Eu sou o que é o meu cérebro - Dr. Heleno Psicologo Criciúma, Dr

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“Eu sou o que é o meu cérebro”
O professor Egídio Romanelli aborda as deficiências, os distúrbios e as dificuldades na
aprendizagem, fala dos neurônios e como agem os neurotransmissores. Trata também
da criatividade do raciocínio e o embate entre razão e emoção, E entre outros temas
interessantes, explica ao leitor o que entende por janela de oportunidades.
O
professor Romanelli sempre é recebido com entusiasmo pelas pla-
téias de professores toda vez que pronuncia suas palestras, invariavelmente
entrecortadas por ruidosos aplausos. Talvez o bom-humor com que conduz suas
conferências faz dele uma estrela nos eventos educacionais de que participa.
Natural de Jaú, fez duas licenciaturas em Letras Clássicas e Filosofia e um
curso de pós-graduação lato sensu em Orientação Educacional em Nova Friburgo. Ganhou uma bolsa de estudos do governo francês, tendo cursado na Universidade de Toulouse o doutorado em Psicofisiologia (1965-1968). Casou-se em
Paris com uma jovem francesa e veio morar em Curitiba onde fundou e organizou o primeiro curso de Psicologia do Paraná, em 1969, na então Universidade
Católica do Paraná. Leciona nessa instituição há 36 anos ininterruptamente, hoje
como professor titular do curso de Medicina. Fez um pós-doutorado em neuropsicologia na Universidade de Montreal no Canadá (1997-1998). Aposentado da
Universidade Federal do Paraná, continua ativo como professor sênior do Mestrado em Educação, na área de Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento
Humano. Além de orientador de mestrandos e doutorandos de vários programas
de pós-graduação no Brasil e no exterior, vem atuando em muitos cursos de
especialização no treinamento de professores e profissionais liberais, bem como
em congressos e simpósios como conferencista.
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O professor Romanelli recebeu a reportagem de Psicologia Brasil depois de
uma concorrida e aplaudida conferência no 2º Congresso Internacional de Educação Infantil para a seguinte entrevista.
PB – Quando os neurônios dialogam entre si diz-se que há sinapse, na
verdade o local de contato entre os neurônios...
ER – Neurônio é a célula nervosa da comunicação. É o responsável pela
capacidade comunicativa do homem. Comunicativo significa tanto que recebe a
informação como produz e passa informação. Em resumo, o neurônio tem como
objetivo essa comunicação. Ele se desdobra em dois, faz qualquer negócio para
que realmente haja capacidade de se receber informações do meio, processar
as informações e dar uma resposta adequada.
PB – Como se dá essa ação?
ER – Como são muitos neurônios e pequenos começam então a transmitir a
informação pela sinapse. Sinapse é o contato químico, e não um contato físico,
entre uma e outra célula nervosa e é nesse contato químico que as mensagens
vão sendo transmitidas. Só que esse contato químico é feito através de neurotransmissores que modulam o nosso comportamento. Então, se você é uma
pessoa inteligente, pode ter certeza de que seus neurotransmisores valem-se
dos neurônios que, por sua vez, se utilizam de neurotransmissores que fazem
com que haja essa aprendizagem e você seja uma pessoa inteligente. Uma
pessoa não tão inteligente, com dificuldade de aprendizagem, pode ter certeza
que os esses neurotransmissores, que são substâncias químicas relativamente
complexas, numerosas, mais de 100, não estão trabalhando, é como se tivesse
pequenas fraturas entre eles e freqüentemente há um curto circuito e não há
passagem nenhuma.
PB – Posso depreender então que a inteligência é inata?
ER – Não. Há uma parte genética e essa genética depende da estimulação. Só a genética não resolve. Temos no Brasil crianças geniais, com potencial
genético fabuloso, que não dão em nada porque não são estimuladas, não têm
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escolarização. E também ficar malhando aquele sujeito que não tem a genética propícia, não se vai a lugar nenhum. Na inteligência humana há uma parte
genética, que é a base, que foi estimulada adequadamente. Posso dizer que um
bandido também, por exemplo, o Fernandinho Beira-Mar, é um gênio. Tem uma
genética da inteligência fabulosa, só que não teve escolarização, não teve ambiente afetivo, não teve nada disso, e então acabou um bandidão.
