O MODELO DE BERTRAND Um outro modelo de jogo simultâneo clássico na análise de mercados é o modelo conhecido como modelo de Bertrand —, que resultou do nome do matemático francês Joseph Louis François Bertrand (1822-1900) —,também conhecido como modelo de determinação simultânea de preços (para contrastar com o modelo de determinação simultânea de quantidades — o modelo de Cournot). O Modelo de Beitrand sem Restrição de Capacidade Considere duas empresas produzindo bens da mesma natureza (onde os consumidores não percebem diferença entre os produtos das duas empresas) e estabelecendo seus preços ao mesmo tempo. Como os consumidores não percebem diferença entre os dois produtos, se uma empresa estabelece um preço superior ao preço da outra, as vendas da empresa com preço mais alto se reduzem a zero. Se os preços forem iguais, as empresas dividem o mercado igualmente. Admitamos que cada empresa possa sozinha atender a todo o mercado, caso seja imprescindível, desde que o preço seja igual ou maior do que o custo marginal de produção. Qual será o preço de equilíbrio a ser fixado pelas empresas? Para entendermos melhor as várias opções estratégicas de que as empresas dispõem, vamos estabelecer as funções de recompensa para um exemplo ilustrativo ( Livro de Fiani ). Suponha que a curva de demanda do mercado em que as duas empresas atuam é dada por: q(p) = 100 - p Note que nesse caso estamos expressando a quantidade demandada em função do preço, enquanto no modelo de Cournot estávamos expressando o preço em função da quantidade. Na curva de demanda de mercado anterior, q é a quantidade total produzida e ofertada, e p é o preço. Mas como q irá se distribuir entre as duas empresas; e qual delas irá determinar o preço de mercado p?. Para responder a essa pergunta, temos de conhecer as funções de recompensa das duas empresas. Como as funções de recompensa das duas empresas serão idênticas, podemos escrever de forma genérica a função de recompensa da empresa i, que pode ser qualquer uma das duas empresas, considerando suas decisões e as da outra empresa. Chamaremos, genericamente, esta última empresa de empresa j. Finalmente, sejam a função de custo de qualquer uma das duas empresas dada por C(qi) = cq1, com c > 0. As funções de recompensa dessa empresa i, πi, são dadas por: (pi – c) ( 100 – pi) se pi < pj πi= (pi – c) ( 100 – pi) se pi = pj 2 0 se pi > pj O que a primeira função de recompensa, após a chave, nos diz é que o lucro da empresa i será dado pelo produto da quantidade total demandada pelo mercado ao preço pi, ou (100 – pi), multiplicada pela margem de lucro obtida pela empresa i em cada unidade produzida (o termo (pi - c) da expressão). Isso desde que o preço estabelecido pela empresa i, pi, seja menor do que o preço estabelecido pela outra empresa, pj. A segunda função de recompensa nos informa que o lucro da empresa i é metade do lucro que ela obtém no caso anterior, considerando que os preços das duas empresas sejam iguais, uma vez dada nossa hipótese de que, se pi = pj, as empresas dividem igualmente o mercado. Note que, no caso anterior, a empresa i atendia a todo o mercado a seu preço, ou seja, ela vendia (100 – pi), e que, se os preços forem iguais, ela venderá metade dessa quantidade, (100 – pi)/2. Finalmente, se o preço da empresa i for maior do que o da outra empresa, ela nada produz, ou vende, e seus lucros se reduzem a zero. Vendo pelos parâmetros do equilíbrio de Nash. Se uma das empresas estabelece um preço p, tal que p > c, qual é a melhor resposta para a outra empresa? Sem dúvida é estabelecer um outro p’, tal que p’ seja ligeiramente inferior a p (apenas o suficiente para os consumidores perceberem a diferença e abandonarem o produto da concorrente, ainda que seja apenas um centavo!), desde que p’> c. Fazendo isso, a empresa que estabelecesse p’ estaria capturando todo o mercado da outra empresa, e seus lucros seriam maiores (ela estaria capturando todo o mercado com uma redução de apenas um centavo no preço!). A outra empresa, por sua vez, teria seu lucro reduzido a zero. Mas se p’ é a melhor resposta a p, p não é a melhor