EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ______VARA DA COMARCA DE ____________________, ESTADO DO PIAUÍ O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por seu representante legal, que ao final subscreve, no uso de suas atribuições legais e fundamentado nos artigos 6º, 127, 129, incisos II e III e 196 da Constituição Federal de 1988; artigo 1° e ss. da Lei Federal nº 8.080/90 e art. 1° e ss. da Lei 7.347/85, vem, perante o douto juízo de V. Exa., oferecer a competente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (OU MANDADO DE SEGURANÇA OU AÇÃO CIVIL PÚBLICA) COM PEDIDO DE LIMINAR, objetivando a concessão de transporte municipal para paciente a ser tratado no município de Teresina, que necessita de tratamento médico de alta complexidade, em face do MUNICÍPIO DE ________________, na pessoa de seu representante legal, pelos fatos e fundamentos jurídicos que passa a aduzir: DOS FATOS II - DO DIREITO A Constituição Federal no seu capítulo II, do Título II, art. 6° eleva o DIREITO À SAÚDE à condição de direito fundamental do homem, colocando-o na categoria dos DIREITOS SOCIAIS, vejamos: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (grifo nosso). Mais adiante, ao tratar da SEGURIDADE SOCIAL, no título VIII, capítulo II, Seção II, art. 196, a Constituição Federal concebeu a SAÚDE como DIREITO DE TODOS e DEVER DO ESTADO, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Sendo, portanto, a saúde, um direito fundamental de todos os seres humanos, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, materializadas em ações governamentais previamente definidas e priorizadas na busca das mesmas finalidades. Se o dever do Estado conduz à definição de políticas sociais básicas, o direito de todos leva à existência de direito subjetivo, exercitável, portanto, contra o Poder Público. Reconhece-se, pois que o interesse tutelado tem força subordinante, isto é, SUBORDINA O ESTADO AO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES HUMANAS PROTEGIDAS POR LEI. Atender ao direito social protegido pela lei significa produzir ações e serviços que satisfaçam os titulares daqueles direitos. Existindo oferta irregular dessas ações e serviços por parte do Estado, ou até mesmo inexistindo, a força subordinante do direito social violado conduz a necessidade de prestação jurisdicional, de modo que a ordem social violada pelo Poder Público, notadamente através de seu Poder Executivo possa ser restaurada pelo Poder Judiciário. Visando organizar os serviços e ações de saúde, a fim de que todos tenham garantido o seu direito a uma saúde plena, foi criado pela Constituição Federal de 1988, art. 198, o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE/SUS, sendo este conceitualmente, um sistema federativo, com participação dos governos municipal, estadual e federal, mas que mantém o princípio do mando único em cada instância federativa. Em seqüência ao dispositivo acima referido, o art. 198, II, prevê que as ações e serviços públicos de saúde do Sistema Único têm como diretriz o atendimento integral. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO preleciona que a proteção à saúde, elencada no art. 6º da Constituição Federal como direito social, deve ser integral, qualificando como “pérola” o texto do art. 198, II, ao dissertar que “manda ele que o atendimento à saúde seja integral, o que significa, na medida em que as palavras têm valor, que todas as doenças e enfermidades serão objeto de atendimento, por todos os meios ao dispor da medicina moderna” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Editora Saraiva, 1995, v. 4, p. 54 a 56). Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde elenca como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. O SUS, então recém-criado pela Constituição Federal, veio a ser regulamentado pelas Leis 8.080 de 19/09/90 e 8.142 de 28/12/90, as quais expressam as conquistas contidas na Constituição, mantendo e aprofundando as suas ambigüidades. São princípios constitucionais do SUS, a UNIVERSALIDADE DE ATENDIMENTO, significa que todos têm acesso gratuito às ações e serviço de saúde; EQUIDADE, o Poder Público deve oferecer condições de atendimento igual para todos, sem privilégios e sem barreiras; INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA, o Poder Público deve garantir o atendimento integral da saúde dos cidadãos, ou seja, prestar todos os serviços de saúde, desde