OS CAMINHOS DAS MULHERES: UM RECORTE HISTÓRICO PARA LEGITIMAR AS QUESTÕES DE GÊNERO Gisela de Moura Bluma Marques1 - UCDB Ana Carla de Amorim 2 - UCDB Grupo de Trabalho - Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente artigo é resultado da pesquisa sobre o “Professor (a) da Educação Infantil: influência, construção e representação de gênero”, em decorrência da participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O estudo objetiva contribuir com os estudos e pesquisas sobre gênero, sem, no entanto, esgotar esta temática, percorrendo a história da mulher para adentrar a identidade de gênero através das relações sociais, por meio da análise e descrição de comportamentos de diferentes culturas no decorrer da história, que influencia o desenvolvimento da sociedade devido as suas constantes transformações, e com isso, identificar qual é o lugar, o espaço que ocupa e qual o papel da mulher e do homem socialmente falando, percorrendo a Antiguidade, Modernidade até os dias atuais. Para isso, abordamos no decorrer do trabalho, argumentos que embasam a fundamentação teórica utilizando a pesquisa bibliográfica através de uma literatura diversificada de autores reconhecidos como: Neves (2008), Bonini (2006), Louro (1992, 2014), Muraro (1995) e Scott (1990), bem como documentos da legislação como a Constituição Federal brasileira (BRASIL,1988) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,1997), que contribuíram para a elaboração deste artigo. A partir do estudo bibliográfico, apresentamos por meio de uma contextualização história a trajetória da mulher, ao mesmo tempo em que relatamos a postura masculina, o comportamento da sociedade e o surgimento dos movimentos feministas em busca de um reconhecimento na luta por seus direitos na conquista pela igualdade entre os sexos e a definição conceitual de gênero. Dessa forma, ao refletir sobre as relações de poder e o espaço ocupado por homens e mulheres na sociedade, o artigo é destinado a professores, pais e a sociedade em geral, objetivando compreender os comportamentos e os reflexos dessa relação entre homem e mulher no decorrer da história. Palavras-chave: História. Homem. Mulher. Gênero. 1 Mestre em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Docente da Universidade Católica Dom Bosco. Professora Pesquisadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC).E-mail: [email protected]. 2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).Voluntária do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 8211 Introdução Toda pesquisa necessita inicialmente definir seu objeto de estudo, para em seguida constituir um processo de investigação, buscando-se responder um determinado problema. Dessa forma, esse artigo constitui uma parte dos nossos estudos a respeito de gênero, sendo que não há como desvincular a relação homem X mulher, desde o início dos tempos, para poder contextualizar de forma clara e concisa o entendimento a respeito do tema. Inicialmente, apresentamos um contexto histórico que tem como público alvo as mulheres, retratando a realidade de diferentes povos desde a Antiguidade até os dias atuais, buscando com isso identificar quem são essas mulheres, qual o lugar que elas ocupam e o que elas representam para a sociedade, e a partir desta compreensão, refletir as relações de poder existentes diante das identidades de gênero. A partir desta compreensão a respeito do papel da mulher na sociedade, abordamos algumas definições e conceitos de gênero que em continuidade ao tema proposto, contribuem para a análise história da representação da mulher e dos reflexos para a sociedade, os avanços, as necessidades de mudanças como também as dificuldades e as conquistas decorrentes dos movimentos feministas. Com isso, ressaltamos ao término do trabalho, as contribuições e a relevância do artigo que tem como intuito não a comprovação da superioridade do homem ou da mulher, mas sim, a possibilidade de refletir através dos comportamentos estabelecidos socialmente os espaços conquistados pelas mulheres ao longo dos tempos e o que isso representa diante das relações de poder e das identidades de gênero. As mulheres na trilha da história Historicamente falando, a mulher sempre teve um papel conservador, sendo a inocência, a pureza, e a castidade, comportamentos considerados adequados e destinados ao público feminino. Na Antiguidade, embora houvesse a responsabilidade compartilhada, em um cenário onde era possível observar a colaboração, a ajuda mútua, a coletividade e a harmonia em busca do sustento e do bem comum para todos os membros da comunidade, era incumbência da mulher os afazeres domésticos, uma tarefa considerada tão importante assim como a busca pelo alimento era para os homens. 