ESTUDO DE CASO Miocardiopatia periparto após cesariana: estudo de casos suelen Muniz dos santos, Alexandre Moreira Bravin, Vitorino Modesto dos santos e Flávio lúcio Vasconcelos rEsUMO Miocardiopatia periparto é condição rara e indefinida, que afeta predominantemente mulheres de descendência africana, multíparas e com idade acima dos 30 anos. A principal característica consiste em insuficiência cardíaca materna no último mês de gestação ou em até cinco meses após o parto. A disfunção ventricular ocorre mesmo sem antecedente de cardiopatia e em mulheres previamente saudáveis. Relatam-se dois casos de miocardiopatia ocorrendo após a realização de cesarianas, em uma multípara e em uma primigesta, sem antecedentes de cardiopatia. O diagnóstico foi estabelecido com base em exames complementares, incluindo-se radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma. O tratamento visa a melhorar o inotropismo cardíaco e reduzir as manifestações de congestão pulmonar associados. Pesquisas são necessárias para esclarecer e estabelecer a melhor opção terapêutica para essa desafiante entidade clínica. suelen Muniz dos santos – médica-residente, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Forças Armadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil Alexandre Moreira Bravin – médico assistente, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Forças Armadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil Vitorino Modesto dos santos – médico, doutor, Departamento de Medicina Interna, Hospital das Forças Armadas. Professor da Universidade Católica de Brasília, Distrito Federal, Brasil Flávio lúcio Vasconcelos – médico assistente, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Forças Armadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil Correspondência. Suelen Muniz dos Santos. Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital das Forças Armadas. Estrada do Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro Novo, CEP 70.658-900, Brasília-DF. Telefone: 61 39662194. internet: [email protected] Recebido em 5-11-2012. Aceito em 6-12-2012. Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses. Palavras-chave. Miocardiopatia periparto; puerpério; tratamento ABSTRACT Peripartum cardiomyopathy after caesarean section: case studies Peripartum cardiomyopathy is a rare condition of unknown etiology which predominantly affects women of African descent, multiparous, and over 30 years of age. The main characteristic of this condition is maternal heart failure in the last month of pregnancy or up to five months postpartum. Ventricular dysfunction occurs even without history of heart disease, and in previously healthy women. We report two cases of cardiomyopathy following caesarean sections in a primigravida and in a 306 • Brasília Med 2012;49(4):306-311 multipara without previous heart disease. Diagnosis was established based on complementary exams, including chest X-ray, electrocardiogram, and echocardiography. Treatment seeks to improve cardiac inotropism and reduce the associated symptoms of pulmonary congestion. Further research studies are required to better clarify the etiology of the disease, as well as to establish the best treatment option for this challenging clinical entity. Key words. Peripartum myocardiopathy; puerperium; treatment. Suelen Muniz dos Santos e cols. • Miocardiopatia periparto após cesariana iNTrOdUÇÃO Ritchie (1849) foi o primeiro a relatar a miocardiopatia periparto, que foi reconhecida como uma condição específica após o relato de Hull e Hafkesbring (1937).1 Demakis e colaboradores propuseram três critérios clínicos para o diagnóstico dessa condição.1 Em 1997, membros do National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI) e do Office of Rare Disease of the National Institutes of Health estabeleceram os critérios ecocardiográficos.2 Os critérios clínicos incluíram: insuficiência cardíaca no último mês da gestação ou nos cinco meses depois do parto; ausência de qualquer outra causa conhecida de insuficiência cardíaca; e ausência de cardiopatia identificada antes do último mês de gestação.1 Os critérios ecocardiográficos para diagnóstico de