Artigo de revisão Sistema Imunitário – Parte I Fundamentos da imunidade inata com ênfase nos mecanismos moleculares e celulares da resposta inflamatória Wilson de Melo Cruvinel1, Danilo Mesquita Júnior2, Júlio Antônio Pereira Araújo3, Tânia Tieko Takao Catelan4, Alexandre Wagner Silva de Souza5, Neusa Pereira da Silva6, Luís Eduardo Coelho Andrade6 resumo O sistema imunológico é constituído por uma intrincada rede de órgãos, células e moléculas, e tem por finalidade manter a homeostase do organismo, combatendo as agressões em geral. A imunidade inata atua em conjunto com a imunidade adaptativa e caracteriza-se pela rápida resposta à agressão, independentemente de estímulo prévio, sendo a primeira linha de defesa do organismo. Seus mecanismos compreendem barreiras físicas, químicas e biológicas, componentes celulares e moléculas solúveis. A primeira defesa do organismo frente a um dano tecidual envolve diversas etapas intimamente integradas e constituídas pelos diferentes componentes desse sistema. A presente revisão tem como objetivo resgatar os fundamentos dessa resposta, que apresenta elevada complexidade e é constituída por diversos componentes articulados que convergem para a elaboração da resposta imune adaptativa. Destacamos algumas etapas: reconhecimento molecular dos agentes agressores; ativação de vias bioquímicas intracelulares que resultam em modificações vasculares e teciduais; produção de uma miríade de mediadores com efeitos locais e sistêmicos no âmbito da ativação e proliferação celulares, síntese de novos produtos envolvidos na quimioatração e migração de células especializadas na destruição e remoção do agente agressor, e finalmente a recuperação tecidual com o restabelecimento funcional do tecido ou órgão. Palavras-chave: imunidade inata, inflamação, autoimunidade, PAMPs, receptores toll-like. INTRODUÇÃO A função imunológica tem sido conceitualmente dividida em imunidade inata e imunidade adaptativa. A imunidade inata representa uma resposta rápida e estereotipada a um número grande, mas limitado, de estímulos. É representada por barreiras físicas, químicas e biológicas, células especializadas e moléculas solúveis, presentes em todos os indivíduos, independentemente de contato prévio com imunógenos ou agentes agressores, e não se altera qualitativa ou quantitativamente após o contato.1 As principais células efetoras da imunidade inata são: macrófagos, neutrófilos, células dendríticas e células Natural Killer – NK (Tabela 1). Fagocitose, liberação de mediadores inflamatórios, ativação de proteínas do sistema complemento, bem como síntese de proteínas de fase aguda, citocinas e quimiocinas são os principais mecanismos na imunidade inata. Esses mecanismos são ativados por estímulos específicos, representados por estruturas moleculares de ocorrência ubíqua em micro-organismos, mas que não ocorrem na espécie humana. Moléculas tais como lipopolissacarídeos, resíduos Recebido em 15/01/2010. Aprovado, após revisão, em 18/05/2010. Declaramos a inexistência de conflitos de interesse. Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 1. Doutorando em Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Professor Assistente de Imunologia dos cursos de Medicina e Biomedicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) 2. Doutorando em Reumatologia – UNIFESP 3. Mestre em Reumatologia pela UNIFESP 4. Mestrando em Reumatologia da UNIFESP 5. Médico-assistente da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP 6. Professor Adjunto da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP Endereço de correspondência: Luis Eduardo Coelho Andrade. Rua Botucatu, 740, 3º andar, 04023-900, São Paulo, Brasil. Tel/fax: 55 (11) 5576-4239. E-mail: [email protected] 434 Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata Tabela 1 Células e moléculas solúveis do sistema imunológico Componente Imunidade inata Imunidade adquirida Células Fagócitos (células dendríticas, macrófagos e neutrófilos) Células naturalkiller (NK) Mastócitos, basófilos e eosinófilos Linfócitos T, B e NK/T Células dendríticas ou apresentadoras de antígenos (APCs) Moléculas solúveis Complemento Proteínas de fase aguda Citocinas Quimiocinas Anticorpos Citocinas Quimiocinas de manose e ácidos teicoicos, comumente encontradas na superfície de microorganismos, constituem Padrões Moleculares Associados a Patógenos (PAMPs) e ativam a resposta imune inata, por interação com diferentes receptores conhecidos como Receptores de Reconhecimento de Padrões (RRP), dentre os quais a família dos receptores Toll-like (TLRs).2 Essa interação é semelhante à complementaridade entre antígeno e anticorpo ou entre antígeno e receptor de linfócitos T (TCR), mas, nesse caso, não há diversidade nem capacidade adaptativa para a geração de novos receptores ou reconhecimento de novos padrões moleculares que não aqueles já programados no código genético. Entre os vários RRPs envolvidos em opsonização, ativação de complemento e fagocitose, os TLRs se destacam por seu papel central na ligação a patógenos e iniciação da resposta inflamatória. Esses receptores estão presentes principalmente em macrófagos, neutrófilos e células dendríticas (DCs). Atualmente, 11 diferentes TLRs já foram identificados, alguns localizados na membrana celular, outros no interior das células3 (Figura 1). Outros receptores presentes em fagócitos, com importante papel na resposta imune, são aqueles para frações do complemento, citocinas, interleucinas e imunoglobulinas (tipo FcγR).4 A fagocitose tem início pela ligação dos receptores de superfície do fagócito ao patógeno, o qual, então, é internalizado em vesículas denominadas fagossomos. No interior do fagócito, o fagossomo funde-se a lisossomos, cujo conteúdo é liberado com a digestão e a eliminação do patógeno.4 Alterações em genes dos componentes do sistema de oxidases presentes na membrana do fagolisossomo levam à incapacidade na explosão respiratória e à geração de espécies reativas de oxigênio (EROs). A ausência das EROs determina deficiência grave na capacidade destrutiva dos fagócitos, sendo responsável por uma importante imunodeficiência primária, denominada doença granulomatosa crônica.5 Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Figura 1 Conceito de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) e receptores de reconhecimento de padrões (PRR). Representação esquemática dos diferentes receptores de reconhecimento de padrões ancorados na membrana celular e seus respectivos ligantes (PAMPs). Em contraposição à resposta inata, a resposta imune adaptativa depende da ativação de células especializadas, os linfócitos, e das moléculas solúveis por eles produzidas (Tabela 1). As principais características da resposta adquirida são: especificidade e diversidade de reconhecimento, memória, especialização de resposta, autolimitação e tolerância a componentes do próprio organismo. Embora as principais células envolvidas na resposta imune adquirida sejam os linfócitos, as células apresentadoras de antígenos (APCs) desempenham papel fundamental em sua ativação, apresentando antígenos associados a moléculas do complexo de histocompatibilidade principal (MHC, major histocompatibility complex) para os linfócitos T (LT).6 A Figura 2 ilustra as diversas células que compõem o sistema imunológico. Células dendríticas As células dendríticas, especializadas na captura e apresentação de antígenos para os linfócitos, são consideradas uma ponte entre a imunidade inata e a adaptativa, por serem atraídas e ativadas por elementos da resposta inata e viabilizarem a sensibilização de LT da resposta imune adaptativa. Residem em tecidos periféricos, como pele, fígado e intestino, onde capturam antígenos e se tornam ativadas, migrando para os linfonodos regionais, nos quais processam e apresentam antígenos proteicos ou lipídicos aos LTs. DCs imaturas são altamente 435 Cruvinel et al. Figura 2 Origem das diversas linhagens de células do Sistema Imunológico. eficientes na captura de antígenos, enquanto as maduras são muito eficientes na apresentação.7 Os antígenos capturados são processados dentro da célula e apresentados em sua superfície, inseridos em moléculas do MHC. Em geral, antígenos proteicos são apresentados por moléculas MHCs clássicas (de classes I e II) que estimulam LTαβ. Antígenos lipídicos são apresentados por moléculas MHCs não clássicas como CD1 e estimulam principalmente LTγδ e células NK/T. Durante sua vida útil, as DCs imaturas migram da medula óssea pela corrente sanguínea, atingindo tecidos periféricos como a pele, onde se tornam residentes (células de Langerhans). Um aspecto curioso é que as DCs são as primeiras células a chegar a um sítio infeccioso, precedendo até mesmo os neutrófilos. Após o contato com o antígeno, as DCs se tornam ativadas e migram pelos vasos linfáticos até os órgãos linfoides secundários (Figura 3). Podem receber sinais de maturação a partir de células NK, NK/T e LT, de moléculas proinflamatórias, como citocinas, prostaglandinas e interferons e dos PAMPs.7 As DCs retêm o antígeno nos órgãos linfoides por períodos extensos, o que pode contribuir para a memória 436 Figura 3 Células dendríticas e geração de LTs antígenos específicos. (A) Características das Células Dendríticas Imaturas (iDCs). (B) Ativação e captação de patógenos por intermédio das citocinas do microambiente e da interação com os Receptores de Reconhecimento Padrão, com consequente migração das DCs para os linfonodos. (C) Maturação das Células Dendríticas. (D) Migração das células T Naive para a região paracortical do linfonodo. Entrada através das vênulas endoteliais altas (HEV) e migração orientada por quimiocinas do tecido linfoide. (E) Apresentação dos Ags processados aos linfócitos T, gerando células efetoras ativadas. imunológica.8 Essas células orquestram a migração de outros tipos de células imunes dentro dos linfonodos via secreção de quimiocinas e regulam a diferenciação, a maturação e a função de LT de modo contato-dependente e por secreção de fatores solúveis, sendo, portanto, fundamentais para o início e a coordenação da resposta imunológica adquirida.7 Há duas vias de diferenciação das DCs a partir de um progenitor comum. A via mieloide gera DCs mieloides (mDCs), Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata entre os quais estão as células de Langerhans, as principais DCs na pele e as DCs intersticiais encontradas em outros tecidos. A outra via de diferenciação gera as DCs plasmocitoides (pDCs), que predominam no sangue periférico e secretam grandes quantidades de interferon tipo I (IFN-α/β) na vigência de infecções virais. As pDCs têm receptores citoplasmáticos capazes de responder a RNA (TLRs 7 e 8) e DNA (TLR9), enquanto as mDCs expressam preferencialmente receptores de superfície para PAMPs, como peptidoglicanos (TLR2) e lipopolissacarídeos (TLR4).9 As DCs são decisivas para a determinação da ativação e do tipo de imunidade mediada pelos LTs. Em geral, DCs imaturas são tolerogênicas, enquanto DCs maduras são imunoestimuladoras. Entretanto, em alguns contextos, DCs maduras podem expandir a população de LTs reguladores. A indução de tolerância ou resposta imune depende do conjunto de sinais recebidos pelas DCs, tais como ativação de TLRs e citocinas presentes no meio.10 As DCs podem coordenar respostas dos LBs via ativação de LT ou diretamente, por substâncias solúveis como o INF-α.7 Neutrófilos Os neutrófilos são os leucócitos mais abundantes no sangue periférico, com importante papel nas fases precoces das reações inflamatórias e sensíveis a agentes quimiotáxicos como produtos de clivagem de frações do complemento (C3a e C5a) e substâncias liberadas por mastócitos e basófilos. Estão entre as primeiras células a migrarem dos vasos para os tecidos atraídos por quimiocinas, como a IL-8, e são ativados por diversos estímulos, como produtos bacterianos, proteínas do complemento (C5a), imunocomplexos (IC), quimiocinas e citocinas. A capacidade fagocitária dos neutrófilos é estimulada pela ligação de seus receptores para opsoninas, Fc de IgG, C3b, e TLRs. Essas células também sofrem degranulação, liberando três classes de grânulos no meio extracelular: 1. Grânulos primários ou azurófilos, que contêm mediadores importantes como mieloperoxidase, defensinas, elastase neutrofílica, proteína de aumento da permeabilidade bacteriana e catepsina G. 2. Grânulos secundários, que apresentam componentes secretados especificamente por neutrófilos, sendo a lactoferrina o principal exemplo. 3. Grânulos terciários, cujas principais proteínas são as catepsinas e gelatinases. Estudos recentes mostram que os neutrófilos também podem gerar as chamadas “armadilhas extracelulares neutrofílicas” (NETs, do inglês neutrophilic extracellular traps), Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 formadas por substâncias dos grânulos e componentes nucleares capazes de anular fatores de virulência e destruir bactérias extracelulares. As NETs estão presentes em grande quantidade em sítios inflamatórios, atuando diretamente sobre os microorganismos e servindo também como barreira física que impede sua disseminação.11 Em condições normais, os neutrófilos são eliminados da circulação e dos tecidos inflamados por apoptose. Distúrbios na apoptose dessas células têm sido associados a diversas condições autoimunes, especialmente ao LES, uma vez que restos apoptóticos circulantes contendo materiais nucleares poderiam levar à produção de uma variedade enorme de autoanticorpos.11 Macrófagos Os monócitos constituem 3% a 8 % dos leucócitos circulantes e, no tecido conjuntivo ou parênquima de órgãos, dão origem a macrófagos e células dendríticas mieloides. Os monócitos e macrófagos são fagócitos eficientes, engolfando patógenos e debris celulares. Ao contrário dos neutrófilos, os macrófagos podem permanecer no tecido por meses a anos, atuando como verdadeiras sentinelas. Além de seu papel na imunidade inata, processam e apresentam antígenos via moléculas de MHC, estimulando, assim, a resposta mediada por LT.4 Recentemente, propôs-se a existência de três subpopulações de macrófagos: macrófagos ativados, de reparo tecidual e reguladores. Os primeiros seriam os macrófagos clássicos, com atividade microbicida e tumoricida, que secretam grandes quantidades de citocinas e mediadores pro-inflamatórios, apresentam antígenos aos LTs e estão envolvidos com a resposta imune celular. O segundo tipo, ativado por IL-4, estaria basicamente envolvido no reparo tecidual, estimulando fibroblastos e promovendo deposição de matriz extracelular. O terceiro tipo exerceria atividade reguladora mediante liberação de IL-10, uma citocina antiinflamatória.13 Na inflamação, os macrófagos atuam como APCs, potencializando a ativação de LT e LB pela expressão de moléculas coestimuladoras, e liberam citocinas pro-inflamatórias como IL-1, IL-6, IL-12, TNF-α e quimiocinas. Também produzem espécies reativas de oxigênio (EROs), como ânion superóxido, radical hidroxila e peróxido de hidrogênio (H2O2), e intermediários reativos do nitrogênio cujo principal representante é o óxido nítrico (NO). O NO é produzido pela sintetase do óxido nítrico induzível, iNOS, ausente em macrófagos em repouso, mas induzida por ativação de TLRs em resposta a PAMPs, especialmente na presença de INF-γ.4 Alguns micro-organismos, como o Mycobacterium tuberculosis, são resistentes à ação microbicida e permanecem viáveis 437 Cruvinel et al. nos fagossomos de macrófagos por muito tempo. Esses macrófagos se tornam grandes e multinucleados (células gigantes) e, juntamente com linfócitos e fibroblastos que se acumulam a seu redor, formam os granulomas, que constituem a tentativa do organismo de impedir a disseminação do patógeno. A Células Natural Killer As células Natural Killer (NK) têm origem na medula óssea, a partir de um progenitor comum aos LTs, constituindo de 5% a 20% das células mononucleares do sangue. São uma importante linha de defesa inespecífica, reconhecendo e lisando células infectadas por vírus, bactérias e protozoários, bem como células tumorais. Ademais, recrutam neutrófilos e macrófagos, ativam DCs e linfócitos T e B.14 A expansão e a ativação das NKs são estimuladas pela IL15, produzida por macrófagos, e pela IL-12, indutor potente da produção de IFN-γ e ação citolítica. Uma vez ativadas, as NKs lisam células infectadas e tumorais e secretam citocinas pro-inflamatórias (IL-1, IL-2 e principalmente IFN-γ).14 A citólise mediada pelas NKs ocorre pela ação das enzimas perforinas, que criam poros na membrana das células-alvo, e granzimas, que penetram nas células, desencadeando morte celular por apoptose. As células NKs apresentam receptores de ativação e de inibição, e o balanço entre os sinais gerados por eles determina sua ativação. Uma classe de receptores pertence à superfamília das imunoglobulinas (KIR), enquanto a outra pertence à família das lectinas tipo-C. No homem, há 14 receptores KIR, oito inibidores e seis ativadores.15 Os receptores de inibição reconhecem moléculas MHC de classe I próprias, expressas na superfície de todas as células nucleadas. De modo geral, há dominância dos receptores de inibição, impedindo a lise das células normais do hospedeiro, que expressam moléculas de MHC de classe I. Células infectadas, especialmente por vírus, e células tumorais frequentemente apresentam baixa expressão das proteínas de MHC classe I, tornando-se vulneráveis à ação das NK15 (Figura 4). A capacidade tumoricida das NKs é aumentada por citocinas como interferons e interleucinas (IL-2 e IL-12). Outra ação efetora das NKs é a destruição de células revestidas por anticorpos IgG, via receptores Fc (FcγRIII ou CD16), pelo mecanismo de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC).14 Mastócitos Os mastócitos são células derivadas de progenitores hematopoiéticos CD34+ na medula óssea e, em geral, não são encontrados na circulação. Da medula óssea, os progenitores 438 B Figura 4 Função dos receptores de ativação (ITAM) e inibição (ITIM) na fisiologia das células NK. (A) Interação da célula NK com uma célula normal do organismo que expressa MHC de classe I, com consequente inibição da indução de citólise NK dependente. (B) Interação de célula NK com célula infectada por vírus, com consequente perda de expressão de MHC de classe I, o que resulta na ativação da célula NK, com concomitante liberação dos produtos letais. migram para os tecidos periféricos como células imaturas e se diferenciam in situ de acordo com as características particulares do microambiente.16,17 Os mastócitos maduros distribuem-se estrategicamente junto a vasos sanguíneos, nervos e sob o epitélio da pele e mucosas, são particularmente abundantes em áreas de contato com o meio ambiente e desempenham papel primordial nas reações inflamatórias agudas.18 Os mastócitos apresentam na superfície receptores de alta afinidade, FcεRI, ligados a moléculas de IgE, e são ativados pelo reconhecimento de antígenos multivalentes pelas IgEs. Estímulos como produtos da ativação do complemento, substâncias básicas, inclusive alguns venenos de animais, certos neuropeptídeos e diversos agentes físicos Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata (trauma mecânico, calor e frio) podem ativar mastócitos, independentemente da ligação de IgE. A ligação de componentes bacterianos aos TLRs 1, 2, 4 e 6 e a outros receptores específicos, como o CD48, também ativa os mastócitos, levando à liberação de mediadores. O exemplo clássico de seu envolvimento em processos inflamatórios são as reações alérgicas em que os mastócitos, juntamente com seu equivalente circulante, o basófilo, em contato com o alérgeno, desencadeiam reação de hipersensibilidade do tipo I via ativação de FcεRI. Após o estímulo, ocorrem degranulação e liberação de mediadores preformados, seguida da liberação de mediadores neoformados. Os mediadores preformados incluem aminas vasoativas proteases, heparina, IL-4, TNF-α e GM-CSF (Granulocyte-Macrophage Colony-Stimulating Factor). Os mediadores formados após ativação incluem o fator ativador de plaquetas (PAF), derivados do ácido araquidônico e uma série de citocinas.4 A liberação desses mediadores induz a migração de células inflamatórias (neutrófilos e macrófagos), aumento da permeabilidade vascular, secreção de muco, aumento da motilidade gastrintestinal e broncoconstrição, que constituem os sinais e sintomas de alergia e anafilaxia.19 A urticária idiopática crônica é causada principalmente por degranulação de mastócitos, sendo que, em 25% a 50% dos casos, são encontrados autoanticorpos direcionados contra os receptores FcεRIα e, com menos frequência, contra a própria IgE. Esses autoanticorpos causam liberação de histamina e caracterizam a urticária crônica autoimune, com aspectos clínicos e histológicos similares aos encontrados em uma reação de fase tardia.4 Há evidências experimentais da participação de mastócitos também em doenças cardiovasculares, processos neoplásicos, infecções parasitárias e bacterianas, enfermidades fibrosantes e doenças autoimunes.20 Vários estudos histológicos têm relatado a presença de mastócitos na sinóvia normal humana e expansão dessa população na artrite reumatoide, gota, osteoartrose e outras.21 As funções efetoras dos mastócitos na sinóvia sugerem sua participação no recrutamento de leucócitos, ativação e hiperplasia de fibroblastos, angiogênese e destruição da cartilagem e do osso.22 Também participam da destruição articular ao induzir fibroblastos e condrócitos a secretarem metaloproteinases de matriz e promover diferenciação de osteoclastos. De fato, a participação de mastócitos com atividade quimiotática tem sido relatada em várias condições clínicas autoimunes, incluindo artrite reumatoide, síndrome de Sjögren, esclerose sistêmica, doenças autoimunes da tireoide, urticária crônica, pênfigo e aterosclerose.23 Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Basófilos São granulócitos derivados de progenitores na medula óssea, onde amadurecem, constituindo menos de 1% dos leucócitos do sangue periférico. Embora não estejam normalmente presentes nos tecidos, podem ser recrutados para sítios inflamatórios, em conjunto com eosinófilos. Os grânulos presentes nos basófilos apresentam mediadores similares aos dos mastócitos. Os basófilos também expressam FcεRI, ligam IgE e são ativados por complexos IgE-antígeno, podendo contribuir para as reações de hipersensibilidade imediata Eosinófilos Os granulócitos eosinófilos são células importantes no combate a infecções, sendo sua ação antiparasitária (helmintos) uma das mais potentes e eficazes do organismo. São também importantes nas reações alérgicas e asma. Os eosinófilos se desenvolvem na medula óssea, produzindo e armazenando muitos grânulos proteolíticos secundários antes de sair da medula. Após a maturação, circulam pela corrente sanguínea em pequenas quantidades, podendo ser