GRAVEL ISSN 1678-5975 Setembro - 2015 V. 13 – nº 1 15-25 Porto Alegre Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS Scottá, F.C.1,2; Rockett, G.C.1,2; Portz, L.3 & Cardia, V.C.4 1 Departamento de Geodésia/IGEO/UFRGS, Programa de Pós-Graduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 3 Laboratório de Gerenciamento Costeiro – LABGERCO/CECO/IGEO/UFRGS, 4 Profill Engenharia e Ambiente. 2 E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]. Recebido em 11 de maio de 2015; aceito em 10 de setembro de 2015. RESUMO A utilização de produtos de sensoriamento remoto aliados a técnicas de geoprocessamento estão sendo cada vez mais utilizados para análise da superfície em regiões costeiras, inclusive para a aquisição de parâmetros morfológicos e de migração de dunas. Neste contexto, este estudo tem por objetivo avaliar o deslocamento do campo de dunas na linha de contato com a Lagoa do Peixe, Rio Grande do Sul (RS), durante o período de 1986 até 2014, através de dados de sensoriamento remoto orbital. Utilizou-se imagens oriundas de sensores a bordo dos satélites LANDSAT 5, 7 e 8. As imagens foram inseridas em um projeto em Sistema de Informações Geográficas (SIG) após o processamento e registro. A análise visual das imagens possibilitou a identificação da área de dunas dentro do Parque Nacional da Lagoa do Peixe nos diferentes anos e, de acordo com o comportamento do mesmo ao longo dos anos, a área foi seccionada em 7 setores distintos. A diferença de área de dunas foi calculada para os sete setores analisados. Ao sul da desembocadura da Lagoa foi verificada uma maior movimentação do campo de dunas, quando comparado com as áreas ao norte da Lagoa. Tal fato se deve à presença de vegetação exótica Pinus sp. (introduzida pelo homem) entre a margem leste da lagoa e o campo de dunas, influenciando na dinâmica do campo de dunas, e consequentemente da lagoa. ABSTRACT The use of remote sensing products combined with geoprocessing techniques are increasingly being used to analyze the surface in coastal regions, including the acquisition of dunes morphological and migration parameters. This study aims to evaluate the mobility of the dunefield in contact with the “Lagoa do Peixe” lagoon, Rio Grande do Sul (RS), during the period 1986 to 2014, through orbital remote sensing data. Images from sensors on board satellites Landsat 5, 7 and 8 were used in this research. After processing and register, images were added into a Geographic Information System (GIS) project. Visual image analysis allowed the identification of the dunefield area inside the “Lagoa do Peixe” National Park in the different years and, according to its behavior during the years, the study area was divided into 7 different sectors. Difference in the dunes area was calculated for each sector. In the southern part of the study area, a larger mobility of the dune field has been verified, when compared to the northern part of the study area (north of the lagoon outfall). This is due to the presence of exotic vegetation Pinus sp. (introduced by man) between the east margin of the lagoon and the dunefield, influencing the dunefield and consequent lagoon’s dynamics. Palavras chave: Dunas, Sensoriamento Remoto, Sistema de Informações Geográficas. 