PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOCIÊNCIAS FORENSES Técnicas de Biologia Molecular aplicadas na Investigação Forense Carla Joara de Fraga Gaertner(1) Dr. Pedro Binsfeld(2) 1 Autora: Bióloga. Estudante do Programa de Pós-Graduação em Biociências Forense, pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected] 2 Orientador: Docente do Programa de Pós-Graduação em Biociências Forense, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e Instituto de Estudos Farmacêuticos, SHCGN 716 Bl. B Lj 05 Brasília-DF CEP: 70770-732. E-mail: [email protected] RESUMO Nos últimos 20 anos a molécula de DNA tornou-se um elemento poderoso na identificação humana e investigação criminal. Há várias técnicas de Biologia Molecular que são usados na investigação forense pela análise de DNA, RNA ou proteínas. O objetivo básico do presente trabalho foi descrever as principais técnicas moleculares utilizadas no Brasil para fins forenses. Para isso, recorreu-se a uma revisão de literatura atualizada das várias técnicas moleculares validadas e aceitas pela justiça como prova. Observou-se que as técnicas estão sendo aprimoradas continuamente e que no meio da investigação forense o uso de DNA está em grande ascendência tanto para fins de investigação como pela justiça. Isso demonstra a importância e justifica os trabalhos que contribuem para aprimorar o desenvolvimento e difusão das técnicas moleculares para fins forenses, disponibilizando as melhores e mais atualizadas ferramentas de trabalho, para que estes possam oferecer resultados da investigação precisos e seguros, e com isso, aprimora a investigação forense e o judiciário brasileiro. Palavras-chave: Genética forense, marcadores de DNA, perfil de DNA, polimorfismo humano. Molecular biology techniques applied to Forensic Investigation ABSTRACT Over the past 20 years the DNA molecule has become a powerful element in human identification and criminal investigation. There are several techniques of molecular biology that are used in the analysis of forensic DNA, RNA or protein. The basic objective of this study was to describe the molecular techniques used for forensic purposes in Brazil. For this, we used a review of current literature of molecular techniques validated and accepted by the courts as evidence. It was noted that the techniques are being continually improved and that in the middle of the forensic use of DNA parentage is in great both for research purposes and for justice. This demonstrates the importance and justifies the work that contribute to improve the development and dissemination of molecular techniques for forensic purposes, providing the best and most current tools, to enable them to offer research results accurate and reliable, and thus, improves forensic investigation and the Brazilian judiciary. Keywords: Forensic Genetic, DNA markers, DNA profile, human polymorphisms. 1. INTRODUÇÃO A biologia molecular tem como foco o estudo da estrutura e da função do material genético e de seus produtos de expressão que são as proteínas. Ou seja, a função da biologia molecular é investigar as interações entre os diversos sistemas celulares, incluindo a relação entre ácido desoxirribonucléico (DNA), ácido ribonucléico (RNA) e síntese protéica. Seu campo de estudo abrange várias áreas da biologia e da química, podendo considerar-se a biologia molecular uma ligação entre a bioquímica e a genética. A partir de meados dos anos 80, os avanços nas técnicas de DNA propiciaram significativo impacto no campo da ciência forense, e foi pelas técnicas de identificação, e análise do DNA, que se verificou que esta era uma poderosa ferramenta para a identificação humana e para a investigação criminal (KOCH & ANDRADE, 2008). Em geral, na cena de crime encontram-se diversos tipos de vestígios biológicos, que por meio dos testes de DNA podem tornar-se evidências importantes, sendo inclusive possível a identificação de suspeitos, excluindo também inocentes, cabendo ao perito identificar o tipo de amostra encontrada e qual melhor técnica de identificação, sem esquecer que os exames devem ser realizados com a utilização de métodos científicos e os laudos devem ser escritos em