PB – Quando começa a Educação Infantil?
ER – Cem anos antes da criança nascer, pela educação da avó. O próprio
grande Napoleão disse isso, na verdade uma brincadeira para dizer: educa bem
a avó que vai educar um pouco melhor a filha, que finalmente vai acertar na neta.
Traduzindo, eu insisto muito que a educação começa antes do casal resolver
querer um filho. Porque se esse casal se ama, estão bem entre eles, esse filho
é realmente uma necessidade para consolidar o amor entre eles, pode-se ter
certeza que a gravidez vai ter um nível ideal. O parto vai ser bem acompanhado.
Desde que essa criança nasce ela vai ser estimulada. Casal bem desenvolvido
psicologicamente, digamos assim, que procura ter filhos desde a concepção até
o desenvolvimento da criança é o mundo ideal. São crianças que já nascem com
um potencial muito elevado, e vão ser muito inteligentes, vão ser líderes.
PB – Onde entra o educador?
ER – O educador, não o pai e a mãe, entra a partir do momento em que a criança chega às suas mãos, só que não educa só com a palavra, deve educar com
tudo. O educador tem de ser uma pessoa extremamente bem formada como
educador. Isso significa não só conhecimento, talvez menos importante que suas
atitudes, afetividade, incentivo que ele passa. Hoje, um professor que passa o
entusiasmo para o aluno, que o estimule a aprender - e ele vai meter a cara e
aprender –, é um excelente professor. Inclusive por uma razão muito simples. O
aluno tem de ser superior ao mestre, se não a ciência acaba. Se todo o aluno
for inferior ao mestre, amanhã a ciência não existe mais. Para mim, educador é
aquele que pega uma criança desde pequena e lhe transmite tudo que é como
educador. O que significa isso? Sentimentos positivos, esperança, otimismo, há
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uma esperança muito grande na humanidade. Ah, tem Bush nos Estados Unidos, o Brasil também está uma porcaria, guerra... Isto é visão muito míope. Se
pegarmos desde o tempo em que éramos macaquinhos e chegarmos até o que
nós somos, gente, que progresso!
PB – Falando do estímulo do professor, ouve-se com muita freqüência
crianças dizerem, por exemplo, tenho ódio de matemática ...
ER – Toda criança tem, por natureza, uma curiosidade enorme de aprendizagem, Nós somos animais curiosos, queremos saber, queremos aprender. A
matemática não é nada mais que a transcrição numérica da realidade. A criança
tem curiosidade pela matemática, a matemática é uma coisa natural. Toda criança deveria adorá-la. Onde está o erro? Vejo dois erros: primeiro na estimulação
dessa criança, a psicomotricidade é essencial para desenvolver áreas cerebrais
importantes que são a base da compreensão da aritmética. Muitas crianças hoje
não têm esse desenvolvimento adequado.
Seria a criança poder descobrir seu próprio corpo, poder desenvolver todas as habilidades. Então, imagine uma criança que é guardada pela babá eletrônica, oito horas por dia. Vai começar a assistir tv sentada, daqui a pouco se
vira, depois se deita e vai terminar com os pés lá na frente de costas para a
tv, ou seja, tudo invertido, e por quê? Porque não tem oportunidade de desenvolver sua motricidade. Segundo, observe um fato, quem vai iniciar a criança
na matemática, na aritmética é alguém que fez um curso superior que não tem
matemática e que dá graças a Deus, nunca mais ver essa porcaria. Porque teve
uma má experiência nos seus próprios estudos e guardou isso até no seu inconsciente como matemática sendo um negócio chato. Então, quando está ensinando à criança as quatro operações, leciona sem entusiasmo e não transforma
a aula em algo estimulante.
PB – E o que fazer para as aulas de matemática serem estimulantes?
ER – Pelo fato da matemática ser uma coisa natural e tão maravilhosa, ser
tão fabulosa pois é a imagem do mundo, os matemáticos não entendem por
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que existe alguém que não entende matemática. Freqüentemente, o professor
da matéria é uma pessoa muito racional que a vê com aquela clareza cristalina.
