21 Aula 3 A Economia Mundial Após a Segunda Grande Guerra Vasconcellos, M.A.; Gremaud, A. P.;Toneto, R. Economia brasileira contemporânea. São Paulo: Atlas, 1996. O sistema de Bretton Woods As grandes guerras mundiais da primeira metade do século XIX, assim como os conturbados anos do período de entre guerras, como a crise dos anos 30 e as hiperinflações de países europeus, provocaram grandes perturbações na economia de praticamente todos os países e, por conseguinte, nas relações econômicas internacionais. Esta época se contrastava com a relativa prosperidade de antes da primeira mundial. Esta época, liderada pela Inglaterra, viu a dinamização das relações econômicas internacionais, tanto comerciais quanto financeiras. Já nos anos de entre guerras, o comércio internacional reduziu-se e os fluxos internacionais de capitais também. Segundo as autoridades da época, talvez o principal problema deste período tenha sido a ruptura do chamado padrão-ouro. O Padrão-ouro era uma espécie de sistema monetário internacional tacitamente aceito pelas principais nações desenvolvidas. Já ao final da Segunda Guerra Mundial mostrava-se necessário a existência de um novo sistema monetário internacional. O objetivo de um Sistema Monetário Internacional é o de viabilizar as transações entre países, estabelecendo regras e convenções que regulem as relações monetárias e financeiras e não criem entraves ao desenvolvimento mundial. Neste sentido define-se: o ativo (moeda) de reserva internacional, sua forma de controle, sua relação com as diferentes moedas nacionais (o regime cambial), os mecanismos de financiamento e ajustamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos, o grau de liberdade dos capitais privados e a institucionalidade que garantirá o funcionamento deste sistema. Tais eram as preocupações presentes, nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial, quando se via no comércio mundial importante instrumento para potencializar o desenvolvimento do mundo capitalista. Na Conferência de Bretton Woods, algumas propostas de remodelagem do sistema monetário internacional surgiram; entre elas destacaram-se as do economista inglês John Maynard Keynes e a de Henry White, secretário do Tesouro dos EUA, que prevaleceu. Nasceu, desta conferência, um sistema monetário internacional que foi extremamente importante no reflorescimento do comércio mundial sobre o qual se baseou o crescimento econômico do pós-guerra. Dentro deste contexto foram criadas as quatro principais instituições econômicas do pós-guerra: o sistema de taxas de câmbio de Bretton Woods; o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Mundial; e o Acordo Geral do Tarifas e Comércio (Gatt). 22 O Sistema de Bretton Woods consagra um sistema de gestão de taxas de câmbio chamado padrão dólar-ouro, o qual procurava flexibilizar o chamado PadrãoOuro, que era a base do sistema monetário internacional anterior à Primeira Guerra Mundial. No Padrão-Ouro clássico, os países definiam suas moedas em termos de uma quantidade fixa de ouro, o que consagrava um regime de taxas fixas de câmbio, a partir da cotação em ouro de cada uma das moedas nacionais, O padrão-ouro também impunha a existência de moedas conversíveis, ou seja, a moeda nacional poderia ser a qualquer hora e em qualquer montante convertida em ouro e, portanto, nas outras moedas nacionais, pelas taxas fixadas. Este sistema tinha, segundo alguns autores, um mecanismo automático de correção de possíveis desequilíbrios do balanço de pagamentos. Assim, quando houvesse um déficit no balanço, isto sinalizaria um excesso de demanda por divisas, forçando o governo a vender suas reservas cambiais (ouro). Ao vender suas reservas, porém, o governo estaria adotando uma política monetária contracionista, o que levaria a uma recessão e a uma deflação, os quais corrigiriam o déficit no balanço de pagamentos, pois ocorreria um estímulo às exportações e um desestímulo às importações. O sistema consagrado em Bretton Woods estabeleceu o dólar como moeda internacional e esta era a única moeda que manteria sua conversibilidade em relação ao ouro (O ouro ainda se constituía em um ativo de reserva; a relação entre o dólar e o ouro foi estabelecida cm 35 US$ por onça de ouro). As outras moedas nacionais eram livremente conversíveis em dólar a uma taxa de câmbio fixa (não havia limitações à mobilidade de capital); deste modo o dólar tinha uma paridade com o ouro e as demais moedas com o dólar. Quando uma moeda nacional apresentava tendência demasiadamente forte a se afastar de seu valor estabelecido em relação ao dólar, havia a possibilidade de se reajustar a taxa de câmbio. Esta possibilidade de ajustamento, quando se verificasse um desequilíbrio fundamental, era a principal distinção entre o sistema de Bretton Woods e o padrão-ouro. O sistema de Bretton Woods concebia, assim, um regime de taxas de câmbio fixas mas ajustáveis, sendo que, idealmente, tais ajustes deveriam ser acordados entre os países. Procurava-se desta maneira obter a estabilidade consagrada pelo padrão-ouro ao mesmo tempo que se flexibilizava o sistema à medida que se permitiam ajustes nas taxas de câmbio à medida que desajustes ditos estruturais ocorressem no balanço de pagamentos dos países, evitando-se, assim, grandes recessões para a correção dos problemas de alguns países. Nas três décadas que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, a economia e o comércio internacional prosperaram com base no dólar e neste sistema. Este, porém, não pôde ser mantido, e já nos anos 50 sua sustentação era posta em xeque. A questão, conhecida como “Paradoxo de Triffin”, era a seguinte: para que a expansão ocorresse, era necessário o crescimento das reservas mundiais