Relatos de casos Extrusão de dois incisivos centrais superiores permanentes: relato de caso EXTRUSÃO DE DOIS INCISIVOS CENTRAIS SUPERIORES PERMANENTES: RELATO DE CASO Extrusion of two upper permanent central incisors: report of case Thalia Ferreira Kreling1 Carlos Estevan Cidral Stutz1 Vânia Portela Ditzel Westphalen2 Luiz Fernando Fariniuk3 Ulisses Xavier da Silva Neto3 Everdan Carneiro3 Resumo Apresenta-se um caso de extrusão dentária traumática dos dois incisivos centrais superiores permanentes. Como o paciente foi atendido num tempo inferior a quatro horas, a terapia consistiu em reposicionamento imediato e contenção semi-rígida. Diagnosticada necrose pulpar no 21, instituiu-se tratamento endodôntico, com uso de medicação intracanal (pasta de hidróxido de cálcio) e acompanhamento do 11. O paciente continua em proservação clínica e radiográfica para avaliação da resposta pulpar do 11 e complementação do tratamento endodôntico do 21. Palavras-chave: Traumatismo dental; Extrusão; Endodontia. Abstract A case of traumatic extrusion of both upper central incisors is presented. As the patient was treated less than four hours after the accident, treatment was immediate repositioning of the extruded teeth and semi-rigid contention. Endodontic treatment (calcium hydroxide paste) was initiated for the tooth 21 due to pulpar necrosis and the tooth 11 is been followed-up. Keywords: Dental traumatism; Dental extrusion; Endodontics. 1 2 3 Acadêmicos do Curso de Odontologia, PUCPR. Professora Doutora, Endodontia da PUCPR, Curitiba, PR. e-mail: [email protected] Professor Doutor, Endodontia da PUCPR, Curitiba, PR. Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 437 Thalia Ferreira Kreling; Carlos Estevan Cidral Stutz; Vânia Portela Ditzel Westphalen; Luiz Fernando Fariniuk; Ulisses Xavier da Silva Neto; Everdan Carneiro Introdução A extrusão dentária ou avulsão parcial consiste no deslocamento parcial do dente para fora do seu alvéolo (1). Clinicamente, é freqüente o dente apresentar-se extruído no sentido incisal, com eventual deslocamento palatino da coroa. O exame radiográfico revela o aumento da largura do espaço periodontal na região apical (2, 3). Ocorre ruptura das fibras do ligamento periodontal, podendo decorrer interrupção do suprimento neuro-vascular da polpa (1). De acordo com Soares e Goldberg (3), quando o deslocamento for de 1 a 2 mm e o tratamento iniciado algumas horas depois do acidente, é preferível não executar o reposicionamento. A possibilidade de manter o dente em sua nova posição e adequá-lo esteticamente e à nova oclusão reduzem as seqüelas pós-traumáticas. Se houver mobilidade, é imprescindível efetuar contenção semi-rígida. Em casos de extrusão maior que 3 mm e o intervalo de tempo entre o trauma e o atendimento inferior a 4 horas, recomenda-se o reposicionamento imediato do dente e a utilização de contenção semirígida (3). O reposicionamento deve ser realizado o mais rapidamente possível, por meio de pressão digital, delicada e contínua, no sentido apical, para deslocar gradualmente o coágulo formado entre o ápice radicular e o fundo do alvéolo (4). Quanto menor o intervalo de tempo entre o trauma e o atendimento, mais fácil será o reposicionamento do dente. Se o tempo for maior do que quatro horas, o procedimento é mais difícil, senão impossível, pois não permite o retorno do dente à sua posição original, pois o coágulo ocupa o espaço periodontal. Ao se forçar o dente para retornar ao seu lugar, haverá fragmentação do coágulo, que poderá dispersar-se pelo ligamento. Isso determinará inúmeros pontos de inflamação, dificultando o reparo e propiciando condições favoráveis ao aparecimento das reabsorções inflamatórias (3). Quando a extrusão for acentuada e a reposição tentada num período de aproximadamente 4 horas, ela deve ser feita por meio do reimplante intencional ou pela movimentação posterior com aparelho ortodôntico. 