrou Marilena Chauí6 (1994, p. 17), é muito raro alguém perguntar: para
que Medicina? Para que a Pedagogia? A Física é realmente importante? No entanto, a indagação “para que Filosofia?” é muito comum. Como vivemos numa cultura que somente valoriza o que tem alguma finalidade prática e de utilidade imediata,
o conhecimento filosófico parece supérfluo e é colocado sob suspeita.
Contudo, quando não nos contentamos apenas com o que é imediatamente útil
e desejamos formar uma visão abrangente daquilo que aparece de modo fragmentado
Convite à Filosofia
em nossa experiência cotidiana, então, necessitamos da Filosofia. Retomando a
reflexão de Marilena Chauí, é possível elencar uma série de argumentos que evidenciam a razão de ser da Filosofia.
A Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das significações
das obras de arte e do trabalho artístico. Não é Sociologia nem Psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é
política, mas a interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é História, mas interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto
inseridos no tempo e na compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento da ação humana, conhecimento da transformação temporal dos princípios do
saber e do agir, conhecimento das mudanças das formas do real ou dos seres; a Filosofia
sabe que está na História e que tem uma história. (CHAUÍ, 1994, p. 17)
É por tudo isso que a Filosofia somente se realiza pela reflexão. Diante do
processo de reflexão, o homem percebe-se como um ser de transcendência. E o
que significa essa possibilidade transcendente? Enfim, a transcendência é mesmo
possível? Estamos convencidos de que sim.
O homem está sempre diante da necessidade do possível, ou seja, cotidia­
namente precisamos fazer escolhas. No ato de escolher, está implícita a existência
da liberdade.
Portanto, ao perceber-se como um ser livre, o homem passa também a entender
que pode mudar as condições materiais em que está inserido, se assim desejar. Ao
fazer isso, ele altera não apenas as suas relações com a natureza, mas também a sua
própria relação com os demais atores sociais. Desse modo, a transcendência significa
que podemos historicamente alterar as condições em que fomos formados. Ao termos
consciência de que podemos mudar tais condições, perceberemos que dias melhores
virão, se assim desejarmos.
É por esta razão que se justifica, mais uma vez, a importância da Filosofia
em nosso cotidiano como educadores: ela impede a estagnação e dá sentido à
experiência. Por exemplo: será que eu, diante do meu fazer pedagógico, posso
contribuir para que a transcendência possa ocorrer com meu aluno? Será que eu
posso contribuir para que as crianças cresçam de forma autônoma?
A Filosofia e o senso comum
Quando nos referimos ao conceito “senso comum”, estamos referindo-nos
ao conhecimento fragmentado da realidade. Mas o que significa termos um conhecimento fragmentado da realidade? Platão definia esse tipo de conhecimento
como doxa (opinião). Assim, o conhecimento no âmbito do senso comum pode
ser compreendido como um conhecimento que se manifesta apenas em forma das
­opiniões que temos sobre as questões do nosso cotidiano. Em outras palavras: emitimos parecer sobre tudo o que nos cerca, no entanto, nessas opiniões, falta-nos
uma visão da totalidade. Não conseguimos perceber que tudo se encontra ligado,
ou seja, para que possamos ter uma visão da totalidade de um fenômeno, torna-se
necessário compreendermos os fenômenos na relação que eles têm entre si.
7
Fundamentos Filosóficos da Educação
Quando abordamos a diferença entre o conhecimento filosófico e o senso comum, procuramos fazer tal distinção à luz do pensamento de Platão. Muito embora
ele tenha estabelecido vários níveis de compreensão da realidade, destacamos os dois
principais: a doxa e a episteme. Um ator social que vive no âmbito da doxa é alguém
que localiza sua existência apenas no senso comum. Pensar os problemas a partir da
episteme (ciência) é pensá-los à luz da Filosofia. Essa expressão designa a capacidade
de olharmos para os fenômenos de maneira sistematizada. Uma reflexão somente é
sistemática se for rigorosa, radical e de conjunto. Para explicitar a importância desses
conceitos dentro do processo do filosofar, valemo-nos do comentário realizado por
Maria Lúcia de Arruda Aranha7:
A Filosofia é radical porque vai até as raízes da questão. A palavra latina radix, radicis
significa literalmente “raiz” e, no sentido derivado, “fundamento”, “base”. Portanto, a
Filosofia é radical enquanto explica os fundamentos do pensar e do agir.
A Filosofia é rigorosa porque, enquanto a Filosofia de vida não leva suas conclusões até
as últimas consequências, o filósofo especialista dispõe de um método claramente explicitado, que permite proceder com rigor, garantindo a coerência e o exercício da crítica.
Para justificar suas afirmações com argumentos, faz uso de uma linguagem rigorosa, que
permite definir claramente os conceitos, evitando a ambiguidade típica das expressões
cotidianas. Para conseguir essa linguagem, o filósofo inventa conceitos, cria expressões
novas ou altera e especifica o sentido de palavras usuais.
A Filosofia desenvolve uma reflexão de conjunto porque é globalizante, examina os problemas sob a perspectiva do todo, relacionando os diversos aspectos. Enquanto as ciências
examinam “recortes” da realidade, a Filosofia, além de poder examinar tudo (porque nada
escapa ao seu interesse), também visa o todo, a totalidade. (ARANHA, 2002, p. 107).
Desse modo, ousamos afirmar que toda forma de analfabetismo contribui para que
o homem permaneça no senso comum, e fique sujeito a toda forma de alienação. Razão
pela qual o processo do filosofar torna-se relevante para o fazer pedagógico. Alfabetizar pode significar a superação do senso comum, rumo a uma postura crítica.
Filosofia: nem dogmatismo nem ceticismo
Novamente, aqui, torna-se relevante o estudo da etimologia desses conceitos.
Skeptikós significa aquele “que observa”, “que considera”. Desse modo, o cético tanto observa e tanto considera, que conclui pela impossibilidade do conhecimento.
Ao passo que dogmatikós significa aquele “que se funda em princípios”. Assim, dogmático é todo aquele que se apega à certeza de uma doutrina. Em que
consiste um dogma? Dogma pode ser compreendido como sendo o princípio fundamental e indiscutível de uma determinada doutrina ou teoria. É interessante observar que, quando nos referimos a esse conceito, não estamos referindo-nos apenas ao
campo das religiões. Toda vez que alguém deseja explicar algo, fazendo-o parte do
pressuposto de que sua explicação é “a verdade”, faz isso com base num dogma.
7
Recomendamos como leitura complementar os livros dessa autora. Entre eles,
Filosofando e Filosofia da
Educação. Ambos da Editora
Moderna.
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Por esta razão, tanto o cético quanto o dogmático acabam produzindo uma visão
imobilista do mundo. A Filosofia, ao contrário, é movimento, pois o mundo é movimento. Se queremos ter uma postura filosófica frente ao mundo, devemos partir do
princípio que nós mesmos estamos sujeitos a mudar nossa visão acerca das coisas.
“A Filosofia é a procura da verdade, não a sua posse” (ARANHA, 1988, p. 51).
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