8212 Diante disso, a mulher era reconhecida pelo instinto materno e contribuir para os costumes e a cultura de um povo na realização de atividades desde o cuidado com os animais ao bordado, por exemplo, comportamentos que fizeram com que a mulher tivesse inicialmente a igualdade de direitos com o homem. Entretanto, com o tempo, essa condição modificou-se tornando o homem superior a mulher, exigindo dela a pureza e a castidade antes do casamento e após a sua realização, uma total submissão e fidelidade ao marido. Dessa forma, ser uma moça donzela e preservar-se para o casamento era uma questão de honra, de nobreza. Por outro lado, violar essa regra significava para ela o desprezo e a morte. Assim, se antes a mulher exercia poder de igualdade com o homem, nessa fase o divórcio só era concedido se a intenção partisse do homem. Com isso, as mulheres casadas viviam em função do esposo, tendo a beleza como virtude, encantamento e poder. A este respeito, a mulher estava sempre arrumada e perfumada a espera do marido para assim garantir os novos herdeiros. Por outro lado, as mulheres viúvas choravam a ausência masculina e guardavam o luto através de preces e orações. Para retratar o percurso histórico das mulheres objetivamos iniciar nossa trilha pela Grécia antiga, onde a mulher era considerada como uma parte integrante de seu pai ou seu esposo, restrita aos afazeres domésticos e á docilidade com submissão ao esposo. A mulher, durante a sua infância depende de seu pai; durante a juventude, de seu marido; por morte do marido, de seus filhos; se não tem filhos, dos parentes próximos de seu marido; porque a mulher jamais deve governar-se à sua vontade. As leis greco-romanas dizem o mesmo. Enquanto moça está sujeita a seu pai; morto o pai, a seus irmãos e aos seus agnados; casada, a mulher está sob a tutela do marido; morto o marido, não volta para a sua própria família porque renunciou a esta para sempre, pelo casamento sagrado; a viúva continua submissa à tutela dos agnados de seu marido, isto é, à tutela de seus próprios filhos, se os tem, ou, na falta destes, à dos mais próximos parentes do marido. O marido tem sobre ela tanta autoridade que pode, antes de morrer, designar-lhe tutor, e até mesmo escolher-lhe novo marido (COULANGES, 1996, p.69). Por outro lado, os espartanos acreditavam que as mulheres deveriam ser preparadas para o esforço físico mais do que os homens, pois estes já possuíam uma aptidão física por natureza, e sendo esparta uma sociedade militarizada, formadoras de grande guerreiros, aceitavam que era justamente a mulher a responsável por dar origem a indivíduos aptos para compor o exército, nesse sentido, as regras de Esparta era que não existia "mães", só existiam progenitoras, em que a única função era educá-los, além de carregá-los por nove meses em seu ventre. 8213 Já as mulheres livres de Esparta, cidade agrícola e guerreira da região da península do Peloponeso, possuíam maior liberdade do que as mulheres de Atenas. Durante os séculos VI ao III a.C., tinham o dever de dar a luz a filhos vigorosos e a praticar ginástica junto aos homens, de cuidar da casa e exercer o comércio. Além disso, as mulheres pertencentes à aristocracia espartana possuíam o direito de herança e influenciavam fortemente seus maridos a respeito das decisões da pólis (BONINI, 2006, p.299). No Egito no que se refere ao trabalho em ambientes externos, era uma exclusividade dos homens, exceto para as mulheres que tinham poder aquisitivo e podiam exercer atividades fora do lar sendo reconhecidas por isso. Nesse período, a figura da mulher estava sempre associada à maternidade, e enquanto o homem tinha uma participação ativa na sociedade, a mulher passiva, permissiva aceitava essa condição para ser reconhecida. As mulheres não possuíram nenhum título importante, sem contar alguns relacionados ao sacerdócio, e, fora alguns