Falta-lhe, talvez, a habilidade de se colocar no lugar da criança com problemas
de aprendizagem e dar aqueles passinhos fáceis para livrá-la da dificuldade. Isto
pode ser comprovado com a quantidade de professores especializados em tirar
dúvidas, em tirar traumas de matemática, e que desenvolvem novas maneiras
de eliminar aquela questão de que é uma coisa chata. Aula de matemática deveria ser 99% na rua e 1% em sala de aula. Na rua ela vai descobrir para que serve,
vai pagar, vai fazer continhas, adquirir, juntar, tirar. Talvez eu acrescentasse mais
uma: os professores exigem às vezes cálculos mais abstratos no momento em
que a criança não desenvolveu plenamente o seu raciocínio abstrato.
PB – Hoje a informática invade os espaços, a criança passa bom tempo
com os jogos eletrônicos e ela é fonte de informações. O computador vai
substituir o professor?
ER – Impossível. O computador não tem nada de afetivo. Mesmo que o computador falasse ‘parabéns!’ e soltasse uns foguinhos, isso não vale nada para
desenvolver a afetividade de um animal. O animal precisa do toque, de alguém
que module a voz, que diga que está feliz com ele. Precisaria explicar tudo isso
para o computador, e com mãos de borracha fazendo um afago na criança, imitando a pele humana. Ainda assim, estaria muito longe do que é um professor.
PB – Isso nos leva a questão da razão versus emoção. Descartes falava
em ‘cogito ergo sum’. ‘Sentio ergo sum’ também vale?
ER – A memória da criança é, antes de mais nada, uma memória afetiva.
Sabe aquela brincadeira que eu conto às professoras – prefere o loiro ou o moreno? Mas como sei se prefiro o loiro ou o moreno? São as experiências que se
teve. Você não pode formular: eu me lembro, eu tinha um ano de idade, chegou
em casa um moreno que me trouxe uma caixa de bombons, deu-me um abraço
e, por isso, eu adoro morenos. Houve na sua experiência uma vivência que marcou sua memória afetiva, que é muito mais forte do que a gente pensa.
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Vamos falar da intuição feminina. É a capacidade da mulher... ela não tem
um raciocínio para dizer ‘eu vi assim, assim, logo concluí isso’ É alguma coisa
que se passa em seu cérebro e ela diz: ‘é assim’. Prova que é assim; ou ela diz:
‘não sei’. A tal da intuição feminina definida por Orson Wells como o resultado de
um milhão de anos, sem pensar. É uma brincadeira que diz que a mulher intui
mas não pensa. Hoje a neuropsicologia explica que a mulher vê detalhes que
o homem não vê. O cérebro dela processa isso muito rapidamente, bota muito
sentimento nisso porque a percepção dela é afetiva, que o homem não tem.
PB – Então o homem é cartesiano?
ER –É o que disse o Descartes. Hoje posso dizer, sem dúvida alguma, que a
mulher tem o hemisfério direito mais desenvolvido que o homem. Mais isso não é
uma inglória, pois quando descobriram que o cérebro esquerdo é o da linguagem
e chamaram de dominante – quem disse isso foi um francês, Brocard – estava
na linhagem de Descartes, mas o século passado amanheceu dizendo: ‘mas é
o direito que é o mais importante’. O não dominante é que vale.
PB – A educação infantil é ministrada em mais de 95% por mulheres. Os
homens não têm espaço nesta área?
ER – Deveriam ter, do mesmo modo que a mulher, em todos os campos
profissionais. E vou mais longe, quem fez a França depois de Napoleão foi o
‘instituteur’, professor da escola primária, eram mais homens do que mulheres.
Eram valorizados e bem pagos. Na verdade, o homem sempre fugiu de qualquer
ocupação ou trabalho que não fosse bem remunerado. Afinal, coube ao homem,
historicamente, a missão de manter a casa e a família, e por isso sempre procurou ocupações bem remuneradas. Se no Brasil começassem a remunerar bem
a escola primária, encheria de homens, mas como não é...
PB – A realidade brasileira mostra uma grande quantidade de famílias
monoparentais, em que a mãe é a única provedora. Como fica a parte afetiva e emocional?