438 A prescrição de medicação local, para higiene da região, de antiinflamatório, para controlar a inflamação decorrente do trauma e de antibiótico, além da proteção sistêmica contra uma possível contaminação contribuem também para prevenir ou reduzir as reabsorções inflamatórias radiculares, que podem ocorrer na raiz dentária (3, 5); concluiu o atendimento imediato. As condições da polpa dependem também da intensidade do trauma e do estágio de desenvolvimento radicular. Nos dentes completamente formados, quando a extrusão é pronunciada, mesmo tendo o feixe vásculo-nervoso alguma elasticidade, será, na maioria das vezes, rompido, ocorrendo necrose pulpar. Nessa situação, o tratamento endodôntico deve ser iniciado imediatamente, para que o tecido pulpar necrosado não contribua ainda mais para o aparecimento das reabsorções inflamatórias (3). Em dentes com formação radicular incompleta, devido à amplitude do forame, existe maior probabilidade de manutenção da vitalidade pulpar (1, 3). Os dentes que sofreram extrusão e que mantiveram a vitalidade pulpar podem apresentar, ainda, redução de diâmetro do canal radicular (3). Além da possibilidade de mineralização e necrose da polpa, os dentes extruídos podem apresentar reabsorções inflamatórias (1). Cohen, Burns (6) afirmam que a reabsorção inflamatória pode ocorrer em 5% a 15% dos traumatismos de luxação extrusiva. Relato do caso Paciente do sexo masculino, 7 anos de idade, sofreu queda de bicicleta com traumatismo direto na boca e extrusão dos dentes 11 e 21. O atendimento foi realizado uma hora após o trauma, no Pronto-Socorro Odontológico do Hospital Universitário Cajuru – PUCPR, Curitiba, Brasil. No exame clínico e radiográfico, observou-se deslocamento no sentido incisal de aproximadamente 3 mm, rizogênese incompleta em ambos os dentes e ausência de fraturas ósseas ou radiculares. Os dentes foram reposicionados (Figura 1), aplicando-se contenção semi-rígida. Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 Relatos de casos Extrusão de dois incisivos centrais superiores permanentes: relato de caso Figura 1- Radiografia após o reposicionamento dos dentes 11 e 21 Os familiares informaram que a vacinação da criança estava atualizada, principalmente com relação à imunização antitetânica. Após sete dias, em ambulatório odontológico da PUCPR, realizaram-se testes de sensibilidade pulpar, com resposta negativa para ambos os dentes. (Figuras 2 e 3). Figura 2 - Imagem dos dentes 11 e 21, após uma semana Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 439 Thalia Ferreira Kreling; Carlos Estevan Cidral Stutz; Vânia Portela Ditzel Westphalen; Luiz Fernando Fariniuk; Ulisses Xavier da Silva Neto; Everdan Carneiro Figura 3 - Contenção semi-rígida dos dentes 11 e 21 após uma semana Após 15 dias, o 21 apresentou abscesso dentoalveolar agudo (Figura 4); iniciou-se imediatamente o tratamento endodôntico (modelagem e curativo intracanal com pasta de hidróxido de cálcio) (Figuras 5, 6). O 11 não apresentou, aos 30 dias, novo teste de sensibilidade pulpar para avaliar a condição do 11. Nova resposta negativa, mas sem clínica de necrose pulpar. Na mesma consulta, trocou-se a medicação intracanal de hidróxido de cálcio do 21 (Figuras 7 e 8). Figura 4 - Abscesso dentoalveolar agudo dente 21 Figura 5 - Radiografia dos dentes 11 e 21, abscesso dentoalveolar agudo dente 21 440 Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 Relatos de casos Extrusão