membros da família real e as soberanas reinantes, tiveram pouco poder político. Seu título mais comum era, 'senhora da casa', é um título de respeito que significa apenas algo mais que 'Sra' (BAINES; MALIK, 2008, p.205). Ao contrário das demais civilizações, em Roma a mulher era independente, frequentava ambientes culturais e não havia a obrigatoriedade da instituição familiar, aumentando o número de mulheres solteiras. Algumas mulheres romanas buscaram na diversão uma forma de igualdade aos homens. Junto com seus maridos nos anfiteatros, no meio dos espectadores, divertiam-se com as lutas dos gladiadores. Já as mulheres dos imperadores romanos e da nobreza senatorial, ao longo dos séculos I e II d.C., travaram grandes lutas nos bastidores do poder, as quais defendiam o trono para seus filhos, irmãos e amantes. Pois, de acordo com o sistema de valores predominantes na sociedade romana, estas mulheres da alta sociedade deveriam contentar-se com as satisfações alheias, o êxito dos homens e do Estado, enquanto cuidava da nova geração masculina (BONINI, 2006, p.306). A partir da queda do Império Romano, perante a igreja homens e mulheres são iguais, porém, a submissão para ela e a ascensão para ele prevalecem, embora muitas vezes elas exerçam influência e liderança na sociedade. Contudo, mesmo com a participação da mulher nos ambientes públicos, ela continua a realizar tarefas domésticas e sendo preparadas para exercer o papel de mãe e esposa, obediente inicialmente ao pai e posteriormente ao marido. Passos (1992, p.65) destaca: “Ora, numa família bem constituída, é a dona-de-casa, a mãe, quem administra os bens domésticos”. Com o advento do Cristianismo, o luxo, a riqueza e os desejos carnais são práticas condenáveis e desprezíveis, sendo reconhecidos como virtudes o amor, o perdão e o celibato, 8214 e ao se conservarem solteiras, a mulher era beneficiada ao evitar a opressão ao serviço doméstico e ao cumprimento às ordens do marido, tornando-se influente na sociedade. Na Idade Média, também ocorreram estas relações de dominação; as mulheres estavam submetidas à autoridade do pai ou do marido e tinham como destino certo o casamento, senão com um esposo escolhido pelo pai, num acordo de negócios, com Cristo, ao ser enviada para algum convento (era comum dizer que freiras tornavamse esposas de Cristo) (BONINI, 2006, p.324). É possível observar, portanto, que na Idade Média, a mulher tinha um papel fundamental com a presença feminina no âmbito cultural como na educação e religiosa realizada em templos e igrejas. Entretanto, ao retorno do esposo de longas viagens e da guerra, a mulher voltava ao seu lugar inicial: ao cuidado da casa, dos filhos e do marido. Dessa forma, não é surpresa o argumento de Gutiérrez (2011, p.19) no que se refere ao comportamento da mulher quando diz que: “No feminino é onde mora a essência do ser. Suas qualidades: o silêncio, a aceitação, a contemplação, o acolhimento. Seus requisitos: o não julgamento e o sacrifício amoroso”. No período que precede a Renascença e o capitalismo, há o surgimento do conceito da mulher ideal: ser uma moça donzela e guardar-se para o casamento era uma questão de honra, de nobreza. Assim, a castidade era uma virtude e caso não fosse conservada, poderia levar a morte. Por outro lado, violar essa regra significava para ela o desprezo e a morte, reduzindo assim o número de mulheres. A partir do capitalismo, ocorre a separação entre a vida pública e a vida privada e a essência da mulher é no espaço doméstico cuidando dos filhos. A industrialização é marcada pela inserção das mulheres no mercado de trabalho, onde lutam por melhores condições de salário e uma carga horária mais flexível, mesmo trabalhando fora, a mulher continua a exercer as atividades do lar. Participam de movimentos sindicais com reivindicações a respeito do direito ao voto e melhores condições de trabalho. Em decorrência dessas reivindicações, o dia 8 de março de 1908 é marcado pelo massacre de 150 mulheres que morreram queimadas porque batalhavam pela redução da jornada de trabalho e um salário digno, surgindo assim, o Dia Internacional da Mulher. 