em dólares (a fim de não haver crises de liquidez internacional). Esta injeção de liquidez se fazia a partir de déficits externos dos EUA; se estes déficits fossem sistemáticos, e se os ativos em ouro norte-americanos fossem constantes (na verdade eram cadentes), a 23 confiança na conversibilidade do dólar e, por conseqüência, a base dos acordos de Bretton Woods ruiriam. Por outro lado, caso não houvesse injeção de liquidez o crescimento também não ocorreria. Assim, o que se verificou foi um forte crescimento econômico, porém com uma contínua perda de confiança no sistema. A questão acirrou-se com as guerras da Coréia e do Vietnã, com a política keynesiana da década de 60 e os conseqüentes aumentos nos déficits americanos (público e comercial). A partir daqui a desvalorização da libra (1967), o mercado duplo de ouro (1968), as crises especulativas do final da década, eram passos no caminho de destruição do sistema montado em Bretton Woods que teve seu fim decretado por Nixon em 1971 com o rompimento da conversibilidade do dólar em relação ao ouro. A partir de então seguiu-se um período de forte instabilidade, baseada, depois de 1973, em taxas flutuantes de câmbio. Houve grande desvalorização do dólar, o qual, apesar de ainda ser a principal reserva internacional, perdeu importância, principalmente em relação ao ien e ao marco alemão. O Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda hoje administra o sistema monetário internacional, foi criado com o objetivo de: evitar possíveis instabilidades cambiais e garantir a estabilidade financeira, eliminando práticas discriminatórias e restritivas aos pagamentos multilaterais. Neste sentido, a estabilidade financeira interna e o combate à inflação nos países membros é uma de suas metas; e de socorrer os países a ele associados se ocorrer desequilíbrios transitórios em seus balanços de pagamentos. Quando estes desequilíbrios ocorressem o FMI poderia financiá-los com os chamados empréstimos compensatórios. Seus ativos, que eram emprestados, constituíam-se inicialmente de reservas em ouro e em moedas nacionais dos países membros. Posteriormente, criou-se um novo ativo de reserva internacional os Direitos Especiais de Saque (DES). Os DES constituem-se num meio de pagamento ou moeda, internacional, em que cada país tem um cota proporcional a seu capital junto ao FMI. O Banco Mundial (também conhecido como BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) foi criado com o intuito de auxiliar a reconstrução dos países devastados pela guerra e, posteriormente, de promover o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos. O Banco tem seu capital subscrito pelos países credores na proporção de sua importância econômica. A partir deste capital o Banco empresta com taxas reduzidas de juros para países menos desenvolvidos com o intuito de desenvolver projetos economicamente viáveis e relevantes para o desenvolvimento destes países (especialmente projetos de infra-estrutura), mas que não obtêm financiamento no setor privado. Além disso, o Banco também funciona como avalista de empréstimos efetuados por capitais particulares para estes projetos. Alguns anos depois da Conferência de Bretton Woods também foi criado o Gatt Acordo Geral de Tarifas e Comércio,(General Agreement on Tariffs and Trade) cujo objetivo básico é a redução das restrições ao comércio internacional e à liberalização 24 do comércio multilateral. Neste sentido, o Gatt estabelece como princípios básicos: a redução das barreiras comerciais, a não-discriminação comercial entre os países, a compensação aos países prejudicados quando de aumentos nas tarifas alfandegárias e a arbitragem dos conflitos comerciais. O Gatt atua especialmente através de “rodadas” de negociações entre os países envolvidos no comércio internacional, buscando reduzir as barreiras impostas a este comércio através de impostos alfandegários e quotas de importação. A partir de 1 995, o Gatt passou a denominar-se OMC — Organização Mundial do Comércio. A partir deste quadro institucional, o pós-Segunda Guerra Mundial mostrou-se um período de crescimento econômico acelerado baseado, em grande parte, no comércio internacional e liderado pelos EUA. Este país, que havia saído da guerra muito menos afetado que os países europeus, foi o grande fornecedor de recursos para a reconstrução dos países atingidos pela Guerra, através do chamado Plano Marshall. Ao mesmo tempo ele exportava um novo modus vivendi, o American way of Iife. Em termos econômicos, este período foi marcado pelo crescimento da produção em massa de produtos padronizados. O crescimento da utilização dos bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos etc.) trazia consigo uma forte expansão na indústria de bens de capital e incorporava definitivamente o progresso tecnológico ao ambiente empresarial. Este progresso tem seu auge durante os anos 60, porém na década seguinte os problemas começam a surgir. Há os chamados choques do Petróleo (1973 e 1979), que encareceram uma das matérias-primas fundamentais da matriz tecnológica sobre a qual se baseou o crescimento do período anterior. Paralelamente ocorre o rompimento do sistema de Bretton Woods e a adoção de um sistema de taxas de câmbio flexíveis nos principais países, com o que instabilizaram-se as taxas de câmbio em nível mundial com forte tendência à desvalorização do dólar. Como foi visto na Parte II (Capítulo 6), a estabilidade é uma necessidade para o bom funcionamento do comércio internacional. Esta maior instabilidade fez com que, nas últimas décadas, o cenário econômico mundial se modificasse sobremaneira. Podemos apontar duas grandes linhas: (i) as transformações na esfera produtiva; e (ii) a globalização financeira.