16 Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS INTRODUÇÃO A Planície Costeira do Rio Grande do Sul (PCRS) é constituída por quatro sistemas lagunabarreira que se desenvolveram nos últimos 400 ka, durante o Quaternário (Villwock & Tomazelli, 1995). Sua área total é de 33.000 km2, sendo a mais ampla planície costeira do território brasileiro, e sua linha de costa se estende desde Torres até o Chuí, totalizando 620 km de extensão. O último sistema laguna-barreira (Sistema IV) começou a se formar há cerca de 18 ka, no Holoceno, e encontra-se ativo atualmente. As feições geomorfológicas mais comuns na PCRS são os cordões litorâneos (beach ridges e foredune ridges) e os campos de dunas transgressivos (transgressive dunefields) (Villwock, 1984; Villwock & Tomazelli, 1995, Hesp et al., 2005; 2007). Estes ambientes possuem grande valor paisagístico, constituem áreas de proteção permanente (APPs) e são protegidas por lei nacional (Código Florestal Brasileiro – Lei 12.651/2012; Resolução nº 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA), sendo importantes redutos ecológicos. Os campos de dunas, apesar de extensos e presentes em toda a extensão da PCRS, apresentam poucos estudos para a sua compreensão evolutiva, morfológica e morfodinâmica; alguns exemplos encontram-se nos trabalhos de Tomazelli (1990; 1994) e Martinho et al. (2008; 2010). O monitoramento e/ou estimativa do deslocamento de dunas na Planície Costeira (PC) já foram realizados no território brasileiro, utilizando-se diferentes métodos de investigação, com aquisição de dados diretos e/ou indiretos. Alguns exemplos são os estudos de Tomazelli (1990; 1993 e 1994), Guimarães (2005) e Martinho et al. (2008, 2009 e 2010) na PCRS; Giannini & Santos (1994) e Martinho (2004) na Planície Costeira de Santa Catarina; Castro (2004) e Meireles (2011) na PC do Ceará; Carneiros et al. (2012) e Fernandes & Amaral (2013) na Planície Costeira do Rio Grande do Norte, entre outros. A utilização de produtos de sensoriamento remoto aliados a técnicas de geoprocessamento estão sendo cada vez mais utilizados para análise da superfície em regiões costeiras. Com a disponibilização gratuita das imagens LANDSAT (TM e ETM+) ao público, estas estão sendo utilizadas em diversos estudos, para a aquisição de parâmetros morfológicos e de migração de dunas (Parker Gay, 1999; Levin et al., 2004; Yao et al., 2007; Mohamed & Verstraeten, 2012). Este estudo tem por objetivo avaliar o deslocamento do campo de dunas na linha de contato com a Lagoa do Peixe, RS, durante o período de 1986 até 2014, através de dados de sensoriamento remoto orbital. ÁREA DE ESTUDO GEOLÓGICO E CONTEXTO O Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP), localizado no litoral médio do Rio Grande do Sul, possui área total de 36.721,71 hectares (ICMBIO, 2013), abrange a porção litorânea dos municípios de Tavares e Mostardas (Fig. 1). O PNLP foi criado em 1986, pelo Decreto nº 93.546, tendo como objetivo proteger as espécies de aves migratórias e os ecossistemas litorâneos do Rio Grande do Sul (PNLP, 2013). A Lagoa do Peixe é o principal corpo de água do PNLP, sendo esta uma feição geomorfológica do tipo laguna que possui ligação direta e sazonal com o Oceano Atlântico, apresentando variação espacial da área alagada relacionada com a variação da precipitação pluvial presente no local (Portz et al., 2011a). O Parque compreende também áreas de campo de dunas, de mata de restinga e de banhados (PNLP, 2013). As dunas recobrem cerca de 45% da área do Parque (Moraes, 2009) e constituem depósitos de areia quartzosas inconsolidadas, formando uma faixa contínua ao longo de toda a restinga do PNLP. Estas dunas são bastante salientes e estão melhor representadas ao norte da barra da Lagoa do Peixe. Estão presentes nesta área dunas barcanas com alturas superiores a 15 m e orientadas perpendicularmente à direção do vento NE (PNLP, 2013). A formação dos campos de dunas nesta região é favorecida pelo alto aporte de sedimentos ocasionados pela erosão da linha de costa e a consequente retrogradação da barreira, juntamente com a