ER – É da natureza humana, desde que nascemos, descobrir que se tem um
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pai e uma mãe. O homem tem uma percepção de mundo diferente da mulher. A
grande diferença entre o cérebro masculino e feminino é a percepção, a maneira
de ver o mundo. A educação global da criança tem de ter um modelo masculino.
Como um menino vai saber o que é ser um homem quando ele for adulto? O pai.
E como ele vai saber como escolher uma mulher um dia? É o modelo feminino
que ele traz em seu cérebro, o modelo da mãe, que vai ajudá-lo nessa escolha. O
que acontece quando não tem pai. Como na guerra, quando os homens morrem
e ficam só as mulheres? Quando há essa falha, é necessário haver um padrão
masculino para a criança. Às vezes um avô, um tio, um outro casamento talvez
possa ajudar. A criancinha de hoje tem de ser educada para daqui cem anos, os
homens ficarem ‘grávidos’, os homens assumirem a importância que têm dentro
de casa e não como complemento da mulher... os dois juntos. Resumindo, é um
mal para o País, hoje, 60% das famílias terem como padrão monoparental só a
mulher. Vamos pagar um preço alto por isso. A mãe não pode ser pai e mãe ao
mesmo tempo. Pode ser provedora mas isso não significa ser pai. Ser pai significa ser um homem que cuida da criança.
PB – Havia na tradição brasileira a figura da madrinha e do padrinho
que substituiriam a mãe e o pai em qualquer eventualidade. Na sua opinião
isto vem se perdendo?
ER –- Era uma instituição da Igreja e que colocou isso muito sabiamente. Na
hora em que a pessoa era batizada, que entrava oficialmente como membro da
Igreja, tinha os pais que a traziam e era batizada com o pai e a mãe presentes.
Quem a pegava no colo eram os padrinhos; justamente para garantir qualquer
eventualidade.
E se os pais falharem? Também nesse caso a Igreja é muito sábia. Se os
pais falharem tem os padrinhos como substitutos. Infelizmente, hoje falta muito
essa conotação religiosa, uma dimensão que em Psicologia nós chamamos de
transcendental para evitar qualquer outra conotação. A necessidade que o ser
humano tem de uma ligação além da vida dele. A gente é um bichinho tão pequeno e frágil que qualquer coisa, morre. Mas ao mesmo tempo é um bichinho inteli-
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gente e capaz. Então analisa e não aceita que sua vida é uma vida de cachorro.
Nasceu, cresceu morreu e acabou. Sem dúvida, nós não somos mesmo um
bichinho, o destino está fora da gente. Ter essa direção transcendental confere
esperança, alegria. Fiz essa colocação religiosa para poder entender o papel do
padrinho. O padrinho é o responsável por dar continuidade à educação religiosa
das crianças. Vamos supor um casal que não acredita em Deus, que não tem
uma vivência religiosa, seria muito importante que dissesse a um casal de amigos: ‘olha se nós viermos a faltar, venha aqui, pegue as crianças, leve-as a passear, a almoçar’. Há hoje uma grande falta do espírito religioso, e o que é pior,
há um apego a religiões anti-humanas. Toda religião é boa se ajuda o homem a
ser mais homem.
PB – O senhor tem reiteradamente mencionado em palestras que seus
filhos estudaram em colégio jesuíta, o Medianeiro, em Curitiba ...
ER – É que nessa escola, da 1ª a 4ª séries, o objetivo número um é tornar as
crianças leitoras. E tem sucesso. As crianças encontram prazer na leitura.
PB – Para que leitura se temos a tv, o vídeo, o computador, as imagens?
ER – A leitura é muito necessária. O áudio visual, a tv são descobertas humanas sensacionais. São elementos de estimulação e eu até indico, porém, com
uma condição: que seja em doses homeopáticas. Quando se assiste à tv, tem-se
um áudio visual que resolve o problema. Assisti ao filme da Branca de Neve, ela
estava com uma roupa assim... assim. Como fica sua imaginação? Quando leio
um livro crio a minha Branca de Neve que é muito diferente da sua. Crio, sou ativo, estou usando todos as partes cerebrais. Então a tv serve como um elemento
a mais, mas é muito pobre, não pega a percepção, a sensação. Não tem nada
de mais interessante do que uma leitura que cause prazer. Eu sou o que é o meu
cérebro. E o meu cérebro é o que eu sou. Isso significa que o meu cérebro trabalha quimicamente, se você é um sujeito legal, feliz da vida, cheio de entusiasmo,
ajoelhe-se de manhã cedo e diga ‘muito obrigado química cerebral’. Infelizmente,
ou felizmente, Deus é que fez assim, tudo é química cerebral. Quem faz essa
modulação desses sentimentos positivos ou negativos são os neurotransmisso-
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res. Quando uma criança tem prazer na leitura, esse prazer joga no cérebro da
criança substâncias químicas chamadas endorfinas que causam uma satisfação
tão grande que eu posso até dizer que é semelhante aos grandes prazeres que
se tem como o prazer sexual. O orgasmo é uma descarga de endorfina que não
tem tamanho, uma leitura, uma satisfação.
