INTERNACIONAL Ligações Dependência da economia americana é o maior problema do México Lia Valls Coordenadora de Projetos/IBRE Perigosas J U L H O d e 2 0 0 1 • CONJUNTURA ECONÔMICA 64 INTERNACIONAL O México vive uma nova fase. E dois fatos novos merecem destaque. Após mais de 70 anos o presidente, Vicente Fox, que começou o mandato este ano, não pertence ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) e recebeu uma economia em expansão. O governo anterior implementou políticas de disciplina monetária e fiscal que permitiram a retomada do crescimento econômico e a queda da inflação. No ano passado, a economia do país cresceu 6,9% e a taxa de inflação foi de 9,5%. Já os quatro últimos presidentes mexicanos iniciaram os mandatos com a economia em crise, inclusive o ex-presidente Ernesto Zedillo, cuja posse foi em 1995. Naquele ano o PIB mexicano registrou queda de 6,2% e o Índice de Preços ao Consumidor aumentara de 6,9% (1994) para 35% (1995). No entanto, a retração no crescimento dos Estados Unidos certamente irá penalizar o México nesta nova etapa. Relatórios de organismos internacionais de financiamento e consultorias privadas mostram que o bom desempenho da economia mexicana fará o PIB ficar entre 1,9% e 3%. Mas se as condições macroeconômicas parecem ter melhorado, os indicadores sociais preocupam. O Banco Mundial estima que em 1996 aproximadamente 2 em cada 3 mexicanos eram pobres, sendo que um encontrava-se em situação de extrema pobreza. No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas o México aparece em 55º lugar, com base nos dados de 1998. Uma situação melhor que a do Brasil, classificado em 74º lugar. Não entrando na polêmica sobre a metodologia do cálculo desse índice, algumas informações confirmam a grave situação da miséria mexicana. Na população que vive abaixo da linha de pobreza, 17,9% sobrevivem com apenas um dólar por dia (a preços da paridade do poder de compra de 1993), enquanto no Brasil este percentual é de 5,1%. O aumento de gastos sociais é considerado fundamental para assegurar um mínimo de proteção social aos mais pobres. O Presidente Vicente Fox herda também o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN para os mexicanos e Nafta para canadenses e americanos), que entrou em vigor em 1994. É consenso que o México só conseguiu o empréstimo de US$50 bilhões dos Estados Unidos, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para superar a crise por pertencer ao Nafta, cujos efeitos sobre a economia mexicana ainda são objeto de controvérsia. A melhoria na competitividade do setor produtivo do país é considerada vital para assegurar ganhos de longo prazo com o processo de abertura. ESTABILIDADE, GASTOS, FINANÇAS Quais seriam então os principais pontos da agenda mexicana para o novo milênio? O relatório do Banco Mundial Una Agenda Integral de Desarrollo para La Nueva Era revela que as receitas do petróleo explicam cerca de 30% da arrecadação tributária do México. O percentual da carga tributária sobre o PIB é baixo; excluindo o petróleo, é menor do que 10%. Há diversas isenções por produtos, tipo de renda, região ou contribuinte e a fiscalização é ultrapassada. Em abril o presidente Fox anunciou reformas tributária e orçamentária recomendadas pelo Banco Mundial. A alíquota do imposto sobre o valor adicionado (IVA) foi uniformizada em 15%, eliminando as isenções sobre remédios, alimentos e livros. Esperando resistências foi admitida a continuação de alíquota zero para uma cesta de remédios genéricos e alguns alimentos. Já as alíquotas máximas do imposto de renda sobre a pessoa física e jurídica diminuíram, respectivamente, de 40% e 35% para 32%. Para diminuir o impacto das variações das receitas do petróleo sobre a arrecadação foram criadas regras claras para a utilização de receitas excedentes. A idéia é a mesma já em vigor no Chile com o cobre e na Colômbia com o petróleo, que estabeleceram fundos de estabilização para que a volatilidade das receitas não acabe gerando despesas excessivas e baixa disciplina fiscal em épocas de aumentos de preços desses produtos no mercado mundial. Paralelamente o governo anunciou uma série de medidas para elevar os gastos com programas sociais e despesas em infra-estrutura. Em 1980, os investimentos do governo em infraestrutura representavam 10% do PIB e, em 1998 apenas 2%. Só que por causa da retração da economia e a prioridade à disciplina fiscal, parte destas despesas poderá ser reduzida. A dívida legal em relação ao PIB é baixa (cerca de 25%) e a implícita (existe de fato, mas não legalmente), de 46%, também não é considerada muito alta. O Banco Mundial chama a atenção, entretanto, para alguns problemas. Um deles é o desequilíbrio atuarial do sistema de previdência dos servidores públicos federais. A dívida dos estados em relação ao PIB é pequena, somente 2%. Mas sugere maior compromisso com a responsabilidade fiscal. Melhorar a arrecadação tributária para que gastos sociais e em infra-estrutura possam ser realizados é primordial. No item da infra-estrutura as soluções passariam por medidas reguladoras que estimulem o investimento privado, especialmente em energia elétrica e transportes. O Banco Mundial acha que o México estaria à beira de uma crise hidráulica. Outra debilidade do sistema econômico refere-se aos bancos. Devido à crise de 1994, os empréstimos do setor bancário reduziram-se 40% em termos reais, afetando principalmente os consumidores e pequenas e médias empresas sem acesso a financiamentos externos. Medidas para melhorar a função bancária foram introduzidas em 1997, mas ainda seria necessário aprimorar os mecanismos de regulamentação do setor. O SETOR EXTERNO A abertura comercial no México começou em 1983, sendo consolidada com a entrada do país no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), em 1986. Em 1994 entrou em vigor o Nafta. E quais os resultados? 