baixa umidade e o alto potencial de deriva eólica, observados nesta região (Martinho, 2008). GRAVEL Scottá et al. 17 Figura 1. Localização da área de estudo junto a Lagoa do Peixe e a área de delimitação do parque nacional. O clima da região é do tipo C (subtropical úmido) na classificação de Köppen, caracterizado por uma temperatura média anual de 17,5ºC, apresentando os meses de janeiro e fevereiro como os meses mais quentes e junho e julho como os mais frios. A precipitação varia entre 1150 e 1450 mm, bem distribuídas ao longo do ano (Tagliani, 1995). A análise do padrão de ventos, com base em dados do banco nacional de dados oceanográficos da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil para a estação de Mostardas/RS, período de março de 1957 a maio de 2000 – mostra uma variabilidade na direção dos ventos incidentes, embora os ventos de NE-E e S-SW sejam os mais importantes (Martinho, 2008) (Fig. 2). Ventos de NE são os mais frequentes (17,3%), seguidos dos ventos de S (10,7%) e de E (10,4%) – os quais, juntos, produzem uma deriva resultante para W. Ainda, em comparação com dados de outras estações meteorológicas localizadas ao longo da costa do Rio Grande do Sul, Mostardas é região vais “ventosa”, com altas frequências de ventos com velocidades superiores a 14 m/s e com o menor número de calmarias (Martinho, 2008). MATERIAIS E MÉTODOS Para o desenvolvimento deste estudo foram utilizadas imagens orbitais multiespectrais de média resolução espacial, da série de satélites LANDSAT. As imagens utilizadas são provenientes de sensores a bordo dos satélites LANDSAT 5, 7 e 8, os quais possuem características distintas (Tab. 1). O sensor TM (Thematic Mapper) esteve a bordo do satélite LANDSAT 5 imageando a superfície terrestre desde seu lançamento em 01/03/1984 até novembro de 2011, quando a degradação de componentes eletrônicos do sistema impediu o fornecimento de imagens a partir de então (USGS, 2014). Sete bandas espectrais deste sensor estão disponíveis: bandas 1-5 e 7 com resolução espacial de 30 m e banda 6 com resolução espacial de 120 m. O sensor ETM+ (Enhanced Thematic Mapper Plus) está a bordo do satélite LANDSAT 7, lançado em GRAVEL 18 Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS 15/04/1999. Oito bandas espectrais deste sensor estão disponíveis: bandas 1-5 e 7 com resolução espacial de 30 m, banda 6 com resolução espacial de 60 m e banda 8 com resolução espacial de 15 m (USGS, 2014). O sensor OLI (Operational Land Imager) está a bordo do satélite LANDSAT 8, lançado em 11/02/2013. Nove bandas espectrais são disponibilizadas por este satélite, sendo as bandas 1-7 e 9 com resolução espacial de 30 m e a banda 8 (pancromática) com resolução de 15 m. Norte 20 % 16 % 12 % 8% Velocidade do Vento (m/s) 4% Leste Oeste >= 17,5 14,4 – 17,5 11,1 – 14,4 8,8 – 11,1 5,7 – 8,8 3,6 – 5,7 2,1 – 3,6 0,5 - 2,1 0,1 - 0,5 Sul Calmarias 1,83 % Figura 2. Rosa dos ventos (direção, frequência e velocidade dos ventos) para a estação meteorológica de Mostardas-RS para o período de março de 1957 à maio de 2000 (Martinho, 2008). Tabela 1. Informações sobre os Sensores TM, ETM+ e OLI dos satélites LANDSAT (USGS, 2014). Sensor Bandas Espectrais ETM+ TM ETM+ OLI Banda 1 Banda 2 Banda 3 Banda 4 Banda 5 Banda 6 Banda 7 Banda 6 Banda 8 Banda 1 Banda 2 Banda 3 Banda 4 Banda 5 Banda 6 Banda 7 Banda 8 Banda 9 Resolução Espectral 0.45-0.52 μm 0.52-0.60 μm 0.63-0.69 μm 0.76-0.90 μm 1.55-1.75 μm 10.4-12.5 μm 2.08-2.35 μm 10.4-12.5 μm 0.52-0.9 μm 0.43-0.45 μm 0.45-0.51 μm 0.53-0.59 μm 0.64-0.67 μm 0.85-0.88 μm 1.57-1.65 μm 2.11-2.29 μm 0.50-0.68 μm 1.36-1.38 μm Para a análise temporal da área de estudo, fezse a seleção de quatro