efeito da competição na abundância de espécies de - PDBFF

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EFEITO DA COMPETIÇÃO NA ABUNDÂNCIA DE ESPÉCIES DE PEIXES ASSOCIADOS A BANCOS DE MACRÓFITAS EM UMA ÁREA DE VÁRZEA NA AMAZÔNIA CENTRAL Sabrina Outeda‐Jorge, Cassiano S. Rosa, Fernando Gonçalves, Heloisa Dantas Brum & Letícia Soares INTRODUÇÃO similaridade morfológica entre espécies inter‐específica pode ser um preditor das interações ocorre quando o recurso compartilhado competitivas entre elas (Stevens & por duas ou mais espécies é limitante Willing, 1999). A existência e até mesmo (Begon et al., 2006). Evidências empíricas a intensidade dessas interações de apontam que a competição por recursos competição inter‐específicas podem ser alimentares influencia a estruturação de inferidas baseando‐se na correlação uma comunidade, já que interações entre as abundâncias de espécies com competitivas morfologias similares em diferentes A competição afetam direta e indiretamente a abundância das espécies comunidades. (Stevens & Willing, 2000). O tipo de recurso alimentar utilizado por um de águas brancas, ricos em nutrientes e organismo está diretamente relacionado com pH relativamente neutro (Junk & às suas características morfológicas, que Piedade, 1997), são um ecossistema com indicam a habilidade de detectar, alta diversidade e abundância de manipular e processar o alimento macrófitas (Guterres et al., 2008). Os (Stevens & Willing, 1999). Se duas ou bancos de macrófitas desempenham mais espécies não são suficientemente uma distintas morfologicamente, os recursos ecossistema, servindo de abrigo, local de consumidos por elas possivelmente reprodução e fonte de alimento para serão similares e a competição inter‐
uma grande variedade de grupos específica poderá prevalecer (Stevens & animais, como insetos terrestres e Willing, a aquáticos, aves e peixes (Junk & Howard‐
abundância relativa dessas espécies Williams, 1984). No caso dos peixes, os (Begon et al., 2006). Dessa forma, por bancos de macrófitas são utilizados por ser uma boa indicadora de atributos várias espécies como berçário, refúgio e ecológicos (Stevens & Willing, 2000), a sítio de forrageamento (Junk et al., 2000), influenciando As várzeas, caracterizadas por rios função importante nesse 1997). Como a riqueza e a abundância de coletar todos os indivíduos de peixes espécies a encontrados. A área amostrada em cada macrófitas são altas (Pacheco et al., 2001; banco foi similar, pois foi determinada Rezende et al., 2007), espera‐se que a pelas dimensões da rede. competição seja um fator determinante da estrutura da comunidade em bancos em formol (10%) e identificamos todos os de macrófitas. indivíduos em nível de espécie. Duas de peixes Partindo espécies da associadas premissa com que Em laboratório, fixamos os peixes espécies de Gymnotiformes características (Brachyhypoponus sp. e Eipenmannia morfológicas semelhantes competem trilineata) foram agrupadas como se mais intensamente por recursos, o pertencessem a uma única espécie, pois objetivo deste trabalho foi testar a os indivíduos são muito parecidos hipótese de que a competição inter‐