disfunção sistólica são: fração de ejeção menor que 45%, encurtamento percentual menor que 30% e diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo maior que 2,7 cm/m2.2 estruturas capilares, inflamação e vasoconstricção, além de dilatação das câmaras cardíacas.4 A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames complementares úteis para confirmar o diagnóstico da miocardiopatia. Embora os resultados possam ser normais, o primeiro revela cardiomegalia, associada ou não com derrame pleural, e o segundo evidencia hipertrofia de ventrículo esquerdo com inversão de ondas T.1,11,18 O tratamento consiste no uso de vasodilatadores, diuréticos e digoxina, dependendo do grau de disfunção miocárdica. Em 50% dos casos a normalização da função cardíaca ocorre em até seis meses depois do início do quadro.1,6 Entretanto, nas afrodescendentes, a presença de disfunção miocárdica pode persistir.6,18,19 O diagnóstico da cardiomiopatia periparto é um desafio para obstetras, clínicos e cardiologistas9,11,20,21 e o conhecimento do transtorno é crucial para um resultado favorável. A incidência dessa afecção varia de 1/100 a 1/15.000 gestações, com predominância em populações de ascendência africana.3-13 No Brasil, ainda não há estimativa de sua incidência. O presente relato tem o objetivo de apresentar dois casos de miocardiopatia periparto e comentar aspectos relevantes dessa condição clínica. Os fatores de risco mais relevantes para o desenvolvimento da miocardiopatia periparto são: mulheres de raça negra, idade acima de 30 anos, multiparidade, gestações múltiplas, consumo de entorpecentes (em especial, a cocaína), uso de beta-agonistas por mais de quatro semanas, antecedentes de doenças hipertensivas na gestação – hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, eclâmpsia –, cesariana e antecedente de miocardite.1-6,14-18 rElATO dE CAsOs A deficiência nutricional e a carência de selênio foram aventadas como fatores contribuintes, mas seu verdadeiro papel continua indefinido. Recentemente, alterações hormonais têm sido relacionadas com o desencadeamento da miocardiopatia periparto. Verificou-se que o estresse oxidativo pode ativar enzimas nas células cardíacas, como metaloproteinases e catepsina D.4,5 Essas enzimas fragmentam a prolactina, de peso molecular 23kDa, convertendo-a em fragmentos menores que 16-kDa,6 o que ocasiona apoptose, desagregação de Caso 1 Paciente de 24 anos, parda, casada, do lar, quatro gestações, três partos por cesariana e um aborto espontâneo. Admitida no Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, quatro dias após cesariana realizada em outro serviço em virtude de gestação com 41 semanas e iteratividade. Queixou-se de dor torácica ventilatório-dependente com início no terceiro dia pós-operatório e piora progressiva. Negou antecedentes mórbidos, outras intervenções cirúrgicas, alergias ou uso de drogas. Fez nove consultas pré-natais e não houve intercorrências adversas. Ao exame físico, encontrava-se lúcida, dispneica – saturação de O2 de 92% com 5L de O2/min –, descorada (++), temperatura axilar 36,4ºC, perfusão periférica lenta, edema nos membros inferiores (+++), pressão arterial 160 por 100 mmHg, frequência cardíaca 142 bpm, frequência respiratória 30 Brasília Med 2012;49(4):306-311 • 307 ESTUDO DE CASO irpm e crepitações bilaterais nas bases pulmonares. Exame ginecológico não mostrou anormalidades. Levantada a hipótese de diagnóstico de tromboembolismo pulmonar associado com congestão pulmonar. Foi medicada com morfina 10 mg e furosemida 80 mg. Inicialmente, houve piora abrupta à ausculta pulmonar e da saturação de oxigênio (elevação da saturação de O2 de 81% em 5L de O2/min, para 84% com 7L/min) e necessidade de entubação orotraqueal. Durante o procedimento, houve saída de secreção rósea espumosa pelo tubo, sendo a paciente transferida para a unidade de terapia intensiva. Realizados exames laboratoriais, que evidenciaram função hepática e renal normais, além de íons, enzimas cardíacas e elementos anormais e sedimentos de urina também normais. A radiografia de tórax revelou derrame pleural bilateral e congestão pulmonar. O exame ecocardiográfico evidenciou