encontrados em maior número nas regiões de mucosas, como do trato gastrintestinal, respiratório e geniturinário.4 Os eosinófilos são recrutados para sítios de infecções parasitárias e reações alérgicas por moléculas de adesão e quimiocinas.24 Combatem infecções parasitárias por citotoxicidade mediada por células dependentes de anticorpos, com participação do receptor FcεRI. Durante esse processo, aderem aos patógenos revestidos com anticorpos IgE (ou IgA) e liberam seu conteúdo granular após ligação dos receptores FcεRI com a IgE ligada ao antígeno-alvo. Uma vez ativados, os eosinófilos induzem inflamação, mediante produção e liberação do conteúdo dos grânulos catiônicos eosinofílicos. Os principais componentes desses grânulos são: proteína básica principal, proteína catiônica eosinofílica, neurotoxina derivada de eosinófilos e peroxidase eosinofílica, que têm grande potencial citotóxico sobre parasitas, mas também podem causar lesão tecidual. A proteína catiônica eosinofílica e a neurotoxina são ribonucleases com propriedades antivirais. A proteína básica principal apresenta toxicidade para parasitas, induz a degranulação de mastócitos e basófilos, e ativa a síntese de fatores de remodelação por células epiteliais. A proteína catiônica eosinofílica cria poros na membrana da célula-alvo, permitindo a entrada de outras moléculas citotóxicas, além de inibir a proliferação de LT, suprimir a produção de anticorpos por LB, induzir a degranulação de mastócitos e estimular a secreção de glicosaminoglicanos por fibroblastos. A peroxidase 439 Cruvinel et al. eosinofílica forma EROs e NO, promovendo estresse oxidativo na célula-alvo e causando morte celular por apoptose e necrose.25 Outros mecanismos efetores que contribuem para o processo inflamatório incluem a produção de uma variedade de citocinas, como IL-1, IL-2, IL-4, IL-5, IL-6, IL-8, IL-13 e TNF-α,25 e liberação de mediadores lipídicos pro-inflamatórios, como os leucotrienos (LTC4, LTD4, LTE4) e as prostaglandinas (PGE2). Enzimas como a elastase e fatores de crescimento como TGF-β, fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e fator de crescimento de vasos endoteliais (VEGF) contribuem para a remodelação tecidual. O Sistema Complemento O Sistema Complemento (SC) é constituído por uma família de mais de 20 glicoproteínas plasmáticas, sintetizadas principalmente no fígado, mas também por macrófagos e fibroblastos. Cada componente ativado no SC adquire atividade proteolítica, ativando os elementos seguintes em cascata. Ao longo do processo, ocorre a produção de diversos mediadores que alteram a permeabilidade vascular e contribuem para o desenvolvimento da resposta inflamatória. Finalmente, ocorre formação do complexo de ataque à membrana (MAC), que promove a lise osmótica da célula-alvo, favorecendo a eliminação do agente infeccioso.4 Há três vias de ativação do SC: clássica, alternativa e via das lectinas ligadoras de manose (MBL). A ativação dessas vias contribui para a integração dos mecanismos efetores da imunidade inata e adaptativa (Figura 5). Na resposta imune inata, patógenos que invadem o organismo deparam com substâncias solúveis da resposta imune inata, como as proteínas do SC, proteína C reativa e outras. Na imunidade adaptativa, o SC é ativado pela ligação de anticorpos preformados ao patógeno ou antígeno (imunocomplexo).26 A via das lectinas tem início pelo reconhecimento de manose na superfície de micro-organismos pela MBL ligada às serinaproteases MASP1 e MASP2. A ativação dessas proteases resulta na quebra dos componentes C2 e C4 do SC em fragmentos menores (C2b e C4a) e fragmentos maiores (C2a e C4b). O complexo C4bC2a constitui a C3 convertase da via clássica, que cliva C3 em C3a solúvel e C3b, que, por sua vez, se liga a C4bC2a na superfície do micro-organismo. O complexo C4bC2aC3b, denominado C5 convertase, cliva o componente C5, dando sequência a essa via, que culmina com a formação do MAC. A via clássica se assemelha à via das lectinas e se inicia pela ligação do componente C1q a duas moléculas de IgG ou a uma de IgM, complexadas ao antígeno-alvo (imunocomplexos). Essa ligação ativa as proteases R (C1r) e S (C1s) associadas 440 Figura 5 As três vias do Sistema Complemento. a C1q, que clivam os componentes C2 e C4, dando sequência à via como descrito. A via clássica está associada à resposta imune específica humoral, pois depende da produção prévia de anticorpos específicos aderidos à superfície dos patógenos.26 A via alternativa se inicia com a quebra espontânea do componente C3 nos fragmentos C3a e C3b (Figura 5). A clivagem expõe uma ligação tioéster no fragmento C3b, que permite sua ligação covalente à superfície dos micro-organismos invasores. Não havendo ligação do componente C3b, a ligação tioéster é rapidamente hidrolisada e o fragmento, inativado. A ligação de C3b permite a ligação ao Fator B, que, em seguida, é clivado nos fragmentos Ba e Bb pelo Fator D. O complexo C3bBb (C3 convertase da via alternativa) cliva mais moléculas C3 e permanece ligado na superfície. Esse complexo é estabilizado pela properdina (fator P), amplificando a quebra de C3. C3bBb cliva o componente C3, gerando C3bBbC3b, uma protease capaz de clivar C5, última etapa da via alternativa.26 As vias das lectinas, clássica e alternativa, têm em comum a formação de C5 convertase, que promove a clivagem do componente C5 Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata e gera os fragmentos C5a e C5b. A ligação do C5b à superfície do patógeno dá início à formação do complexo de ataque à membrana pela ligação sucessiva dos componentes C6 e C7 na bicamada lipídica da membrana celular. O complexo C5b,6,7 permite a ligação do componente C8 e, finalmente, há polimerização do C9 atravessando a bicamada lipídica e promovendo lise osmótica do agente infeccioso. Os fragmentos menores, liberados durante a ativação da cascata, têm efeitos biológicos importantes. C2a e C4a estão relacionados a mudanças na permeabilidade vascular, Bb está relacionado à ativação dos macrófagos, C3a, C4a e C5a induzem ativação de mastócitos e neutrófilos, enquanto C5a estimula a motilidade e a adesão dos neutrófilos ao foco inflamatório. Os fragmentos C3b e C4b funcionam como opsoninas, intensificando o processo de fagocitose pela interação com o receptor de complemento CR1, presente na superfície dos fagócitos. A interação CR1-C3b promove também a depuração dos imunocomplexos, que são transportados pelas hemácias e removidos por fagócitos no fígado e baço.26 A regulação da ativação do SC é promovida tanto por proteínas solúveis circulantes quanto acopladas à membrana celular. Esse mecanismo é espécie-específico, assegura que a ativação do SC em baixos níveis não comprometa as células do próprio organismo e impede que, nos momentos de intensa ativação, ocorra deposição dos complexos gerados sobre as células autólogas. O complexo de histocompatibilidade principal O complexo de histocompatibilidade principal humano, MHC, é composto por um conjunto de genes altamente polimórficos, denominados complexo HLA (human leukocyte antigen), e compreende mais de 120 genes funcionais, dos quais cerca de 20% estão associados à imunidade. A associação entre doenças autoimunes e genes do MHC reflete o importante papel dessas moléculas no direcionamento da resposta imune. Por seu papel na apresentação de antígenos, o MHC estabelece um elo entre a resposta inata e a resposta adaptativa.8 No homem, esses genes situam-se no cromossomo 6 e, tradicionalmente, são divididos em classes I, II e III.27 Apenas os genes de classes I e II estão envolvidos na apresentação de antígenos proteicos para LT. As moléculas de classe I estão presentes na superfície de todas as células nucleadas, enquanto as de classe II são encontradas basicamente nas APCs (macrófagos, DCs e LB). Todas as moléculas de MHC presentes na superfície de uma célula têm um peptídeo associado. Embora as moléculas de classe Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Figura 6 Posição genômica relativa dos genes HLA dentro da região do braço curto do cromossomo 6, que contém o MHC humano, classes I (A) e II (B). Cadeias peptídicas das moléculas de MHC de classe I e classe II (C). Roteiro para interpretação da nomenclatura das especificidades e alelos do Complexo de Histocompatibilidade Principal – MHC (D). I e II apresentem características estruturais diversas, ambas são expressas como heterotrímeros em que duas cadeias são da molécula de MHC e a terceira é o peptídeo apresentado aos LT (Figura 6C).8 Na região HLA de classe I, existem cerca de 20 genes, e três deles, HLA-A, B e C, são ditos clássicos (Figura 6A). Os genes que codificam as moléculas clássicas do MHC são altamente polimórficos. As moléculas de classe I são constituídas por uma cadeia α, codificada pelos genes HLA-A, B ou C e uma cadeia pequena, invariável, a β2-microglobulina. Uma vez que esses genes apresentam codominância, cada indivíduo pode apresentar de três a seis diferentes tipos de moléculas de HLA de classe I na superfície de suas células, codificadas pelos alelos maternos e paternos dos genes HLA-A, B e C.8 As moléculas de classe I apresentam para os LTs CD8 peptídeos endógenos, isto é, peptídeos derivados de proteínas autólogas no citoplasma. 441 Cruvinel et al. As moléculas HLA de classe II são constituídas por duas cadeias, α e β, ambas codificadas por genes polimórficos existentes nas regiões do complexo MHC de classe II (Figura 6B). As cadeias α e β das moléculas de classe II são codificadas pelos genes das famílias HLA-DR, DP e DQ. Em geral, uma cadeia α de um tipo, por exemplo, DR, associa-se com a cadeia β do mesmo tipo, mas pode haver pareamento heterólogo, de modo que, dependendo do grau de homozigose ou heterozigose, um indivíduo pode apresentar na superfície de suas APCs entre 10 e 20 diferentes moléculas de classe II. Na nomenclatura dos genes de classe II, a primeira letra indica a classe (D); a segunda, a família (M, O, P, Q, R); e a terceira, a cadeia A (α) ou B (β). Os genes individuais de cada uma dessas famílias são diferenciados por números, e a nomenclatura completa de uma variante alélica é precedida por um asterisco. Por exemplo, HLA-DRB1*0101 significa o alelo 0101 do gene 1, que codifica a cadeia β da molécula de classe II da família DR (Figura 6D). As moléculas HLA de classe II apresentam para os LT peptídeos exógenos, isto é, derivados da proteólise de proteínas não autólogas nos fagolisossomos. albumina e fibrinogênio, constituindo o exsudato. A saída de proteínas para o espaço extravascular é acompanhada de saída de água, e marginalização dos leucócitos, que passam a circular junto ao endotélio. O endotélio local torna-se ativado, expressando moléculas de superfície que favorecem a aderência dos leucócitos e a eventual migração destes para os tecidos. Saem também para o espaço extravascular e são ativados alguns componentes do SC, do sistema gerador de cininas e do sistema da coagulação. Macrófagos residentes no tecido lesado liberam citocinas inflamatórias, como IL-1, TNF-α e quimiocinas.28 Imunidade Inata no contexto da Resposta Inflamatória A primeira defesa do organismo a um dano tecidual é a resposta inflamatória, um processo biológico complexo que envolve componentes vasculares, celulares e uma diversidade de substâncias solúveis, além de apresentar como sinais clínicos característicos rubor, calor, edema, dor e prejuízo funcional. A finalidade desse processo é remover o estímulo indutor da resposta e iniciar a recuperação tecidual local.4 Durante a inflamação, vários sistemas bioquímicos, como cascata do SC e da coagulação, são ativados, auxiliando no estabelecimento, evolução e resolução do processo. Adicionalmente, substâncias solúveis de meia-vida curta são liberadas, exercem sua ação e são degradadas. Em geral, o sucesso na remoção do estímulo desencadeador leva ao término da resposta aguda e reparo tecidual completo. A resposta inflamatória aguda evolui a partir de uma fase vascular iniciada pelas células residentes no tecido imediatamente após o dano. Em condições basais, apenas uma fração dos capilares que compõem a rede tecidual está pérvia, mas, após uma agressão, ocorrem vasodilatação local e aumento da permeabilidade capilar mediados por aminas vasoativas, histamina e serotonina, liberadas por mastócitos e monócitos minutos após a agressão. Inicialmente, saem do leito capilar eletrólitos e pequenas moléculas, constituindo o transudato; posteriormente saem também moléculas maiores como 442 Figura 7 Mecanismos de migração dos leucócitos para o sítio inflamatório. Os macrófagos estimulados pelos indutores da resposta inflamatória produzem citocinas, como TNF-α e IL-1, as quais induzem as células endoteliais das vênulas endoteliais a expressarem selectinas, ligantes para integrinas e quimiocinas. As selectinas medeiam a adesão fraca dos neutrófilos, as integrinas promovem a adesão forte e as quimiocinas ativam e estimulam a migração dos neutrófilos para o foco inflamatório. Os monócitos e linfócitos T ativados usam os mesmos mecanismos para migrar para os locais de infecção. Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata A migração de células circulantes para os tecidos, denominada diapedese, é direcionada pela presença de um gradiente de substâncias quimiotáticas no sítio inflamatório. Uma vez no tecido, as células buscam fagocitar o patógeno, permitindo o reparo da lesão (Figura 7). Na inflamação aguda, predominam elementos da resposta imune inata e as principais células envolvidas são os neutrófilos e macrófagos. Na inflamação crônica, em geral ocasionada por persistência do estímulo nóxico, o processo inflamatório se mantém e sofre alterações qualitativas, caracterizadas por mudança progressiva nos elementos celulares e solúveis que infiltram o tecido.4 A permanência do agente lesivo leva à cronificação do processo, havendo concomitância de destruição e reparo tecidual. Na inflamação crônica, o tecido apresenta caracteristicamente um infiltrado constituído por células mononucleares (monócitos, macrófagos e linfócitos), sinais de angiogênese e fibrose (Tabela 2). Diversos estímulos persistentes podem induzir a cronificação do processo inflamatório, tais como bactérias intracelulares (por exemplo, Mycobacterium tuberculosis), substâncias químicas como a sílica, e mesmo agentes físicos, como a radiação ultravioleta e os traumas repetitivos. Os mecanismos envolvidos na inflamação crônica sistêmica de etiologia não conhecida, como a artrite reumatoide, não são tão bem esclarecidos quanto aqueles associados a processos infecciosos.29 Tabela 2 Características dos processos inflamatórios agudos e crônicos Inflamação Aguda Crônica Agente causal Patógenos orgânicos, radiação ionizante, agentes químicos, trauma mecânico Persistência do estímulo inflamatório inicial, autoimunidade Células envolvidas Neutrófilos, monócitos, macrófagos, mastócitos Macrófagos, linfócitos, fibroblastos Mediadores primários Aminas vasoativas, eicosanoides, quimiocinas, espécies reativas de oxigênio IFN-γ, citocinas, fatores de crescimento, enzimas hidrolíticas Início Imediato Tardio Duração Poucos dias Meses ou anos Evolução Cicatrização com restituição ad integrum, formação de abscesso ou cronificação Destruição tecidual e fibrose Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Migração dos leucócitos: moléculas de adesão Em condições normais de fluxo sanguíneo, as células circulam no centro do vaso, onde a resistência é menor e a velocidade do fluxo, maior. Quando há vasodilatação, a velocidade do fluxo sanguíneo diminui e as células circulantes colidem mais frequentemente com as células endoteliais ativadas que expressam moléculas de superfície capazes de se ligar aos leucócitos. As células endoteliais ativadas expressam altos níveis de moléculas de adesão da família das selectinas, molécula 1 de adesão intercelular (ICAM-1) e molécula 1 de adesão da célula vascular (VCAM-1). A ativação endotelial é ocasionada por subprodutos de micro-organismos, citocinas (IL-1, TNF-α), componentes ativados do SC, fatores da coagulação, histamina e leucotrieno B4.4 As selectinas são glicoproteínas presentes em leucócitos (L-selectina), endotélio (E-selectina e P-selectina) e plaquetas (P-selectina) que se ligam a moléculas glicosiladas presentes na superfície de outras células e, em geral, medeiam adesão de baixa afinidade entre leucócitos e endotélio.4 Apesar da baixa afinidade, essa interação é suficiente para atrair os leucócitos para a periferia e promover contato com o endotélio. Tomando como exemplo um neutrófilo, seu primeiro contato com o endotélio ativado é mediado pela interação das selectinas P e E no endotélio à mucina presente na sua superfície. Concomitantemente, a selectina L de expressão constitutiva nos neutrófilos liga-se ao conjunto de mucinas na superfície do endotélio. Essas ligações são de dissociação rápida, o que faz com que os neutrófilos rolem na parede do vaso impelidos pelo fluxo sanguíneo e sejam expostos a fatores quimiotáticos. Entre os fatores quimiotáticos, destacam-se fragmentos de fibrina, colágeno, fatores solúveis plaquetários, mediadores dos mastócitos, C5a, C3a e C4a, resíduos do metabolismo bacteriano como os peptídeos n-formilados, e as quimiocinas secretadas por diferentes tipos celulares.30 As quimiocinas induzem alterações em outro conjunto de adesinas na superfície dos leucócitos, as integrinas, levando ao reconhecimento de maior avidez aos ligantes expressos no endotélio, imobilizando os neutrófilos e promovendo sua aderência à parede do vaso. A migração das células aderidas para o tecido adjacente é direcionada pelo gradiente crescente de produtos quimiotáticos, facilitado pela interação das integrinas aos componentes da matriz extracelular como a fibrina e a fibronectina. O extravasamento e a migração leucocitária são dependentes de quimiocinas como IL-8 e MCP-1, que são produzidas nos locais de infecção e se ligam aos proteoglicanos na matriz extracelular e em moléculas similares na superfície 443 Cruvinel et al. Tabela 3 Mediadores solúveis da inflamação derivados de componentes plasmáticos Mediadores plasmáticos Fonte Função Bradicinina Sistema calicreínacininas Peptídeo vasoativo que causa vasodilatação, aumento de permeabilidade vascular e estímulo de terminações dolorosas. C3 e C5 Sistema Complemento C3a e C5a estimulam liberação de histamina, C3b atua como opsonina. C5a tem ação quimiotática para fagócitos. Fator XII (Fator de Hageman) Fígado Ativado por contato no tecido lesado, ativa os sistemas das calicreínacininas, da coagulação e o sistema fibrinolítico. Plasmina Sistema fibrinolítico Enzima capaz de quebrar coágulos de fibrina, o componente C3 do Complemento, e ativar o fator XII. Trombina Sistema da coagulação Promove a quebra de fibrinogênio em fibrina e ligase a receptores que levam à produção de mediadores da inflamação como quimiocinas e óxido nítrico. das células endoteliais. A IL-8, liberada por macrófagos ativados, atrai neutrófilos, que são estimulados a penetrar no tecido inflamado, ao passo que MCP-1 recruta monócitos, células T, células NK e células dendríticas mais tardiamente.4 Na Figura 7, estão esquematizadas algumas moléculas de adesão e os respectivos ligantes.30 A dinâmica de produção das moléculas de adesão varia de minutos a horas. Algumas, como a selectina P, se encontram na membrana de vesículas secretórias intracitoplasmáticas (corpos de Weibel-Palade) que, rapidamente, se fundem à membrana plasmática quando a célula é estimulada. Outras, como a selectina E, ICAM-1 e VCAM-1, demandam horas para sua síntese. Mediadores solúveis da resposta inflamatória Os mediadores da resposta inflamatória são variados e derivam de precursores plasmáticos e celulares, podendo ser classificados de acordo com suas propriedades bioquímicas em: aminas vasoativas, peptídeos vasoativos, produtos de clivagem do SC, mediadores lipídicos, citocinas, quimiocinas e enzimas proteolíticas. (Tabelas 3 e 4). A histamina exerce seus efeitos fisiológicos mediante interação com quatro diferentes receptores da célula-alvo, H1, H2, H3 e H4. H1 promove a contração da musculatura lisa de vários órgãos e o aumento da permeabilidade dos capilares venosos Tabela 4 Mediadores solúveis da inflamação derivados de células Mediadores celulares Tipo Principal fonte Função Histamina Amina vasoativa Mastócitos, basófilos, plaquetas Presente em grânulos preformados. Causa dilatação de arteríolas e aumento de permeabilidade vascular. Óxido nítrico Gás solúvel Macrófagos, células endoteliais Potente vasodilator, relaxa musculatura lisa, reduz agregação plaquetária, tem ação antimicrobiana em altas concentrações. Leucotrieno B4 Eicosanóode derivado do ácido araquidônico por ação de lipoxigenase Leucócitos Promove ativação e adesão de leucócitos ao endotélio e sua migração. Induz a formação de espécies reativas de oxigênio nos neutrófilos. Prostaglandinas Eicosanóides derivados do ácido araquidônico por ação de cicloxigenases Mastócitos e Basófilos Causam vasodilatação, febre e dor. TNF-α e IL-1 Citocinas Macrófagos Ativam fibroblastos, promovem adesão de leucócitos e quimiotaxia. Causam efeitos sistêmicos, como febre, perda de apetite e aumento de batimentos cardíacos. IFN-γ Citocina Células T e NK Ação antiviral, imunorregulatória e antitumoral. Também denominado fator ativador de macrófagos, é importante na inflamação crônica. IL-8 Quimiocina Macrófagos Ativação e quimiotaxia para neutrófilos. 