imagens orbitais da órbitaponto 221-82, com intervalo aproximado de 10 anos entre elas, a partir do ano de 1986 (Tab. 2). As imagens foram adquiridas gratuitamente no Resolução Espacial Resolução Temporal Faixa Imageada 16 dias 185 x 172 km 30 m 120 m 30 m 60 m 15 m 30 m 15 m 30 m endereço eletrônico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE (http://www.dgi.inpe.br/CDSR/). As bandas 8 (dos sensores ETM+ e OLI) permitem a realização de um processamento de GRAVEL Scottá et al. melhoramento de resolução espacial nas demais imagens, denominado fusão de imagens. Assim, este procedimento foi realizado nas imagens dos anos de 2002 e 2014, visando o aumento da resolução espacial das cenas para 15 m. Na imagem de 2002, a fusão da banda pancromática 19 (banda 8) com as bandas 2, 3, e 4 foi realizada. Para a imagem de 2014, a banda pancromática (banda 8) foi fusionada com as bandas 3, 4, e 5. A fusão das bandas gerou composições coloridas, que auxiliaram na posterior etapa de análise visual. Tabela 2. Imagens orbitais utilizadas neste estudo. Ano 1986 1995 2002 2014 Data de aquisição da imagem 10/12/1986 19/12/1995 12/11/2002 21/01/2014 Satélite-Sensor LANDSAT 5 – TM LANDSAT 5 – TM LANDSAT 7 - ETM+ LANDSAT 8 – OLI Todas as imagens foram registradas na projeção UTM 22 Sul, com a cena de 2002 sendo escolhida como base para registrar as outras cenas. Os pontos de controle utilizados e o erro médio quadrático de cada registro são apresentados na Tabela 3. Tabela 3. Número de pontos e erro médio quadrático de cada imagem. Data de aquisição da imagem 10/12/1986 19/12/1995 21/01/2014 Nº de pontos 20 15 15 Erro médio quadrático 0,61 0,59 0,71 Após o processamento das imagens orbitais e registro, as mesmas foram inseridas em um projeto em Sistema de Informações Geográficas (SIG). A análise visual das imagens possibilitou Resolução espacial 30 m 30 m 15 m 15 m Bandas espectrais utilizadas RGB432 RGB432 RGB432 RGB543 a identificação da área de dunas dentro do Parque nos diferentes anos, e, em ambiente SIG, foram gerados arquivos vetoriais (do tipo “linha” e “polígono”) para a classificação manual destes limites. Para cada imagem, foi gerado um Plano de Informação (PI) referente à área de dunas livres dentro dos limites do PNLP. Os descolamentos do campo de dunas, foram medidos manualmente no aplicativo ArcGIS™ 10, considerando-se o limite entre a Lagoa do Peixe e campo de dunas. Com os polígonos gerados, fez-se o cálculo da área do campo de dunas em km² para cada PI. Por fim, foi realizada a análise quantitativa e qualitativa dos resultados obtidos. Por apresentarem comportamentos diferentes, sete setores do campo de dunas do PNLP foram analisados separadamente (Fig. 3). As etapas do estudo constam na Figura 4. Figura 3. Divisão do campo de dunas em setores. GRAVEL 20 Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS Figura 4. Etapas do estudo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados encontrados neste estudo demonstram diferentes comportamentos do campo de dunas ao longo da área analisada. Comportamentos diferenciados na movimentação do campo de dunas são encontrados nos setores 1 a 5, estando estes setores localizados ao sul da desembocadura da Lagoa do Peixe. Os setores 1, 3 e 5 apresentaram deslocamento no sentido sudoeste (Fig. 5), atingindo a área alagada da Lagoa do Peixe. É possível observar nas imagens mais recentes que a largura da Lagoa do Peixe nesses setores foi reduzida devido ao avanço do campo de dunas sobre a área alagada. Esses setores respondem ao regime predominante de ventos de nordeste na região, conforme mostrado por Tomazelli (1993), provocando a movimentação do campo de dunas