moderada disfunção sistólica de ventrículo esquerdo com fração de ejeção 40% e hipocinesia difusa, predominante na parede inferior e septal. Câmaras cardíacas de aspecto normal e presença de insuficiência sistólica de grau moderado. A angiotomografia computadorizada mostrou preenchimento parcial e periférico luminal na artéria pulmonar inferior esquerda, compatível com trombose local, além de congestão e derrame pleural bilateral. O ecodoppler de membros inferiores não mostrou sinais de obstrução vascular. Estabelecidos os diagnósticos de miocardiopatia periparto com edema agudo de pulmão e tromboembolismo pulmonar, foi iniciada terapêutica com heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 120 mg/dia), digitálico (deslanosídio 3 amp/dia), diuréticos (furosemida 40 mg/dia e espironolactona 50 mg/dia), inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) 37,5 mg/dia e betabloqueador (carvedilol 6,25 mg/dia). Após três dias de anticoagulação plena, foi iniciado uso de warfarin 5 mg/dia com aumento progressivo até 7,5 mg/dia, para atingir faixa terapêutica, quando foi suspensa a enoxaparina. A paciente teve alta hospitalar no décimo primeiro dia de internação, assintomática e com ausculta pulmonar normal, saturando 97% em ar ambiente e com 308 • Brasília Med 2012;49(4):306-311 INR 2,28. Manteve-se o esquema terapêutico. Seis meses depois da alta, a paciente permanece assintomática, em uso de carvedilol 6,25 mg/dia, IECA 37,5 mg/ dia e warfarin 5 mg/dia, em controle ambulatorial. Caso 2 Paciente primípara, com 21 anos, casada, parda, do lar. Admitida no Hospital das Forças Armadas no sétimo dia após cesariana por pré-eclâmpsia que evolui com piora, dispneia progressiva iniciada no terceiro dia pós-operatório, ortopneia, palpitações e edema nos membros inferiores. Sem outras comorbidades, apresentou pré-eclâmpsia leve na 33.ª semana de gestação. Fez oito consultas pré-natais e não houve outras intercorrências. Na admissão, estava consciente, orientada, afebril, descorada (++) e dispneica. Ausculta pulmonar com crepitações bibasais, frequência cardíaca 138 bpm, frequência respiratória 26 irpm, pressão arterial 148 por 116 mmHg, saturação do O2 82% com O2 a 50%. O eletrocardiograma revelou taquicardia sinusal e bloqueio de ramo direito. A radiografia de tórax mostrou congestão pulmonar e derrame pleural bilateral. O ecocardiograma evidenciou fração de ejeção 17%, com acentuada disfunção sistólica de ventrículo esquerdo e insuficiência mitral discreta. Permaneceu na unidade de terapia intensiva por dois dias, tendo boa evolução clínica, com aumento da fração de ejeção para 22%. Foi transferida para a enfermaria, medicada com furosemida (40 mg/dia), IECA (40 mg/dia) e carvedilol (6,25 mg/dia). Três dias depois, hemodinamicamente estável e sem alterações pulmonares, recebeu alta, mantendo a medicação. Nove meses depois da alta, em controle ambulatorial, usa carvedilol e IECA. disCUssÃO A miocardiopatia periparto ainda não tem etiopatogenia bem definida e as hipóteses incluem fatores imunitários, hormonais e infecções virais.4-6 Mielniczuk e colaboradores avaliaram a incidência dessa entidade nos Estados Unidos da América.11 Suelen Muniz dos Santos e cols. • Miocardiopatia periparto após cesariana Concluíram que a condição é rara, relacionada com idade materna avançada, etnia negra e hipertensão arterial.10 Outros fatores são multiparidade, gestação gemelar, obesidade e pré-eclâmpsia.4-6,9 Nossas pacientes eram afrodescendentes, mas tinham apenas 21 e 24 anos. Embora se considere que essa miocardiopatia seja mais comum acima dos 30 anos etários,6,18 sua frequência está aumentando em gestantes mais jovens.5 Uma delas era primípara, dado que difere da literatura, considerando-se que a multiparidade constitui importante fator predisponente.4,6,13,17 Digno de nota, é que primigestas de etnia branca também podem ser acometidas.5,18 Nos casos aqui descritos, as pacientes foram submetidas a cesariana, o que pode contribuir para a ocorrência de complicações no sistema cardiovascular em virtude do ato anestésico.9,13 A resposta inflamatória sistêmica após o trauma cirúrgico evolui para edema e a congestão