444 Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata (fármacos genericamente conhecidos como anti-histamínicos bloqueiam esses receptores). H2 aumenta a secreção de ácido gástrico e promove relaxamento da musculatura lisa. H3 está envolvido no feedback negativo da síntese de histamina e H4 medeia quimiotaxia de mastócitos.31 A bradicinina faz parte da família de peptídeos gerados no plasma por ação de enzimas sobre cininogênios. Os receptores para bradicinina B2 são constitutivos e medeiam o aumento do fluxo sanguíneo e da permeabilidade vascular, broncoconstrição e estimulação de receptores algésicos. Os receptores B1, pouco expressos na maioria dos tecidos em condições normais, são rapidamente induzidos em condições patológicas por vários estímulos pro-inflamatórios, como as citocinas IL-1, IFN-γ e TNF-α.32 Outro grupo de moléculas importantes no processo inflamatório são os neuropeptídeos, substância P, neurocinina A, VIP (vasoactive intestinal peptide), CGRP (calcitonin generelated peptide), somatostatina e encefalinas. A substância P e o CGRP têm efeitos pro-inflamatórios e são responsáveis pela inflamação neurogênica. A substância P e as neurocininas atuam nos receptores NK1, aumentando o fluxo sanguíneo e a permeabilidade vascular, e em receptores NK2, induzindo broncoconstrição.33 Os mediadores lipídicos derivados do ácido araquidônico são produzidos pela ativação de fosfolipases que clivam os fosfolipídios constituintes da membrana celular, gerando prostaglandinas, leucotrienos e PAF (fator ativador de plaquetas). As prostaglandinas têm funções inflamatórias como febre, hiperalgesia e vasodilatação, potencializando edema e contração ou relaxamento da musculatura lisa. Esses mediadores também atuam em processos fisiológicos, como na manutenção da integridade do epitélio das mucosas, manutenção da função renal, reprodução (sobrevivência do feto, implante de ovo, contração do útero durante o parto) proliferação e morte celular.34 A inflamação fornece sinais fundamentais para ativação de LT e LB, iniciando, assim, a resposta imune específica e contribuindo para a integração entre imunidade inata e adquirida. Quimiocinas As quimiocinas constituem uma grande família de citocinas estruturalmente homólogas, responsáveis pela movimentação dos leucócitos, inclusive sua migração para locais de inflamação tecidual a partir do sangue. São pequenos polipeptídeos de 8 a 12kDa com duas pontes dissulfeto internas. Cerca de 50 quimiocinas diferentes já foram identificadas, sendo classificadas em famílias pelo número e a localização dos resíduos de cisteína N-terminais. As duas principais famílias são a das Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 quimiocinas CC, nas quais resíduos de cisteína são adjacentes, e a família CXC, como a IL-8, em que esses resíduos são separados por um aminoácido.35 As quimiocinas podem ser constitutivas ou induzidas. As constitutivas são normalmente produzidas em vários tecidos e recrutam leucócitos, principalmente linfócitos, na ausência de inflamação. As quimiocinas induzidas (ou inflamatórias) são produzidas por várias células em resposta a estímulos inflamatórios e recrutam leucócitos para locais de inflamação.36 Os receptores das quimiocinas são receptores com sete domínios transmembrana acoplados a proteínas G, presentes na superfície celular. Já foram identificados 11 receptores diferentes para quimiocinas CC (CCR1 a CCR11) e sete para quimiocinas CXC (CXCR1 a CXCR7). Esses receptores podem ser específicos para uma dada quimiocina (e.g., CCR6, CCR9 e CXCR6), mas, comumente, um mesmo receptor pode ligar-se a várias quimiocinas do mesmo grupo.35 As quimiocinas desempenham papel crucial na movimentação das células mononucleares pelo corpo e sua migração para os tecidos, contribuindo para a resposta imune adaptativa e/ou patogênese de várias doenças. Os receptores de quimiocinas são expressos em leucócitos, células dendríticas e células de Langerhans. A maior variedade de receptores é observada em LT e sua expressão pode definir o padrão migratório e até mesmo facilitar a identificação de certos subtipos de LT. A ligação quimiocina-receptor inicia uma complexa cascata de sinalização que gera respostas quimiotáticas, degranulação, liberação de EROs e alteração na afinidade das integrinas presentes na superfície celular.36 Além de agentes quimiotáticos para leucócitos, as quimiocinas e seus receptores desempenham outros importantes papéis. Alguns receptores, entre eles o CCR5, são os principais correceptores para certas cepas do vírus da imunodeficiência humana (HIV). A deleção de 32 nucleotídeos na variante polimórfica CCR5∆32 torna seus portadores resistentes à infecção pelo HIV.37 Algumas quimiocinas estão envolvidas na angiogênese por seu efeito quimiotático sobre as células endoteliais, enquanto outras exercem efeito antiangiogênico. Acredita-se que as quimiocinas também desempenhem papel importante na hematopoiese, no crescimento de células tumorais e no desenvolvimento de metástases tumorais.38 Quimiocinas e seus receptores também têm sido implicados na patogênese de diversas doenças neurológicas, incluindo esclerose múltipla.39 Níveis elevados de IL-8 têm sido relatados no tecido sinovial e no líquido sinovial em caso de artrite reumatoide e em várias condições inflamatórias sistêmicas.40 445 Cruvinel et al. Classificação da resposta inflamatória A resposta inflamatória é, em geral, benéfica ao organismo, resultando na eliminação de microrganismos por fagocitose ou lise pelo SC, diluição ou neutralização de substâncias irritantes ou tóxicas pelo extravasamento local de fluidos ricos em proteínas, e limitação da lesão inicial pela deposição de fibrina. Em algumas situações, entretanto, pode ter consequências indesejáveis, como, por exemplo, nas reações alérgicas e nas doenças autoimunes. As reações inflamatórias exacerbadas, mediadas pelo sistema imune, denominadas reações de hipersensibilidade, são classificadas de acordo com o mecanismo desencadeador (Tabela 5). As reações de hipersensibilidade imediata (tipo I) são caracterizadas pela presença de IgE e, em geral, desencadeadas por um antígeno externo (alérgeno). Podem apresentar-se de forma sistêmica, envolvendo múltiplos órgãos, ou de modo mais restrito como na urticária e na rinite alérgica. A interação entre o alérgeno e a IgE preformada e prefixada a receptores de superfície de mastócitos e basófilos resulta na liberação de mediadores solúveis, como histamina, e na síntese de mediadores lipídicos derivados do ácido araquidônico. Rinite alérgica, asma e reações anafiláticas são exemplos das reações tipo I. As reações do tipo II dependem da produção de anticorpos das classes IgG e IgM contra um dado antígeno. O fato de a resposta humoral causar dano, em vez de proteção, depende Tabela 5 Classificação das reações de hipersensibilidade segundo Gell e Coombs Tipo Nome alternativo Doenças associadas Mediadores I Hipersensibilidade imediata Atopia Anafilaxia Asma IgE II Hipersensibilidade mediada por anticorpos Anemia hemolítica auto-imune Síndrome de Goodpasture Eritroblastose fetal IgG ou IgM e Complemento III Hipersensibilidade mediada por imunocomplexos Doença do soro Reação de Arthus Nefrite lúpica IgG e Complemento IV Hipersensibilidade tardia Rejeição de transplante Dermatite de contato Tuberculose Células T, macrófagos, histiócitos 446 da natureza do antígeno, do isotipo da imunglobulina formada e, principalmente, da especificidade e da avidez dos autoanticorpos em questão. Os mecanismos de dano associados com as reações de tipo II incluem: lise de células que apresentam o antígeno em sua superfície por ativação do SC; destruição por células NK, que apresentam receptores Fc para IgG e realizam citotoxicidade mediada por anticorpo; e liberação de enzimas líticas e citocinas por neutrófilos e macrófagos ativados pela ligação de receptores Fc para IgG. As reações tipo III são causadas pela formação de imunocomplexos (IC) antígeno-anticorpo, que se depositam nos tecidos e ativam o SC. Estão envolvidos apenas os anticorpos capazes de ativar complemento, IgM, IgA e todas as subclasses de IgG, exceto IgG4. Os IC circulantes podem depositar-se em vasos, membrana basal de glomérulos e articulações, e a ativação do SC leva à inflamação tecidual, que pode resultar em exantema, eritema nodoso, vasculite, nefrite, penumonite e artrite. Esse tipo de reação de hipersensibilidade é encontrado em várias doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, diferentes tipos de vasculite e formas graves de artrite reumatoide. As reações do tipo IV, ou de hipersensibilidade tardia, são mediadas por LTs, macrófagos, histiócitos e monócitos. Linfócitos T citotóxicos (CD8) causam dano tecidual direto, enquanto LTs auxiliadores (CD4) secretam citocinas que ativam e recrutam LT citotóxicos, monócitos e macrófagos. Os macrófagos são os responsáveis pela magnitude da lesão tecidual e pela formação de granulomas característicos da persistência do agente infeccioso ou corpo estranho. Exemplos clássicos de reação do tipo IV são a tuberculose e a hanseníase em sua forma tuberculóide. Vasculite de células gigantes e arterite de Takayasu também parecem decorrer de mecanismos relacionados à hipersensibilidade do tipo IV.4 Perspectivas: imunidade inata e doenças inflamatórias crônicas As doenças denominadas autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e esclerose sistêmica, são de fato enfermidades inflamatórias crônicas de etiologia desconhecida. Sua classificação como doenças autoimunes deriva principalmente do fato de apresentarem altos níveis de autoanticorpos circulantes, embora autoanticorpos circulantes em altos níveis ocorram também em algumas doenças infecciosas, em neoplasias e até mesmo em alguns indivíduos normais. Por motivos desconhecidos, o processo inflamatório encontra-se perpetuado nessas enfermidades. Ao longo de muitas décadas, as pesquisas têm buscado alterações na imunidade adaptativa nas doenças Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata autoimunes. Ultimamente, no entanto, tem-se desviado um pouco a atenção para a imunidade inata, que coordena, em última instância, a instalação e a ablação de qualquer processo inflamatório. Como exemplo, tem-se evidenciado que as células mononucleares do sangue periférico de pacientes com LES apresentam aumento na expressão de genes relacionados ao interferon tipo I (IFN-α e IFN-β), mediadores típicos da resposta inata. Pacientes com LES em atividade apresentam intensa atividade de interferon tipo I e, após controle da doença, há normalização desse parâmetro. Esse e outros achados Rev Bras Reumatol 2010;50(4):434-61 demonstram que distúrbios da imunidade inata podem ser fundamentais na fisiopatologia das doenças autoimunes. Como corolário, os diversos elementos participantes da imunidade inata podem ser alvos interessantes para terapia biológica nessas doenças. De fato, grandes esforços têm sido direcionados nos últimos anos com o propósito de desenhar anticorpos monoclonais e proteínas recombinantes capazes de interagir com elementos da imunidade inata e modular as respostas inflamatórias indesejadas, buscando a regulação de respostas inflamatórias exacerbadas em diferentes enfermidades crônicas inflamatórias. 447 Cruvinel et al. REFERÊNCIAS REFERENCES 1. Medzhitov R, Janeway C Jr. Innate immunity. N Engl J Med 2000; 343:338-44. 2. Medzhitov R, Preston-Hurlburt P, Janeway CA Jr. A human homologue of the Drosophila Toll protein signals activation of adaptive immunity. Nature 1997; 388:394-7. 3. Janeway CA, Medzhitov R. Innate immunity recognition. Annu Rev Immunol 2002; 20:197-216. 4. Abbas AK, Lichtman AH: Cellular and Molecular Immunology. 6th ed. Saunders 2003. 5. Heyworth PG, Cross AR, Curnutte JT. Chronic granulomatous disease. Curr Opin Immunol 2003; 15:578–84. 6. Delves PJ, Roitt D. The Immune System – First of two parts. 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FEBS J 2008; 275:4448-55. 461 ARTIGO DE REVISÃO Sistema Imunitário – Parte II Fundamentos da resposta imunológica mediada por linfócitos T e B Danilo Mesquita Júnior1, Júlio Antônio Pereira Araújo2, Tânia Tieko Takao Catelan3, Alexandre Wagner Silva de Souza4, Wilson de Melo Cruvinel1, Luís Eduardo Coelho Andrade6, Neusa Pereira da Silva6 RESUMO O sistema imunológico é constituído por uma intrincada rede de órgãos, células e moléculas, e tem por finalidade manter a homeostase do organismo, combatendo as agressões em geral. A imunidade inata atua em conjunto com a imunidade adaptativa e caracteriza-se pela rápida resposta à agressão, independentemente de estímulo prévio, sendo a primeira linha de defesa do organismo. Seus mecanismos compreendem barreiras físicas, químicas e biológicas, componentes celulares e moléculas solúveis. A primeira defesa do organismo frente a um dano tecidual envolve diversas etapas intimamente integradas e constituídas pelos diferentes componentes desse sistema. A presente revisão tem como objetivo resgatar os fundamentos dessa resposta, que apresenta elevada complexidade e é constituída por diversos componentes articulados que convergem para a elaboração da resposta imune adaptativa. Destacamos algumas etapas: reconhecimento molecular dos agentes agressores; ativação de vias bioquímicas intracelulares que resultam em modificações vasculares e teciduais; produção de uma miríade de mediadores com efeitos locais e sistêmicos no âmbito da ativação e proliferação celulares, síntese de novos produtos envolvidos na quimioatração e migração de células especializadas na destruição e remoção do agente agressor, e finalmente a recuperação tecidual com o restabelecimento funcional do tecido ou órgão. Palavras-chave: imunidade inata, inflamação, autoimunidade, PAMPs, receptores toll-like. ORIGEM Células tronco pluripotentes da medula óssea dão origem às células progenitoras mieloides e linfoides. Os progenitores linfoides, por sua vez, dão origem aos linfócitos T, B e células NK. As células que vão se diferenciar em linfócitos T (LT) deixam a medula óssea e migram para o timo, onde ocorre todo o processo de seleção e maturação. Apenas os linfócitos T maduros deixam o timo e caem na circulação. As células, que vão se diferenciar em linfócitos B (LB), permanecem na medula óssea e, ao final de sua maturação, deixam a medula e entram na circulação, migrando para os órgãos linfoides secundários (Figura 1). LINFÓCITOS B Os LB são inicialmente produzidos no saco vitelino, posteriormente, durante a vida fetal, no fígado e finalmente na medula óssea. As células que vão se diferenciar em LB permanecem na medula óssea durante sua maturação e os LB maduros Recebido em 27/08/2010. Aprovado, após revisão, em 23/09/2010. Declaramos a inexistência de conflitos de interesse. Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 1. Doutorando em Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 2. Mestre em Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 3. Mestrando em Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 4. Médico Assistente da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 5. Doutorando em Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP e Professor-assistente de imunologia dos cursos de Medicina e Biomedicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-Goiás 6. Professor Adjunto da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Endereço para correspondência: Neusa Pereira da Silva. Rua Botucatu, 740, 3º andar, CEP: 04023-900, São Paulo, Brasil. Tel/fax: 55 (11) 5576-4239. Email: [email protected]. 552 RBR 50_5.indb 552 Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:45 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata dissulfeto. Existem cinco tipos de cadeias pesadas denominadas α, γ, δ, ε e μ, que definem as classes de imunoglobulina IgA, IgG, IgD, IgE e IgM. As cadeias leves são de dois tipos, κappa (κ) e lambda (λ). A especificidade de ligação ao antígeno é definida pela porção variável (Fab) da molécula, constituída pela união das regiões variáveis das cadeias leve e pesada da imunoglobulina. As propriedades características de cada classe de Ig podem ser vistas na Tabela 1.1,3 Tabela 1 – Características básicas das classes de imunoglobulinas Classe Estrutura Propriedades IgA Dimérica Encontrada em mucosas do trato gastrointestinal, respiratório e urogenital. Previne colonização por patógenos. Presente também na saliva, lágrimas e leite. Imunoglobulina de membrana. Faz parte do receptor de membrana de linfócitos B virgens (BCR). Envolvida em processos alérgicos e parasitários. Sua interação com basófilos e mastócitos causa liberação de histamina. Principal imunoglobulina da imunidade adquirida. Tem capacidade de atravessar a barreira placentária. Faz parte do receptor de membrana de linfócitos B virgens (BCR). Forma encontrada no soro, secretada precocemente na resposta imune adquirida. Monomérica IgD Monomérica IgE Monomérica IgG Monomérica IgM Monomérica Pentamérica Figura 1. Estágios de maturação da célula B na medula óssea a partir da célula tronco pluripotente. Inicialmente os linfócitos B passam por ciclos de proliferação com concomitante expressão das cadeias do receptor da célula B (BCR). Células que falham na expressão do BCR são eliminadas e células que reconhecem proteínas próprias com elevada afinidade são estimuladas a sofrer morte apoptótica (seleção negativa). Na parte inferior da figura estão esquematizados os estágios de desenvolvimento das células T a partir da migração de seus precursores da medula óssea para o timo. Na parte inferior direita temos a visão esquemática de uma molécula de IgG secretada. deixam a medula e entram na circulação, migrando para os órgãos linfoides secundários1,2,3 (Figura 1). As moléculas responsáveis pelo reconhecimento de antígenos nos LB são as imunoglobulinas de membrana, IgM e IgD. Estas são a contrapartida dos receptores de linfócitos T (TCR) e por analogia são denominadas receptores de linfócitos B (BCR) em alguns contextos. CARACTERÍSTICAS DAS IMUNOGLOBULINAS Cada molécula de imunoglobulina (Ig) é constituída por duas cadeias pesadas e duas cadeias leves ligadas por pontes Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 553 ORGANIZAÇÃO DOS GENES DAS IMUNOGLOBULINAS Cada cadeia de imunoglobulina é formada a partir de segmentos gênicos que se rearranjam em uma sequência específica para constituir a cadeia completa (Figura 1). A porção variável da cadeia pesada das imunoglobulinas é codificada pelos segmentos VH, DH e JH. Há mais de 50 genes VH, ~25 DH e 6 JH dispostos sequencialmente no cromossomo, seguidos das regiões constantes Cμ, Cδ, Cγ3, Cγ1, Cα1, Cγ4, Cγ2, Cε1 e Cα2. Nas cadeias leves os segmentos são: ~35 Vκ, 5 Jκ e um só segmento Cκ; ~30 Vλ e 4 conjuntos JλCλ.2 MATURAÇÃO DOS LINFÓCITOS B A maturação dos linfócitos B tem início a partir das células pró-B que expressam três genes, TdT, RAG1 e RAG2, que comandam a recombinação gênica necessária para a produção de imunoglobulinas. A montagem da cadeia pesada se inicia com a combinação aleatória de um segmento D e um J, que a seguir se unem a um segmento V, definindo a especificidade de 553 21/10/2010 15:46:46 Mesquita et al. Figura 2. Estágios de maturação das células B com exemplos de marcadores imunofenotípicos expressos no desenvolvimento normal destas células. CyIgµ - cadeia µ citoplasmática; SmIgM - IgM de superfície; CyIg - imunoglobulina citoplasmática. reconhecimento do anticorpo que será formado, independentemente da porção constante que fará parte da cadeia completa. Essa cadeia pesada se associa a uma cadeia invariável e é expressa na superfície como um pré-BCR, juntamente com as moléculas assessórias Igα e Igβ. Em seguida ocorre o rearranjo da cadeia leve k e, na falha desta, da cadeia λ. Cada LB apresenta, portanto, um único tipo de cadeia leve associado à cadeia pesada. O sucesso na expressão de uma IgM completa na superfície do LB leva à progressão da maturação com subsequente produção de IgD de membrana.3 É importante ressaltar que todo rearranjo gênico ocorre no início da maturação do LB, no estágio pré-B, ainda na medula óssea, e de modo totalmente independente de qualquer contato com antígeno.2 O processo combinatório dos diferentes segmentos que compõem as porções variáveis das cadeias pesadas e leves e as diferentes possibilidades de associação entre elas resultam em cerca de 1011 especificidades diferentes de reconhecimento pelas imunoglobulinas.1 A fim de restringir esse repertório, mecanismos de seleção positiva e negativa atuam durante a maturação dos LB. Na 554 RBR 50_5.indb 554 seleção positiva, os LB imaturos expressando moléculas funcionais de Ig de membrana recebem sinais de sobrevivência para prosseguir a maturação. No processo de seleção negativa, os LB imaturos, ainda na medula óssea, que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade sofrem apoptose ou entram em um processo denominado edição de receptor, no qual os genes RAG são novamente ativados e outra combinação V-J de cadeia leve é gerada em substituição à anterior, auto-reativa.1,2,3 Alguns detalhes da dinâmica de maturação das células B estão apresentados na Figura 1. CARACTERIZAÇÃO IMUNOFENOTÍPICA Os estágios de maturação dos LB são caracterizados por um padrão específico de expressão de genes de imunoglobulinas e de outras proteínas de membrana que servem como marcadores fenotípicos desses estágios de desenvolvimento (Figura 2). Essas moléculas de superfície cumprem funções específicas importantes nas diferentes fases de maturação do LB. A existência de anticorpos monoclonais específicos para cada um desses marcadores permite que sejam feitos estudos Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:46 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata sobre a distribuição e a dinâmica da linhagem de LB. Ademais, monoclonais contra algumas dessas moléculas de superfície também podem ser utilizados com finalidade terapêutica, atingindo determinadas subpopulações de células da linhagem B. ATIVAÇÃO DOS LINFÓCITOS B Os LB são responsáveis pela imunidade humoral que se caracteriza pela produção e liberação de anticorpos capazes de neutralizar, ou até mesmo destruir, os antígenos (Ag) contra os quais foram gerados. Para tal, os LB devem ser ativados, o que acarreta um processo de proliferação e diferenciação, que culmina na geração de plasmócitos com produção de imunoglobulinas com alta afinidade para o epítopo antigênico que originou a resposta. Para ativação, é preciso que o BCR ligue-se a um epítopo antigênico, o que desencadeia uma sequência de eventos intracelulares. Além do reconhecimento do antígeno, a ativação dos LB depende também de um segundo sinal ativador.1,2 O complexo do receptor de LB (BCR) inclui, além da imunoglobulina de membrana, duas cadeias peptídicas, Igα e Igβ, que têm função de dar início à sinalização intracelular após o encontro com o antígeno.1,2 As moléculas Igα e Igβ contêm motivos de ativação (ITAMs) que são fosforilados após ligação do antígeno ao complexo BCR, e ativam fatores que promovem a transcrição de genes envolvidos na proliferação e diferenciação dos LB (Figura 3-A).2,7 Os LB funcionam também como células apresentadoras de antígeno, após interiorizarem e processarem o Ag ligado ao receptor de superfície (BCR). Os peptídeos gerados pelo processamento são expressos na membrana dos LB ligados às moléculas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) classe II, para apresentação aos LTCD4+ (auxiliares). A interação do complexo peptídeo/MHC classe II com o receptor de LT (TCR) inicia uma cadeia de eventos que levam os LT auxiliares à expansão clonal e produção de citocinas que estimulam a proliferação e diferenciação dos LB (Figura 3-B).1,2,7 Proteínas do complemento também fornecem sinais secundários para ativação por meio do receptor para o fragmento C3d, denominado CR2 ou CD21, expresso na superfície dos LB. O CD21 forma um complexo com outras duas proteínas de membrana, CD19 e CD81, permitindo o reconhecimento simultâneo do C3d e do antígeno pelo BCR. Esta ligação promove o início da cascata de sinalização de ambos os receptores, gerando uma resposta muito maior se comparada à resposta do antígeno não ligado à molécula C3d.1,2 A possibilidade da ligação