linguagem ética e juridicamente perfeita (DOREA et al. 2005). Segundo o legista Francisco Corte-Real do Instituto de Medicina Legal (INML-MS), esta área do saber é extremamente importante para ajudar a deslindar casos que, de outro modo, jamais seriam resolvidos (FELGUEIRAS, 2008). A caracterização e manipulação dos componentes moleculares das células e organismos somente foi possível, primeiro pela descoberta do núcleo celular e da sua composição química. E, segundo foi o conhecimento e a identificação do DNA como material genético e suas propriedades químicas e físicas que permitiu avanços para identificação forense (DUCLOS, 2004). O reconhecimento de que era possível definir marcadores moleculares que são únicos em cada indivíduo, e com isso a identificação individual, torna esse processo muito interessante para fins forenses. Essa técnica de identificação denomina-se de DNA fingerprint ou de perfil de DNA e baseia-se no fato de que as pessoas são únicas e possuem marcadores no genoma que as diferencia dos demais e os únicos que são idênticos são os gêmeos univitelinos (RUI, 2003/2004, KOCH & ANDRADE, 2008). Neste contexto, o presente trabalho apresenta um levantamento e descrição das principais técnicas de biologia molecular utilizadas na investigação forense, considerando os benefícios e as limitações destas técnicas, assim como, entender a legislação que rege o uso das técnicas moleculares na investigação forense. 2. METODOLOGIA O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa, de modalidade teórica e com análise da bibliografia formal, discursiva e concludente. O método de abordagem indutivo foi escolhido como procedimento monográfico, realizando o levantamento das publicações em base de dados nacionais, com o objetivo de identificar as principais técnicas moleculares utilizadas na investigação forense. Com este propósito foi efetuada uma revisão do acervo de documentos bibliográficos, baseados em artigos científicos e regulamentos disponíveis nas bases de dados disponíveis em bibliotecas virtuais e sítios da rede mundial de computadores. A busca foi realizada no idioma português através de palavras chaves relacionadas com o trabalho em questão como, uso de técnicas moleculares forenses. Sendo que, foram encontrados artigos em diferentes idiomas. Para revisão, considerou-se documentos publicados de 2001 a 2011. Este recorte temporal foi escolhido em função da maior disponibilidade de bibliografia e o crescente avanço que a investigação forense tem alcançado. O assunto abordado apresenta um número significativo de estudos, o que possibilitou elencar a eficiência e a limitação das diferentes técnicas hoje utilizadas, descrevendo também o que prevê a legislação. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na área forense, as técnicas de biologia molecular vêm-se fortalecendo no transcorrer dos últimos vinte e cinco anos (Figura 1). Isso em função do desenvolvimento de técnicas cada vez mais sofisticadas e em número cada vez maior. Esta evolução somente foi possível pelo desenvolvimento e compreensão da biologia molecular e a descoberta de novas técnicas e métodos eficazes para a detecção do DNA humano para fins forenses. Um levantamento realizado no banco de dados PUBMED, usando os termos de pesquisa “técnicas de DNA para genética forense em humanos” (DNA techniques for human forensic genetic), realizado em março de 2011, mostrou que em 1985, somente dois artigos mencionavam o uso de técnicas de DNA em forense humana, enquanto que vinte e cinco anos depois, (em 2010) eram duzentos e oitenta e cinco artigos. Observa-se também que a cada cinco anos, praticamente o número de publicações dobra em relação ao ano anterior. Esses resultados apontam para um consistente avanço e desenvolvimento de novas técnicas de investigação forense em humanos (Figura 1). Número de Publicações 300 250 200 150 100 50 0 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Anos considerados Figura 1. Resultado do levantamento do número de publicações no banco de dados do PUBMED, relacionados às técnicas de DNA para genética forense em humanos (DNA techniques for human forensic genetic), realizado em março de 2011. Com o aprimoramento das técnicas é cada vez mais eficiente a recuperação de traços do material biológico em cenas de desastres ou crimes. Esses traços contêm evidências de DNA que ajudam a identificar vítimas, suspeitos e exonerar inocentes. Pela importância que a investigação forense vem adquirindo nos últimos anos, as técnicas e os métodos de identificação de amostras têm se desenvolvido na mesma proporção. A frequência de sua utilização, exige cada vez mais estudos de desenvolvimento e aprimoramentos das técnicas que utilizam DNA para fins forenses (AZEVEDO, 2009). 