PB – Se é tão prazeroso, por que se lê tão pouco?
ER – O momento de aprender a gostar da leitura é da 1ª a 4ª séries. Ninguém vai ler quando entrar na faculdade se não tiver aprendido a gostar de ler
nas séries iniciais. Na verdade, nem os alunos que entram num curso superior
de letras gostam da leitura. Somos um País analfabeto, porque um país que não
sabe ler e escrever é um país analfabeto.
PB – A porta de entrada da seqüência imaginação, linguagem, memória,
pensamento, raciocínio, criatividade são os sentidos. O que ocorre quando
falta um sentido, por exemplo, a visão?
ER – Quando falta um sentido os que sobram se desenvolvem mais. Um
cego tem uma percepção auditiva fora do normal. Eu estive no Instituto Padre
Chico, e me lembro que um ceguinho nos guiou pelos corredores. Conhecia tudo
com detalhes. Afirmou que era capaz de identificar pessoas. Vinha andando uma
irmã e ele disse ‘bom-dia irmã Ernesta’. Perguntei: ‘como você sabe que é a irmã
Ernesta?’, ‘pelo ritmo do andar’.
Em Curitiba tive um aluno cego que atravessava uma rua muito larga, com
carros nos dois sentidos, e ficava pasmo de ver que era capaz de atravessar
sem esbarrar em ninguém. Pelo barulho é que se guiava.
PB – Há algum tempo se fala, com relação aos deficientes, em politicamente correto. E o senhor usou a expressão ceguinho, quando o correto
seria utilizar deficiente visual.
ER – Por duas razões, primeiro porque eu acho isso de politicamente correto
um americanismo sem nenhum sentido em um País como o nosso, que é muito
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mais afetivo. Quando falo ‘neguinho’ não há nenhum desprezo porque não tenho
preconceito racial. Eles é que têm preconceito racial. O americano tem uma
cabeça cheia de preconceitos, a educação do americano é preconceituosa. Falando em bom português, é uma pena que, hoje, num país de valores humanos,
mande um presidente que ‘fala com Deus’.
PB – Fale um pouco do superdotado. Como lidar com o gênio genético
e as emoções?
ER – Cheguei à conclusão de que eu não sei o que é mais difícil para uma
família, ter uma criança com cuidados especiais, deficiente mental, ou um superdotado. O superdotado tem uma genética diferente, nasce com um cérebro
diferente, tem algumas áreas onde tem o ponto de partida fabuloso. O superdotado é um indivíduo privilegiado geneticamente porque tem um cérebro muito
desenvolvido em determinadas áreas que nascem com uma estrutura privilegiada. Mas isto traz alguns problemas, por exemplo, ele é espetacular em cálculos, mas tem uma letra que ninguém decifra, garranchos, ruim na linguagem,
reprovado em português. Acaba se desarticulando da vida dos outros ditos normais. Para os pais também é difícil. Imagine que você tem um filho superdotado
em matemática, aos 4 anos vai exigir que você faça uns diferenciais, já pensou
como fica do ponto de vista da emoção. Essa superdotação valoriza de tal modo
certas habilidades intelectuais que a parte afetiva dessa criança aflora menos.
Não sei se os pais não o pegaram no colo, não usaram o tato, mas a parte afetiva
dessas crianças normalmente fica abaixo do que deveria. São crianças que, às
vezes, têm dificuldade para namorar, de se relacionar com o parceiro.