morfologicamente. específica influencia a abundância de espécies ocasionais, que utilizam os peixes de bancos de macrófitas esporadicamente, macrófitas em um ambiente de várzea. assim como as residentes piscívoras e as Esperamos que quanto mais similar que ocorreram em menos de quatro morfologicamente for cada par de amostras. espécies simpátricas de peixes, maior somente nas espécies residentes e será a correlação negativa entre suas abundantes, e eliminamos espécies abundâncias. predadoras, já que nosso objetivo foi investigar interações de competição MATERIAL & MÉTODOS inter‐específica. associados a bancos Amostramos cinco bancos da Descartamos Dessa forma, Consideramos focamos similaridade macrófita Paspalum repens em áreas morfológica contínuas na margem interna do lago operacional para inferir a intensidade da Camaleão, na Ilha de Marchantaria, competição. localizada no rio Solimões, a cerca de 15 selecionamos quatro indivíduos ao acaso km da confluência com o rio Negro. e Utilizamos uma rede de lance (6,3 x 3,7 morfológicos: m, malha de 5 mm entre nós) para comprimento total e altura corpórea, circundar cada banco de macrófitas e relação entre comprimento da boca e coletamos como a as Para os uma cada seguintes relação variável espécie, dados entre comprimento da cabeça, posição da foram feitas no programa R (R boca (frontal, inferior ou superior), tipo Development Core Team, 2008). de dente (cuspidado, viliforme ou ausente), boca protrátil (presente ou RESULTADOS ausente) e categoria trófica (invertívoro ou onívoro). Para avaliar o grau de peixes: Ctenobrycon hauxellianus (156 similaridade indivíduos), Odontostilbe fugitiva (120 morfológica entre as Analisamos oito espécies de espécies, construímos uma matriz de indivíduos), distâncias euclidianas simples, com base indivíduos), Hyphessobrycon eques (30 nas características morfológicas obtidas indivíduos), Prionobrama filigera (23 para cada táxon, utilizando o método de indivíduos), agrupamento UPGMA. indivíduos), Gymnotiformes spp. (10 indivíduos) e Doras sp. (seis indivíduos). Para investigar o resultado da competição Aequidens Biotodoma sp. (64 sp. (14 inter‐específica, Quanto à similaridade morfológica, Doras quantificamos a abundância das espécies sp. e Gymnotiformes spp. foram mais em cada um dos cinco bancos de distintos quando comparados aos outros macrófitas amostrados. Analisamos o pares de táxons (Figura 1). Aequidens sp. quanto cada uma das espécies de peixes e Biotodoma sp., por outro lado, foram influencia a abundância das outras a as partir de uma matriz de correlação entre morfologicamente (Figura 1). Quanto à as abundâncias das espécies. Nessa influência do número de indivíduos de matriz, cada valor corresponde ao uma espécie sobre a outra, apenas 12 das coeficiente de correlação de Pearson 28 correlações entre as abundâncias das entre a abundância de cada par de espécies espécies nos cinco bancos de macrófitas negativos, cinco apresentaram valores amostrados. próximas de zero e seis apresentaram Utilizamos o teste de Mantel com valores positivos e altos (r > 0,800) 10.000 replicações para testar se havia (Tabela 1). Não houve correlação entre a algum efeito da similaridade morfológica similaridade morfológica das espécies e entre os táxons sobre as abundâncias suas abundâncias nos bancos de relativas dos mesmos. Todas as análises macrófitas (Mantel, r = ‐0,218; p = 0,811)
espécies mais apresentaram similares valores odontostilbe
Odontostilbe
fugitiva
Odontostilbe
sp.
Ctenobryconhauxellianus
hauxellianus
ctenobrycon
Ctenobrycon
Hyphessobrycon
eques
hyphessobryco
Hyphessobrycon
eques
Aequidens
aequidens
Aequidens
sp.sp.
Biotodoma
biotodoma
Biotodoma
sp.sp.
Prionobrama
filigera
prionobrama
Prionobrama
filigera
Gymnotiformes
gmnotiformes
Gymnotiformes
spp.
doradideo
Doradidae
Doras
sp.