resposta a p’. A melhor resposta a p’ seria um p”, ligeiramente inferior a p’ e superior a c, e assim por diante.Desse modo, só existe um par de preços que é a melhor resposta um ao outro e vice-versa: é o par (pi*, pj*), tal que pi* = p2* = c . Qualquer preço acima desse valor c deixaria a empresa que o adotou vulnerável a um preço que fosse ligeiramente inferior ao seu, ainda que maior do que c, e que capturaria todo o mercado. Qualquer preço inferior a c também não seria adequado, pois o valor recebido pela última unidade produzida seria inferior a seu custo, e a empresa que tivesse adotado esse preço inferior a c teria prejuízo. Melhor do que ter prejuízo é ter lucro zero.A melhor resposta a um preço igual ao custo de produzir mais uma unidade; portanto, é outro preço igual ao custo de produzir mais uma unidade. O resultado que acabamos de obter é conseqüência da aplicação da lógica do equilíbrio de Nash ao modelo de determinação simultânea de preços, dadas as hipóteses inicialmente assumidas: a única combinação de estratégias que é, recíproca e simultaneamente, a melhor resposta possível uma à outra é pi*= pj* = c, com ambas as empresas tendo lucro zero. Esse resultado é conhecido como o paradoxo de Bertrand, pois temos um mercado caracterizado como um duopólio, produzindo o mesmo resultado de um mercado competitivo: preços idênticos, ao nível do custo de produzir mais uma unidade, e lucros nulos, algo que, em princípio, só deveria ocorrer em mercados nos quais as empresas fossem suficientemente pequenas para que suas decisões individuais não afetassem o preço de mercado. É importante enfatizar que esse estranho resultado (um duopólio se comportando como um mercado em concorrência perfeita, isto é, com as empresas estabelecendo preços iguais a seus custos) é conseqüência das três hipóteses (muito restritivas) adotadas: a hipótese de que não há diferenciação de produto, a hipótese de que não há restrição de capacidade produtiva (daí os custos marginais serem constantes) e a hipótese de que as decisões são simultâneas em um único momento do tempo. Assim, vamos voltar ao exemplo empregado na discussão do modelo de Cournot, de duas empresas de cimento, a Empresa 1 e a Empresa 2. Como as funções de custo das duas empresas são dadas, respectivamente, por: C1 = 4q1 e C2 = 4q2 Segue-se que, se as duas empresas não estiverem determinando simultaneamente as quantidades produzidas — como é o caso analisado no modelo de Cournot —, mas sim seus preços — como é o caso analisado no modelo de Bertrand —, o equilíbrio nesse último caso será dado por: P1 = P2 = c = 4 Onde P1 é o preço do cimento produzido e Vendido pela Empresa 1, P2 é o preço do cimento produzido e vendido pela Empresa 2, e 4 reais é o custo marginal(Custo marginal é a variaçáo do custo total em funçáo da variaçáo na quantidade produzida. Algebricamente, é expresso pela derivada do custo em função da quantidade, dC/dq. Ë fácil ver que, para qualquer uma das duas empresas, dCi/dq1 = 4.) c da produção de cimento, idêntico para as duas empresas. Cournot ou Bertrand? O leitor deve estar surpreso com as diferenças nos resulta dos dois modelos de Cournot e Bertrand. Com efeito, no caso do modelo de Cournot com duas empresas, o resultado em termos de quantidade produzida é inferior á quantidade que seria obtida com um mercado perfeitamente competitivo. Já no caso do modelo de Bertrand com duas empresas-sem restrição de capacidade, o resultado é idêntico ao que seria obtido se ç mercado fosse perfeitamente competitivo. Dado que os dois modelos apresentam resultados tão diferentes, quando cada um deles deve ser usado? Luís M. B. Cabral, em seu livro Introduction to Industrial Organizatíon, oferece uma sugestão: é importante avaliar que tipo de indústria está sendo considerada. Existem indústrias em que é mais difícil para as empresas ajustar as quantidades produzidas do que os preços. Isso acontece em indústrias nas quais o investimento leva mais tempo para resultar em um aumento da capacidade produtiva. Esse seria o caso de indústrias como a siderúrgica, a automobilística, a de cimento etc.