65 J U L H O D E 2 0 0 1 • CONJUNTURA ECONÔMICA INTERNACIONAL A participação das exportações no comércio mundial aumentou de 0,89% para 2,43% entre 1980 e 1999, classificando o país como o 12º principal exportador mundial. A participação das exportações no PIB aumentou de 7,6% para 14,% entre 1980 e 1994 e atingiu 31,3% em 1999. A mudança foi acompanhada pelo aumento expressivo das exportações de manufaturados que explicaram 90% das exportações mexicanas em 1999. A abertura comercial e o Nafta deram uma importância crescente às exportações no crescimento do país. Dos 2 milhões de empregos criados entre 1993 e 1998, metade estaria vinculada às exportações. Além disso, a diferença de salários pagos nas indústrias exportadoras e nas direcionadas para o mercado interno seria de 44%. Considerando a remuneração média anual total dos empregados formais o ritmo de crescimento foi negativo em 2,4% entre 1994 e 1998. É sabido que o aumento dos manufaturados mexicanos está associado em grande parte às indústrias maquiladoras (cerca de 45% das exportações, segundo a Organização Mundial do Comércio). O número de maquiladoras cresceu de 620 para 3.717, entre 1980 e 2000. Após a entrada no Nafta o aumento foi de 80%, empregando cerca de 16 milhões de trabalhadores. Essas indústrias produzem principalmente bens intermediários, mas com elevado conteúdo de bens importados. Não distinguindo a origem dos produtos, a participação do consumo intermediário no valor da produção das maquiladoras vem aumentando ao longo do tempo. Em 1990 era de 80% e em 1999, de 89%. Em valores adicionados, a indústria maquiladora tem apresentado incrementos anuais da ordem de 12% para os anos de 1998 e 1999. Não temos os dados desagregados, mas o componente importado de insumos intermediários da economia como um todo teria aumentado de 18,7% para 30,4% entre 1993 e 1997. A participação dos Estados Unidos no comércio exterior mexicano já era predominante antes do Nafta. Em 1994, a participação das exportações era de 85% e das importações, 71%. Em 2000 estes percentuais foram 88% e 72%, respectivamente, e o saldo comercial com os Estados Unidos atingiu um superávit de US$20 bilhões. Mas com o resto do mundo o México foi deficitário em US$28 bilhões em 2000 e a balança comercial tem elevado o déficit em transações correntes, cerca de US$17,68 bilhões o ano passado. Em 1994, o déficit era de US$29,66 bilhões. O Estudo do Banco Mundial sugere ainda que uma posição menos vulnerável da economia mexicana depende também do aumento das exportações para fora dos Estados Unidos. O incremento médio anual das exportações entre 1995/2000 foi de 23,3% para os Estados Unidos e de 17% para o resto do mundo. Quanto às importações os valores são próximos: 17% (Estados Unidos) e 16% (resto do mundo). J U L H O d e 2 0 0 1 • CONJUNTURA ECONÔMICA Os investimentos americanos aumentaram significativamente após o Nafta e explicavam cerca de 58% dos investimentos entre 1990 e 1994, atingindo US$4,87 bilhões em 1994. No período 1995-2000 os valores têm aumentado e os dados provisórios indicam US$8,93 bilhões para 2000. A participação dos investimentos americanos no período 1995-2000 foi, em média, de 66%. Os saldos da balança de pagamentos têm sido superavitários, sendo de US$2,82 bilhões em 2000. As reservas estão em US$38,36 bilhões. Para melhorar as exportações, o Banco Mundial e analistas mexicanos sugerem melhoras na infra-estrutura e investimentos no capital humano. Alguns indicadores de competitividade, como o custo unitário da mão-de-obra na indústria manufatureira, mostram que grande parte da vantagem mexicana está na sua mão-de-obra bem mais barata que a americana. Também a lógica da produção maquiladora com elevada participação de consumo intermediário não sugere que este caminho seja suficiente para garantir um aumento continuado do valor agregado da economia. Além disso, o governo mexicano tem se preocupado em diversificar a sua pauta exportadora, tendo assinado um tratado de livre comércio com a União Européia, que passou a vigorar em julho do ano passado. O acordo cobre 100% dos produtos industriais, quase todos os produtos de pesca e 62% dos agrícolas (exclui carne, lácteos e cereais, que são produtos sensíveis para os europeus e não são produtos de exportação mexicanos). O acordo com o Mercosul ainda está pendente, após o fracasso das negociações em separado com o Brasil. Um crescimento sustentado na economia mexicana que tenha efeitos positivos para todos os setores requer a dinamização também do mercado interno. Até que ponto essa etapa será alcançada depende mais de mudanças da agenda interna mexicana do que do Nafta. Melhorar a infra-estrutura física e social, assegurar redes de proteção social para os mais pobres, garantir transparência administrativa são alguns pontos sugeridos. Além disso não pode ser esquecido o caso particular do campo. A população rural é de 20%, mas a participação do setor agrícola no PIB é de apenas 5%. A liberalização total do setor agrícola no Nafta só se completará em 2010, o que requer melhorias urgentes na competitividade agrícola. Bibliografia Abelardo Mariña Flores. “Factores Determinantes del Empleo en México, 1980-1998”. Comércio Exterior , vol. 51, nº 5, maio de 2001. Juan Ramiro Mendoza. “Relaciones entre Apertura y Crecimento Económico en México”. Idem Marcelo M. Giugale. “Una Agenda Integral de Desarrollo para La Nueva Era”. Capítulo de Sintesis do Relatório do Banco Mundial, novembro de 2000. Utilizado o Instituto Nacional de Geografia e Informática do México, como fonte de dados. www.inegi.gov.mx 66