0,0
1,0 1.5
1,5 2.0
2,0 2.5
2,5 3.0
3,0 3,5
0.0 0,5
0.5 1.0
3.5
Distância Euclidiana
Distância
Euclidiana
Distância
Euclidiana
hclust (* "average")
Figura 1. Dendrograma representando o grau de similaridade morfológica (distância euclidiana simples) entre os oito táxons de peixes amostrados em cinco bancos da macrófita aquática Paspalum repens em uma área de várzea na Amazônia Central. Tabela 1. Matriz de correlação entre as abundâncias de oito espécies de peixes associadas à macrófita Paspalum repens. Os valores referem‐se ao coeficiente de correlação de Pearson entre a abundância de cada par de espécies em cinco bancos de macrófitas. Aequidens sp. Biotodoma sp. C. hauxellianus O. fugitiva H. eques P. filigera Doras sp. Biotodoma sp. 0,226 ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ Ctenobrycon hauxellianus 0,131 0,972 ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ Odontostilbe fugitiva 0,022 0,848 0,930 ‐ ‐ ‐ ‐ Hyphessobrycon eques ‐0,780 0,062 0,185 0,438 ‐ ‐ ‐ Prionobrama filigera 0,044 ‐0,430 ‐0,443 ‐0,660 ‐0,625 ‐ ‐ Doras sp. ‐0,778 ‐0,037 0,094 0,371 0,993 ‐0,559 ‐ Gymnotiformes spp. ‐0,759 ‐0,180 ‐0,038 0,265 0,963 ‐0,550 0,987 DISCUSSÃO forrageamento permitem a coexistência A abundância de oito espécies de de muitas espécies em um mesmo local peixes associadas a bancos da macrófita (Townsend et al., 2003). Assim, espécies Paspalum simpátricas repens não parece ser e morfologicamente influenciada pela competição inter‐
similares podem forragear em locais específica. Para que exista competição, é diferentes, minimizando a competição necessário que o recurso compartilhado entre elas. A partição de recursos por duas ou mais espécies seja limitante poderia (Begon et al., 2006). No entanto, bancos associados a raízes de macrófitas fixas ao de macrófitas em várzea possuem alta substrato, tais como Paspalum repens, riqueza e abundância de espécies de que está parcialmente imersa na coluna macro‐invertebrados aquáticos (Junk, d’água durante o período de inundação e 1973; Junk & Robertson, 1997), que são cujas fonte de alimento para a maioria das profundidades (Guterres et al., 2008). espécies de peixes coletados neste Dessa forma, as espécies de peixes estudo (Junk et al., 1997). Assim, a alta podem estar segregadas espacialmente disponibilidade de recursos alimentares ao longo da coluna d’água, associando‐se nesses bancos de macrófitas pode à justificar o fato do número de indivíduos profundidades. No entanto, no presente de uma dada espécie não ser afetado estudo, o método de coleta aplicado não pela co‐existência com outras espécies nos morfologicamente que verticais nos bancos de macrófitas e, recursos portanto, não foi possível detectar se os provavelmente similares utilizam e acontecer raízes macrófita permitiu entre atingem em diferenciar peixes grandes diferentes estratos alimentares semelhantes. táxons estão segregados espacialmente no ambiente. A alta diversidade local de peixes associados a macrófitas pode ser explicada pela teoria de partição de inundação são altamente dinâmicos em recursos entre espécies simpátricas relação à disponibilidade de recursos (Zaret & Rand, 1971). Essa teoria prediz (Junk et al., 1989). No período de que hábitos transição de vazante para seca, há uma alimentares, de estratégias de obtenção redução gradual da área ocupada pelas de recursos ou de períodos para o macrófitas (C.P. Deus, com. pess.), o que a diversidade de Ecossistemas sujeitos a pulsos de implica em uma diminuição na Begon, M.; J.L. Herper & C.R. Townsend. disponibilidade de alimento e abrigo para 2006. Ecology: from Individuals to as espécies associadas. Essa redução de Ecosystems. Blackwell Scientific recursos