3.1. Procedimentos de coleta do material biológico para fins forenses Amostras físicas e biológicas que não são coletadas, documentadas e preservadas de modo apropriado não permitem obter bons resultados ou não possuem valor científico em investigações criminais (PARADELA et al., 2001). Para fins forenses o material biológico (em especial o DNA) deve ser coletado, acondicionado e manipulado com critérios rígidos e restritos para que em análises posteriores produza os resultados desejados e fidedignos. O método de coleta dependerá do estado e condição das amostras, devendo-se coletar uma quantidade significativa. Considera-se também que as amostras de DNA podem sofre alterações que afetam a cadeia de nucleotídeos, modificando assim sua composição e estrutura, o que impossibilita o uso da amostra. Para que isso não ocorra esta deve ser mantida em ambiente o mais frio e seco possível, evitando que sua atividade biológica não seja perdida (SILVA & PASSOS, 2006). Dado a grande importância de coletar as amostras biológicas em condições adequadas para fins forenses são necessários materiais que além de caros, são também importados, o que pode em determinadas circunstâncias resultar em morosidade e dificuldade de acesso, daí a importância de preservar o material e usá-lo adequadamente ao fim propostos. Assim, o próprio perito ou a sua instituição podem produzir um ”kit” de materiais para coleta, que são facilmente encontrados. O kit de coleta e preservação deve ser usado somente para essa finalidade, evitando assim contaminação do material.(SILVA & PASSOS, 2006). Entre os principais materiais que compõem o kit e que atendem as necessidades em quase todos os casos, tem-se: 1. Maleta – destinada para transporte e armazenamento do material de coleta; 2. Suabe e/ou Cotonete (algodão ou dracon) – utilizado na coleta de material líquido ou em manchas secas. Pode ser utilizado cotonete comercial; 3. Água destilada estéril – utilizada para umedecer o suabe (ou cotonete); 4. Pinças – coleta de cabelo ou material sólido; 5. Luvas descartáveis (de procedimento); 6. Máscara cirúrgica; 7. Touca cirúrgica; 8. Envelopes – transporte e armazenamento das amostras; 9. Seringas descartáveis – coleta de líquidos; 10. Coletor universal – acondicionamento e transporte de amostras; 11. Tubos plásticos – acondicionamento de transporte de amostras; 12. Espátula descartável – para coleta de amostras sólidas; 13. Estilete (com lâminas descartáveis) – efetuar cortes em tecidos, couro, etc.; 14. Bisturi (com lâminas descartáveis) – efetuar pequenos cortes e raspagem de amostras secas; 15. Tesoura – efetuar cortes em geral; 16. Palito de cutícula – para coleta de amostras sob as unhas; 17. Algodão hidrófilo; 18. Fita adesiva – coleta de amostras; 19. Papel (tipo ofício/A4) – coleta e acondicionamento de amostras; 20. Isopor (pedaços) – fixar suabe ou cotonetes para secar e transportar; 21. Sacos plásticos – transporte e armazenamento de amostras; 22. Sacos de papel - transporte e armazenamento de amostras; 23. Caixa para transporte de suabe; 24. Caixa de isopor pequena – transporte das amostras (SILVA & PASSOS, 2006). Para cada tipo de material biológico com potencial uso forense, exige-se um tipo diferente de coleta. Quando se trata de fluídos (sangue, esperma, saliva e outros), e este estive em estado líquido e em pequenas quantidades, deverá ser coletado através de suabe estéril. Se for em quantidade maior usa-se uma seringa descartável estéril. Se o fluído estiver seco e em pequenos objetos ou roupas, os mesmos deverão ser encaminhados para análise, se estiver em grandes objetos ou em