C3d/CR2 atuar como o segundo sinal para a ativação dos LB garante o desencadeamento da resposta frente a Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 555 Figura 3. A. Complexo BCR e ativação da célula B. A partir da ligação cruzada das imunoglobulinas na superfície do LB são desencadeados eventos bioquímicos que iniciam com a fosforilação dos ITAMS (Motivos de ativação de imunoreceptores baseado em tirosina) com consequente ativação de enzimas e intermediários bioquímicos que culminarão na ativação de fatores de transcrição que promovem a ativação celular. B. Interação do linfócito B com linfócito T auxiliar após processamento antigênico pelas células B. A produção de citocinas pelos linfócitos T auxiliares resultará na ativação da Resposta Imune Humoral. Destaque para as moléculas de superfície envolvidas no processo de ativação. microorganismos e antígenos que ativam o complemento. Esse é também um mecanismo de amplificação da resposta imune humoral, uma vez que anticorpos capazes de ativar o complemento vão resultar em maior estímulo dos LB.1,8 Recentemente tem sido destacado o potencial dos LB em desempenhar suas funções após ativação de outros receptores relacionados à resposta imune inata, tais como os Toll-Like Receptors (TLRs). Foi demonstrado que os LB expressam a maioria dos TLRs, tais como TLR-2, TLR-3, TLR-5 TLR-7 e TLR-9, respondendo a uma enorme variedade de ligantes que podem ser proteicos, polissacarídicos, lipídicos e outros.8 555 21/10/2010 15:46:46 Mesquita et al. A resposta dos LB a antígenos peptídicos requer a ajuda dos LT auxiliares e esses antígenos são, por isso, denominados “antígenos T dependentes”. Muitos antígenos não proteicos, com epítopos repetitivos, não necessitam da cooperação dos LT e são denominados “antígenos T independentes”.1 CARACTERÍSTICAS DA RESPOSTA T DEPENDENTE A resposta humoral frente a Ag proteicos requer o reconhecimento do antígeno pelos LT auxiliares e sua cooperação com os LB antígeno-específicos, estimulando a expansão clonal dos LB, a mudança de classe, a maturação de afinidade e a diferenciação em LB de memória.1 Os LT expressam na sua superfície moléculas CD40L, que interagem com seu ligante, CD40, presente na superfície de LB, e expressam também CD28 que se liga às moléculas B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86), cuja expressão na membrana dos LB ativados é significantemente aumentada. Esses dois pares de moléculas, CD40/CD40-L e CD28/B7, permitem a transmissão dos sinais de estímulo e induzem a produção de enorme variedade de citocinas (Figura 3-B).1,2 MUDANÇA DE CLASSE DE IMUNOGLOBULINAS A etapa de diferenciação caracteriza-se por alterações significativas na morfologia dos LB e também pela troca da porção constante da cadeia pesada de IgM ou IgD para IgG, IgA ou IgE, processo conhecido como mudança de classe. Esta etapa envolve eventos moleculares complexos como rearranjo ao nível do DNA genômico e splicing alternativo ao nível do RNA mensageiro. Neste processo as porções variáveis das cadeias pesada e leve permanecem as mesmas e consequentemente a especificidade antigênica do anticorpo não é alterada, mas a resposta imune torna-se mais diversificada, uma vez que as diferentes classes de Ig apresentam diferentes características funcionais.1,2 O sinal gerado pela interação CD40/CD40L parece atuar de forma global no início do processo de mudança de classe. Pacientes com um tipo de deficiência de imunoglobulinas ligada ao X apresentam baixa expressão de CD40L em LT ativados, consequentemente os LB apresentam um defeito no processo de mudança de classe de imunoglobulinas com aumento nos níveis séricos de IgM mas não de IgG, IgA ou IgE, tornando o paciente mais susceptível a infecções piogênicas e ao desenvolvimento de doenças autoimunes e linfoma.1,2 556 RBR 50_5.indb 556 MATURAÇÃO DA AFINIDADE No início da resposta, há Ag suficiente para interagir com LB tanto de alta quanto de baixa afinidade e os anticorpos produzidos são heterogêneos. No decorrer da resposta, quantidades maiores de anticorpos se ligam ao Ag diminuindo sua disponibilidade. Nessa fase, os LB com Ig de maior afinidade, que interagem melhor com o determinante antigênico, são preferencialmente estimulados. Esse processo é denominado maturação da afinidade. O aumento da afinidade de anticorpos para um dado Ag, durante a progressão da resposta humoral T dependente, é resultado de mutação somática nos genes de Ig durante a expansão clonal. Algumas destas mutações vão gerar células capazes de produzir anticorpos de alta afinidade, contudo, outras podem resultar na diminuição ou mesmo na perda da capacidade de ligação com o antígeno. A seleção positiva garante a sobrevivência seletiva de LB produtores de anticorpos de afinidade progressivamente maior. Nesse processo é fundamental a interação CD40/CD40L bem como a presença de fatores solúveis derivados dos linfócitos T e por isso a maturação de afinidade ocorre somente na resposta aos antígenos T dependentes.1,2,3 Pelo fato de que persistem LB de memória após uma exposição a antígenos T dependentes, os anticorpos produzidos numa resposta secundária apresentam afinidade média mais alta que os produzidos na primária. Esse processo é importante na eliminação de antígenos persistentes ou recorrentes.1,2 CARACTERÍSTICAS DAS RESPOSTAS PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS DE ANTICORPOS As respostas primárias e secundárias dos anticorpos para os antígenos proteicos diferem qualitativa e quantitativamente. Resposta Primária O primeiro contato com um antígeno, por exposição natural ou vacinação, leva à ativação de LB virgens, que se diferenciam em plasmócitos produtores de anticorpos e em células de memória, resultando na produção de anticorpos específicos contra o antígeno indutor. Após o início da resposta, observase uma fase de aumento exponencial dos níveis de anticorpos, seguida por uma fase denominada platô, na qual os níveis não se alteram. Segue-se a última fase da resposta primária, a fase de declínio, na qual ocorre uma diminuição progressiva dos anticorpos específicos circulantes.1,2 Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:46 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata Figura 4. Visão esquemática das fases primária e secundária da resposta imune adaptativa humoral. As células B virgens nos tecidos linfoides periféricos são ativadas a partir do contato com o antígeno, proliferam e diferenciam-se em células secretoras de anticorpos e células B de memória. A resposta secundária é mais rápida e ocorre a partir da ativação das células B de memória promovendo a produção de maiores quantidades de anticorpos. Resposta Secundária Ao entrar em contato com o antígeno pela segunda vez, já existe uma população de LB capazes de reconhecer esse antígeno devido à expansão clonal e células de memória geradas na resposta primária. A resposta secundária difere da primária nos seguintes aspectos: a dose de antígeno necessária para induzir a resposta é menor; a fase de latência é mais curta e a fase exponencial é mais acentuada; a produção de anticorpos é mais rápida e são atingidos níveis mais elevados; a fase de platô é alcançada mais rapidamente e é mais duradoura e a fase de declínio é mais lenta e persistente (Figura 4).1,2,3 A magnitude da resposta secundária depende também do intervalo de tempo desde o contato inicial com o antígeno. A resposta será menor se o intervalo for muito curto ou muito longo. Se for muito curto, os anticorpos ainda presentes formam complexos Ag/Ac que são rapidamente eliminados; se for muito longo, é possível que as células de memória tenham diminuído gradualmente com o tempo, embora a capacidade para deflagrar uma resposta secundária possa persistir por meses ou anos. O período ótimo para a indução de resposta secundária é logo após a queda do nível de anticorpos da resposta primária abaixo dos limites de detecção.1,2 Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 557 Nos dois tipos de resposta, primária e secundária, há a produção dos isótipos IgM e IgG, porém, na resposta primária IgM é a principal Ig e a produção de IgG é menor e mais tardia. Na resposta secundária, a IgG é a imunoglobulina predominante. Nas duas respostas, a concentração de IgM sérica diminui rapidamente de maneira que, após uma ou duas semanas, observa-se queda acentuada enquanto a produção de IgG é persistente.1,2 Vale a pena enfatizar que os testes imunoenzimáticos muito sensíveis podem registrar níveis baixos ou residuais de IgM por meses em alguns casos. CARACTERÍSTICAS DA RESPOSTA T INDEPENDENTE Antígenos T independentes podem estimular a produção de anticorpos na ausência total ou relativa de LT. Esses antígenos são usualmente moléculas não proteicas, poliméricas, que estimulam a produção de Ig de baixa afinidade pertencentes, na sua maioria, à classe IgM. Como, geralmente, não há ativação de LT, não serão geradas as citocinas necessárias para a mudança de classe, maturação de afinidade ou formação de LB de memória. Raramente na resposta a antígenos T independentes ocorre mudança para outros isótipos.1,2,3 557 21/10/2010 15:46:47 Mesquita et al. Um exemplo da importância da resposta a antígenos T independentes é a imunidade humoral frente a polissacarídeos bacterianos, um mecanismo decisivo na defesa do hospedeiro contra infecções por bactérias encapsuladas. Por essa razão, indivíduos com deficiências congênitas ou adquiridas que prejudiquem a resposta humoral são especialmente suscetíveis a infecções, muitas vezes fatais, por bactérias encapsuladas. Outro exemplo de resposta aos antígenos T independentes são os anticorpos naturais, presentes na circulação de indivíduos normais e produzidos aparentemente sem exposição antigênica. Muitos destes anticorpos naturais reconhecem carboidratos com baixa afinidade e acredita-se que sejam produzidos por LB peritoneais, isto é, células B1, estimuladas por bactérias que colonizam o trato gastrointestinal, e por LB da zona marginal dos órgãos linfoides. Anticorpos contra antígenos glicolipídicos A e B do grupo sanguíneo são outro exemplo de anticorpos naturais.1,3 CÉLULAS B REGULADORAS (BREGS) O conceito de LB reguladores (BREGS) foi introduzido por Bhan e Mizoguchi11 a partir de estudo com camundongos LB deficientes (B-) cruzados com camundongos que não expressavam TCRα (TCRα-/-) e desenvolviam espontaneamente colite crônica. Os camundongos duplamente afetados (B-/TCRα-/-) apresentaram doença mais precocemente e inflamação mais exacerbada do que animais TCRα-/-, mas que tinham LB. De modo surpreendente foi comprovado que, naquele modelo experimental, era possível minimizar o efeito da colite no grupo B-/TCRα-/-, pela administração de imunoglobulinas purificadas e de autoanticorpos anticélulas epiteliais colônicas. A melhora observada foi acompanhada de aumento no clearance de células apoptóticas favorecido pelos autoanticorpos produzidos pelos LBREGS. Outros estudos em modelos experimentais comprovaram a existência de células com capacidade imunomoduladora no pool de LB que, em um ambiente cronicamente inflamado, se diferenciam em um fenótipo com alta expressão de CD1d, capacidade de produção de IL-10 e habilidade para suprimir a resposta inflamatória. Os LBREGS dependem de interação antigênica e estimulação via molécula CD40L e B7, mas, uma vez ativadas, produzem IL-10 e TGF-β suprimindo a ativação e diferenciação de LTCD4+, LTCD8+ e células NK/T, inibem a ativação de células dendríticas e estimulam a diferenciação de LT reguladores. Mediante contato dos LBREGS com LT virgens há inibição da ativação do LT e da diferenciação em TH1 (Figura 5).12,13 558 RBR 50_5.indb 558 Figura 5. Mecanismos de regulação da resposta imune induzidos por células B reguladoras (BREGs). Os mecanismos de supressão sobre diferentes alvos celulares são dependentes da secreção de IL-10 e TGF-β. Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:47 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata O estudo dos LBREGS em modelos animais deixa claro o papel regulador dessas células nas diferentes enfermidades. A comprovação da existência dessas células no homem será de grande relevância para a compreensão das doenças autoimunes. Mais do que entender a diversidade de efeitos das citocinas anti-inflamatórias que asseguram as funções dos LBREGS, o seu estudo reforça as evidências da produção de autoanticorpos de modo fisiológico com finalidade protetora.11,12,13 SUBTIPOS ESPECIAIS DE LINFÓCITOS B EFETORES Além do LB convencional (B2) existem outros subtipos de LB como os B1 e os LB da zona marginal (MZ-B) do baço, que atuam como verdadeiras sentinelas em sítios anatômicos específicos como: cavidade peritoneal, cavidade pleural e zona periférica do baço, respectivamente. Estes subtipos assemelham-se muito aos linfócitos Tγδ e aos linfócitos NK/T por sua localização em regiões específicas e função efetora com a utilização de receptores altamente conservados, mas capazes de reconhecer uma variedade limitada de patógenos. Ambos os subtipos exercem tanto as funções de células da imunidade inata como da resposta adaptativa. Por pertenceram aos dois tipos de resposta, provavelmente essas células representam uma forma primitiva e conservada de imunidade.1,2,14 LINFÓCITOS B1 Os LB1 constituem uma subpopulação distinta dos LB convencionais (B2). Possuem forte capacidade autorrenovadora e são encontrados principalmente na cavidade pleural, peritoneal e em menor quantidade no baço. São responsáveis pela produção da maior parte das IgM naturais e também da maioria dos anticorpos de classe IgM, incluindo anticorpos contra LT, dsDNA, eritrócitos e anticorpos que reconhecem constituintes bacterianos comuns. Tem sido sugerido que os LB1 representam uma relíquia evolutiva originada de uma linhagem primitiva da imunidade inata que se tornou uma célula linfoide do sistema adaptativo, mas ainda mantém muitas características de uma célula do sistema inato. Os LB1 parecem representar a primeira linha de defesa contra infecções sistêmicas por vírus e bactérias e são de fundamental importância para o equilíbrio homeostático do organismo. Produzem anticorpos polirreativos e de baixa afinidade, importantes para remoção de células envelhecidas e/ou que sofreram estresse celular e proteção contra o desenvolvimento de doenças autoimunes e arterosclerose.15,16 Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 559 Os LB1 expressam baixos níveis dos marcadores B220/ CD45R, CD19, Mac-1 e IgD de superfície, altos níveis de IgM de superfície e são subdivididos em 2 grupos principais: B1a e B1b. Os LB1a expressam a molécula CD5 de superfície em níveis intermediários, enquanto os LB1b são CD5- e capazes de diferenciação em células com características mielomonocíticas com função e morfologia semelhante ao macrófago. Foi verificado que a secreção de IL-10 pelos LB1 modula a atividade fagocítica do macrófago in vitro, e a apresentação de antígenos na presença de IL-10 induz à tolerância ou diferenciação de LT em células supressoras, indicando um possível papel imunomodulador dessa população celular. Linfócitos B da zona marginal As principais populações de LB efetoras do baço são os LB da zona marginal (MZ-B) e os LB foliculares (FC-B). Os MZ-B são populações especializadas de LB localizadas na região periférica ou marginal do baço, região denominada sinusoide esplênico. Neste sítio estão localizados também os macrófagos da zona marginal que junto com os MZ-B representam a primeira linha de defesa rápida, contra antígenos particulados da corrente sanguínea. No entanto, fenotipicamente, estes linfócitos são muito semelhantes aos LB convencionais, sendo classificadas também no grupo LB2.14 Os FC-B, localizados nos folículos linfoides, atuam em um estágio mais avançado da resposta adquirida, gerando LB de memória e plasmócitos por meio da resposta humoral T dependente comentada anteriormente nesta revisão.14 Os MZ-B, assim como os LB1, possuem um repertório de reconhecimento antigênico limitado, normalmente autorreativo. Mas, ainda que autorreativos, eles são também polirreativos, com especificidade importante tanto para remoção de restos celulares, como para o reconhecimento de antígenos bacterianos e virais. Outra característica importante destas células é a propriedade que elas têm de gerar as chamadas respostas humorais T independentes, ou seja, podem responder avidamente a estímulos antigênicos e se diferenciarem em células secretoras de anticorpos sem a necessidade de auxilio de LT. Juntos, MZ-B e LB1 fazem parte das chamadas repostas de memória natural, pois geram rapidamente células efetoras nos estágios iniciais da resposta imune.14 LINFÓCITOS T As células pré-T entram no córtex tímico pelas artérias e durante o processo de seleção e maturação migram em direção à medula, de onde saem para a circulação. O processo 559 21/10/2010 15:46:47 Mesquita et al. de maturação dos LT envolve a expressão de um receptor de células T (TCR) funcional e dos co-receptores CD4 e/ou CD8.1 Os LT só reconhecem antígenos processados, apresentados por moléculas de MHC na superfície de uma célula apresentadora de antígeno. O TCR é expresso na membrana dos LT em associação com um complexo denominado CD3, composto por cinco diferentes proteínas da família das imunoglobulinas. O TCR é responsável pelo reconhecimento do complexo peptídeo-molécula de MHC, e o CD3, pela sinalização celular subsequente.1 RECEPTOR DE CÉLULAS T (TCR) O TCR é formado por duas cadeias peptídicas da superfamília das imunoglobulinas, com uma região variável e uma região constante, formadas a partir de segmentos gênicos que durante a maturação dos LT sofrem recombinação de forma semelhante à do BCR. Em cerca de 95% dos LT circulantes o TCR é formado pelas cadeias α e β. Uma pequena porcentagem de LT apresenta TCR composto por cadeias γ e δ. As cadeias α e δ são formadas pela combinação de três tipos de segmentos (V, J e C) e as cadeias β e γ, quatro tipos (V, D, J e C). Há ~70 diferentes segmentos Vα, 60 Jα e 1 único Cα. Para a cadeia β, há ~50 Vβ seguidos de dois conjuntos compostos de 1 Dβ, 6-7 Jβ e 1 Cβ. Nas cadeias γ e δ a variabilidade é menor.17 A grande diversidade de repertório dos LT maduros é gerada pelo processo de recombinação somática na qual um dado gene V, entre os diversos possíveis, liga-se a um dado gene J ou combinação DJ. A diversidade de repertório potencial dos LT é algo em torno de 1016. A recombinação entre os diferentes segmentos é mediada por enzimas expressas apenas durante a fase de maturação dos linfócitos.1,17 MATURAÇÃO DOS LINFÓCITOS T O processo de maturação dos LT ocorre em etapas sequenciais que envolvem a recombinação somática e expressão do TCR, proliferação das células, expressão dos co-receptores CD4 e CD8 e seleção positiva e negativa induzida por apresentação de antígenos próprios por células do estroma tímico.17 Inicialmente ocorre o rearranjo dos genes da cadeia β do TCR e, em seguida, da cadeia α. Os timócitos, ou linfócitos imaturos, começam a expressar baixos níveis de CD4 e CD8 na superfície, sendo, portanto, duplo-positivos. Nesta fase, os timócitos migram em direção à medula tímica e entram em contato com Ag próprios apresentados pelas células epiteliais do estroma tímico. Apenas aqueles que se ligam ao complexo MHC/Ag com 560 RBR 50_5.indb 560 afinidade adequada recebem estímulo para sobreviver (seleção positiva). Os timócitos cujo TCR não apresenta afinidade pelo MHC próprio sofrem apoptose pela falta de estímulo (morte por negligência).17 A i­­nteração com moléculas MHC de classe I ou II determina a diferenciação do timócito em LT CD8+ ou CD4+, respectivamente. Continuando a maturação, os timócitos αβ que sobreviveram à seleção positiva e expressam apenas CD4 ou CD8 entram em contato na medula com células dendríticas e macrófagos, células apresentadoras de antígenos (APCs) extremamente eficientes, que apresentam Ag próprios associados ao MHC. Os timócitos imaturos que interagem com muita afinidade com esses complexos morrem por apoptose (seleção negativa). As células que sobrevivem tornam-se LT maduros, prontos para deixarem o timo e exercerem suas funções na periferia. Apenas cerca de 5% das células que entram no timo tornam-se LT maduros17 (Figura 1). Este processo de educação tímica visa garantir que os LT circulantes sejam tolerantes aos Ag próprios, mas capazes de reconhecer Ag estranhos ao organismo quando apresentados pelo MHC próprio. Entretanto, os mecanismos centrais de tolerância não são absolutos uma vez que LT autorreativos podem ser encontrados na periferia. Entre outros mecanismos de regulação periférica, destacam-se diferentes populações de LT reguladores que atuam na periferia impedindo o desenvolvimento de autoimunidade.17 LT EFETORES Existem diversos subtipos de LT efetores. Classicamente os dois principais subtipos são os auxiliares (Th) e os citotóxicos, que apresentam um receptor TCR αβ e as moléculas correceptoras, CD4 ou CD8, respectivamente. Os LT CD4 (Th) são responsáveis por orquestrar outras células da resposta imune na erradicação patógenos e são também muito importantes na ativação dos LB, macrófagos ou mesmo LT CD8. Os LT CD8 estão envolvidos principalmente nas respostas antivirais e possuem também atividade antitumoral. Ambos os subtipos apresentam papel muito importante no controle de patógenos intracelulares. Outros subtipos de LT efetores, encontrados especialmente nas barreiras de mucosa e na pele, são os LT γδ. Essas células são importantes nas respostas imunes contra antígenos comumente encontrados nesses sítios anatômicos e representam um elo entre a resposta imune inata e adaptativa (Figura 6).18 Linfócitos T CD4 Auxiliares (Th) Os LTh são subdivididos funcionalmente pelo padrão de citocinas que produzem. Durante o estímulo fornecido por uma Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:47 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata APC, um linfócito precursor Th0 pode se tornar um linfócito Th1, Th2 ou Th17, na dependência do ambiente de citocinas presente. Embora morfologicamente indistinguíveis essas células apresentam distintos padrões de citocinas secretadas e, consequentemente, diferentes respostas efetoras19 (Figura 6). Linfócitos Th1 Os LTh1 produzem grandes quantidades de IL-2, que induz proliferação de LT (incluindo os próprios LTCD4 de maneira autócrina) e também induz a proliferação e aumenta a capacidade citotóxica dos LT CD8. A outra citocina produzida em grandes quantidades pelos LTh1 é o INF-γ, uma citocina muito importante na ativação de macrófagos infectados com patógenos intracelulares como micobactérias, protozoários e fungos, que apresenta também um papel relevante na ativação de LT CD8.18 Os pacientes com síndrome de imunodeficiência em que o receptor de INF-γ está ausente sofrem de infecções graves por micobactérias.20 Existe um ciclo de retroalimentação positiva na ação do INF-γ sobre outros LTh0, induzindo sua polarização para a via de diferenciação Th1 e inibindo a via Th2.19 A resposta Th1 é essencial para o controle de patógenos intracelulares, sendo possível que contribua para a patogênese de doenças reumáticas autoimunes como artrite reumatoide (AR) e esclerose múltipla (EM). Entretanto, nos últimos anos, uma nova subpopulação de LT, os LTh17, tem sido responsabilizada pelo processo fisiopatológico dessas enfermidades.21 Linfócitos Th2 Figura 6. Características gerais das células T com destaque para os linfócitos T auxiliares (subtipos TH1 e TH2), células TH17, linfócitos T citolíticos, linfócitos Tγδ e células T reguladoras naturais (TREGs) e induzidas (TR-1 e Th3). Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 561 A segunda população Th muito importante nas respostas imunes humorais é o LTh2, que produz IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, favorecendo a produção de anticorpos.18 As respostas Th2 estão associadas com as doenças alérgicas e infecções por helmintos, uma vez que a IL-4 induz a troca de classe de imunoglobulinas nos linfócitos B para IgE e a IL-5 induz a produção e ativação de eosinófilos. De forma análoga ao INF-γ, a IL-4 também promove retroalimentação positiva para a via Th2 e suprime a via Th1. Em situações de hipersensibilidade imediata, como nas doenças alérgicas, a terapia visa a dessensibilização imune Th2 e indução de respostas Th1 alérgeno-específicas.18,19 Já em doenças sabidamente causadas por LTh1, as citocinas Th2 têm sido consideradas protetoras, portanto a busca pela alteração no padrão de resposta imune de Th1 para Th2 tem sido muito estudada, visando a melhora ou o restabelecimento da tolerância imunológica. Entretanto, este paradigma bipolar tem sido reformulado recentemente em função do reconhecimento de novos subtipos de LT, principalmente as células Th17.18,19 561 21/10/2010 15:46:47 Mesquita et al. Linfócitos Th17 Os LTh17 representam um novo subtipo de LT efetores importantes na proteção contra infecção por microorganismos extracelulares. Foram originalmente descritos em modelos experimentais de doenças autoimunes como encefalite autoimune e artrite induzida por colágeno, que antes se acreditava serem mediadas predominantemente por células Th1. Esta nova via de diferenciação Th começou a ser elucidada com a descoberta da citocina IL-23 que, juntamente com IL-1 e IL6, pode levar ao desenvolvimento de doenças autoimunes em modelos murinos por seu importante papel pró-inflamatório e indutor da diferenciação e ativação de LTh17.21 Os LTh17 produzem citocinas IL-22, IL-26 e citocinas da família IL-17. As citocinas da família IL-17 são potentes indutoras da inflamação, induzindo à infiltração celular e produção de outras citocinas pró-inflamatórias.21,22 A produção desregulada de IL-17 está associada a várias condições autoimunes, como: esclerose múltipla, doença intestinal inflamatória, psoríase e lúpus. Em pacientes com artrite reumatoide, níveis aumentados de IL-17 foram encontrados na sinóvia, onde atua como um importante fator na ativação dos osteoclastos e reabsorção óssea.21,22 A via de diferenciação Th17 é antagonizada pelas citocinas Th1 e Th2 e, em alguns modelos experimentais de autoimunidade causada por LTh17, as citocinas Th1 e Th2 têm se mostrado protetoras. A exata compreensão dos mecanismos de polarização Th em humanos é fundamental para um melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos das doenças inflamatórias crônicas e para o possível desenvolvimento de formas mais eficazes de imunoterapia.21 LT CITOTÓXICOS (CD8) Os LT CD8 reconhecem antígenos intracitoplasmáticos apresentados por moléculas MHC de classe I, que são expressas por praticamente todas as células nucleadas. Células infectadas por vírus e células tumorais normalmente são reconhecidas pelos LT CD8.18 Após adesão às células alvo apresentando um antígeno associado ao MHC e coestímulo adequado, os LT CD8 proliferam e, em um encontro subsequente, podem eliminar por citotoxicidade qualquer célula que apresente esse antígeno especifico, independente da presença de moléculas coestimulatórias. Os LT CD8 induzem a via de morte celular programada (apoptose) na célula alvo pela ação de perforinas e granzimas e também podem levar à apoptose pela expressão do receptor Fas L (CD95) que interage com a molécula Fas nas células alvo.18 562 RBR 50_5.indb 562 LT γδ Uma pequena população de LT periféricos possui TCR com diversidade limitada, composto por cadeias γδ. Essas células são comumente encontradas nas primeiras linhas de defesa do organismo, como as barreiras mucosas e a pele, onde atuam como verdadeiras sentinelas de reconhecimento de padrões moleculares, reconhecendo e apresentando antígenos, respondendo a eles e contribuindo também para ativação e proliferação de células do sistema imune.23 Essas células diferem dos LT αβ, pois seu TCR pode reconhecer antígenos mesmo na ausência de apresentação pela molécula de MHC, sendo então consideradas verdadeiras sentinelas do organismo.23,24 Os LT γδ apresentam também memória imunológica, respondendo mais vigorosamente em um segundo encontro antigênico. Os LT γδ exercem suas funções efetoras de maneiras variadas, podendo, por exemplo, apresentar citotoxicidade (característica primária de LTCD8). Estudos terapêuticos têm explorado esta característica citotóxica contra antígenos tumorais. Os LTγδ exercem também função auxiliadora liberando citocinas como INF-γ (Th1) ou IL-4 (Th2), podendo inclusive atuar como APCs eficientes, pois possuem alta capacidade de apresentar antígenos aos LTαβ, mediando sua ativação e proliferação. Os LTγδ são também capazes de ativar células dendríticas e LB, ampliando assim tanto a resposta imune celular como humoral. Os LTγδ trazem à tona a discussão de um dos dogmas contemporâneos da imunologia, a divisão do sistema imune em sistema inato e adaptativo. O sistema imune inato responde rapidamente ao reconhecer padrões moleculares derivados de patógenos e é capaz de induzir repostas imunes adaptativas pela liberação de citocinas e apresentação de antígenos. Em contraste, a reposta adaptativa age lentamente em um encontro antigênico inicial, mas desenvolve memória imunológica e responde rápida e vigorosamente em um encontro subsequente (Figura 4). Os LTγδ podem ser incluídos em ambos os braços da resposta imune, uma vez que exercem tanto as funções de células da imunidade inata como da resposta adaptativa. Sua participação nos dois tipos de resposta sugere que essas células representam uma forma primitiva e conservada de imunidade.23 LT REGULADORES Várias evidências demonstram a importância das diferentes populações de LT reguladores na manutenção da autotolerância imunológica e no controle das respostas autoimunes. Assim, há grande interesse no estudo dessas células e de sua potencial aplicação no tratamento das doenças autoimunes.25 Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:47 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata As células com função imunorreguladora apresentam como característica básica a capacidade de produção de citocinas imunossupressoras, como IL-4, IL-10 e TGF-β. Atuam em uma complexa rede de mecanismos reguladores destinados a assegurar a modulação das respostas imunológicas frente aos diversos antígenos provenientes de agentes infecciosos, tumores, aloantígenos, autoantígenos e alérgenos. Entre os LT com função reguladora estão os LT reguladores de ocorrência natural (TREGS CD4+CD25+), descritos por Sakaguchi et al (1995),26 os LTR1 que produzem IL-10 e suprimem o desenvolvimento de algumas respostas de LT in vivo, e os LTh3, capazes de impedir o desenvolvimento de enfermidades autoimunes mediante a produção de TGF-β (Figura 6) (27) . Outros LT com função reguladora são os LT γδ, células CD8+Qa-1+, os LT CD8+CD28- (CD8+ TR), as células NK/T e os LT duplo-negativos.23,28,29 LT REGULADORES DE OCORRÊNCIA NATURAL - TREGs As células TREGS representam 5 a 10% do total de LT CD4+ no sangue periférico, podendo também ser isoladas diretamente do timo. As TREGS presentes no timo são células naive que, quando saem para a periferia, se tornam ativadas, adquirindo fenótipo de memória.25 As TREGS apresentam altos níveis de CD25 (CD25HIGH ou CD25BRIGHT) e expressam CD45RO, CD62L, CD122, HLA-DR, CD69, CD71 e o receptor para TNF α induzido por glicocorticoides (GITR) entre outros. Expressam também o fator de transcrição Foxp3, encontrado predominantemente nas TREGS tímicas e periféricas, que parece ter grande importância no desenvolvimento e função das TREGS tanto em camundongos quanto em humanos.25 Pacientes com mutação no gene FOXP3 apresentam a síndrome denominada IPEX (Desregulação imune, Poliendocrinopatia, Enteropatia, Síndrome ligada ao X), um distúrbio autoimune que afeta múltiplos órgãos com desenvolvimento de alergia e doença inflamatória intestinal. Aparentemente esses pacientes têm comprometimento no desenvolvimento das TREGS e consequente defeito na função supressora, levando a um estado de hiperativação de LT, que se tornam reativos contra autoantígenos, bactérias comensais do intestino ou antígenos ambientais inócuos, desenvolvendo poliendocrinopatia autoimune, doença inflamatória intestinal ou alergia, respectivamente.30 Há interesse no estudo dos LT reguladores por sua função chave na manutenção dos mecanismos de autotolerância e regulação da resposta imune. Além dos distúrbios autoimunes associados à ausência/deficiência de sua função, existe interesse no seu estudo em situações de exacerbação da resposta imunitária Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 563 como nos transplantes, na doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD), nos processos alérgicos e outras condições. Nessas situações, uma abordagem terapêutica seria estimular o número e a função dessas células a partir da administração de fármacos, citocinas, moléculas coestimulatórias ou outros elementos que potencialmente atinjam esta finalidade.25 Linfócitos T Reguladores Duplo Negativos A maioria dos LTCD3+ TCRαb expressam também moléculas CD4 ou CD8. Entretanto, uma nova subpopulação de LT reguladores com receptor TCRαb mas CD4-CD8- foi descrita por Strober et al, em 1989.29 Os LT duplo-negativos naturais periféricos com atividade supressora, denominados células TREG DN constituem uma subpopulação de células presentes em tecidos linfoides e não linfoides. Existem em pequeno número, representando 1% - 2% dos LT periféricos em humanos, podendo estar aumentados em algumas doenças autoimunes. As TREG DN produzem predominantemente INF-γ, TNF-α e pequena quantidade de TGF-b e são capazes de suprimir a reposta imune alogênica e xenogênica mediada por LT CD4+ e CD8+, assim como a resposta a antígenos próprios.29,31 O estímulo dos LTREG DN por antígenos específicos através do TCR é importante para o desenvolvimento da atividade reguladora. Os LTREG DN são capazes de adquirir alopeptídeos a partir de complexos peptídeo-MHC de APCs e apresentar esses peptídeos na sua superfície. Essa apresentação permite a interação específica dos LTREG DN com LT efetores reativos ao aloantígeno, que após esse contato progridem para morte celular.32 Similarmente aos LTREGs CD4+CD25+, a supressão pelos LTREG DN também requer o contato célula-célula. Na síndrome linfoproliferativa autoimune (ALPS) tipo Ia, os pacientes têm um acúmulo de LT CD3+TCRαβ+ DN na periferia como resultado de um defeito de apoptose. Acredita-se que o aumento do número de células DN nesses casos se deva à perda das moléculas CD4 e CD8 pelos LT senescentes que falham em morrer por apoptose.32 Neste caso específico não há evidência de que essas células tenham atividade reguladora. Dados recentes indicam que os LTREG DN podem estar aumentados em algumas doenças autoimunes, talvez como uma tentativa de controlar as células efetoras. A completa caracterização dos LTREG DN humanos poderá ter implicações importantes no entendimento e tratamento de doenças autoimunes e na rejeição de transplantes.32 Linfócitos T Reguladores CD8+CD28As células caracterizadas imunofenotipicamente como CD8+CD28- reconhecem especificamente antígenos expressos 563 21/10/2010 15:46:48 Mesquita et al. principalmente por APCs em associação ao MHC de classe I, mas não são ativadas por carecerem do receptor CD28. Ao invés, suprimem a resposta proliferativa de LTCD4+ aloreativas nas imediações. Este efeito supressor não é mediado por citocinas, mas requer a interação célula-célula entre LTh CD4+, LT supressores CD8+CD28- e APCs apresentando antígenos alogeneicos.33 O mecanismo de ação das células reguladoras CD8+CD28não está completamente esclarecido e poucos estudos têm caracterizado a função dessas células regulatórias in vitro. Células NK/T Praticamente todas as células que expressam TCRαβ são restritas ao MHC, ou seja, reconhecem o antígeno apenas em associação a moléculas do MHC próprio, e expressam co-receptores CD4 ou CD8. Uma pequena população de LT expressa marcadores encontrados em células NK e são conhecidas como células NK/T, que parecem também ter papel importante na regulação da resposta imune. As células NK/T apresentam expressão de TCR com cadeias α de diversidade limitada. Esse TCR reconhece lipídeos ligados a moléculas não-polimórficas, denominadas CD1 e semelhantes ao MHC da classe I.34 As células NK/T parecem surgir do mesmo precursor que origina LT convencionais, mas são selecionadas positivamente após interações de alta avidez com glicolipídeos associados a moléculas CD1d expressas por células epiteliais ou medulares do tecido tímico.35 Apesar do repertório limitado, as células NK/T apresentam duas estratégias diferentes no reconhecimento de patógenos. A primeira, observada no reconhecimento de bactérias Gramnegativas, ocorre pela sinalização de receptores do tipo Toll (TLR) pelo LPS. A segunda ocorre pelo reconhecimento específico de glicosilceramidas presentes na parede celular bacteriana, apresentadas por CD1d. Essa última via de sinalização assegura o reconhecimento de patógenos que não apresentam ligantes para TLRs em sua parede celular.36 Devido ao reconhecimento de glicolipídios conservados, tanto endógenos (iGbeta3) quanto exógenos, essas células estão envolvidas em respostas alérgicas, inflamatórias, tumorais e na autoimunidade, além de participarem da regulação da resposta imune.36 APRESENTAÇÃO DE ANTÍGENOS E ATIVAÇÃO DE LT A apresentação de antígenos aos LT inicia-se com o processamento antigênico pelas APCs. O processamento consiste na 564 RBR 50_5.indb 564 captura do antígeno, sua degradação proteolítica a fragmentos menores, transporte e acomodação dos peptídeos antigênicos na fenda das moléculas do MHC e finalmente na transposição do complexo MHC-peptídeo para a superfície celular para reconhecimento pelo TCR. Os LT reconhecem o complexo MHC-peptídeo via TCR, independente do compartimento celular onde esse antígeno foi captado.37 Normalmente os antígenos exógenos, fagocitados ou endocitados, são acomodados em moléculas de MHC classe II, que interagem com o TCR e o co-receptor CD4 na superfície celular de LT.1 No processamento de antígenos intracelulares, moléculas proteicas do citosol, como por exemplo os antígenos virais, são integradas à proteína ubiquitina e direcionadas para o proteassomo, uma unidade catalítica capaz de converter os antígenos citosólicos em peptídeos. Os peptídos assim produzidos são conduzidos para o retículo endoplasmático e associados às moléculas de MHC I. Os complexos MHC I e peptídeo são transportados para a superfície celular para posterior apresentação aos LT CD8+38. Para que ocorra a ativação dos LT, após o reconhecimento do peptídeo pelo TCR, há necessidade de um segundo sinal, que é mediado pela interação de várias outras moléculas coestimulatórias presentes na superfície do LT e da APC. Por sua importância na regulação da resposta imune, destacamos as moléculas coestimuladoras participantes da interação CD28-CD80 ou CD28-CD86, que resulta em sinais estimuladores, e da interação CD28-CTLA4, que promove sinalização inibitória.(39,40) CONSIDERAÇÕES FINAIS Existem diferentes populações de células B maduras, que podem ser encontradas em diferentes sítios anatômicos, com funções muitas vezes diversificadas. As células B-1 e MZ-B parecem ser pré-selecionadas para reagirem a antígenos capazes de gerar respostas T independentes, atuando como células B de memória inata. As células B foliculares atuam como percussoras das repostas imunes T dependentes e podem sofrer adaptações celulares e moleculares em resposta ao estímulo antigênico. Como resultado, temos as repostas mediadas por plasmócitos maduros de vida longa capazes de sintetizar uma quantidade substancial de anticorpos de alta avidez por vários anos. Estas respostas T dependentes também elaboram um compartimento de células B de memória não secretoras de anticorpos, que responde vigorosamente à reexposição antigênica. As células T têm como uma de suas principais características a atividade efetora auxiliar na ativação de outros subtipos celulares, principalmente via secreção de citocinas e ação Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 21/10/2010 15:46:48 Aspectos moleculares e celulares da imunidade inata efetora direta sobre células alvo, cujos exemplos emblemáticos são os LT CD8 citotóxicos. Várias subpopulações de LT, classificadas principalmente pelo padrão de citocinas secretado, vêm sendo descritas. Os principais subtipos efetores são os LTh1 (secretor de INF-γ e IL-2), LTh2 (secretor de IL-4,IL-10 e IL-13) e LTh17 (secretor de IL-17, IL-21 e IL-22). Outras subpopulações como os linfócitos NKT e LTγδ representam populações muito heterogêneas quanto a sua capacidade funcional, atuando ora como efetoras, ora como reguladoras. LT reguladores são fundamentais no controle de praticamente todas as respostas imunes, atuando sobre todos os subtipos celulares da imunidade inata e adaptativa. As TREGS naturais originadas no timo e as populações de LT reguladoras induzidas na periferia, incluindo as células CD8+Qa-1+, LT CD8+CD28- e LT duplo-negativas, fazem parte deste diverso pool de linfócitos imunomoduladores. Rev Bras Reumatol 2010;50(5):552-80 RBR 50_5.indb 565 Não somente os LT podem exercer imunoregulação, mas muitas vezes durante uma reposta efetora as células B podem se comportar tanto como células efetoras ativas quanto como células imunomoduladoras, denominadas BREGS. Estas últimas são capazes de controlar a magnitude da resposta humoral e celular, trazendo de volta a homeostase imune e auxiliando na manutenção da tolerância periférica. Assim, compartimentos distintos de células T e B antígenoespecíficas podem ser recrutados na resposta efetora após um estímulo local ou sistêmico. Os eventos moleculares necessários para seu desenvolvimento, seleção, migração e ativação ainda estão sendo investigados e a compreensão destas vias permitirá no futuro a manipulação específica de vias efetoras celulares e humorais, facilitando a imunidade a microorganismos e prevenindo doenças. 565 21/10/2010 15:46:48 Mesquita et al. Molecular and cellular aspects of innate immunity Normally, the exogenous antigens, phagocyted or endocyted, are accommodated in MHC molecules class II, which interact with the TCR and the CD4 co-receptor on the TL surface.1 During the processing of intracellular antigens, protein NK/T CELLS molecules of cytosol, such as for instance the viral antigens, are integrated to the ubiquitin protein and directed to Practically all cells that express αβTCR are MCH-restricted, the proteasome, a catalytic unit capable of converting the that is, they recognize the antigen only in association with cytosolic antigens in peptides. The peptides thus produced self-MHC molecules and express the co-receptors CD4 or are conducted to the endoplasmic reticulum and associated CD8. A small population of TL express markers found in NK with the MHC I molecules. The MHC I-peptide complexes cells and are known as NK/T cells, which also seem to have are transported to the cell surface for posterior presentation an important role in the regulation of the immune response. to the CD8+ T cells.38 The NK/T cells present expression of TCR with α chains with For the activation of the TL to occur, after the recognition limited diversity. This TCR recognizes lipids bound to nonof the peptide by the TCR, a second signal is necessary, which polymorphic molecules, called CD1, which are similar to the is mediated by the interaction of several other co-stimulatory MHC class I.34 lymphocytes and γδ TL represent very heterogeneous populations molecules present on the surface of the TL and the APC. Due The NK/T cells seem to arise from the same precursor that regarding their functional capacity, sometimes acting as effectors and to its importance in the regulation of the immune response, it is originates conventional TL, but are positively selectedas after sometimes regulatory lymphocytes. Regulatory lymphocytes are worth mentioning the co-stimulatory molecules that participate high-avidity interactions with glycolipids crucial associated with for the control of practically all immune responses, acting in the CD28-CD80 or CD28-CD86 interaction, which results CD1d molecules expressed by the epithelial oronmedullary cells of the innate and adaptive immunity. all cell subtypes in stimulation signals and the CD28-CTLA4 interaction, which of the thymic tissue.35 The natural TREGS originated in the thymus and the populations 39,40 promotes inhibitory signaling. In spite of the limited repertoire, the NK/Tof cells present two regulatory TL induced in the periphery, including the CD8+Qa-1+, 9. The action mechanism of the CD8+CD28- regulatory cells is not completely elucidated and few studies have characterized the function of these regulatory cells in vitro. + TLfirst, CD8observed CD28- and TL double-negative cells, are part of this pool different strategies to recognize pathogens. The immunomodulating lymphocytes. in the recognition of Gram-negative bacteria,ofoccurs through FINAL CONSIDERATIONS Not only the TL can exercise immunoregulation, but many times, the signaling of Toll type receptors (TLR) by the LPS. The There are different populations of mature B cells that can during effector response, the B cells can behave as both active second occurs through the specific recognition of an glycosyl be found in different anatomic sites, which very often preeffector cells and ceramides present on the bacterial cell wall, presented by immunomodulating cells, called BREGS. The latter sent diversified functions. The B-1 and MZ-B cells seem arerecognition capable ofofcontrolling the magnitude of the humoral and cell CD1d. The last signaling pathway guarantees the to be pre-selected to react to antigens capable of generating pathogens that do not present ligands for TLR response, on the cell bringing wall.36 back the immune homeostasis and helping the T-independent responses, acting as innate-memory B cells. The maintenance Due to the recognition of conserved glycolipids, both of en-peripheral tolerance. follicular B cells act as precursors of the T-dependent immune distinct compartments of antigen-specific T and B cells dogenous (iGbeta3) and exogenous, these cells Hence, are involved responses and can undergo cell and molecular adaptations in can as bewell recruited effector response after a local or systemic in allergic, inflammatory and tumor responses, as in in the response to antigen stimulation. As a result, there are responses stimulation. The molecular events necessary for their development, autoimmunity, in addition to participating in the regulation of mediated by long-lived mature plasmocytes, capable of synselection, migration and activation are still being investigated and the the immune response.36 thesizing a substantial amount of antibodies that remain avid understanding of these pathways will allow, in the future, the specific for several years. These T-dependent responses also create a manipulation of the cell and humoral effector pathways, facilitating B-cell memory compartment that does not secrete antibodies PRESENTATION OF ANTIGENS the immunity against microorganisms and preventing diseases. but responds vigorously to antigenic re-exposure. AND TL ACTIVATION The T cells have as one of their main characteristics, The presentation of antigens to the TL starts with the antigen the auxiliary effector activity in the activation of other cell processing by the APC. The processing consists in the capture subtypes, mainly through the secretion of cytokines and the of the antigen, its proteolytic degradation to smaller fragments, direct effector action on target cells, of which representative transportation and accommodation of the antigenic peptides in examples are the cytotoxic CD8 TL. Several subpopulations the MHC molecule groove and finally its transposition from of TL, classified mainly by the pattern of secreted cytokines, the MHC-peptide complex to the cell surface, for recognition have been described. The main effector subtypes are the Th1 by the TCR. The TL recognize the MHC-peptide complex lymphocytes (secretes INF-γ and IL-2), Th2 lymphocytes (sevia TCR, regardless of the cell compartment from where this cretes IL-4,IL-10 and IL-13) and Th17 lymphocytes (secretes antigen was obtained.37 IL-17, IL-21 and IL-22). Other subpopulations such as NKT 578 Bras J Rheumatol 2010;50(5):552-80 Wen L, Roberts SJ, Viney JL, Wong FS, Mallick C, Findly RC. Immunoglobulin synthesis and generalized autoimmunity in mice congenitally deficient in alpha beta(+) T cells. Nature 1994; 369:654-8. 