em direção oeste e sudoeste. Esses resultados são consistentes com os de Arejano (2006), que apresenta como provável cenário futuro o desaparecimento do sistema lagunar, causado pela colmatação das areias eólicas. Analisando as áreas de deslocamento de dunas (Tab. 4), o setor 3 apresentou o maior avanço sobre a área da Lagoa, com 1,46 km² entre os anos de 1986-2014. O setor 2 não apresentou uma direção predominante de deslocamento, variando de acordo com o período analisado para leste e oeste, com valor resultante final de 0,059 km², sendo uma variação pequena em área, e condicionado também pelos bancos vegetados. O setor 4 apresentou deslocamento no sentido leste durante 1986-2014, ocorrendo uma retração no campo de dunas. Observou-se pelas imagens de satélite uma drenagem (sangradouro) que faz contato com a área alagada da Lagoa do Peixe, sendo a possível razão do transporte dos sedimentos do campo de dunas o interior da lagoa. Esse setor apresenta uma área de deslocamento no sentido leste maior quando comparado com o setor 2, tendo valor resultante final de 0,618 km². GRAVEL Scottá et al. 21 Figura 5. Comportamento da linha de contato entre o campo de dunas nos diferentes setores da margem leste da Lagoa do Peixe, entre 1986-2014. Linhas tracejadas representam os limites dos setores (apenas nos setores 2, 4, 5 e 6). GRAVEL Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS 22 Tabela 4. Resultante da área de avanço e direção predominante entre 1986 a 2014. Período Área de deslocamento das dunas (km²) Sul da desembocadura 3 4 5 Norte da desembocadura 6 7 Setor 1 2 1986-1995 0,411 SW 0,122 W 0,711 SW 0,076 W 0,504 SW 0,11 SW 0,455 E 1995-2002 0,084 SW 0,289 E 0,273 SW 0,655 E 0,37 SW 0,431 SW 0 2002-2014 0,386 SW 0,108 W 0,476 SW 0,039 E 0,041 SW 0,37 SW 0 TOTAL 0,811 SW 0,059 E 1,46 SW 0,618 E 0,915 SW 0,691 SW 0,455 E No setor 6, localizado ao norte da desembocadura da Lagoa do Peixe, foi registrado uma variação de 0,691 km². Entende-se que o setor 6 também responde aos ventos predominantes de nordeste, tendo como resultante uma migração a sudoeste. As oscilações na área de dunas neste setor também estão condicionadas a abertura sazonal da desembocadura da lagoa, podendo ser encontradas maiores informações sobre esse tópico em Schossler (2011). No setor 7, uma área de 0,455 km² foi registrada durante o período 1986-1995 com deslocamento no sentido leste, registrando redução do campo de dunas, porém não foi registrada nenhuma variação em área para os períodos 1995-2014. Como já salientado em estudos anteriores (Portz et al., 2011a; 2011b; Scottá et al., 2013), neste setor são registradas a presença de espécies Pinus sp. entre a margem leste da lagoa e o campo de dunas, atuando como uma barreira para o avanço do campo de dunas, conforme pôde-se verificar nas imagens durante o período avaliado. Documentos oficiais indicam que a atividade de silvicultura, em especial o cultivo de Pinus sp., é realizado desde o ano de 1973 na região, e já constitui uma atividade consolidada nos municípios de Tavares, Mostardas e São José do Norte (Ofício nº 001/06PNLP-IBAMA, apud Portz et al., 2011b). Além de interferir nos ecossistemas, a introdução dos pinus sp. no Parque pode comprometer o potencial turístico da região (Portz et al., 2011b), bem como alterar a dinâmica sedimentar eólica. Os deslocamentos de dunas foram calculados para os setores 1, 3, 5 e 6 (Tab. 5). Apenas esses setores foram analisados por apresentar deslocamento preferencialmente em um sentido. Observa-se uma grande variação dos deslocamentos das dunas conforme o período de análise, com valor mínimo de zero metros (no setor 5, entre 2002 e 2014) e máximo de 