superfícies de metal, paredes ou móveis, deverão ser retirados utilizando-se bisturi ou espátula, ou ainda suabe umedecido com água estéril. Objetos que possam ser cortados utilizam-se tesoura e quando o fluído estiver em partes do corpo humano utilizam-se pinças para sua retirada (PARADELA et al., 2001). No caso do sangue líquido coletado recomenda-se que este seja preservado com anticoagulantes. Entretanto, deve-se atentar ao fato de que algumas das substâncias empregadas podem afetar a Reação em Cadeia da Polimerase (do inglês, Polymerase Chain Reaction – PCR), que é uma etapa primordial em se tratando de análise de DNA. O EDTA (do inglês, Ethylenediaminetetraacetic acid) pode ser usado, desde que em concentrações indicadas para este fim (AZEVEDO, 2009). No caso das amostras serem compostas de tecidos (osso, pele, sangue, unhas, etc), órgãos, pêlos com bulbo capilar (raiz), estes devem ser documentados pela descrição ou fotografia. O material de coleta deve ser estéril e cada item deve ser acondicionado separadamente, selado e identificado (SILVA & PASSOS, 2006). Para amostras de saliva, urina e outros fluidos corporais líquidos, estes devem ser envasados em recipientes neutros e estéreis. Deve-se manter este material acondicionado a frio e na ausência de luz (SILVA & PASSOS, 2006). Caso se trate de manchas de fluidos corporais (sangue, sêmen, saliva, etc), faze-se a documentação e em seguida coleta-se parte do material biológico no qual este esteja aderido (por exemplo, lençol, vestes, etc.), ou quando se trata de objetos maiores ou metálicos coleta- se com utensílios apropriados, acondicionado as amostras em recipientes neutros e estéreis, tendo o cuidado de evitar contaminações (SILVA & PASSOS, 2006). Todo procedimento de coleta de material biológico para análise deve considerar preceitos de biossegurança padronizadas pela legislação e pelos programas de acreditação laboratorial, visando a proteção pessoal do perito e evitando o que se denomina de erro humano. Após a coleta e acondicionamento apropriado dos materiais, estes devem ser encaminhados à laboratório credenciado e preparado para análise (SILVA & GONTIJO, 2010). 3.2. Principais marcadores moleculares utilizados para obtenção de perfis genéticos Fluidos biológicos como normalmente contêm células, podem ser usados como fonte de DNA. As amostras mais comuns são: sangue, suor, pêlos, saliva, urina, sêmen, ossos, unhas, pele, fezes, entre outros (DOLINSKY & PEREIRA, 2006). Os principais marcadores moleculares podem ser agrupados em dois tipos: a) os de polimorfismos de comprimento e b) os de polimorfismos de seqüência (MUNIZ & SILVA, 2010). Os polimorfismos de comprimento incluem regiões que se repetem no DNA genômico e são chamados de microssatélites (STRs) e minissatélites (VNTRs) sendo os mais estes os mais usados na atualidade. A investigação ser realizada através de sondas de DNA ou pela técnica de PCR. Estes polimorfismos entre indivíduos fundamenta-se pela diversidade e a variação do número de repetições entre os indivíduos (DOLINSKY & PEREIRA, 2006). Já os polimorfismos de seqüência constituem-se de diferentes nucleotídeos em uma determinada localização no genoma, sendo que suas variações podem ser manifestadas como regiões de alelos alternativos, substituições, adições ou deleções de bases (MUNIZ & SILVA, 2010). A grande diversidade nestas regiões se dá pelo número de repetições de uma dada seqüência de bases que varia entre indivíduos, podendo ser de 1 a 4 bases nos STRs e de 10 a 100 bases nos VNTRs. Cada possibilidade de tamanho (ou de número de repetições) representa um alelo (DOLINSKY & PEREIRA, 2006). Os VNTRs (do inglês, Variable Number of Tandem Repeats) são seqüência curtas de bases que ocorrem em números variáveis dentro do grupo de repetições in tandem (MUNIZ & SILVA, 2010). O número de repetições encontradas, variam de um local para outro dentro do genoma e também variam entre indivíduos. Podendo assim ser diferenciados pelo comprimento de seqüência VNTR do DNA (DOLINSKY & PEREIRA, 2006). Os STRs (do inglês, Short Tandem Repeats) são nucleotídeos alinhados, em curtas repetidas, organizados em sequência. Estes são trechos de DNA constituídos