8215 A emancipação da mulher, característica da idade moderna e contemporânea, é um dos aspectos de maior releve do processo emancipatório mais geral posto em movimento pelo Iluminismo: ela atinge tanto a esfera social, na qual estimula a passagem da participação e da criatividade feminina do privado para o público, quanto a esfera pessoal, na qual reinvindica, pela mulher, a gestão da palavra e a relação com a própria corporiedade regidas pelo princípio de autonomia, e não condicionadas pela situação de dependência (FORTE, 1991, p.19). Assim, o amor não é mais a essência da mulher e a partir da Revolução Francesa há uma transformação no comportamento das mulheres que saem exclusivamente do âmbito doméstico e frequentam os espaços culturais, o aumento na participação no mercado de trabalho. A Idade Contemporânea tem seu início com a Revolução Francesa que surge a partir da insatisfação popular que almejava acabar com o poder exercido pela monarquia na luta pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Assim sendo, a Assembleia Constituinte concede os direitos aos cidadãos o que constitui num avanço para as camadas populares formados por pobres e comerciantes da época, incentivando a partir daí o surgimento de grupos sociais entre eles o feminismo. Um movimento social, político e filosófico, só de mulheres, marcado inicialmente na chamada “primeira onda”, quando seu objetivo era a conquista pela liberdade, uma vez que se vivia numa época que o marido considerava a esposa como sua propriedade, sendo o matrimônio uma imposição, além da reivindicação do direito ao voto, garantindo assim a sua participação na vida política. Em continuidade as suas reivindicações, surge no período entre o início da década de 60 e fim da década 80 a “segunda onda”, quando as mulheres buscavam a igualdade de direitos entre homens e mulheres, deixando o espaço doméstico e conquistando a sua independência pessoal e financeira com sua inclusão no mercado de trabalho. No Brasil, durante o período militar e da redemocratização (décadas de 1970 e 1980), muitas militantes do movimento feminista, oriundas das camadas médias e intelectualizadas, postulavam a transformação da sociedade como um todo. No entanto, após várias críticas, as feministas brasileiras incorporaram as reivindicações dos movimentos de bairros, de moradia e contra a carestia, compostos pelas classes populares e médias, cuja participação feminina era majoritária. Dessa forma, passaram a reivindicar o acesso à infra-estrutura urbana básica (água, luz, esgoto, asfalto, creches e escolas, etc.), maior participação política, igualdade social, de gênero e melhores condições de trabalho (BONINI, 2006, p.383). A “terceira onda” surgiu para apontar, questionar e complementar as imperfeições e as contradições do próprio movimento, como a ausência na participação da mulher negra, 8216 acendendo assim a discussão sobre a discriminação entre as etnias e a partir desse movimento comprovar a diferença entre homens e mulheres como resultado de uma construção social. Em 1975, com o objetivo de diminuir as diferenças entre homens e mulheres e muitas das discriminações sofridas por estas no mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o Decênio das Nações Unidas para as Mulheres com ações afirmativas em relação à saúde, educação e trabalho, entre 1975 a 1985, tornando as reivindicações das mulheres mais visíveis (BONINI, 2006, p.383). No Brasil com a Constituição de 1988, o artigo 5º afirma que: “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição” (BRASIL, 1988), no artigo 7º declara: “XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (BRASIL, 1988). A partir da influência de muitas mulheres na sociedade e com a emancipação feminina, a mulher volta a ter acesso ao mercado de trabalho e continua na luta pelas diferenças, pois não querem mais ser o objeto de desejo de homens, que passam a contribuir na divisão das tarefas do lar e o cuidado dos filhos, embora os afazeres domésticos ainda sejam vinculados à figura da mulher na sua delicadeza e no seu instinto materno. A partir da década de 1980, o Movimento Feminista passou a repensar seus pressupostos teóricos e se reorganizou na forma de vários grupos e organizações. Novos objetivos e lutas foram sendo incorporados, entre eles o abandono da 'guerra dos sexos' (homens X mulheres), para repensar as questões relativas às mulheres a partir de estudos sobre gênero. Nesta perspectiva, foram considerados os