Método para melhorar a acurácia nas paralaxes

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Método para melhorar a acurácia nas paralaxes estelares
Por Hindemburg Melão Jr.
Síntese:
Desde os antigos gregos, a paralaxe tem sido usada para calcular as distâncias de objetos
astronômicos próximos e, de fato, essa é uma ferramenta simples e eficiente para aferir distâncias, no
entanto é possível melhorar significativamente a acurácia desse método, levando em conta um fator de
grande importância, mas que até o momento não foi devidamente explorado.
Tradicionalmente, quando se mede a paralaxe de uma estrela, não se leva em conta o nível de raridade
dessa estrela. Uma das implicações disso é que quando a incerteza na paralaxe é pequena, a acurácia
na determinação da distância não sofre prejuízos significativos, mas para as estrelas mais distantes
e/ou mais raras, o cálculo da paralaxe baseado unicamente nas medidas e no desvio-padrão dessas
medidas fornece valores médios que não são os que melhor representam as distâncias dessas estrelas.
Nesse artigo trataremos de demonstrar esse fato, bem como apresentaremos uma solução mais
satisfatória para esse problema.
Para começar, veremos uma situação análoga:
“Desejamos saber se uma pessoa é portadora de uma determinada doença e para isso usamos
um teste com 99% de confiabilidade (em cada 100 sujeitos infectados, 99 diagnósticos são
positivos; em cada 100 sujeitos sadios, 99 diagnósticos são negativos). Escolhemos fortuitamente
uma pessoa numa população em que sabemos que há 1% de infectados com essa doença e
aplicamos o teste nessa pessoa. O resultado é positivo. Qual é a probabilidade de que a pessoa
escolhida esteja de fato com a doença?” [agradecimento ao amigo Nicolau Saldanha, pela
gentileza de analisar o artigo e revisar um importante detalhe na exposição desse problema].
Esse problema foi apresentado a vários médicos graduados em Harvard, e mais de 95% deles não o
resolveram corretamente. A maioria respondeu que a probabilidade de a pessoa estar infectada é 99%,
mas a resposta certa seria 50%, porque não se pode apenas levar em conta a probabilidade de o teste
produzir resultados corretos. Além disso, é necessário levar em conta a probabilidade de que a pessoa
escolhida estivesse infectada. A probabilidade de a pessoa não estar infectada, numa população em
que 99% não estão infectados, é obviamente de 99%. A probabilidade de o teste dizer que a pessoa
tem a doença e a pessoa realmente ter a doença também é de 99%. Então temos uma informação que
diz que há chances de 99 contra 1 de a pessoa estar infectada, e outra informação que diz que há
chances de 1 contra 99 de a pessoa estar infectada. Isso é o mesmo que dizer que há 99x1 contra 1x99
de chances de a pessoa estar infectada, portanto as chances de a pessoa estar infectada ou não estar
são iguais e a resposta para o problema é 50%. Se o teste tivesse eficiência de 98%, então teríamos
98x1 contra 2x99, portanto 98 contra 198, ou seja 98 em 296 ou 33,11% de chances de a pessoa estar
infectada. De modo geral, se um teste tem confiabilidade “C” e a fração de infectados numa dada
população for “F”, então a probabilidade P(x) de a pessoa “x” estar realmente infectada é dada por
P(x)={[C(1-F)]/[F(1-C)]}/{1+{[C(1-F)]/[F(1-C)]}}.
Agora vejamos de que maneira isso interfere nos cálculos das paralaxes estelares. Em
http://www.tcaep.co.uk/astro/constell/21430096.htm encontramos a informação de que o satélite
Hipparcus mediu a paralaxe para µ Cephei em π=0,00062" com η=0,00052" (η = 0,6745 σ). Esse é um
bom exemplo, porque µ Cephei é uma estrela fortemente afetada pelo problema de que estamos
tratando, pois ela está longe o bastante para que a incerteza em sua paralaxe seja quase tão grande
quanto a própria paralaxe; ao mesmo tempo, ela é uma estrela muito mais luminosa do que a média das
estrelas de sua classe espectral, portanto ela é uma estrela relativamente rara.
Se a paralaxe medida foi 0,00062” η=0,00052”, significa que há 50% de chances de que sua paralaxe
verdadeira seja algo entre 0,00010” e 0,00114”. Significa também que há 50% de chances de a
paralaxe verdadeira ser maior que 0,00062” e 50% de chances de ser menor que 0,00062”. E, se a
distribuição das incertezas fosse simétrica, poderíamos também dizer que:
Há 25% de chances de que a verdadeira paralaxe seja menor que 0,00010”.
Há 25% de chances de que a verdadeira paralaxe seja maior que 0,00114".
Aqui convém fazer um comentário adicional, que será incluído no Apêndice 1, para não prejudicar a
fluência do texto.