no ambiente no final da vazante Publications, Oxford. pode gerar competição entre as espécies Guterres, M.G.; M. Marmontel; D.M. de peixes que vivem associados a Ayub; R.F. Singer & R.B. Singer. macrófitas. Dessa forma, é possível que 2008. Anatomia e Morfologia de as interações competitivas entre as Plantas Aquáticas da Amazônia espécies Utilizadas de peixes associados a como Potencial macrófitas variem de acordo com Alimento por Peixe‐Boi Amazônico. dinâmica do pulso de inundação na Instituto de Desenvolvimento várzea. Sugerimos que estudos futuros Sustentável Mamirauá, Belém. abordem as interações entre espécies de Junk, W.J. 1973. Investigation of the peixes durante o período de seca, ecology and production biology quando a disponibilidade de recursos é of the “Floating meadows” menor do que no período de vazante. Paspalu‐Echinochloetum on the Além disso, propomos que seja estudada Middle Amazon. II. The aquatic a distribuição espacial das espécies de fauna in the root zone of floating peixes nas macrófitas, a fim de investigar vegetation. Amazoniana, 4: 9‐112. a existência de partição espacial de recursos entre espécies Junk, W.J.; P.B. Bayley & R.E. Sparks. 1989. The flood pulse concept in morfologicamente similares. river‐floodplain systems, pp. 110‐
127. Em: Proceedings of the AGRADECIMENTOS International Agradecemos Cláudia Pereira de Symposium (D.P. Dodge, ed.). Deus e Glauco Machado pela orientação Canadian Special Publications of e auxílio no desenvolvimento deste Fishery and Aquatic Science. estudo, e Bruno Buzatto Large River pelas Junk, W.J. & C. Howard‐Williams. 1984. fotografias utilizadas na apresentação Ecology of aquatic macrophytes oral. in Amazonia, pp. 269‐293. Em: The Amazon REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Landscape Ecology of a Mighty – Limnology and Tropical River and its Basin (H. R Development Core Team. 2008. R: A Sioli, ed.). Dr. W. Junk Publitions, Language and Environment for Dordrecht. Statistical Junk, W.J. & M.T.F. Piedade. 1997. Plant Computing. Foundation life in the floodplain with special for R Statistical Computing, Viena. reference to herbaceous plants, Rezende, C.; D. Munari; J. Guevara; J. pp. 147‐185. Em: The Central Barbosa & A. Camacho. 2007. Amazon Floodplain (W.J. Junk, Assembléia de peixes associada à ed.). Springer‐Verlag, Berlim. macrófita Paspalum repens Junk, W.J. & B.A. Robertson. 1997. (Poaceae) em uma área de várzea Aquatic invertebrates, pp. 279‐
no Rio Solimões. Em: Livro do 298. Em: The Central Amazon curso de campo “Ecologia da Floodplain Floresta (W.J. Junk, ed.). Junk, W.J.; M.G.M. Soares & U. Saint‐
Paul. 1997. The fish, pp. 385‐408. The Floodplain Central (W.J. (J.L.C. Camargo & G. Machado, eds.). Springer, Berlim. Em: Amazônica” PDBFF/INPA, Manaus. Stevens, R.D. & M.R. Willing. 1999. Size assortment of New World bat Amazon Junk, communities. ed.). Springer‐Verlag, Berlim. Journal of Mammalogy, 80: 644‐658. Pacheco, A.M.F.; P.S. Pinheiro; L.M. Stevens, R.D. & M.R. Willing. 2000. Scoss; M. Camargo & P.C. Ceotto. Community structure, abundance, 2001. Estrutura da ictiofauna and morphology. Oikos, 88: 48‐56. associada a bancos de macrófitas Townsend, C.R.; M. Begon & J.L. Harper. flutuantes em uma área de várzea 2003. Essentials of Ecology. 2a ed. do Rio Solimões, AM. Em: Livro do Blackwell Science, Malden. curso de campo “Ecologia da Floresta Amazônia” (E. Zaret, T.M. & Rand, A.S. 1971. Competition in tropical stream Venticinque & J. Zuanon, eds.). fishes: support PDBFF/INPA, Manaus. competitive exclusion principle. Ecology, 52: 336‐342. Orientação: Cláudia Pereira de Deus & Glauco Machado for the 
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