PB – Alfabetização começa com 7 anos, e por que não com 6 ou 8? Os
pais e educadores devem apressar a alfabetização?
ER – Quem diz a idade da alfabetização é o cérebro. Tem professora que dá
uma folha e um lápis ao seu filho e de repente, aos 5 anos, essa criança já sabe
escrever e ler. Há crianças que podem aprender a ler e escrever com 5 anos, até
mesmo sozinhas, outras com 6, estatisticamente a média é com 7. Sou contra
a alfabetização meio imperativa que denota duas coisas – ou uma neurose da
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mãe, que está louquinha para que o filho aprenda a ler e escrever com 6 anos,
porque vai passar no vestibular com 16, vai ser médico com 21... que glória! Ou,
às vezes, concorrência comercial entre as escolas, se eu não alfabetizar com 6
anos meu filho não entra na escola X, famosa, porque lá só se aceita na 1ª série já
alfabetizado. Eu vi no Rio de Janeiro uma escola que estava com uma fila de mães
e crianças que dava volta no quarteirão. Pensei que era uma festa, mas não, ia
ter vestibulinho. Isto significa que todas aquelas menininhas e menininhos tinham
sido alfabetizados para passar no vestibulinho, e isso é um absurdo total.
PB – O senhor poderia explicar o conceito de janelas de oportunidades?
ER – Utilizei esse termo a pedidos, pois há professoras que não têm estudos muito avançados. O termo técnico é estimulação essencial ou precoce. Não
significa que eu vou estimular a criança antes do tempo. A janela de oportunidades é expressão que está sendo muito usada, é aquele momento em que uma
determinada área cerebral amadurece, isso é cronológico, isso significa que o
cérebro amadurece antes das áreas secundárias, por exemplo, da percepção.
Então, para uma determinada área cerebral amadurecer significa que todo comportamento que ela controla, se for estimulado, a resposta é 100%.
Vamos supor qual é a janela da oportunidade para aprender a falar: dois
anos. Eu posso começar mais cedo, porque na hora que a mãe está cantando
com o bebê na barriga já está ensinando a falar e está desenvolvendo o cérebro
a falar, aprender uma língua. Com dois anos de idade é o momento fabuloso,
porque o cérebro grava o que está a sua volta, mas eu não aprendi língua nenhuma com dois anos, com 25 anos eu vou estudar inglês. A oportunidade ficou
lá trás. Vai dar um duro danado e o rendimento será muito ruim. Com dois anos
não seria difícil, era espontâneo e aprenderia perfeitamente.
PB – Por que o senhor coloca criatividade num patamar acima do
raciocínio?
ER – O raciocínio é um pensamento lógico, é algo que realmente exprime
a realidade. Na verdade, o raciocínio é o resultado de uma inteligência que é
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capaz de ver a realidade e vai descobrindo os elos, as causas, os fenômenos
e dá uma explicação. A criatividade vem além disso, é usar desse raciocínio
lógico para criar coisas novas. Portanto, a criatividade é um raciocínio inovador.
Criatividade significa inovação, caminho novo, só com o raciocínio lógico não se
propicia isso. Então, é o raciocínio lógico inspirado por uma imaginação muito
fértil. Para mim, criatividade é uma inteligência muito aguda unida a uma imaginação extremamente forte.
PB – Pedir que uma professora tenha método e, além disso, sensibilidade e uma série de qualidades, não é exigir muito?
ER – Absolutamente não. Depois de 40 anos de magistério chego à conclusão de que ser professor é coisa para super-homem. Teria de ter capacidade
de entender o aluno, ver o que se passa no cérebro dele, transformar isso para
que ele entenda, que ele cresça. Realmente acho que ser professor exige uma
preparação fabulosa e isso nunca termina. Lástima é que uma nação inteira depende desse educador, e por ser mal remunerado passa-se o seguinte: ‘gente,
não encontrei emprego de qualquer coisa, então vou ser professora’. Devia haver um decreto, um vereador só pode ganhar o que ganha uma professora por
40 horas semanais. Ou eles abaixam o salário deles ou aumentam o delas. De
resto, o mais importante do professor é motivar o aluno, estimula-lo a ler, a estudar. Se conseguir isso, estamos salvos. E não vai conseguir isso se não for ao
mesmo tempo muito afetiva.
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