a prevenção de doenças até o mais difícil tratamento de uma patologia, não excluindo nenhuma doença; DESCENTRALIZAÇÃO, significa transferir para os municípios o direito e a responsabilidade de controlar os recursos financeiros, as ações de saúde e a prestação de serviços de saúde em seu território, ou seja, é o município e não mais a União que estabelece a política local de saúde, já que cada município brasileiro tem suas particularidades, e justamente por isto, a Constituição Federal deu aos Prefeitos a responsabilidade sobre todas as ações e serviços de atenção à saúde, exatamente porque a proximidade com a população permite-lhes conhecer as reais necessidades locais. São objetivos do SUS, dentre outros, conforme prevê o art. 5°, inciso III da Lei 8.080/90: “A assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistênciais e das atividades preventivas. Em resumo, o SUS deve ofertar gratuitamente todos os serviços a todos os cidadãos, de forma igualitária, sem privilégios ou barreiras, ou seja, o SUS da forma que foi concebido veio para satisfazer um desejo e uma necessidade dos brasileiros: um sistema de saúde para todos, o qual deveria ser organizado de forma eficiente e capaz de promover a saúde do conjunto de cidadãos. É preciso lembrar que o município não pode se esquivar de suas responsabilidades perante os usuários do SUS, pois no trato da saúde pública a Constituição Federal estabeleceu que os entes federados possuem competência comum sobre todas as ações nesta seara. Neste sentido, foi o voto do Ministro Gilmar Mendes em recente julgado sobre o tema, in verbis: “A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde.” Portanto, a solidariedade imposta pela Constituição da República não cerceou o poder do estabelecimento de uma divisão de competências para cada ente federativo, e no caso em tela, tal competência foi atribuída tão somente ao Município, enquanto responsável pela gestão da saúde pública no município, em que pese todos os entes serem responsáveis pela prestação universal e integral da saúde pública. Corroborando essa questão, a Carta Magna, em seu art. 30, VII, afirma que é de obrigação do Município prestar serviços de atendimento à saúde da população, com contribuição técnica e financeira da União e do Estado. Ou seja, entende-se que quem participa diretamente do trato com seus cidadãos, no fornecimento de medicamentos necessários e na prevenção de doenças ou no tratamento destas, é o Município. Quanto à União cabe a gerência e o planejamento das atividades ligadas a este setor, enquanto os Estados ficam com a função de fiscalização, e neste caso especifico com os benefícios do TFD. DO FINANCIAMENTO DO SUS A Constituição Federal determina no seu art. 198, § 1°, abaixo reproduzido, que o financiamento do SUS é de responsabilidade das três esferas do governo, ou seja, é atribuição constitucional do Poder Público Municipal, Estadual e Federal destinar uma parcela de seu orçamento para financiar as ações e serviços de saúde: Art. 198 ..................................................... § 1° - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Portanto, o orçamento total de um município destinado à saúde deve somar os recursos federais, com os do próprio município e os repassados pelo Estado. Com a edição da Emenda Constitucional n° 29 de 13/09/00, a qual acrescentou o art. 77 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi possível a garantia de aplicação de recursos mínimos nas ações e serviços públicos de saúde. No caso dos municípios, este percentual deve ser de quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos de sua competência (art. 156), do produto da repartição das receitas tributárias (art. 158), dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios- FPM e recursos recebidos do Estado relativos ao produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados (art. 159 § 3°). Diante disto, conclui-se que além dos recursos federais supracitados, destinados ao município de _______________ para aplicação nas ações e serviços de saúde, deve haver a contrapartida do município no percentual mínimo fixado constitucionalmente. DO TFD O TFD consiste no custeio para tratamento de saúde, em outra localidade que não no município de residência, a ser prestado a qualquer cidadão residente no Estado do Piauí, quando esgotados todos os meios de tratamento na localidade de residência do