de dois incisivos centrais superiores permanentes: relato de caso Figura 6 - Radiografia dos dentes 11 e 21, Figura 7 - Controle radiográfico dos dentes 11 medicação intracanal dente 21 e 21, após um mês Figura 8 - Controle radiográfico dos dentes 11 e 21, após 6 meses Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 441 Thalia Ferreira Kreling; Carlos Estevan Cidral Stutz; Vânia Portela Ditzel Westphalen; Luiz Fernando Fariniuk; Ulisses Xavier da Silva Neto; Everdan Carneiro A proservação foi mensal, durante dois anos (Figuras 9 e 10). O 11 foi regularmente submetido a testes de sensibilidade pulpar, sem resposta positiva, e efetuado controle da medicação intracanal do 21. Observa-se avanço no desenvolvimento radicular e calcificação do canal, mesmo com resposta negativa ao teste de sensibilidade pulpar 11. Figura 9 - Controle radiográfico dos dentes 11 e 21, após 1 ano Figura 10 - Controle radiográfico dos dentes 11 e 21, após 2 anos Discussão e conclusão Os dentes foram reposicionados logo após a extrusão dentária, pois o período de tempo entre o trauma e o atendimento foi pequeno (aproximadamente uma hora). O procedimento não apresentou dificuldade e os dentes puderam ser recolocados totalmente em posição original. A contenção semi-rígida é indicada para este tipo de traumatismo, pois permite a movimentação funcional, além de ser passiva, atraumática e flexível, sugerindo-se permanecer pelo período de 15 dias (5). Os dentes com formação radicular incompletas têm maior possibilidade em manter a vitalidade pulpar quando sofrem extrusão, devido à grande amplitude do forame e conseqüente melhor vascularização (1, 3). A ausência da resposta ao teste de sensibilidade pulpar não é condição indicativa de 442 necrose (5), pois o tecido pulpar pode estar prejudicado devido ao trauma, pela desorganização do tecido pulpar (6), respondendo, assim, de maneira atípica. A resposta negativa do 11 ao teste de sensibilidade pulpar, até o momento, não significa necessariamente necrose pulpar, pois não existe nenhum sinal ou sintoma que a sugira, como alteração de cor do dente, imagem radiográfica de lesão periapical ou presença de fístula. Ao contrário, pode-se observar nas radiografias de controle que o desenvolvimento radicular é normal. No caso do 21, o mesmo apresentou abscesso dentoalveolar agudo, decorrente de necrose pulpar. O procedimento foi tratamento endodôntico com medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio, pois além da ação antibacteriana (7), ela impede e/ou dificulta a reabsorção inflamatória (1, 3, 8), estimulando, ainda, a formação de barreira Clin. Pesq. Odontol., Curitiba, v.2, n.5/6, p. 437-443, jul./dez. 2006 Relatos de casos de tecido duro na área apical, para posterior obturação do canal (1). O tempo de permanência da medicação intracanal depende da formação de barreira de tecido duro na região apical. Os controles continuam mensais, sempre objetivando trocar a medicação intracanal do 21 e a observação da evolução do 11. Referências 1. Andreasen JO, Andreasen FM. Texto e atlas colorido de traumatismo dental. Porto Alegre: Artmed; 2001. 770 p. 2. Estrela C. Ciência endodôntica. São Paulo: Artes Médicas; 2004. 230 p. Extrusão de dois incisivos centrais superiores permanentes: relato de caso 5. Flores MT, Andersson L, Andreasen JO, Bakland LK, Malmgren B, Barnett F. et al. Guidelines for the management of traumatic dental injuries. I. Fractures and luxations of permanet teeth. Dent. Traumatol. 2007; 23:66-71. 6. Cohen S; Burns RC. Pathways of the Pulp. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. 550 p. 7. Estrela, C; Pesce, HF. 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