1.074 m (no setor 3, entre 2002-2014). Estas variações estão atreladas principalmente a dinâmica do contato entre a lagoa e o campo de dunas, sendo influenciado pela dinâmica de ventos, pela erosão das margens ocasionado pela abertura sazonal da barra da lagoa e possivelmente pela estrutura dos bancos vegetados presentes no seu interior. Tabela 5. Deslocamento do campo de dunas entre 1986 a 2014. Período 1986-1995 1995-2002 2002-2014 Total 1 161 154 339 654 Deslocamento (metros) 3 5 339 275 113 405 1074 0 1526 680 6 96 30 221 347 Apesar da variação, os resultados médios para o período de 28 anos de estudo indicam deslocamento superiores a 23,4 m/ano nas áreas ao sul da desembocadura da lagoa, sendo resultados semelhantes aos encontrados por Tomazelli (1993) com medições de campo na área de Balneário Pinhal. O setor 6, no norte da desembocadura, apresenta deslocamento menor que os setores 1, 3 e 5, com deslocamento total de 348,2 m. Simulando cenários futuros com os valores de deslocamento constantes, estima-se que a Lagoa do Peixe será totalmente interrompida nos próximos 25 anos, em 2039, com a ocorrência da interrupção nos setores 3 e 5. O setor 1 apresenta cenário de interrupção nos próximos 49 anos, enquanto que o setor 6 em 249 anos. Para reduzir e evitar os deslocamentos de dunas e a colmatação da Lagoa do Peixe, a plantação de espécies vegetais nativas de grande porte entre o GRAVEL Scottá et al. campo de dunas e a lagoa pode servir como barreira ao avanço do campo de dunas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo analisou o deslocamento do campo de dunas no contato entre o campo de dunas da margem leste da Lagoa do Peixe com o corpo lagunar utilizando imagens orbitais de sensoriamento remoto. Através do uso das imagens de sensores remotos orbitais foi possível o monitoramento decenal do deslocamento do campo de dunas do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, entre o período de 1985 a 2014. Na área ao sul da desembocadura da Lagoa, foi verificado um deslocamento considerável do campo de dunas, o qual avança muitos metros sobre a Lagoa do Peixe, enquanto que na área a norte da desembocadura o deslocamento verificado foi mínimo. Ao sul da embocadura da Lagoa foi verificada uma maior movimentação do campo de dunas, quando comparado com as áreas ao norte da Lagoa, em função da presença de espécies Pinus sp. entre a margem leste da lagoa e o campo de dunas, servindo como uma barreira para o deslocamento do campo de dunas. A exceção está no setor 6 deste estudo, que, por não apresentar espécies de Pinus sp. entre o leste da lagoa e o campo de dunas, possui migração resultante para sudoeste. A introdução do cultivo da espécie de Pinus sp. na região, além de interferir nos ecossistemas altera a dinâmica sedimentar eólica na região. Os resultados demonstram que a dinâmica de campos de dunas sofreu interferência com a introdução de uma barreira física (neste caso o Pinus sp.), a qual aparentemente está auxiliando no “retardo” da colmatação do sistema lagunar pelas areias eólicas. Este estudo realizou uma análise espacial do deslocamento dos corpos sedimentares eólicos da margem leste da Lagoa do Peixe, para quantificar o avanço/retração dos mesmos na área. Os produtos de sensoriamento remoto utilizados neste estudo possuem resolução espacial suficiente para a caracterização geomorfológica mais detalhada das feições eólicas presentes no local. Dessa forma, os dados de deslocamento do campo de dunas como um todo, obtidos através da série temporal de imagens LANDSAT, dão subsídios ao planejamento de novos estudos e 23 ações, focando em áreas de maior ou menor interesse tomando como base