mesmo, conforme o disposto no manual de concessão de TFD aprovado pela CIB 038/2009. A Comissão Intergestores Bipartite (CIB) dispõe ainda que terão prioridade máxima para autorização do TDF os pacientes submetidos a tratamentos de Terapia Renal Substitutiva, Quimioterapia e Radioterapia e pacientes com indicação de transplantes não ofertado no Piauí. O Manual indica ainda que constituem clientela do TFD pacientes portadores das seguintes patologias: Porfíria, HIV, controle em oncologia e outras patologias que comprovem que o tratamento só é realizado neste pólo de saúde ( Teresina), desde que haja possibilidade de cura total ou parcial, limitando ao período estritamente necessário a este tratamento. Esta situação prevista pela CIB, amolda-se a presente demanda, vez que, o município de _____________ não dispõe dos serviços de hemodiálise, sendo que os pacientes aqui residentes e que necessitem dos referidos tratamentos, devem ter condições de se deslocarem até a Unidade de Referência para atendimento (princípio da integralidade de assistência). Portanto, se o município não dispõe de certos tratamentos médicos, e compõe o sistema de provimento das necessidades da sua população, terá que encaminhar os pacientes que necessitem desses tratamentos até o município prestador do serviço mais próximo de sua cidade, que no presente caso é a capital do estado do Piauí, a fim de serem devidamente atendidos. Nesse sentido a melhor jurisprudência pátria, vejamos: EMENTA: Ação civil pública. Liminar. Requisitos. Presença. Município. SUS. Tratamento fora do domicílio do paciente. Direito à vida. Legítima é a decisão liminar proferida em ação civil pública, que determina ao Município o pronto atendimento a paciente beneficiário dos serviços do SUS, cuja sobrevivência dependa, comprovadamente, da realização das providências requeridas, portanto imperiosa a preservação da vida, em obséquio da proteção aos direitos fundamentais que, como frutos da própria natureza humana, são anteriores ao Estado e inerentes à ordem jurídica brasileira, a teor do art. 5°, “caput”, da Constituição Federal. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso. Agravo (C. Cíveis Isoladas) n° 1.0236.04.002930-8/001 – Comarca de Eloi Mendes – Agravante Município de Eloi Mendes – Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Relator: Des. Almeida Melo. Desta forma, percebe-se que o TFD vem cumprindo os seus compromissos para com o paciente, entretanto mesmo com tal fato, o substituído vem sofrendo para obter o serviço em Teresina, tendo em vista a grande dificuldade em chegar às clinicas que realizam o procedimento, devendo o município, com recursos próprios, estabelecer medidas aptas a levar os pacientes até o seu destino, atendendo-se ao princípio do atendimento integral. DA RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO Os municípios exercem importante papel na implementação dos serviços públicos de saúde, em especial no cumprimento do principio da integralidade da assistência. Neste sentido, o PACTO PELA VIDA, EM DEFESA DO SUS E DE GESTÃO, implementado pela Portaria 699/GM de 30 de março de 2006, evidencia que o município é responsável pela integralidade da atenção à saúde da sua população, exercendo essa responsabilidade de forma solidária com o estado e a União, atendendo-se aos seguintes preceitos: “Todo município deve: a) Garantir a integralidade das ações de saúde prestadas de forma interdisciplinar, por meio da abordagem integral e continua do individuo no seu contexto familiar, social e do trabalho; englobando atividades de promoção da saúde, prevenção de riscos, danos e agravos; ações de assistência, assistência, assegurando o acesso ao atendimento das urgências; (...) g) Desenvolver, a partir da identificação das necessidades, um processo de planejamento, regulação, programação pactuada e integrada da atenção à saúde, monitoramento e avaliação; j) Organizar e pactuar o acesso a ações e serviços de atenção especializada, a partir das necessidades da atenção básica, configurando a rede de atenção, por meio dos processos de integração e articulação dos serviços de atenção básica com os demais níveis do sistema, com base no processo da programação pactuada e integrada da atenção à saúde; k) Pactuar e fazer o acompanhamento da referência da atenção que ocorre fora do seu território, em cooperação com o estado, distrito federal e com os demais municípios