papéis construídos tanto para os homens quanto para as mulheres em uma determinada sociedade, privilegia-se o aspecto relacional entre ambos (BONINI, 2006, p.383). Antes da emancipação da mulher, ela vive em função do homem: em atender as suas necessidades. Após a emancipação, ela descobre que tem direitos, ao se conhecer e ser reconhecida enquanto mulher, descobre que tem vontades e desejos e que é igual ao homem, passando a ser mais exigente. Desvelando sobre o conceito de gênero Primeiramente, antes de definir “gênero”, é necessário, refletir o que é ser homem ou mulher, na sociedade em que vivemos, e por que homens e mulheres vivem ainda em condições de desigualdade. Sabe-se que, pelo conceito biológico, as crianças nascem fêmeas ou machos, na espécie humana, e são criadas, educadas e moldadas, segundo os conceitos que cada sociedade considera próprios para meninos e meninas. Nas diferenças biológicas do sexo 8217 vão sendo estruturadas desigualdades sociais que atribuem papéis estereotipados para o masculino e o feminino. O papel do homem foi sempre mais valorizado do que o papel da mulher, seria um modelo de vida em que os homens trabalham fora e são os provedores e as mulheres só fazem o trabalho doméstico, invisível e desvalorizado. Ao homem coube a produção: o que gera riqueza; e à mulher, a reprodução: da vida, da futura força de trabalho. Com a entrada em massa da mulher no mercado de trabalho, conquistando espaço no mundo da produção, esse modelo de vida passou a existir somente em algumas sociedades. Com base em definições essencialistas do que é ser homem e/ou mulher, edificou-se um sistema de discriminação e exclusão entre os sexos, além de vários estereótipos sobre homens e mulheres: agressivos, racionais, fortes, viris, para eles; dóceis, relacionais, subordinadas, afetivas e frágeis para elas. O feminino e o masculino são apresentados como categorias opostas, excludentes e hierarquizadas, nas quais a mulher, os valores e os significados femininos ocupam lugar inferior. E a dicotomia daí decorrente cristaliza concepções do que devem ser as atribuições femininas e masculinas e dificulta a percepção de outras maneiras de estabelecer as relações sociais (NEVES, 2008, p.47). No final da década de 60, ocorre a “segunda onda”, que se tratava de uma manifestação exaltando a insatisfação coletiva da classe de mulheres, jovens, negros, intelectuais de diversos países como a França, Estados Unidos e Alemanha, permitindo a elas mostrar-se social e politicamente como “seres humanos”. Surgiram os estudos da mulher, a partir das mobilizações de militantes feministas, inúmeras destas mulheres foram as que iniciaram os trabalhos de reflexão e produção acadêmica e, que levaram para o interior das universidades e escolas as questões de seus estudos. Na década de 1950, na maioria dos países ocidentais, as mulheres já haviam conseguido o direito ao voto. No final da década de 1960, elas passaram a denunciar as injustiças a que estavam sujeitas, buscando maiores direitos civis e políticos. Surgiu um novo Movimento Feminista, primeiramente nos EUA, com a fundação, em 1966, da Organização Nacional da Mulher (NOW, em inglês) e na Europa Ocidental (Inglaterra e França). No Brasil, o movimento feminista só adquiriu força a partir da década de 70 (BONINI, 2006, p.383). Durante a “segunda onda”, o movimento feminista inicia importantes estudos e aprofundamentos na questão das mulheres, sexo/gênero, a antropóloga norte-americana Gayle Rubin publica um artigo em 1975, que se torna uma referência para futuros estudos, porém, foi a partir da década de 80, que Joan Scott historiadora estadunidense, influenciada por Foucault e Derrida, organiza uma maneira de se pensar gênero como um elemento 8218 constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, sendo assim uma construção social e histórica dos sexos. Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as 'construções sociais' – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres (SCOTT, 1990, p.7). Após alguns anos de lutas das mulheres, foi sendo elaborado o conceito de gênero, provocando algumas turbulências, em relação a este conceito, pois se pretendia incorporá-la aos trabalhos e pesquisas das feministas. Durante esse ensaio, surgiu a palavra inglesa gender1, porém, a mesma estaria relacionada à diferença sexual, à sexualidade e, na língua espanhola e francesa, o dicionário não apresenta a mesma acepção. O emprego, portanto, dessa palavra, estaria ligado às feministas americanas e inglesas e não conseguiria ser traduzido em outros idiomas. Pensando em instituir um novo sentido à palavra, buscou-se as primeiras afirmações de gênero; que não significava o mesmo que sexo, pois enquanto sexo estaria relacionado à identidade biológica de um indivíduo, gênero estaria ligado à construção social como masculino e feminino. No Brasil, o termo “gênero” passou a circular no final dos anos 80 entre vários estudiosos feministas, entre elas(es) temos como referência Guacira Lopes Louro, historiadora, doutora em educação e fundadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE) e desde 1990, participa desse grupo de pesquisa. Gênero, bem como a classe, não é uma categoria pronta e estática. Ainda que sejam de naturezas diferentes e tenham especificidade própria, ambas as categorias partilham das características de serem dinâmicas, de serem construídas e passiveis de transformação. Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente pela sociedade, mas com referência a ambos supõe-se que os sujeitos sejam ativos e ao mesmo tempo determinados, recebendo e respondendo às determinações e contradições sociais. Daí advém a importância de se entender o fazer-se homem ou mulher como um processo e não como um dado resolvido no nascimento. O masculino e o feminino são construídos através de prática sociais masculinizantes ou feminizantes, em consonância com as concepções de cada sociedade. Integra essa concepção a ideia de que homens e mulheres constroem-se num processo de relação (LOURO, 1992, p.57). 1 A palavra apresenta um sentido relacionado à diferença sexual, à sexualidade. 8219 Em nível oficial, no Brasil, a partir de 1997, as relações de gênero ganharam impulso com a proposta de implantação dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), que objetivavam oferecer diretrizes mais claras às políticas para a Educação no âmbito do ensino fundamental. Nos PCNs (BRASIL, 1997), as Relações de Gênero aparecem como orientação sexual dentro da Área de Convívio Social e Ética no Ensino Fundamental. Assim, as relações de gênero ficam reconhecidas oficialmente, no âmbito da educação escolar, como sugestão de tratamento curricular de forma transversal. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais A discussão sobre relações de gênero tem como objetivo combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua transformação. A flexibilidade dos padrões em permitir a expressão de potencialidades existentes em cada ser humano que são dificultadas pelos estereótipos de gênero. Como exemplo comum pode-se lembrar a repressão das expressões de sensibilidade, intuição e meiguice nos meninos ou de objetividade e agressividade nas meninas. As diferenças não devem ficar aprisionadas em padrões preestabelecidos, mas podem e devem ser vividas a partir da singularidade de cada um, apontando para a equidade entre os sexos (BRASIL, 1997, p.144). Ainda complementando com os temas transversais: A construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à sexualidade, e pelos padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino. Esses padrões são oriundos das representações sociais e culturais construídas a partir das diferenças biológicas dos sexos, e transmitidas através da educação, o que atualmente recebe a denominação de 'relações de gênero' (BRASIL, 1997, p.296). É importante observar como diante de situações adversas do cotidiano compartilhamos momentos alegres, difíceis e confidências, entretanto, assuntos relacionados à sexualidade é motivo de conflitos e algo tão íntimo que chega a ser constrangedor. Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais sobre Orientação Sexual afirmam que: Nesse sentido, a sexualidade é entendida como algo inerente, que se manifesta desde o momento do nascimento até a morte, de formas diferentes a cada etapa do desenvolvimento. Além disso, sendo a sexualidade construída ao longo da vida, encontra-se necessariamente marcada pela história, cultura, ciência, assim como pelos afetos e sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada sujeito (BRASIL, 1997, p.81). Com efeito, embora atualmente o estudo a respeito das diferenças entre homens e mulheres e as relações de gênero tenha avançado, a sexualidade é um termo que mesmo com 8220 o tempo ainda causa desconforto. Por isso, a compreensão do conceito de gênero e as suas especificidades não está limitada a orientação sexual, a classificação sobre o que é próprio para menino ou menina, homem ou mulher, mas a individualidade de cada ser humano na sua totalidade, os fatores biológicos, sociais, as influências do meio e a sua história de vida, ou seja, entender o conceito de gênero é muito mais do que a relação entre masculino e feminino. Dessa forma, Spagnol (2008, p. 36) declara: “A palavra gênero surge nas ciências sociais com o objetivo de questionar a existência de uma hierarquia inata entre homens e mulheres, que mulheres são passivas, emocionais e frágeis; que homens são ativos, racionais e fortes”. A perspectiva de gênero tem sido ampliada, na última década, com ênfase nas dimensões da vida social, na educação e na saúde. E dentro deste contexto é importante que o sistema educativo entenda a questão de gênero como ponto de partida, considerando as necessidades, expectativas e interesses de homens e de mulheres, e se faça realmente na prática a igualdade de desejos e oportunidades para ambos os sexos. É necessário, então, aprofundarmos um pouco nessa questão. Nos discursos atuais, o apelo à diferença esta se tornando quase um lugar comum (o que nos leva a sermos cautelosos/as, desconfiando de seu uso irrestrito). Certamente o caráter político que a questão teve (e tem) no âmbito dos Estudos Feministas e dos Estudos Culturais não pode ser o mesmo com que ela é admitida e repetida pelos setores mais tradicionais, pela mídia ou até pela nova direita (LOURO, 2014, p.48). Gênero não se refere só à mulher, ele trata das relações entre homens e mulheres na sociedade, relações construídas ao longo da história, que mudam continuamente e que se manifestam de formas diferentes, dependendo de cada lugar e de cada época. Algumas considerações No decorrer da história, em decorrência da cultura e dos costumes, percebemos constantes transformações no perfil das mulheres em sociedades distintas, o que ocorre até os dias de hoje, ainda que com mudanças gradativas. Entretanto, mesmo que com o passar do tempo a mulher tenha conquistado seu espaço seja no mercado de trabalho, na vida política e cultural, ela sempre esteve associada às tarefas domésticas e aos cuidados maternos. Por outro lado, modificações no comportamento das mulheres fizeram com que a luta pela igualdade de direitos e a participação na vida pública deixassem de lado o valor supremo da pureza, da docilidade e da submissão, assumindo assim a sua independência. 8221 Ao nos depararmos com a história, desde a dependência feminina até a sua emancipação, uma disparidade de comparações entre o homem e a mulher e a limitação nas diferenças entre o masculino e o feminino. Entretanto, ao mencionarmos as relações de gênero, devemos considerar não os fatores biológicos, mas sim os fatores sociais, relacionados aos comportamentos, posturas ou posicionamentos, sejam estes públicos ou privados. Assim, ressaltamos a relevância deste artigo, não em comprovar a superioridade do homem ou da mulher, nem em determinar o que é próprio para este ou para aquele sexo, mas sim em refletir como os comportamentos de homens e mulheres influenciam no avanço da sociedade. Deste modo, embora o artigo relate a trajetória das mulheres, não podemos isentar a participação do homem na história da mulher ou inibir a presença da mulher na vida do homem, pois as narrativas se encontram no sentido de complementar e não divergir, mesmo em virtude das diferenças físicas ou de habilidades, ocorrências que não excluem as características essenciais do ser humano, passível de erros e acertos, de sonhos e desejos, desafios e conquistas, ao mesmo tempo, homem e mulher possuem sentimentos, emoções, valores e virtudes, independente da função que exerçam dentro ou fora do lar. REFERÊNCIAS BAINES, John; MALIK, Jaromir. Cultural atlas of ancient Egypt. London: Andromeda Oxford, 2008. BONINI, Altair. História. Curitiba: SEED-PR, 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. 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