10. Peng SL, Madaio MP, Hughes DP, Crispe IN, Owen MJ, Wen L. Murine lupus in the absence of alpha beta T cells. J Immunol 1996; 156:4041-9. 11. Mizoguchi A, Bhan AK. 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Bras J Rheumatol 2010;50(5):552-80 ARTIGO DE REVISÃO Sistema Imunitário – Parte III O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade Alexandre Wagner Silva de Souza1, Danilo Mesquita Júnior2, Júlio Antônio Pereira Araújo3, Tânia Tieko Takao Catelan4, Wilson de Melo Cruvinel5, Luís Eduardo Coelho Andrade6, Neusa Pereira da Silva6 RESUMO O sistema imunológico é constituído por uma intrincada rede de órgãos, células e moléculas e tem por finalidade manter a homeostase do organismo, combatendo as agressões em geral. A imunidade inata atua em conjunto com a imunidade adaptativa e caracteriza-se pela rápida resposta à agressão, independentemente de estímulo prévio, sendo a primeira linha de defesa do organismo. Seus mecanismos compreendem barreiras físicas, químicas e biológicas, componentes celulares e moléculas solúveis. A primeira defesa do organismo frente a um dano tecidual envolve diversas etapas intimamente integradas e constituídas pelos diferentes componentes desse sistema. A presente revisão tem como objetivo resgatar os fundamentos dessa resposta, que apresenta elevada complexidade e é constituída por diversos componentes articulados que convergem para a elaboração da resposta imune adaptativa. Destacamos algumas etapas: reconhecimento molecular dos agentes agressores; ativação de vias bioquímicas intracelulares que resultam em modificações vasculares e teciduais; produção de uma miríade de mediadores com efeitos locais e sistêmicos no âmbito da ativação e proliferação celulares; síntese de novos produtos envolvidos na quimioatração e migração de células especializadas na destruição e remoção do agente agressor; e finalmente a recuperação tecidual com o restabelecimento funcional do tecido ou órgão. Palavras-chave: imunidade inata, inflamação, autoimunidade, PAMPs, receptores toll-like. INTRODUÇÃO Nas doenças autoimunes órgão-específicas e sistêmicas, observa-se perda da capacidade do sistema imunológico do indivíduo em distinguir o que é próprio (self) daquilo que não é próprio (non-self). Essa capacidade, denominada autotolerância, é mantida nas células imunocompetentes B e T tanto por mecanismos centrais quanto por periféricos. A perda da autotolerância pode ter causas intrínsecas ou extrínsecas. Causas intrínsecas, isto é, relacionadas a características do próprio indivíduo, estão em geral associadas a polimorfismos de moléculas de histocompatibilidade; componentes da imunidade inata como o sistema Complemento e receptores Toll-like; componentes da imunidade adquirida como linfócitos com atividade regulatória e citocinas além de fatores hormonais, que estão sob controle genético. Fatores ambientais como infecções bacterianas e virais, exposição a agentes físicos e químicos como UV, pesticidas e drogas são exemplos de causas extrínsecas. Estudos epidemiológicos têm demonstrado a importância de fatores genéticos na susceptibilidade a doenças autoimunes. Além da agregação familiar, a taxa de concordância para Recebido em 18/11/2010. Aprovado, após revisão, em 18/11/2010. Declaramos a inexistência de conflitos de interesse. Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. 1. Médico Assistente da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP 2. Doutorando em Reumatologia – UNIFESP 3. Mestre em Reumatologia pela UNIFESP 4. Mestranda em Reumatologia da UNIFESP 5. Doutorando em Reumatologia da UNIFESP e Professor Assistente de Imunologia dos cursos de Medicina e Biomedicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO. 6. Professor Adjunto da Disciplina de Reumatologia da UNIFESP Correspondência para: Neusa Pereira da Silva. Rua Botucatu, 740, 3º andar, CEP: 04023-900, São Paulo, Brasil. Tel/fax: 55 (11) 5576-4239. Email: [email protected]. Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 665 665 16/12/2010 15:03:10 Souza et al. doenças autoimunes é maior em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos. Entretanto, mesmo em um indivíduo geneticamente susceptível, geralmente é necessário um “agente desencadeador” ou “gatilho”, para que a autorreatividade ocorra. A perda da tolerância é um processo multifatorial do qual participam tanto fatores intrínsecos quanto extrínsecos. O papel da susceptibilidade individual determinada por fatores genéticos fica evidente na associação do alelo HLA-B27 com espondilite anquilosante, artrite reativa e artrite psoriásica, bem como dos alelos HLA-DRB1 que apresentam o epítopo compartilhado com artrite reumatoide. A importância da associação de fatores ambientais e genéticos pode ser avaliada, por exemplo, na doença celíaca, na qual a ingestão de glúten por um indivíduo susceptível (portador de HLA-DQ2 e HLADQ8) leva à produção de autoanticorpos e desenvolvimento da doença. Com relação a causas extrínsecas, há diversas revisões recentes sobre o papel de infecções no desenvolvimento de doenças autoimunes1-3 e são frequentes as associações entre infecção e exacerbação de doença autoimune. As infecções podem desencadear a perda da tolerância por vários mecanismos. Entre eles podemos citar: dano tecidual e necrose celular, expondo epítopos crípticos presentes em autoantígenos ou permitindo o acesso de células imunocompetentes a antígenos normalmente isolados; ativação policlonal de células T e B por superantígenos microbianos, como as toxinas produzidas por S. aureus; ativação de células imunocompetentes não diretamente envolvidas na resposta ao patógeno, uma situação denominada bystander activation; e mimetismo molecular. O exemplo clássico de mimetismo molecular é a febre reumática após infecção por estreptococos β-hemolíticos do grupo A, na qual anticorpos contra a proteína M do estreptococo que reagem cruzadamente com tecido cardíaco são encontrados no soro de pacientes com febre reumática. Apoptose, o processo de morte celular programada, é de enorme importância tanto na manutenção da tolerância central e periférica, quanto no controle das populações linfocitárias geradas no curso de uma resposta imune. Um aumento na taxa de apoptose pode resultar em imunodeficiências e há várias evidências de que falhas nos mecanismos de apoptose ou no clearance de células apoptóticas podem levar ao desenvolvimento de autoimunidade e linfomas. Células apoptóticas devem ser rapidamente removidas por fagócitos, macrófagos e células dendríticas, impedindo a exposição persistente de autoantígenos. Na sídrome linfoproliferativa autoimune (ALPS), uma doença humana rara, pode-se avaliar o papel crucial da apoptose na manutenção da homeostase das populações de linfócitos. Nesses doentes, há mutações em genes responsáveis 666 RBR 50 - 6.indb 666 pela codificação de proteínas da via FAS da apoptose. Em decorrência, há progressivo acúmulo de linfócitos, por não sofrerem o habitual processo de controle por apoptose, resultando em linfadenomegalia, hepatoespelnomegalia e linfócitos T autorreativos. Intrigantemente, as manifestações autoimunes nesta síndrome dizem respeito predominantemente ao sistema hematológico, principalmente anemia hemolítica e plaquetopenia autoimunes. No lúpus eritematoso sistêmico a deficiência na depuração de células apoptóticas parece contribuir para a fisiopatologia, pelo menos de uma parcela de pacientes. Deficiências genéticas de C1, C2 e C4 estão associadas a maior prevalência de lúpus eritematoso sistêmico, embora a força desta associação seja variável para cada um desses elementos. Assim, 90% dos indivíduos deficientes em C1q deverão desenvolver LES, normalmente com importante acometimento renal. A deficiência de C4 estaria associada ao desenvolvimento de LES em 75% dos casos. Já deficiências de C2 podem ser assintomáticas, mas uma fração menor de pacientes desenvolverá LES, embora de menor gravidade. Atualmente acumulam-se evidências de que a imunidade inata desempenha um importante papel no desenvolvimento da autoimunidade. A reconhecida ligação entre deficiências do sistema Complemento e autoimunidade tem sido explicada pelo prejuízo na remoção de imunocomplexos e células apoptóticas. Outro importante elo entre a imunidade inata e adquirida consiste nos receptores Toll-like que reconhecem padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs). Alguns desses receptores apresentam especificidade para ácidos nucleicos, como os autoantígenos DNA e ribonucleoproteínas. Processos inflamatórios desencadeados pela imunidade inata podem ter um efeito de estímulo imunológico, denominado efeito adjuvante. Mediadores inflamatórios induzem a expressão de moléculas HLA de classe I e classe II pelas células do tecido lesado, permitindo que essas células funcionem como apresentadoras de antígenos. Nessa situação é possível a apresentação de autoantígenos em um contexto fora do habitual, que pode resultar em autoimunidade. TOLERÂNCIA CENTRAL DE LINFÓCITOS T Vários aspectos são relevantes ao considerarmos a quebra dos mecanismos de tolerância com consequente desencadeamento e manutenção de anormalidades autoimunes. Um deles é a natureza multifatorial e poligênica dos quadros autoimunes, existindo tanto genes vinculados à susceptibilidade ao desenvolvimento das doenças, quanto outros estritamente relacionados à gravidade das mesmas. Uma vez que os mecanismos de Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:10 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade recombinação dos múltiplos segmentos gênicos responsáveis por codificar as imunoglobulinas dos linfócitos B (LB) e o TCR dos linfócitos T (LT) sejam aleatórios, receptores com capacidade para reconhecimento de estruturas próprias são certamente produzidos. Os precursores das células T, originados na medula óssea, migram para o timo, onde sofrem modificações sequenciais intensas caracterizando os diferentes estágios de diferenciação dos LT. Na etapa inicial da maturação há proliferação celular dos timócitos na região mais externa do córtex, rearranjo dos genes do TCR e expressão das moléculas de CD3, TCR, CD4 e CD8 na superfície celular. À medida que os timócitos maturam, migram do córtex para a medula tímica.4 O estroma tímico consiste de células epiteliais, macrófagos e células dendríticas derivadas da medula óssea além de fibroblastos e moléculas da matriz extracelular. A interação dos timócitos com as células do microambiente tímico é fundamental para a proliferação, a diferenciação celular, a expressão de moléculas de superfície, como o CD4 e CD8, e a criação do repertório de receptores de LT.5 Os timócitos bem-sucedidos na expressão da molécula completa de TCR (cadeias αβ ou γδ) são submetidos a dois processos diferentes, seleção positiva e, posteriormente, negativa. O processo de seleção positiva baseia-se em critérios de utilidade, com base na avidez de ligação do TCR com o complexo de MHC (restrição pelo MHC). A seleção positiva ocorre no córtex tímico, sendo que os timócitos que apresentam TCR capazes de se ligar ao complexo peptídeo-MHC próprio são estimulados a sobreviver e prosseguem na maturação. Os timócitos cujos receptores não reconhecem as moléculas de MHC próprias morrem por apoptose, assegurando que os LT sejam restritos ao próprio MHC. A seleção positiva também associa a restrição das moléculas de classe I e II do MHC aos subtipos de LT, garantindo que as células T CD8+ sejam específicas para peptídeos expostos nas moléculas de MHC de classe I e, as CD4+, específicas para peptídeos expostos por moléculas de MHC de classe II. A seleção negativa é o processo pelo qual timócitos cujos TCRs se ligam fortemente ao complexo peptídeo-MHC próprio são eliminados, evitando assim a maturação de LT autorreativos. Em tese, o próprio (self) imunológico compreende todos os epítopos (determinantes antigênicos) codificados pelo DNA do indivíduo, de modo que todos os demais epítopos sejam reconhecidos como não próprios. Durante todo o processo de desenvolvimento dos timócitos a maior parte morre por apoptose (em torno de 95%). Isso se deve principalmente aos arranjos mal-sucedidos das cadeias de TCR e aos processos de seleção positiva e negativa, restando Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 667 apenas uma pequena parcela (3% a 5 %) que se tornam LT maduros (Figura 1). Figura 1 A. Ilustração esquemática dos mecanismos de seleção positiva e negativa para células T no timo. Os timócitos duplo-positivos entram em contato com peptídeos próprios ligados às moléculas de MHC sobre células epiteliais no córtex tímico e sobre macrófagos e células dendríticas na medula tímica. Os timócitos, cujo TCR é incapaz de reconhecer o MHC e peptídeo próprios, morrem por apoptose (seleção positiva). Os timócitos, cujos TCRs reconhecem MHC próprio e peptídeo com elevada afinidade, são removidos por apoptose (seleção negativa). B. Representação esquemática dos mecanismos de tolerância central e periférica de linfócitos B. Linfócitos imaturos que reconhecem os antígenos próprios com alta afinidade na medula óssea são eliminados por apoptose (1) ou mudam a sua especificidade antigênica (2). Linfócitos não específicos para antígenos próprios e que sofreram o mecanismo de recombinação (3) migram para periferia. As células que encontram autoantígenos na periferia e são ativadas são eliminadas por apoptose ou se tornam anérgicas. Já as que não possuem especificidade para antígenos próprios ao encontrarem antígenos exógenos são capazes de gerar uma resposta imune. 667 16/12/2010 15:03:12 Souza et al. Estudos recentes sugerem, entretanto, que nem todos os timócitos com alta afinidade para autoantígenos são destruídos por seleção negativa no timo. Alguns timócitos de média e alta afinidade sobrevivem e passam por um processo chamado nondeletional central tolerance, que leva à geração de células T CD4+ imunossupressoras, denominadas células T regulatórias de ocorrência natural ou TREGs.6 TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LINFÓCITOS T A tolerância imunológica aos antígenos próprios (self) nos LT ocorre principalmente no timo. As células que chegam à periferia deveriam ser imunocompetentes contra antígenos estranhos, porém incapazes de desenvolver resposta imune contra seus próprios antígenos. No entanto, não é isso o que se observa. Diversos estudos7 confirmam que células autorreativas estão presentes em baixas quantidades em indivíduos sem quadros autoimunes e podem ser isoladas do sangue periférico e de tecidos linfoides periféricos. Essas observações mostram que existem na periferia LT autorreativos que conseguiram evadir as barreiras dos mecanismos de tolerância, saindo dos órgãos linfoides primários.8 Portanto, não é apenas a deleção intratímica dos LT autorreativos a responsável pela tolerância ao próprio; sua manutenção envolve, também, a interação de diversos mecanismos imunológicos na periferia que operam continuamente. A tolerância imunológica periférica está organizada em diferentes e redundantes mecanismos tais como ignorância imunológica, deleção, inibição ou a supressão de clones autorreativos (Figura 2). A ignorância imunológica pode ser decorrente da separação física entre os antígenos e os LT, tal qual ocorre na barreira hematoencefálica, ou de níveis insuficientes de antígeno para provocar ativação dos respectivos LT. Outro mecanismo muito mais importante consiste na apresentação de antígenos na ausência de coestimuladores, ou “segundo sinal”. Nesta situação há falha de ativação do LT, podendo resultar anergia ou morte celular por apoptose. Figura 2 Tolerância periférica e mecanismos de indução. Células T que estão fisicamente separadas de seus antígenos específicos, por exemplo, pelo sangue-barreira hematoencefálica, não podem ser ativadas, uma circunstância referida como ignorância imunológica. Células T que expressam a molécula CD95 (FAS) em sua superfície podem receber sinais de indução de apoptose por células que expressam o FAS-L, processo referido como deleção. Um exemplo de inibição pode ser observado pela ligação do CD152 ao CD80 expresso nas APC´s, inibindo a ativação das células T. Células T reguladoras podem inibir ou suprimir outras células T, provavelmente pela produção de citocinas inibitórias como IL-10 e TGF-β. 668 RBR 50 - 6.indb 668 Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:13 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade A morte programada por apoptose do LT é desencadeada por uma via extrínseca da apoptose, que envolve a molécula Fas e o seu ligante (FasL). O aumento da expressão do ligante do Fas em células apresentadoras, que estejam apresentando o autoantígeno, pode induzir a apoptose dos LT via ativação da molécula Fas. Defeitos na sinalização das vias de ativação do LT associados a uma resistência a apoptose podem tornar clones de LT autorreativos persistentes na circulação periférica. Como mencionado anteriormente, um importante mecanismo de tolerância periférica consiste na ausência de um sinal coestimulador, necessário à ativação dos LT, em adição ao sinal primário fornecido pela ligação entre o TCR e o complexo MHC-antígeno. Este sinal secundário é obtido, principalmente, pela interação entre a molécula CD28 presente na superfície dos LT e as moléculas da família B7 (CD80 e CD86), expressas na superfície de células apresentadoras de antígenos (APCs). Na presença de patógenos, as APCs são ativadas e aumentam a expressão das moléculas B7, em nível suficiente para fornecer o sinal secundário e produzir IL-2 pelos LT.9 Em condições fisiológicas e ausência de inflamação, os baixos níveis de moléculas B7 nas APC dificultam a ativação completa dos LT autorreativos, favorecendo a anergia ou apoptose dos mesmos quando do encontro de autoantígenos para os quais são específicos. A inibição do LT pode ser também obtida pela ligação de uma molécula competidora das moléculas coestimulatórias da família B7. Em determinadas condições, as APCs passam a expressar a molécula CTL-4 (CD152), que tem maior afinidade ao CD28 que as moléculas B7 (CD86 e CD80). No entanto, ao contrário dessas últimas, a CTLA-4 tem ação inibitória sobre os LT, induzindo sua apoptose. O bloqueio da molécula CTLA-4, em camundongos, acelera a progressão do diabetes autoimune. Os mecanismos de imunossupressão incluem também várias populações celulares com função imunorreguladora, que apresentam como característica básica a capacidade de produção de citocinas imunossupressoras, como IL-4, IL-10 e mTGF-β, além da capacidade de indução de supressão mediada por contato célula-célula por intermédio de moléculas de superfície como o CTLA-4. Células com função imunorreguladora estão envolvidas na modulação e controle dos processos de eliminação de patógenos onde há destruição de tecidos próprios, exposição de autoantígenos e produção de citocinas pró-inflamatórias, condições que favorecem a indução e a manutenção dos eventos autoimunes e necessitam ser controlados. Essas células atuam em uma complexa rede de mecanismos reguladores destinados a assegurar a modulação das respostas imunológicas frente aos diversos antígenos provenientes de agentes infecciosos, tumores, aloantígenos, autoantígenos e alérgenos. Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 669 Entre os LT com função imunorreguladora temos as células T reguladoras de ocorrência natural (TREGs CD4+ CD25+ CD127Low, Foxp3+), inicialmente descritas por Sakaguchi et al.,10 as células TR1 que regulam mediante a produção de IL-10 e suprimem o desenvolvimento de algumas respostas de LT in vivo,11 e as células TH3, capazes de suprimir células-alvo mediante a produção de TGF-β.12 Existem ainda várias outras células com função reguladora, como os LT CD8+CD28-, células NK/T, células T γδ, LT duplo-negativos, LT CD8+Qa1+ e células B CD1+. As principais células com função imunorreguladora estão esquematizadas na Figura 3. Figura 3 Representação esquemática das principais células com função imunorregulatória, responsáveis pela manutenção dos mecanismos de tolerância periférica. 