pulmonar por efeito de citocinas.22 Doenças hipertensivas específicas da gestação são fatores de risco para alterações cardiovasculares.4,5,11-13,18,23 A associação de miocardiopatia periparto com pré-eclâmpsia e hipertensão crônica tem sido variável e pode ocorrer em até 50% dos casos,18 mas tem sido considerada incomum por alguns autores.3 Não sendo diagnosticada precocemente, a pré-eclâmpsia pode causar disfunção pulmonar e insuficiência ventricular esquerda, aumentando o risco de miocardiopatia periparto.1,5,6,20 Ambos os casos se enquadram nos critérios estabelecidos pelo NHLBI.2 Houve insuficiência cardíaca três e quatro dias após o parto, sem causa identificada e sem cardiopatia conhecida antes do último mês de gestação. A disfunção ventricular foi confirmada pelo ecocardiograma, que mostrou fração de ejeção menor que 45% (17% e 40% respectivamente). Entretanto, as duas pacientes não tiveram hipertrofia de ventrículo esquerdo, que se associa a mau prognóstico em caso de miocardiopatia.9,13,21 Os eletrocardiogramas mostraram taquicardia sinusal sem inversão de onda T, achado discordante da literatura, já que na maioria dos casos com hipertrofia de ventrículo esquerdo, observa-se a inversão de ondas T.9,19,24 Concordantes com a literatura foram os achados inespecíficos nas radiografias de tórax das pacientes – cardiomegalia, congestão pulmonar e infiltrados nas bases pulmonares, além de derrame pleural bilateral.9,19 Miocardite, cardiopatia tóxica, metabólica, isquêmica e valvular foram afastadas por dados clínicos e de imagem. A miocardite nos casos em questão não foi avaliada no serviço, limitando o diagnóstico diferencial. A concomitância de miocardite, seja de origem infecciosa ou autoimune, apresentou baixa incidência em estudo retrospectivo.16 Entretanto, Felker e colaboradores relataram elevada frequência de miocardite, realçando a incerteza sobre a patogenia.4,14 Infecções causadas por parvovírus B19, herpesvírus tipo 6, vírus Ebstein Barr e citomegalovírus são relacionadas com miocardite,4 assim como alterações do metabolismo da prolactina e microquimerismo.4,6,11,13 Neste estudo, trombo em artéria pulmonar foi a comorbidade encontrada por meio das imagens de angiotomografia computadorizada em um dos casos relatados. O tromboembolismo pulmonar é achado comum na miocardiopatia periparto, em virtude da dilatação e insuficiência cardíaca, associadas com a estase sanguínea comum na gestação, com deficiência de antitrombina III e aumento dos fatores VII, VIII e X, que propiciam as tromboses.5,6,15,19 Embora rara, a embolia amniótica é descrita no puerpério imediato, com manifestações pulmonares semelhantes aos da miocardiopatia periparto, diferindo apenas, pela presença de vertigens e convulsões decorrentes de hipoxemia grave.25 A sintomatologia descrita na miocardiopatia periparto pode incluir dor torácica ventilatório-dependente, associada com dispneia progressiva, ortopneia e ausculta de crepitações nas bases pulmonares.3-6,11-13,15,16,18,19 Essas manifestações clínicas são as mais frequentes e são semelhantes às de indivíduos que desenvolvem insuficiência cardíaca de natureza congestiva. É importante ressaltar que, ao fim da gravidez, a gestante pode ter cansaço, dispneia e edema de membros inferiores, semelhantes ao quadro de insuficiência cardíaca congestiva. O tratamento utilizado nas duas mulheres deste relato foi semelhante ao que se aplica em Brasília Med 2012;49(4):306-311 • 309 ESTUDO DE CASO insuficiência cardíaca congestiva. Nos casos de hipertensão arterial com descompensação cardíaca grave, recomenda-se o uso de nitroprussiato, associado ou não aos nitratos.5,9,12 Além disso, a utilização de anticoagulante profilático (heparina de baixo peso molecular) é importante para prevenir tromboses e tromboembolismo no puerpério.5,6,9,19,21 Vasodilatadores periféricos (hidralazina e nitratos) são as medicações de primeira escolha.6 Reduzem a pré e a pós-carga e geralmente causam hipotensão arterial. O uso de hidralazina e de nitratos pode acarretar como efeitos adversos a síndrome lupus-like e cefaleia.21 Para aumentar a contratilidade miocárdica e controlar a insuficiência