Nós não sabemos qual é a luminosidade absoluta dessa estrela nem qual é sua distância. O que
sabemos sobre ela são esses dados:
Magnitude (luminosidade) aparente Mv = 4,02
Classe espectral = M2la
Valor médio medido para sua paralaxe = 0,00062”
Erro provável no valor médio da paralaxe = 0,00052”
Porcentagem de incidência de estrelas M2la em função da luminosidade = quanto maior a
luminosidade, menor é a incidência, porque a massa é proporcional à luminosidade elevada a ~0,25
(M L^¼), e a raridade está relacionada à razão entre massa e luminosidade, pois a massa é
proporcional à quantidade de combustível, e a luminosidade bolométrica é a taxa de consumo.
De que maneira podemos usar esses dados para calcular a distância de µ Cephei? Podemos dizer que
há pelo menos duas maneiras: uma delas é medindo a paralaxe várias vezes, calculando a média e o
desvio-padrão dessas medidas. A outra é supondo que µ Cephei é uma estrela típica M2la e calculando
a distância que ela deveria estar para que sua luminosidade aparente fosse igual à observada. Qual é o
método preferível? Não há dúvida de que o método da paralaxe é melhor na grande maioria dos casos,
mas quando as incertezas são grandes, podemos calibrar o resultado obtido pela paralaxe usando
também o segundo método. Então, com os dois métodos combinados, teremos resultados muito mais
acurados do que se usássemos apenas o primeiro. No entanto, o procedimento tradicional consiste em
desprezar a classe espectral e desprezar a porcentagem de incidência de estrelas de uma determinada
classe, em função da luminosidade, e isso constitui um erro, aliás é o mesmo erro cometido pelos
médicos de Harvard, que desprezam a raridade dos casos de infecção numa determinada população e
só levam em conta as informações sobre a confiabilidade no exame. As conseqüências dessa omissão
são desastrosas tanto para a Medicina quanto para a Astrometria.
Conhecemos a luminosidade aparente de µ Cephei, portanto se soubermos sua distância poderemos
determinar sua luminosidade absoluta (potência de emissão). Se a paralaxe medida estivesse certa, µ
Cephei estaria a 5.260 anos-luz e seria 58 vezes mais luminosa que a média de sua classe espectral,
teria massa 2,8 vezes maior que a média de sua classe e, portanto, consumiria seu combustível nuclear
21 vezes mais rapidamente e seria 21 vezes mais rara (estou supondo que a luminosidade bolométrica
média das estrelas M2Ia é cerca de 10.000 vezes a do sol). Em outras palavras, as chances de uma
estrela supergigante M2Ia, escolhida fortuitamente, ter luminosidade menor que a de µ Cephei seriam
21 vezes maiores do que as chances de ter luminosidade maior que a de µ Cephei, ou 95,5% contra
4,5%. Logo é muito mais provável que a luminosidade de µ Cephei seja menor do que 58 vezes a de
uma estrela M2la típica, conseqüentemente é muito mais provável que ela esteja a menos de 5.260
anos-luz.
Método 1 – Com base na paralaxe medida, há 50% de chances de sua distância ser maior do que 5.260 anos-luz
e 50% de chances de sua distância ser menor do que 5.260 anos-luz.
Método 2 – Com base no nível de raridade, em função da luminosidade, há 4,5% de chances de sua distância ser
maior e 95,5% de chances de sua distância ser menor do que 5.260 anos-luz.
Com base nos métodos combinados 1 e 2, vemos que há 95,5% de chances de a distância ser menor do que
5.260 anos-luz, isso indica que o valor correto muito provavelmente é menor que 5.260 anos-luz. O valor com
maior probabilidade de ser correto é aquele no qual as chances de o valor verdadeiro ser maior é igual às chances
de o valor verdadeiro ser menor. Sendo assim, precisamos considerar conjuntamente esses dados para
determinar qual é o valor que tem mais chances de representar a paralaxe verdadeira dessa estrela. Vejamos:
Assim o método 1 é usado para o cálculo propriamente dito, enquanto o método 2 entra como um
refinamento para corrigir eventuais distorções no método 1.
Na tabela abaixo, a primeira coluna indica a paralaxe, a segunda indica a distância baseada na paralaxe,
a terceira indica a luminosidade baseada na magnitude aparente e na distância, a quarta indica a
raridade calculada com base na luminosidade e na classe espectral, a quinta indica a probabilidade
P(L<) de a luminosidade de uma estrela escolhida fortuitamente, entre as estrelas daquela classe
espectral, ser menor que a média das estrelas daquela classe (a sexta coluna indica a probabilidade
P(L>) de ser maior), a sétima coluna indica a probabilidade P(d>) de a distância ser maior do que a
calculada com base no valor médio das medidas tomadas e no desvio-padrão dessas medidas (a oitava
coluna indica a probabilidade P(d<) de ser menor), a nona coluna indica as probabilidades combinadas
P(L>,d<) de a luminosidade ser maior e de a distância ser menor, a décima coluna indica as
probabilidades combinadas de a luminosidade ser menor e de a distância ser maior P(L<,d>).