669 16/12/2010 15:03:14 Souza et al. A relevância das populações celulares reguladoras em doenças reumáticas autoimunes tem sido claramente demonstrada em modelos murinos, em que a ausência de TREGs ou sua depleção desencadeia doenças autoimunes sistêmicas, com elevados títulos de anticorpos antinúcleo, bem como autoanticorpos órgão-específicos.14 Achados importantes, como defeitos funcionais, fenotípicos e quantitativos de células reguladoras, têm sido relatados em várias doenças reumáticas autoimunes humanas, evidenciando assim seu importante papel na manutenção da tolerância imunológica e nos mecanismos fisiopatológicos dessas enfermidades. O estudo das células T com função imunorreguladora tem sido realizado em enfermidades como a artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo, síndrome de Sjögren primária, doença de Kawasaki e granulomatose de Wegener. Nessas diferentes doenças reumáticas autoimunes têm sido observadas alterações quantitativas dessas células nos tecidos acometidos e/ou na circulação periférica, defeitos funcionais, resistência à supressão por parte das células-alvo e até mesmo frequência e função normais. Parte dos achados conflitantes encontrados na literatura deve-se provavelmente à rápida evolução conceitual e técnica nessa área, o que acarreta abordagem metodológica heterogênea entre os diversos estudos, com consequente discrepância de resultados. Espera-se que os estudos atualmente em curso possam elucidar com maior precisão o exato papel das células reguladoras nas diferentes doenças e o real papel desempenhado por alterações funcionais e quantitativas dessas células na quebra de tolerância observada em doenças autoimunes. Devido ao caráter multifatorial e multigênico bem como à heterogeneidade clínica de cada doença reumática autoimune, que mais se assemelham a síndromes do que a entidades nosológicas propriamente ditas, não deverá ser surpresa o achado de alterações numéricas e/ou funcionais em apenas uma fração de pacientes com uma dada doença. (Th1, Th2, Th3, TREG, Th17), determinadas pelo perfil de citocinas produzidas e pelas propriedades funcionais. Conforme esquematizado na Figura 4, as células Th1 caracterizam-se principalmente pela produção de grandes quantidades de INF-γ, enquanto as células Th2 produzem IL-4, IL-5 e IL-13. As respostas Th1 desencadeiam os mecanismos de hipersensibilidade tardia, ativam macrófagos e são muito eficientes na eliminação de patógenos intracelulares. As células Th2 são mais eficientes em auxiliar a resposta imune humoral, desencadeando produção de imunoglobulinas e inflamação eosinofílica, respostas estas mais importantes no combate aos patógenos extracelulares. Os linfócitos Th0 evoluem para diferenciação Th1 ou Th2 ainda em um estágio inicial da ativação celular. Caracteristicamente, as citocinas do perfil Th1 ou Th2 direcionam para o desenvolvimento de sua respectiva via, inibindo a expressão do padrão oposto. Deste modo, uma vez polarizada a resposta imune para o padrão Th1, a via Th2 será inibida, e vice-versa. Isso ocorre devido à regulação do nível de receptores de membrana, da expressão diferencial de fatores de transcrição e de mudanças epigenéticas.4 LINFÓCITOS T EFETORES E AUTOIMUNIDADE Há cerca de 20 anos, os LT efetores CD4+ começaram a ser categorizados em dois subtipos distintos, T helper 1 (Th1) e T helper 2 (Th2), tomando por base o padrão de citocinas produzido. Alguns autores valorizavam ainda a existência de uma terceira população celular, as células Th0, representadas por linfócitos indiferenciados capazes de produzir citocinas do perfil Th1 e Th2. Atualmente está claro que, após a estimulação antigênica, conforme o ambiente local de citocinas, os LT CD4+ naive se proliferam e se diferenciam em diferentes subtipos efetores com características próprias 670 RBR 50 - 6.indb 670 Figura 4 Representação esquemática das diferentes vias de diferenciação das células TH0 com destaque para as citocinas indutoras da diferenciação Th1, Th2, Th17 e TREG e as principais citocinas secretadas. As respostas imunes efetoras desreguladas, ou exacerbadas, podem levar ao desenvolvimento de doenças alérgicas e autoimunes. As células Th1 são potencialmente pró-inflamatórias e têm sido associadas à indução e progressão de doenças autoimunes. Entretanto, estudos em camundongos transgênicos, Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:16 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade deficientes de INF-γ ou de seu receptor, demonstraram que a perda da sinalização associada ao INF-γ não confere resistência ao desenvolvimento de autoimunidade. Ao contrário, esses animais se apresentam até mais susceptíveis. Uma vez que o INF-γ é uma das principais citocinas das células Th1, essas observações levaram ao questionamento do papel exclusivo das células Th1 na fisiopatologia de doenças autoimunes, abrindo perspectivas para a busca de outro subtipo de LT, distinto da subpopulação Th1, capaz de induzir inflamação tecidual e autoimunidade. A necessidade de compreensão dos mecanismos imunológicos responsáveis pelas lesões teciduais em diversas enfermidades inflamatórias crônicas e o desenvolvimento de estudos sobre populações de LT efetores levaram à caracterização de LT produtores de IL-17, denominados linfócitos Th17.15 Pesquisas recentes têm demonstrado que a subpopulação específica de linfócitos T CD4+ produtores de IL-17, mais do que células Th1, possui um papel central na patogênese de modelos experimentais de doenças autoimunes. Estudos realizados em doenças autoimunes como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, psoríase, esclerose múltipla, esclerose sistêmica, doença inflamatória intestinal, espondilite anquilosante e artrite idiopática juvenil demonstraram a presença de níveis elevados de produtos inflamatórios relacionados à via efetora Th17 ou mesmo a sua participação direta nos mecanismos fisiopatogênicos. Os conceitos atuais em imunopatologia das doenças inflamatórias crônicas apontam para o papel central das células Th17, que seriam responsáveis por mediar a inflamação tecidual precoce, produzindo citocinas pro-inflamatórias e quimiocinas responsáveis pelo recrutamento de células Th1 aos sítios inflamatórios. Mesmo que células T reguladoras (TREGs) se acumulem também nesses locais, a presença de altos níveis de citocinas inflamatórias torna as células-alvo menos susceptíveis à imunorregulação e diminui o poder imunossupressor das TREGs. Estudos recentes vêm demonstrando uma grande flexibilidade no programa de diferenciação dos LT CD4+, existindo uma estreita associação entre a via Th17 e as vias Th1 e TREG.16 Dependendo das condições de estímulo e do meio no qual se encontram, as células Th17 podem se diferenciar tanto em células Th1 como em células TREGs, o que altera significativamente o resultado final da resposta imune.16 Dentro deste contexto atual, uma nova subpopulação de LT efetores foi proposta, as células Th9.17 Os linfócitos Th9 foram recentemente descritos em murinos como células produtoras de grandes quantidades de IL-9, citocina importante nas respostas contra parasitas intestinais.18 Foi demonstrado também que elas são o resultado da polarização de linfócitos Th2 estimulados na Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 671 presença de TGF-β e IL-4, e que não apresentam nenhum dos fatores de transcrição característicos das vias Th1, Th2, Th17 ou TREG.17 O papel da IL-9 tem sido muito bem documentado na fisiopatologia das condições alérgicas crônicas, no entanto, muito pouco se sabe sobre o papel dessas células nas diversas doenças humanas. A compreensão destas vias de diferenciação e de seus desequilíbrios nas várias enfermidades autoimunes poderá ajudar no desenvolvimento de estratégias terapêuticas que visam a ampliar a ação das células reguladoras juntamente com o controle da resposta inflamatória efetora. TOLERÂNCIA CENTRAL DE LINFÓCITOS B Quando as imunoglobulinas de membrana, os receptores de LB, são expressas pela primeira vez, ainda na medula óssea, podem ser produzidos receptores autorreativos em consequência do processo aleatório de geração do repertório. Para evitar a liberação de LB autorreativos para a periferia, existem mecanismos de tolerância central e, no caso de falha na eliminação desses linfócitos, existem também mecanismos de tolerância periféricos. Deficiências nesses mecanismos podem levar ao desenvolvimento de autoimunidade. Os LB imaturos que reconhecem os antígenos próprios com alta afinidade na medula óssea são eliminados ou sofrem reativação dos genes RAG1 e RAG2 (que ocasionam hipermutação somática nas regiões hipervariáveis dos genes de imunoglobulinas) e expressam uma nova cadeia de imunoglobulina, apresentando uma nova especificidade antigênica. Esse processo é conhecido como edição de receptor e é um mecanismo importante para que eventuais LB autorreativos percam sua autorreatividade. Se a edição de receptor falhar em eliminar a autorreatividade, as células são, em geral, deletadas por apoptose (Figura 1B). Eventualmente o LB que reconhece antígenos próprios pode sair para a periferia, porém apresentando baixa expressão de imunoglobulinas de membrana. TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DE LINFÓCITOS B Eventuais LB autorreativos maduros, ao encontrar o autoantígeno solúvel na periferia na ausência de LT auxiliares, isto é, do segundo sinal de ativação, tornam-se anérgicos, impossibilitados de responder após novos encontros com o antígeno. Se um LB anérgico encontra um LT auxiliar ativado, pode ser eliminado pela interação entre Fas do LB e FasL do LT. Na ausência das vias normais de coestimulação, os linfócitos B anérgicos demonstram maior sensibilidade à apoptose após a ligação do Fas ao seu ligante (FasL). Nesse contexto, a exposição crônica 671 16/12/2010 15:03:16 Souza et al. aos autoantígenos em ambiente fisiológico (não inflamatório) pode contribuir para a manutenção da tolerância. LB que encontram autoantígenos na periferia não conseguem se domiciliar nos folículos linfoides, provavelmente por falhas na expressão dos receptores de quimiocinas adequados. Existem evidências da existência mecanismo de tolerância periférica para LB que desenvolvem especificidades autorreativas como resultado da hipermutação somática, durante uma resposta a um antígeno estranho, nos centros germinativos. Nesse caso, a hipótese é que a presença de alta concentração local do antígeno levaria esses clones à apoptose. Todos esses mecanismos enfatizam o fato de que a mera existência de LB autoreativos, em si, não é lesiva. Antes que uma resposta imune possa ser iniciada, os LB precisam encontrar seus antígenos, receber auxílio efetivo dos LT, e seu maquinário de sinalização intracelular precisa ser capaz de responder normalmente. REDE IDIOTÍPICA A teoria da rede idiotípica, introduzida na década de 1970, se baseia na interação recíproca entre as regiões variáveis dos anticorpos produzidos por um dado indivíduo. O idiotopo é a porção da região variável da molécula de imunoglobulina que interage com o antígeno. Cada idiotopo pode atuar como anticorpo frente ao antígeno que reconhece e como antígeno frente a um anticorpo anti-idiotipo.19 Este cenário pode ser imaginado como uma malha interconectada de anticorpos com reatividade recíproca para idiotopos, de tal maneira que se forma uma massa crítica que contribui para a estabilidade do sistema. Estímulos antigênicos extrínsecos representariam distúrbios nessa malha, mas tenderiam a ser assimilados com o retorno ao status quo. Em tese, o sistema imune, na verdade, enxergaria predominantemente a si próprio e a resposta a um antígeno resultaria no aumento de um determinado anticorpo da rede, causando uma perturbação na homeostase do sistema. O aumento do primeiro anticorpo, AB1, reconhecido por AB2, levaria a um aumento deste último, que tenderia a promover uma hiporregulação do primeiro (AB1). O mesmo aconteceria em relação a AB2 e AB3, e assim por diante, tendendo sempre à restauração do equilíbrio do sistema (Figura 5). Recentemente, renovou-se o interesse em estudar as interações idiotípicas, principalmente em contextos clínicos como, por exemplo, em doenças autoimunes. Na última década, as interações idiotípicas apresentadas por células T têm recebido crescente atenção. Foi proposto que células T anti-idiotípicas funcionam como células T reguladoras no 672 RBR 50 - 6.indb 672 Figura 5 Esquema representativo da rede idiotipica. O domínio formado pelas regiões hipervariáveis da molécula de imunoglobulina (AB-1) caracteriza a especificidade antigência de um dado anticorpo e é denominado idiotopo. Cada idiotopo por sua vez é reconhecido por um anticorpo anti-idiotopo (AB-2), formando uma rede de reconhecimento idiotipico. controle das doenças autoimunes. Recentemente, foram obtidas evidências experimentais de que células T idiotípicas e anti-idiotípicas podem coexistir no organismo e formar uma dinâmica rede idiotípica.20 Efeitos terapêuticos expressivos do uso de anticorpos naturais (imunoglobulinas intravenosas) em condições autoimunes e inflamatórias podem servir como primeiro exemplo de intervenção clínica baseada nessas poderosas interações reguladoras. Seguindo o mesmo raciocínio, foi sugerido que células B e/ou imunoglobulinas podem ser usadas de forma terapêutica para aumentar a diversidade e restaurar o repertório dos LT a fim de melhorar seu funcionamento em situações associadas a um repertório restrito.21 Assim, os anticorpos exercem um papel não só na interação e sinalização entre LB, mas aparentemente modulam também o desenvolvimento, a manutenção e a função do LT. Acredita-se que as doenças autoimunes podem estar relacionadas a deficiências no controle de anticorpos autorreativos pela rede idiotípica. Imunomodulação de doenças autoimunes e inflamatórias com o uso de imunoglobulina intravenosa pode ter efeitos terapêuticos relevantes. Interações idiotípicas têm sido estudadas na miastenia gravis e na hemofilia A. Recentemente foi proposta uma terapia experimental para diabetes tipo I baseada em vacina composta de peptídeos de idiotipos, e vacinação com anticorpos idiotípicos e anti-idiotípicos foi proposta como terapia no câncer.22 Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:18 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade CÉLULAS DENDRÍTICAS E AUTOIMUNIDADE As células dendríticas (DCs) são células do sistema imune que têm como principal função processar e apresentar antígenos para outras células, sendo consideradas as mais importantes células apresentadoras de antígeno do organismo (APC). As DCs têm um papel fundamental na manutenção tanto da tolerância central como periférica.23,24 Classicamente as DCs podem ser divididas em 2 subtipos principais, mieloides e plasmocitoides, que diferem em sua origem, morfologia e produtos secretados. As DCs mieloides (mDCs) são grandes secretoras de IL-12 e as plasmocitoides (pDCs) de INF-α. As DCs são encontradas nos mais diversos sítios anatômicos e, uma vez ativadas, migram para órgãos linfoides secundários onde irão interagir intensamente com LT e LB. As DCs têm um papel central no direcionamento das respostas imunes, regulando a ativação e progressão delas.25 Uma vez que as DCs devem limitar os danos teciduais, garantindo ao mesmo tempo a habilidade de responder a patógenos, inúmeros mecanismos de manutenção da tolerância devem atuar ativamente para manter esse equilíbrio fino. Durante infecções virais, imunocomplexos contendo DNA ou RNA de células apoptóticas ou necróticas são internalizados por DCs e LB, interagindo com os receptores TLRs 7, 8 e 9, que por sua vez irão ativar a via de produção de INF tipo I. As pDCs, em particular, produzem grandes quantidades de INF tipo I que age de modo parácrino sobre outras DCs, aumentando mais ainda a ativação imune (Figura 6). Inúmeras observações clínicas confirmam o papel crítico do INF-α na etiopatogenia de doenças autoimunes, sugerindo que a indução de autoimunidade não requer necessariamente fatores como mimetismo molecular, mas pode estar relacionada apenas a lesão tecidual e ativação da resposta imune inata em indivíduos susceptíveis. Diversas evidências têm mostrado que a ativação de DCs via receptores Toll-like (TLRs), em indivíduos geneticamente susceptíveis, pode induzir a autoimunidade pela produção de citocinas pró-inflamatórias, especialmente interferons tipo I (INF-α e INF-β).26 CÉLULAS DENDRÍTICAS E DOENÇAS AUTOIMUNES As DCs são fundamentais para o início das respostas imunes e, em algumas doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico (LES), têm sua função imunoestimuladora exacerbada, ou seja, são mais eficientes em estimular respostas de LT. Vários estudos têm sugerido que o sangue do paciente com LES comporta-se como um meio indutor de maturação Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 673 Figura 6 Representação esquemática das células Th1, Th2 e Th17, bem como do papel central das células dendríticas (DCs) no desencadeamento de respostas autoimunes. As DCs podem tornar-se ativadas pelo reconhecimento dos PAMPs, na presença de agentes infecciosos, ou por outros fatores desencadeantes como um processo inflamatório. Após ativação as DCs podem processar e apresentar autoantígenos ativando clones de células T autorreativas e polarizando a resposta imune para diferentes vias (Th1,Th2 ou Th17). Uma vez iniciado o processo de quebra de tolerância, a resposta inflamatória, estimulada pela ação dos INFs tipo I e outras citocinas pró-inflamatórias, será perpetuada e os clones autorreativos serão mantidos. e diferenciação de DCs. A exposição de monócitos de indivíduos sadios ao soro de pacientes lúpicos resulta em uma rápida geração de células com morfologia e função de DCs. No LES os monócitos agem como DCs, induzindo a proliferação de LT alogênicos, representando uma importante fonte de mDCs imunoestimuladoras. O INF-α, no LES, parece ser 673 16/12/2010 15:03:18 Souza et al. o grande indutor de maturação e diferenciação de DCs, pois esta propriedade é inibida pelo uso de anticorpos anti-INF-α. A principal fonte desta citocina são as pDCs e o mecanismo mais aceito para explicar os níveis altos de INF-α no soro de pacientes lúpicos é o reconhecimento de imunocomplexos, contendo DNA ou RNA de células apoptóticas ou necróticas, que são internalizados pelas pDCs, ativando a via de produção de INF-α. Várias observações clínicas confirmam o papel crítico do INF-α na etiopatogenia do LES. A terapia com INF-α para doenças tumorais e infecciosas está frequentemente associada com a indução de autoanticorpos (4%-19%) e uma variedade de sintomas presentes no LES tem sido observada nesses pacientes. Mutações em genes envolvidos na produção de INF-α/β predispõem ao desenvolvimento de LES por aumentar a habilidade das pDCs em liberar essas citocinas após sua ativação. Outras doenças, como tireoidite e diabetes autoimunes, são também marcadas pela ação do INF-α.27 Já a artrite reumatoide e a psoríase estão mais associadas aos efeitos deletérios do TNF-α, uma citocina com alto poder inflamatório e ação sobre múltiplas células e sistemas orgânicos. Acredita-se que as mDCs desses pacientes sejam importantes na quebra da tolerância e exacerbação da produção de TNF estimuladas pelo reconhecimento de imunocomplexos contendo autoantígenos.26 Aprender a manipular apropriadamente o comportamento dessas células em diferentes enfermidades é um dos grandes desafios da imunologia moderna. Se bem-sucedidos, esses esforços poderão representar uma valiosa alternativa terapêutica, seja para induzir imunidade ou mesmo para recuperar a tolerância. IMUNOBIOLÓGICOS A terapia imunobiológica empregada inclui principalmente citocinas, anticorpos monoclonais e receptores solúveis de citocinas. Diversas citocinas e seus receptores, moléculas de adesão e células que participam da resposta imune, como linfócitos B e T, são alvos da terapia imunobiológica. A terapia imunobiológica é empregada em diferentes especialidades médicas, incluíndo reumatologia, oncologia, hematologia, gastroenterologia, neurologia, nefrologia, entre outras.28,29 Anticorpos monoclonais empregados geralmente são da classe IgG e recebem o sufixo “mab” derivado do termo monoclonal antibody. Esse sufixo sofre variações de acordo com a constituição da porção não variável do anticorpo monoclonal; se murina, o sufixo passa a ser denominado “omab” (ex: edrecolomabe); se quimérica, ou seja, com aproximadamente 30% da molécula de origem murina e 70% de origem humana, 674 RBR 50 - 6.indb 674 o sufixo passa a ser “ximab” (ex: infliximabe); se humanizado, com menos de 10% do anticorpo monoclonal de origem murina, o sufixo é denominado “zumab” (ex: epratuzumabe); e se totalmente humano, o sufixo do anticorpo monoclonal passa a ser “umab” (ex: adalimumabe). Os receptores solúveis de citocinas são proteínas de fusão (recombinantes) compostas pelo receptor em questão associado à fração Fc da IgG1 e seu sufixo é denominado “cept” (ex: etanercepte).30 Revisaremos a seguir a terapia imunobiológica aplicada a mediadores solúveis da resposta imune e aos linfócitos T e B, empregada principalmente em doenças autoimunes. Terapia biológica e citocinas Agentes biológicos podem ser empregados para inibir o efeito de citocinas, como ocorre com anticorpos monoclonais anticitocinas ou com o uso de receptores solúveis que se ligam a citocina e bloqueiam seus efeitos em células-alvo. As citocinas são também empregadas em terapia biológica através de proteínas recombinantes análogas que mimetizam o efeito da citocina original. Os principais alvos terapêuticos na terapia anticitocinas são as citocinas pró-inflamatórias interleucina-1 (IL-1), TNFa e IL-6, enquanto que o uso de interferons tipo I é a principal aplicação para a terapia agonista de citocinas. A anakinra é um análogo não glicosilado recombinante humano do antagonista do receptor da IL-1 (IL-1Ra). O IL-1Ra pode ser classificado como uma citocina contrarregulatória que é produzida em períodos de inflamação, em resposta à produção de IL-1 e compete com a IL-1b pela ligação com os receptores da IL-1 do tipo I, inibindo seus efeitos biológicos.29 Esse agente foi inicialmente estudado na artrite reumatóide (AR) em diversos ensaios clínicos e teve sua aprovação pelo FDA (Food and Drug Administration) em 2001 para casos refratários a um ou mais DMARDs (drogas modificadoras de atividade de doenças reumáticas). Contudo, o verdadeiro papel da anakinra na AR ainda está por ser estabelecido, principalmente após o advento de outros agentes biológicos.31 Todavia, novos estudos têm demonstrado bons resultados com seu uso em indivíduos com diabetes melitus, crise aguda de gota, doença de Still do adulto, na forma sistêmica da artrite idiopática juvenil e em síndromes autoinflamatórias como a febre familiar do Mediterrâneo, a síndrome TRAPS (tumor