cardíaca, emprega-se a digoxina.4,6,21 Diuréticos – furosemida e tiazídicos – são indicados para reduzir edemas, devendo ter uso judicioso em casos de perfusão placentária insuficiente. Estão relacionados com a ocorrência de trombocitopenia.6,21 Os IECAs administrados em casos de insuficiência cardíaca, agem como protetores da função miocárdica. São usados bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (BRA) quando há reações adversas ao IECA; as precauções para o uso de BRA são semelhantes às do IECA.21 Bloqueadores dos canais de cálcio são usados para o controle de hipertensão arterial, o que promove vasodilatação periférica. Podem apresentar edema periférico e hipotensão arterial como efeitos adversos.21 Bloqueadores beta são usados rotineiramente em situações de disfunção ventricular esquerda; aumentam a contratilidade miocárdica e diminuem o tônus simpático, o que reduz a frequência cardíaca.6,21 Antagonistas da aldosterona, associados com IECA ou BRA, aumentam a sobrevida de pacientes com disfunção cardíaca grave.21 Quando a miocardiopatia está associada com estresse oxidativo originado por ativação enzimática da prolactina, proteína STAT3 por mecanismos imunoenzimáticos, a utilização de bromocriptina 2,5 mg, duas vezes ao dia por duas semanas, seguida de 2,5 mg/dia diariamente por seis semanas, tem sido recomendada.4 De fato, a evolução da miocardiopatia é favorável com a aplicação dessa droga.4,6,9 As duas pacientes em estudo foram medicadas com IECA (captopril e enalapril), além de diuréticos (furosemida e espironolactona) com vistas à melhora 310 • Brasília Med 2012;49(4):306-311 da pré-carga e redução da congestão pulmonar. No caso 1, usou-se digitálico, além da heparina de baixo peso molecular e cumarínico no tratamento da trombose. Atualmente o prognóstico da miocardiopatia periparto é mais favorável, com menor taxa de mortalidade do que aquelas de décadas anteriores.4,9,13 Em 1971, Demakis e colaboradores relataram evolução desfavorável em cerca de 50% dos casos de miocardiopatia periparto.1 Felker e colaboradores, em 2000, descreveram taxa de mortalidade em torno de 7%.14 Diagnósticos e tratamentos precoces da miocardiopatia periparto devem ser enfatizados, já que a taxa de mortalidade varia de 18% a 60%.11,13,18,22 A recuperação da função sistólica ocorre em aproximadamente 50% das doentes, geralmente nos primeiros seis meses do início dos sinais e sintomas.18 No controle ecográfico, a manutenção da fração de ejeção acima de 45% nos dois meses depois do diagnóstico, prediz a normalização funcional em 75% dos casos.9 Como a função ventricular esquerda é fator determinante do prognóstico das pacientes,13 a presença de disfunção ventricular ou sequela de miocardiopatia periparto prévia desaconselham gravidez subsequente.6,8,9,22 Em relação ao tempo de espera para uma próxima gestação, pesquisas em pacientes afetadas pela doença revelaram que, após três anos de intervalo entre as duas gestações, não foram observadas complicações maternas. Não há dados que mostrem o percentual de recorrência em gestações subsequentes.23 Em conclusão, a miocardiopatia periparto é uma afecção com vários fatores de risco e sem causa definida. Pode estar associada a distúrbio hipertensivo específico da gestação e a tromboembolismo venoso. O tratamento utiliza as drogas para insuficiência cardíaca em geral e o prognóstico ainda é reservado. Com os avanços terapêuticos, a taxa de mortalidade da cardiomiopatia periparto tem diminuído.9,14 Pesquisas com vistas a esclarecer a etiopatogenia dessa enfermidade deverão ser implementadas, o que poderá facilitar as medidas preventivas. Suelen Muniz dos Santos e cols. • Miocardiopatia periparto após cesariana rEFErÊNCiAs 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Demakis JG, Rahimtoola SH, Sutton GC, Meadows WR, Szanto PB, Tobin JR, et al. Natural course of peripartum cardiomiopathy. Circulation. 1971;44(6):1053-61. Pearson GD, Veille JC, Rahimtoola S, HsiaJ, Oakley CM, Hosenpud JD, et al. Peripartum cardiomyopathy: National Heart, Lung, and Blood Institute and Office of Rare Diseases [National Institutes of Health] workshop recommendations and review. JAMA. 2000;283(9):1183-8. Álvarez Navascués R, Marín R, Testa A, Pañeda F, Álvarez Grande J. Pre eclampsia y miocardiopatía periparto: una asociación infrecuente. Nefrologia. 