os valores obtidos. A realização da fusão de imagens com o sensor ETM+ e OLI aprimoraram a resolução espacial das cenas de 25/09/2002 e 21/01/2014, facilitando a identificação do limite do campo de dunas. A utilização de sensores de alta resolução espacial, como imagens de satélite IKONOS e QuickBird ou de Laser Scanner, possibilitará monitorar com maior facilidade o deslocamento de campos de dunas na PCRS, bem como a caracterização geomorfológica das feições eólicas presentes nas áreas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AREJANO, T.B. 2006. Geologia e Evolução Holocênica do Sistema Lagunar da Lagoa do Peixe, Litoral Médio do Rio Grande do Sul, Brasil. Porto Alegre. 94p. Tese de Doutorado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. BRASIL 2012. LEI Nº 12.651, DE 25 DE MAIO DE 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.16667, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20 11-2014/2012/lei/l12651.htm CARNEIROS, M.C.S.M.; LIMA, M.O.S; SÁ, L.A.C.M. & ARAUJO, T.C. 2012. Monitoramento da Tendência de Deslocamento do Campo de Dunas de Rio do Fogo – RN Utilizando Lidar Aerotransportável. In: IV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS GEODÉSICAS E TECNOLOGIAS DA GEOINFORMAÇÃO. 4., 2012, Recife - PE, Anais...p. 001- 008. CASTRO, J.W.A. 2004. Transporte Eólico de Sedimentos e Migração de Dunas sobre o Promontório de Paracuru – Litoral Setentrional do Nordeste Brasileiro. Boletim do Museu Nacional, 72: 1-10. FERNANDES, L.R. & AMARAL, R.F. 2013. Paisagem costeira do litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte (Brasil): Evolução GRAVEL 24 Deslocamento de dunas costeiras: uma análise através de dados de sensoriamento remoto orbital na Lagoa do Peixe, RS temporal e padrões espaciais dos campos de dunas móveis. Revista da Gestão Costeira Integrada, 13(1): 45-59. GIANNINI, P.C.F. & SANTOS, E.R. 1994. Padrões de variação espacial e temporal na morfologia de dunas de orla costeira no centro-sul catarinense. Boletim Paranaense de Geociências, 42: 73-96. GUIMARÃES, L.S. 2005. Morfodinâmica e Migração das Dunas Eólicas na Reserva Ecológica do Taim, Litoral Sul do RS. Porto Alegre. 108p. Dissertação de Mestrado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. HESP, P.A.; DILLENBURG, S.R.; BARBOZA, E.G.; TOMAZELLI, L.J.; AYUP-ZOUAIN, R.N.; ESTEVES, L.S.; GRUBER, N.L.S.; TOLDO, E.E. Jr.; TABAJARA, L.L.C.A. & CLEROT, L.C.P. 2005. Beach ridges, foredunes or transgressive dunefields? Definitions and an examination of the Torres to Tramandaí barrier system, Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 77: 493-508. HESP, P.A.; DILLENBURG, S.R.; BARBOZA, E.G.; CLEROT, L.C.P.; TOMAZELLI, L.J. & AYUP-ZOUAIN, R.N. 2007. Morphology of the Itapeva to Tramandaí transgressive dunefield barrier system and mid- to late Holocene sea level change. Earth Surface Processes and Landforms, 32: 407-414. ICMBIO. Unidades de Conservação nos Biomas. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversi dade/unidades-de-conservacao/biomasbrasileiros.html>. Acesso em: 06 fev. 2013. LEVIN, N.; BEN-DOR, E. & KARNIELI, A. 2004. Topographic information of sand dunes as extracted from shading effects using Landsat images. Remote Sensing of Environment, 90: 190 -209. MARTINHO, C.T. 2004. Morfodinâmica e sedimentologia de campos de dunas transgressivos da região de Jaguaruna Imbituba, Santa Catarina. São Paulo. 