A questão que desejamos responder é: qual deve ser a distância “d” para que P(L>) seja igual a P(d<),
ou seja, para que P(L>,d<)=50%. Isso acontece quando a paralaxe é 0,001236”, portanto este é o valor
mais acurado que podemos obter com base nos dados disponíveis, e a distância correta de µ Cephei
provavelmente é cerca de 2.640 anos-luz, muito mais acurado que o valor oficialmente adotado de
5.260 anos-luz.
Grosso modo, esse é um procedimento mais apropriado, contudo ainda é necessário introduzir mais
alguns refinamentos, como calcular as incertezas em P(L) e P(d), uma vez que se a incerteza em P(L)
for maior do que em P(d), significará que o valor verdadeiro deve ser predominantemente definido por
P(d), ou vice-versa.
O método que proponho não se aplica apenas nos casos das estrelas cujas incertezas nas paralaxes
sejam tão grandes quanto as próprias paralaxes. Aplica-se em todos os casos. Claro que a principal
vantagem é corrigir disparidades quando há grande incerteza, mas o método também ajuda a refinar
todos os outros cálculos. Para Sírius, por exemplo, cuja paralaxe é conhecida com boa precisão, o
Hipparcus dá π=0,37922" com η=0,00158". Uma estrela do tipo A0/A1, como é o caso de Sírius A, tem,
em média, magnitude absoluta 0,85, mas Sírius A tem magnitude 1,45, portanto ela é 1,74 vezes menos
luminosa do que a média de sua classe espectral e tem massa 1,15 vezes menor do que média de sua
classe, logo ela tem vida 1,5 vezes maior que a média de sua classe e podemos supor que seja 1,5
vezes mais abundante do que a média da classe A0/A1, portanto, para que ela tivesse abundância igual
à média, deveria estar um pouco mais distante. Então a paralaxe que tem maior probabilidade de ser
correta não é 0,37922”, mas cerca de 0,26σ maior, ou seja: 0,3786".
Para os sistemas binários e múltiplos, o cálculo de correção pode ser feito individualmente, para cada
componente, e depois usada a média ponderada como distância mais provável.
A mesma idéia pode ser aplicada também em outros métodos para determinar distâncias. Por exemplo:
se um quasar apresenta desvio para o vermelho muito pequeno e a incerteza nesse desvio é grande,
então pode-se situá-lo mais longe com base na raridade de quasares pouco luminosos, usando o
mesmo critério.
Apêndice 1:
Teoricamente uma paralaxe não pode ser negativa, porque mesmo se a distância tendesse ao infinito
(desprezando efeitos de expansão do universo), a paralaxe seria zero. Porém há dois fatores que
tornam possível obter uma medida de paralaxe negativa:
1 – A luz pode ser desviada por um corpo massivo e interferir na medida. Se houver um buraco-negro,
ou uma estrela de nêutrons ou de quarks que fique quase perfeitamente alinhada entre a estrela e o
observador, não na bissetriz do triângulo nem dentro do triângulo, mas ligeiramente fora, de modo que
cause um desvio mais acentuado nos raios dessa estrela quando a Terra estiver numa posição (julho,
por exemplo) do que em outra (janeiro), isso pode causar a ilusão de uma paralaxe negativa, e a
paralaxe medida experimentalmente poderá ser negativa. Mas as chances de ter um alinhamento assim
são tão pequenas que podemos desconsiderar essa possibilidade.
2 – Num caso como o da Garnet Star, em que a incerteza no valor médio da paralaxe é quase tão
grande quanto a própria paralaxe, podemos concluir que as incertezas nas medidas individuais (π1, π2,
π3 ... πn) são ainda maiores, inclusive maiores que a própria paralaxe. Portanto, a paralaxe medida para
uma estrela pode ser negativa, mas a paralaxe verdadeira não.
Sempre que a incerteza for tão grande (ou quase tão grande) quanto a própria paralaxe medida, essa
incerteza deve ser expressa em log(π), assim os dados experimentais continuarão fornecendo, perto da
média, probabilidades próximas das que seriam obtidas se as incertezas fossem expressas em π, com a
vantagem que nunca dariam probabilidade maior que zero para paralaxes negativas. Portanto a
paralaxe de µ Cephei e sua incerteza deveriam ser representadas por: log(π)=-3,2076, log(ηπ)=0,2645;
haveria 25% de chances de a paralaxe ser maior que 0,00114” (0,00062×1,84) e 25% de chances de
ser menor que 0,00034” (0,00062÷1,84). Claro que isso não poderia ser simplesmente expresso dessa
maneira. Antes de usar logs, seria preciso que a coleta dos dados também fosse feita calculando as
incertezas nos logs das paralaxes, em vez de as incertezas nas próprias paralaxes. Além disso, a
incerteza deveria ser expressa como ηlog(π), em vez de log(ηπ).
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