envolvidos no âmbito regional e estadual, conforme a programação pactuada e integrada da atenção à atenção; l) Garantir estas referências de acordo com a programação pactuada e integrada da atenção à saúde, quando dispõe de serviços de referencia intermunicipal Cabe destacar que a referência do município de ___________ para realização de hemodiálise é a cidade de Teresina, localidade mais próxima onde ficam clínicas de recuperação para pacientes com insuficiência renal, e conforme a Programação Pactuada Integrada os serviços que não são disponibilizados pelos municípios devem ser efetuados no município mais próximo da localidade de residência do paciente. Desta forma, tendo em vista que cabe ao município prover os meios necessários para o acesso integral a saúde dos seus munícipes, conforme afirmado no PACTO PELA VIDA, EM DEFESA DO SUS, e sendo a capital o local mais próximo para realização de hemodiálise dos pacientes oriundos da cidade de ______________, cabe a esta disponibilizar os meios de transporte necessários para realização do tratamento. DA LIMINAR Medida liminar no presente feito é essencial na aplicação efetiva e imediata de justiça e resgate do direito à saúde de toda a população da cidade de _____________, em especial dos pacientes que necessitam fazer tratamento de _____________, estando no caso sub examine presentes os requisitos necessários à sua concessão, os quais são o periculum in mora e o fumus boni iuris. O “periculum in mora” está presente no caso em tela, na medida em que a demora da tutela de mérito (sentença) que condene o município de __________ a cumprir obrigação de fazer, qual seja, conceder aos usuários do SUS meio de transporte adequado para levar os pacientes até a clinica, sob pena de os pacientes terem graves conseqüências na continuação de seus tratamentos. Concedida a liminar diante da comprovada situação de perigo, o juiz antecipa a adoção da medida protetora e impede a superveniência da lesão à coletividade e da lesão ao direito à saúde dos pacientes em referência. Não fosse assim, a proteção jurídica a esse direito seria inócua, vez que no caso específico o socorro viria tarde, prejudicando irreparavelmente a saúde dos cidadãos supracitados. Conforme já demonstrado, a concessão pelo município de ___________ de auxílio do TFD aos mencionados pacientes não vem sendo suficiente para prover integral assistência aos usuários do SUS no município de ______________. O “fumus boni iuris” está presente no caso em comento, na medida em que a saúde é direito de todos e dever do Estado, cabendo ao município de ____________ prestar assistência integral aos pacientes do SUS, residentes neste município, evidenciando-se assim a urgência da LIMINAR. Logo tendo por meta principal evitar danos aos bens protegidos pela ordem jurídica, valendo-se do instrumento que é a ação civil pública, a medida liminar busca preservar o bem até a decisão final do mérito. IV- DOS PEDIDOS Ex Positis, requer o Ministério Público: 1 – Seja concedida LIMINAR, sem audiência prévia do município de _____________, determinando que este, através da Secretaria Municipal de Saúde, custeie meio de transporte adequado para levar os pacientes até Teresina, o que assegurará o respeito ao direito constitucional à saúde dos mesmos, eis que presentes os pressupostos legais do “fumus boni iuris” e o periculum in mora”, sob pena em caso de descumprimento da decisão concessiva da liminar, ora postulada de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), ou outro valor fixado por esse douto juízo, sem prejuízo do crime de desobediência. 2 – Seja o município citado, para, se quiser, oferecer resposta escrita no prazo legal, prosseguindo-se até final condenação. 3 – Seja permitida a mais ampla produção de prova, a ser oportunamente especificada. 4 – Ao final e de forma definitiva através de sentença, condene o município de _________, através da Secretaria Municipal de Saúde a adquirir transporte adequado para levar todos os pacientes para Teresina, residentes neste município, que necessitem de tratamento médico de média e alta complexidade não disponíveis no mesmo e que devem ser prestados na capital. Dá-se a causa o valor R$ 1.000,00 (mil reais) somente para efeitos fiscais. NESTES TERMOS PEDE DEFERIMENTO. __________, __ de ____________ de 2010. __________________________________________________________ Promotor de Justiça da Comarca de ______________