necrosis factor receptor associated periodic syndrome), a síndrome de Muckle-Wells e a síndrome de Schnitzler.32,33,34 Dois novos agentes antagonistas da IL-1, o canakinumabe e o rilonacepte vêm sendo recentemente utilizados no tratamento de doenças raras. O canakinumabe é um anticorpo monoclonal Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:19 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade humano contra a IL-1β, já liberado na Europa e nos Estados Unidos para o uso na forma sistêmica da artrite idiopática juvenil e nas criopirinopatias (síndromes autoinflamatórias associadas a defeitos nos genes da criopirina ou pirina). O rilonacepte, conhecido como IL-1Trap, é uma proteína de fusão composta pelo receptor tipo I da IL-1, pela proteína acessória do receptor da IL-1 e pela fração Fc da IgG1 humana. O rilonacepte se liga e neutraliza a IL-1 circulante, antes que ela se ligue a seus receptores na superfície celular. Ele já foi estudado em pacientes com síndromes autoinflamatórias e na crise aguda de gota com bons resultados.35 Os agentes anti-TNFa são os principais medicamentos biológicos utilizados na reumatologia na atualidade. Seus principais representantes são o etanercepte, o infliximabe e o adalimumabe. O etanercepte é um dímero que inclui o receptor p75 do TNF ligado à fração Fc da IgG. O etanercepte atua ligando-se a moléculas de TNFa circulantes ou ligadas a células efetoras, inibindo a ligação a seu receptor e evitando os efeitos biológicos do TNFa e do TNFb (linfotoxina), mas não causa citotoxidade de células que expressam o TNFa na superfície.36 O infliximabe é um anticorpo monoclonal anti-TNFa quimérico, ou seja, com uma porção de IgG1k humana e uma região murina Fc, oriunda de anticorpos murinos neutralizadores de alta afinidade anti-TNFa humano. O infliximabe se liga tanto ao TNFa livre quanto ao TNFa ligado à superfície celular, induzindo à lise dessas células por citotoxidade mediada por anticorpos. Diferente do etanercepte, o infliximabe não se liga ao TNF-b. O adalimumabe é um anticorpo monoclonal anti-TNFa IgG1 recombinante totalmente humano que tem meia vida prolongada e necessita de administração subcutânea a cada duas semanas.36 Etanercepte, infliximabe e adalimumabe são agentes bastante estudados e aprovados no tratamento da AR, artrite idiopática juvenil, espondilite anquilosante (EA) e da artrite psoriática. No tratamento da doença de Crohn (DC), o infliximabe e o adalimumabe também se mostraram eficazes no controle da atividade da doença e na manutenção da remissão, enquanto o infliximabe parece ser o único agente eficaz no controle de fístulas associadas à DC. Uma segunda geração de agentes anti-TNFα está em avaliação em diferentes estudos. Esses agentes incluem o certolizumabe pegol e o golimumabe.37,38 O certolizumabe pegol (CDP870) é o fragmento peguilado da porção Fab de um anticorpo monoclonal anti-TNFα humanizado, cuja eficácia foi demonstrada no tratamento da AR e da DC. Devido a sua meia vida longa, o certolizumabe pegol pode ser administrado mensalmente por via subcutânea.39 O golimumabe é um anticorpo monoclonal humano anti-TNFα Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 675 que vem sendo avaliado em pacientes com AR, artrite psoriática e espondilite anquilosante (EA), com bons resultados.40,41,42 O lenercepte e o CDP571 são agentes anti-TNFα que não demonstraram benefício clínico no tratamento de condições como a DC e AR, sendo seu desenvolvimento suspenso. O Pegsunercepte foi avaliado em pacientes com AR e se mostrou superior ao placebo apenas em um estudo fase II. O onercepte é o receptor solúvel p55 recombinante do TNFα que vem sendo estudado no tratamento da psoríase moderada a grave. Esse agente não se mostrou eficaz na terapia de indução da DC.29 A IL-6 é uma citocina que atua em diferentes células, sendo encontrada em altos níveis em diversas doenças inflamatórias. A IL-6 estimula hepatócitos a produzirem proteínas de fase aguda, como proteína C reativa, fibrinogênio, proteína amiloide A, ao mesmo tempo que diminui a produção de albumina. Recentemente, se descreveu que IL-6 estimula a produção do peptídeo hepcedina que participa da patogenia de anemia associada a quadros inflamatórios. O tocilizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado contra o receptor solúvel da IL-6 que inibe os efeitos pró-inflamatórios dessa citocina. Ensaios clínicos têm demonstrado a eficácia desse agente biológico no tratamento da AR, da artrite idiopática juvenil e na doença de Castleman.43 A IL-5 é uma citocina com perfil Th2 e que atua estimulando a produção, a ativação e a maturação de eosinófilos. O mepolizumabe é um anticorpo monoclonal anti-IL-5 que tem sido estudado em pacientes com asma brônquica, polipose nasal e síndromes hipereosinofílicas. Na síndrome de Churg-Strauss, o mepolizumabe vem sendo avaliado em ensaio clínico fase I/II.44 A IL-9 é uma citocina produzida por células Th2 e Th9 que está associada a uma maior hiper-reatividade brônquica e tem papel patogênico na asma. Um anticorpo monoclonal humanizado anti-IL-9 (MEDI-528) vem sendo avaliado para o tratamento de pacientes asmáticos.45 A IL-17 é uma citocina pró-inflamatória produzida por células Th17 e tem papel importante na resposta imune a certos patógenos, como bactérias extracelulares e fungos, e na patogênese de doenças autoimunes, incluindo a AR. Um anticorpo monoclonal IgG4 anti-IL-17 (LY2439821) teve segurança demonstrada quando avaliado em estudo fase I que incluiu pacientes com AR.46 A IL-15 é uma citocina que tem importante papel na ativação de LT, incluindo células de memória, e de células NK. Um anticorpo monoclonal IgG1 anti-IL-15 (HuMax-IL15) foi bem tolerado e apresentou eficácia em estudo fase I-II que incluiu pacientes com AR.47 As citocinas pró-inflamatórias IL-12 e IL23 compartilham a mesma subunidade p40 e participam da ativação de células 675 16/12/2010 15:03:19 Souza et al. NK e da diferenciação de LT CD4+ nos fenótipos Th1, em resposta a IL-12, e Th17 em resposta a IL-23, juntamente com as citocinas IL-1β, TGF-β e IL-6. Dois agentes que atuam na subunidade p40 da IL-12 e IL-23 foram desenvolvidos (ustekinumabe e briakinumabe), e apresentam bons resultados no tratamento da psoríase.48 O ustekinumabe também foi eficaz no tratamento da artrite psoriática.49 O TGFβ é uma citocina que possui três isoformas (TGFβ1, TGFβ2 e TGFβ3), mas diversas outras proteínas fazem parte da superfamília TGFβ. Expressão aberrante do TGFβ1 e TGFβ2 é observada em pacientes com esclerose sistêmica e está implicada na patogênese da fibrose cutânea e pulmonar. Entretanto, em ensaio clínico recente, o uso de anticorpo monoclonal anti-TGFβ1 (CAT-192) não demonstrou eficácia em pacientes com esclerose sistêmica.50 O lerdelimumabe (CAT-152) é um anticorpo monoclonal humano anti-TGFβ2 que foi estudado em pós-operatório de trabeculectomia para tratamento de glaucoma com o objetivo de evitar cicatrização excessiva e apresentou resultados controversos.51 Na família de interferons (INF) tipo I, proteínas recombinantes do INFα e o INFβ são utilizadas na prática clínica principalmente para o tratamento de hepatites virais (vírus da hepatite B e C)52,53 e da esclerose múltipla, respectivamente. Nessa última, o mecanismo de ação proposto é o antagonismo que o INFβ exerce contra o INFg, que tem grande importância na fisiopatologia da esclerose múltipla.54 O INFα também tem sido utilizado no tratamento de manifestações mucocutâneas, oculares e neurológicas da doença de Behçet55 e na síndrome de Churg-Strauss.56 O fontolizumabe é um agente humanizado anti-INFg que vem sendo avaliado em pacientes com DC com bons resultados.56 O RANKL (Receptor Activator for Nuclear Factor κ B Ligand) é uma citocina da superfamília do TNFα, produzida pelo linfócito T ativado e atua na diferenciação e maturação do osteoclasto, estimulando a reabsorção óssea. O RANKL tem importância na fisiopatologia da AR, da artrite psoriática e da osteoporose em doenças inflamatórias sistêmicas.58 O denosumabe é um anticorpo monoclonal humano anti-RANKL que vem sendo estudado no tratamento da AR,58 osteoporose,58,59 em tumores ósseos, mieloma múltiplo e metástases ósseas.60 Terapia biológica e o sistema complemento O eculizumabe é um anticorpo monoclonal humanizado antiC5 que se liga à subunidade 2b da enzima C5 convertase e bloqueia a clivagem do C5 no componente pró-inflamatório C5a, bem como a formação do complexo de ataque de membrana C5b-C9, inibindo assim a lise celular.28 O eculizumabe 676 RBR 50 - 6.indb 676 é comprovadamente eficaz no tratamento da hemoglobinúria paroxística noturna.61 O pexelizumabe é um anticorpo monoclonal de alta afinidade ao componente C5, inibindo também a clivagem deste pela C5 convertase. Esse agente biológico vem sendo estudado em pacientes com infarto agudo do miocárdio, mas não demonstrou efeito sobre a redução da área do infarto em pacientes submetidos à angioplastia primária, e dados sobre seu efeito na redução da mortalidade no infarto agudo do miocárdio são controversos.62 Terapia biológica antilinfócito T A terapia com agentes biológicos direcionados para alvos terapêuticos em LT já foi bastante estudada. Os principais alvos são suas moléculas de superfície [CD3, CD4, CD5, CD7, CD40 ligante (CD40L) e CD25], contudo, também se pode atuar indiretamente sobre a ativação dos LT por meio da inibição de sua interação com células apresentadoras de antígenos e com LB.28 O abatacepte é o principal agente biológico anti-LT atualmente em uso e atua inibindo a ativação de LT dependente da coestimulação a partir de células apresentadoras de antígeno. O abatacepte é uma proteína solúvel de fusão que consiste no domínio extracelular do CTLA-4 (cytotoxic-T lymphocyteassociated-antigen 4) ligada à porção Fc da IgG1 humana. O abatacepte inibe a ativação do LT se ligando às moléculas CD80 e CD86 de células apresentadoras de antígenos, bloqueando a interação com a molécula de CD28 dos LT. Como o CTLA-4 tem afinidade para CD80 e CD86 muito superior à do CD28, ele previne a ligação de CD80/86 a este último, impedindo assim a deflagração do segundo sinal, fundamental para a ativação do LT. O abatacepte foi amplamente estudado na AR e tem eficácia comprovada em diversos ensaios clínicos.43,63 Alguns estudos estão em andamento para avaliar a eficácia do abatacepte no LES, em vasculites associadas ao ANCA, arterite de células gigantes, arterite de Takayasu, na esclerose sistêmica e na EA.64 O belatacepte é uma molécula semelhante ao abatacepte que apresenta afinidade dez vezes maior para a interação com as moléculas CD80 e CD86 em relação a este. Alguns estudos em pacientes submetidos a transplante renal têm demonstrado eficácia semelhante à da ciclosporina para evitar a rejeição aguda e superior a esta para evitar a nefropatia crônica pós-transplante.65 Os agentes ipilimumabe e o tremelimumabe são anticorpos monoclonais anti-CTLA-4 que têm o objetivo de aumentar a ativação de LT e de melhorar a imunidade contra o câncer. Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:19 O delicado equilíbrio do sistema imunológico entre os pólos de tolerância e autoimunidade Esses agentes já foram avaliados em pacientes com melanoma e em neoplasia de próstata, pulmão e de bexiga, além do carcinoma hepatocelular.66 O alefacepte é outro agente biológico que inibe a interação entre células apresentadoras de antígeno e linfócitos T. Ele é uma proteína de fusão dimérica composta pela porção extracelular da LFA-3 (leukocyte function antigen-3) e a porção Fc da IgG1. O alefacepte se liga à molécula do CD2 presente na superfície do LT e inibe a interação da LFA-3 com essa molécula, bloqueando a ativação de LT. Esse agente tem sido utilizado com sucesso no tratamento da psoríase em pacientes com lesões crônicas e indicação de terapia sistêmica ou de fototerapia.67 O efalizumabe é um anticorpo monoclonal contra a LFA-1 (leukocyte functional antigen 1) que é uma molécula de adesão presente no linfócito T e que se liga à ICAM-1, permitindo a migração do linfócito T ativado da corrente sanguínea para os tecidos. O efalizumabe é atualmente indicado no tratamento da psoríase, mas foi retirado do mercado americano devido ao risco aumentado de leucoencefalopatia multifocal progressiva.67 Natalizumabe é um anticorpo monoclonal anti-integrina a4b1, molécula encontrada na superfície de leucócitos, exceto de neutrófilos. O natalizumabe bloqueia a integração entre a integrina a4b1 e a molécula de adesão VCAM-1. Esse agente biológico foi estudado no tratamento da esclerose múltipla68 e na DC,69 porém casos de leucoencefalopatia multifocal progressiva sinalizam cautela para sua introdução na prática clínica diária.68 Anticorpos anti-CD40L foram desenvolvidos com o objetivo de se inibir a estimulação de linfócitos T pelas células apresentadoras de antígeno e de linfócitos B pelos linfócitos T. Dois anticorpos monoclonais anti-CD40L foram estudados em pacientes com LES. O anticorpo Hu5c9 foi estudado em pacientes com nefrite lúpica e apresentou bons resultados, mas o estudo foi suspenso devido à ocorrência de eventos tromboembólicos. O outro anticorpo anti-CD40L (IDEC 131) também foi estudado em pacientes com nefrite lúpica, mas não demonstrou benefícios.70 A terapia anti-LT pode ser dividida em depleção e em modulação de sua função. Diferentes agentes biológicos foram desenvolvidos para depleção de linfócitos T. O primeiro foi o anticorpo monoclonal anti-CD7, mas a falta de eficácia clínica dos anticorpos murino e quimérico em pacientes com AR fez com que estudos subsequentes fossem abandonados. CD5 plus é um conjugado imune composto por um anticorpo monoclonal murino anti-CD5 e a cadeia A da toxina ricina. Embora estudos abertos tenham demonstrado resultados promissores, um ensaio clínico controlado e randomizado não demonstrou benefícios Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 RBR 50 - 6.indb 677 na AR. Outro anticorpo monoclonal murino testado na AR foi o anti-CD4 (cM-T412), mas estudos clínicos com este anticorpo não demonstraram benefícios.28 Quatro anticorpos monoclonais anti-CD4 não depletores de linfócitos T, ou seja, moduladores de sua função foram desenvolvidos. Os compostos 4162W94 e IDEC-CE9.1/SB-210396 foram os primeiros a serem investigados, mas suas pesquisas foram suspensas devido aos eventos adversos. Pesquisas com os compostos não depletores de linfócitos T Humax-CD4/ HM6G IgG1 anti-CD4 e o anti-CD4 Mab OKT4-cdr4a estão em andamento. Em modelos experimentais de transplante, o uso combinado de anticorpo não depletor anti-CD4 YTS177 e anti-CD8 YTS105 vem sendo estudado com bons resultados.28 O visilizumabe é um anticorpo monoclonal anti-CD3 humanizado que induz a apoptose de LT ativados e diversos estudos demonstraram segurança e eficácia na prevenção da doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD)71 e no tratamento da doença inflamatória intestinal.69 O muronomabe (OKT3) é outro anticorpo anti-CD3 utilizado em pacientes tranplantados para a prevenção de rejeição de transplante.72 O receptor da interleucina-2 (IL-2) em linfócitos T ativados (CD25) também foi alvo terapêutico em alguns estudos. O IL2-DAB (IL-2 recombinate humana conjugada à cadeia alfa da toxina difitérica) apresentou bons resultados em estudo que avaliou pacientes com AR, mas houve alta frequência de elevação de enzimas hepáticas.1 O basiliximabe e o daclizumabe são anticorpos monoclonais antireceptor da IL-2 em linfócitos T ativados que vêm sendo utilizados principalmente para evitar a rejeição em pacientes transplantados.73,74 O alemtuzumabe é um anticorpo monoclonal anti-CD52, que é uma molécula de superfície presente em linfócitos maduros e monócitos. O alemtuzumabe vem sendo utilizado em leucemia linfocítica crônica e em linfoma cutâneo de células T.74 Estudos recentes têm demonstrado algum benefício no tratamento da esclerose múltipla.74 Terapia biológica antilinfócito B Os LB têm importante papel na patogenia de diversas doenças autoimunes, o que tem estimulado a investigação de agentes biológicos que atuem em alvos terapêuticos nessas células, levando à depleção ou ao bloqueio de sua ação. Atualmente, os principais alvos terapêuticos em LB são suas moléculas de superfície (ex: CD20 e CD22), a citocina BLyS (B lymphocyte stimulator) e APRIL (a proliferating inducing ligand), além de seu receptor solúvel (TACI – transmembrane activator and CAML interactor).77 677 16/12/2010 15:03:19 Souza et al. O rituximabe é o principal medicamento desenvolvido e estudado como terapia anti-LB. Ele é um anticorpo monoclonal quimérico anti-CD20. A molécula CD20 é encontrada na superfície apenas de LB maduros e de células pré-B, não sendo encontrada em células tronco e nem em plasmócitos. O uso do rituximabe leva à depleção seletiva de LB (CD20+) por até 6 meses, havendo recuperação dos níveis normais em 9-12 meses.77,78 Três mecanismos principais são responsáveis pela depleção de LB induzida pelo rituximabe:78 • • • Citotoxidade celular mediada por anticorpo: células NK, macrófagos e monócitos se ligam ao complexo formado pelo rituximabe e pelo CD20 na superfície celular através de seus receptores Fcg, produzindo a citólise do LB. Citotoxidade dependente do complemento: o complexo rituximabe-CD20 se liga ao C1q e ativa a cascata do complemento pela via clássica, o que leva à lise do LB pelo complexo de ataque de membrana. Indução da apoptose de LB CD20+ Em 1997, o rituximabe foi aprovado para o tratamento do linfoma não Hodgkin de células B, folicular e de baixo grau, refratário e com recidivas. Após a aprovação para uso no linfoma, o rituximabe foi utilizado em outros tipos de linfoma, em doenças de linfócitos B (macroglobulinemia de Wäldenstrom e mieloma múltiplo) e na doença de Castleman.77 O rituximabe tem seu uso aprovado para o tratamento da artrite reumatoide em pacientes que falharam ao uso de anti-TNFa. No LES, o rituximabe foi estudado em diversas séries de casos e tem apresentado resultados variados no controle de diversas manifestações da doença, principalmente na nefrite e no envolvimento neurológico refratários. Curiosamente, os ensaios clínicos controlados não conseguiram evidenciar eficácia em pacientes com nefrite e em pacientes com outras manifestações do LES.79 Na síndrome de Sjögren, o rituximabe foi avaliado em dois ensaios clínicos com resultados pouco significativos em relação à melhora da fadiga e da xerostomia/xeroftalmia.80 Em vasculites sistêmicas, o rituximabe foi avaliado principalmente em pacientes com granulomatose de Wegener e poliangiíte microscópica em dois ensaios clínicos que demonstraram a não inferioridade dele em relação à ciclofosfamida no tratamento de indução.81,82 Outras doenças autoimunes como a púrpura trombocitopênica imunológica, a crioglobulinemia mista do tipo II e miopatias inflamatórias apresentam resultados promissores em séries de casos e são perspectivas futuras de benefício com o uso do rituximabe.78 678 RBR 50 - 6.indb 678 O ocrelizumabe é o anticorpo monoclonal anti-CD20 de segunda geração, humanizado e que tem a mesma especificidade do rituximabe.77 Ensaios clínicos fase III estão em andamento para avaliar sua eficácia em pacientes com linfoma não Hodgkin, mas estudos que avaliaram esse agente na AR e no LES foram suspensos por falta de eficácia. Na esclerose múltipla, planeja-se realizar estudo fase II para casos que apresentam reativação e remissão.83 O ofatumumabe e o veltuzumabe são anticorpos monoclonais anti-CD20 que atuam inibindo a ativação de linfócitos B.77 Encontram-se em estudos fase III para leucemia linfocítica crônica e linfoma não Hodgkin. Na AR, o ofatumumabe vem sendo avaliado em pacientes com resposta inadequada ao metotrexate e ao anti-TNFa em estudos fase II.84 O epratuzumabe é um anticorpo monoclonal humanizado anti-CD22. O CD22 é uma glicoproteína de superfície restrita ao linfócito B que regula sua ativação e a interação com os linfócitos T. O CD22 é encontrado no citoplasma de linfócitos pró e pré B, mas migra para a superfície do linfócito B maduro e desaparece quando este se diferencia em plasmócito.77 O epratuzumabe vem sendo estudado no linfoma não Hodgkin em recidiva ou refratário ao tratamento convencional, incluindo rituximabe; também vem sendo estudado no LES, na síndrome de Sjögren e na AR.85 Resultados preliminares tem demonstrado boa tolerabilidade e eficácia deste agente biológico.86 O belimumabe (LymphoStat-B) é um anticorpo monoclonal totalmente humano que reconhece especificamente e inibe a atividade biológica do BLyS (também conhecido como BAFF), que é uma molécula da superfamília TNF e atua na sobrevida, maturação e na ativação do linfócito B. Diversas células (monócitos, macrófagos, células estromais da medula óssea, sinoviócitos e astrócitos) produzem o BLyS principalmente sob o estímulo do interferon g. Apesar do uso do belimumabe se associar à diminuição do número de linfócitos B circulantes, ele age apenas sobre o BLyS solúvel e não induz citotoxidade.77,87 Estudos fase II com o uso de belimumabe estão em andamento em pacientes com LES e AR.88 No LES, o belimumabe foi bem tolerado, mas não foi observada diferença significativa quanto ao placebo em relação à atividade da doença ou ao número de reativações.89 O atacicepte (TACI-Ig) é uma proteína de fusão recombinante que simula o receptor solúvel (TACI) e bloqueia a ação de BLyS e de APRIL. Esse medicamento foi avaliado em estudo fase I no LES e foi observada boa segurança em diferentes doses aplicadas.90 Estudos fase II em pacientes com LES e AR estão em fase de recrutamento de pacientes. O atacicepte também vem sendo avaliado em estudo com pacientes com esclerose múltipla, leucemia linfocítica crônica, mieloma múltiplo e linfoma não Hodgkin.91 Rev Bras Reumatol 2010;50(6):665-94 16/12/2010 15:03:19 Souza et al. The delicate balance of the immune system between tolerance and autoimmunity 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. REFERÊNCIAS REFERENCES 1. Horwitz MS and Sarvetnick N. Viruses, host responses, and autoimmunity. Immunol Rev 1999; 169:241-53. 692 20. 21. 22. Di Rosa F, Barnaba V. Persisting viruses and chronic inflammation: understanding their relation to autoimmunity. Immunol Rev 1998; 164:17-27. Ercolini AM, Miller SD. The role of infections in autoimmune disease. Clin Exp Immunol 2009; 155:1-15. Abbas AK, Lichtman AH. Cellular and Molecular Immunology, 5th ed., Saunders, 2003. Andersen G, Moore NC, Owen JJT, Jenkinson EJ. Cellular interactions in thymocyte development. Annual Review of Immunology 1996; 14: 73-99. Liu YJ. A unified theory of central tolerance in the thymus. Trends Immunol 2006; 27:215-21. Burns J, Rosenzweig A, Zweiman B, Lisak RP. Isolation of myelin basic protein-reactive T-cell lines from normal human blood. Cell Immunol 1983; 81:435-40. 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