108p. Dissertação de Mestrado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo. MARTINHO, C.T. 2008. Morfodinâmica e evolução de campos de dunas transgressivos quaternários do litoral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 216p. Tese de Doutorado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. MARTINHO, C.T.; DILLENBURG, S.R. & HESP, P.A. 2008. Mid to late Holocene evolution of transgressive dunefields from Rio Grande do Sul coast, southern Brazil. Marine Geology, 256: 49-64. MARTINHO, C.T.; DILLENBURG, S.R. & HESP, P.A. 2009. Wave energy and longshore sediment transport gradients controlling barrier evolution in Rio Grande do Sul, Brazil. Journal of Coastal Research, 25(2): 285-293. MARTINHO, C.T.; HESP, P.A. & DILLENBURG, S.R. 2010. Morphological and temporal variations of transgressive dunefields of the northern and mid-littoral Rio Grande do Sul coast, Southern Brazil. Geomorphology, 117: 14-32. MEIRELES, A.J.A. 2011. Geodinâmica dos Campos de Dunas Móveis de Jericoacoara/CE-BR. Mercator, 10(22): 169190. MOHAMED, I.N.L. & VERSTRAETEN, G. 2012. Analyzing dune dynamics at the dunefield scale based on multi-temporal analysis of LANDSAT-TM images. Remote Sensing of Environment, 119: 105-117. MORAES, V.L. 2009. Uso do solo e conservação ambiental no Parque Nacional da Lagoa do Peixe e entorno (RS). Porto Alegre. 120p. Dissertação de Mestrado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PARKER GAY, S. 1999. Observations regarding the movement of barchan sand dunes in the Nazca to Tanaca area of southern Peru. Geomorphology, 27: 279-293. PNLP. Parque Nacional da Lagoa do Peixe. Disponível em: <http://parnalagoadopeixe.blogspot.com.br/p /blog-page_30.html>. Acesso em: 06 fev. 2013. PORTZ, L.; GUASSELLI, L.A. & CORRÊA, I.C.S. 2011a. Variação Espacial e Temporal de NDVI na Lagoa do Peixe, RS. Revista Brasileira de Geografia Física, 5: 897-908. PORTZ, L.; MANZOLLI, R.P.; SALDANHA, D.L. & CORRÊA, I.C.S. 2011b. Dispersão de Espécie Exótica no Parque Nacional da Lagoa do Peixe e Seu Entorno. Revista Brasileira de Geografia Física, 4(1): 33-44. GRAVEL Scottá et al. SCOTTÁ, F.C.; CARDIA, V.C. & FONSECA, E.L. 2013. Monitoramento do Deslocamento do Campo de Dunas Costeiras na Lagoa do Peixe com Dados de Sensoriamento Remoto Orbital. In: XV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, 15., 2013, Vitória. Anais... p.469-476. SCHOSSLER, V. 2011. Morfodinâmica da embocadura da lagoa do Peixe e linha de praia adjacente. Porto Alegre. 96 p. Dissertação de Mestrado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. TAGLIANI, P.R.A. 1995. Estratégia de planificação ambiental para o sistema ecológico da Restinga da Lagoa dos PatosPlanície Costeira do Rio Grande do Sul. São Carlos. 228p. Tese de Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade de São Carlos. TOMAZELLI, L.J. 1990. Contribuição ao Estudo dos Sistemas Deposicionais Holocênicos do Nordeste da Província Costeira do Rio Grande do Sul, com Ênfase no Sistema Eólico. Porto Alegre. 270 p. Tese de Doutorado em Geociências, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 25 TOMAZELLI, L.J. 1993. O Regime de Ventos e a Taxa de Migração das Dunas Eólicas Costeiras do Rio Grande do Sul. Pesquisas, Porto Alegre, 20(1): 18-26. TOMAZELLI, L.J. 1994. Morfologia, organização e evolução do campo eólico costeiro do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Pesquisas, 21(1): 64-71. USGS - United States Geological Survey. Disponível em: <http://landsat.usgs.gov/>. Acesso em: 05 mar. 2014. VILLWOCK, J.A. 1984. Geology of the coastal province of Rio Grande do Sul, southern Brazil: A Synthesis. PESQUISAS, 16: 5-49. VILLWOCK, J.A. & TOMAZELLI, L.J. 1995. Geologia Costeira do Rio Grande do Sul. Notas Técnicas, 8: 1-45. YAO, Z.Y.; WANG, T.; HAN, Z.W.; ZHANG, W. M. & ZHAO, A.G. 2007. Migration of sand dunes on the northern Alxa Plateau, InnerMongolia, China. Journal of Arid Environments, 70: 80-93. GRAVEL