2001;21(1):84-7. Ardila DFP, Hurtado SN, Osorio EMA, Rosero RAA. Miocardiopatía periparto. Rev Insuf Cardíaca. 2009;4(4):177-83. Bhakta P, Mishra P, Bakshi A, Langer V. Case report and mini literature review: anesthetic management for severe peripartum cardiomyopathy complicated with preeclampsia using sufetanil in combinated spinal epidural anesthesia. Yonsei Med J. 2011;52(1):1-12. Ramaraj R, Sorrell VL. Peripartum cardiomyopathy: causes, diagnosis, and treatment. Cleve Clin J Med. 2009;76(5):289-96. Tiwari AK, Agrawal J, Tayal S, Chadha M, Singla A, Valson G, et al. Anaesthetic management of peripartum cardiomyopathy using “epidural volume extension” technique: a case series. Ann Card Anaesth. 2012;15(1):44-6. Lampert MB, Lang RM. Peripartum cardiomyopathy. Am Heart J. 1995;130(4):860-70. Urbanetz AA, Carraro EA, Kalache LF, Kalache PF, Lobo PHF, Germiniani H, et al. Cardiomiopatia periparto. Femina. 2009;37(1):13:8. Mielniczuk LM, Williams K, Davis DR, Tang AS, Lemery R, Green MS, et al. Frequency of peripartum cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2006;97(12):1765-8. Gama Pinto C, Colaço J, Maya M, Avillez T, Casal E, Hermida M. Miocardiopatia periparto. Acta Med Port. 2007;20(5):447-52. Costa SHM, Ramos JGL, Vettori DV, Valério EG. Hipertensão crônica e complicações na gravidez. Rev Soc Cardiol Rio Grande do Sul. 2005;14(5):44-7. Doménech Asensi P, Hernández-Palazón J, Tortosa Serrano JA, Burguillos López S, Alonso Miranda B. Miocardiopatía periparto y edema pulmonar tras cesárea. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2002;49(3):156-9. 14. Felker GM, Thompson RE, Hare JM, Hruban RH, Clemetson DE, Howard DL, et al. Underlying causes and long-term survival in patients with initially unexplained cardiomyopathy. N Eng J Med. 2000;342(15):1077-84. 15. Sánchez-Rubio Lezcano J, Galache Osuna JG, Marquina Barcos A, Calvo Cebollero I, Diarte de Miguel JA, Placer Peralta LJ. Miocardiopatía periparto con trombosis biventricular. An Med Interna. 2004;21(10):498-500. 16. Rizeq MN, Rickenbacher PR, Fowler MB, Billigham ME. Incidence of myocarditis in peripartum cardiomyopathy. Am J Cardiol. 1994;74(5):474-7. 17. Witlin AG, Mabie WC, Sibai BM. Peripartum cardiomyopathy: an ominous diagnosis. Am J Obstet Gynecol. 1997;176(1 Pt 1):182-8. 18. Moreira CC, Zanati SG, Medeiros VT, Guimarães C, Simões EF, Matsubara BB. Características clínicas associadas à evolução desfavorável na miocardiopatia periparto. Arq Bras Cardiol. 2005;84(2):141-6. 19. Kane A, Mbaye M, Ndiaye MB, Diao M, Moreira PM, Mboup C, et al. Évolution et complications thromboemboliques de la myocardiopathie idiopathique du péripartum au CHU de Dakar: étude prospective à propos de 33 cas. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2010;39(6):484-9. 22. Ávila WS, Carvalho MEC, Tschaen CK, Rossi EG, Grinberg M, Mady C, et al. Gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto. Estudo prospectivo e comparativo. Arq Bras Cardiol. 2002;79(5):484-93. 20. Elkayam U. Clinical characteristics of peripartum cardiomyopathy in the United States: diagnosis, prognosis, and management. J Am Coll Cardiol. 2011;58(7):659-70. 21. Cruz MO, Briller J, Hibbard JU. Update on peripartum cardiomyopathy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2010;37(2):283-303. 23. Albanesi Filho FM, Silva TT. O comportamento das gestações subsequentes na cardiomiopatia periparto. Arq Bras Cardiol. 1999;73(1):47-52. 24. Akbar M, Al-Sayegh A, Abdallah M. Peripartum cardiomyopathy: case report and review of the literature. Kuwait Med J. 2004;36(1):52-4. 25. Almeida EP, Almeida MAC, Amaral LM, Soares Junior C, Haddad MA, Rodrigues LL. Embolia pulmonar por líquido amniótico. Relato de caso e revisão da literatura. Rev Bras Ter Intensiva. 2007;19(2):238-41. 26. Iwase M, Misumida N. Can echocardiographic assessment of pathophysiology in gestational hypertension give a clue for diagnosing peripartum cardiomyopathy? Circ J. 2011;75(5):1055-6. Brasília Med 2012;49(4):306-311 • 311