em unidades repetidas de dois, três ou quatro nucleotídeos e localizados dentro de regiões de seqüência única com número menor do que 100 pares de nucleotídeos (MUNIZ & SILVA, 2010). Cada região genômica que contêm determinado número de repetições de uma sequência constitui um loco genético, que varia entre os indivíduos e também é multialélico. (DOLINSKY & PEREIRA, 2006). O que difere entre os VNTRs dos STRs é o tamanho, ou seja o número de bases, sendo que os STRs contém poucos pares de bases. Esta característica permite que seja analisada quantidades mínimas de DNA, enquanto que para a análise dos VNTRs é necessário maior quantidade e qualidade do DNA, sendo por isso, mais utilizado para investigação forense quando só se encontra vestígios de DNA (MUNIZ & SILVA, 2010). O polimorfismo de base única SNPs (do inglês, Single Nucleotide Polymorphism) é o método mais eficiente de marcadores moleculares para fins de investigação e identificação de um indivíduo por meio de DNA. Estes apresentam estabilidade maior comparado os outros métodos. Entre as características tem-se uma classe mais geral de polimorfismos e é distribuído de forma uniforme por todo o genoma. Além de ser o polimorfismo mais comum encontrado no genoma. Possui variações em apenas uma base em cada seqüência de DNA, ocorrendo perto de uma vez a cada 1.350 pb no genoma humano (MUNIZ & SILVA, 2010). Os marcadores SNPs têm como base as alterações mais elementares da molécula de DNA que são as mutações em bases únicas de cadeia polinucleitídica (adenina, citosina, timina e guanina). São encontrados apenas duas variantes em uma espécie (bi-alélicos), podendo ocorrer em regiões codificadas ou regulatórias, sendo, na maioria das vezes, encontrados nos espaços intergênicos, sem função determinada (MUNIZ & SILVA, 2010). O marcador de DNA Mitocondrial (DNAmit) é utilizado quando o material biológico está muito danificado ou quando não é possível extrair DNA nuclear. Essa técnica consiste no sequenciamento de determinadas regiões de DNAmit, que variam de uma pessoa para outra e que são transmitidas pelas mães para os filhos. O DNAmit está presente em todas as células, tendo assim menor risco de degradação em relação ao DNA nuclear (SANTOS & SANT´ANA & ALVES, 2005). Já do pai herda-se o Cromossomo Y onde existem três regiões distintas. Duas regiões são homólogas ao cromossomo X e podem sofrer recombinação. No entanto, há uma parte do cromossomo Y que é exclusiva e que não sofre recombinação. Mutações nessa região podem ocorrer, mas é um evento raro. Sendo assim indivíduos masculinos de uma mesma família apresentam o mesmo padrão de DNA nessa região do cromossomo Y, enquanto indivíduos não relacionados geneticamente apresentam padrões diferentes (LIMA, 2006). 3.3. Principais técnicas de biologia molecular usadas na investigação forense Após a extração do DNA presente na amostra colhida, segue-se a análise dos polimorfismos genéticos. Nos últimos anos foram desenvolvidas diversas técnicas para estudo de diferentes tipos de polimorfismos de DNA, cabendo ao perito responsável pela análise, escolher o método mais adequado para solucionar o problema em questão (DOLINSKY & PEREIRA, 2007). Uma técnica muito utilizada para visualização e separação de moléculas de DNA é a eletroforese. Esta técnica separa moléculas de DNA de acordo com o tamanho (massa), forma e compactação. O DNA migra, em géis de agarose ou acrilamida (que funciona como um suporte), por uma corrente elétrica, que varia em diferentes perfis eletroforéticos, que dependem do seu tamanho e forma. Como são de carga negativa, quando submetidas ao campo elétrico, as moléculas de DNA, migram para o pólo positivo, existindo assim o atrito com o suporte. Quanto maior a molécula, maior o atrito e mais lenta a migração, portanto, moléculas de tamanhos diferentes terão migrado uma distância diferente depois de algum tempo (KOCH & ANDRADE, 2008). A distância que o fragmento percorreu a partir do ponto de aplicação é comparada com a distância que outros fragmentos conhecidos percorrem no mesmo gel (VIEIRA, 2006). Na presença de compostos intercalantes, como o Brometo de Etídio (EtBr), o DNA emite fluorescência por exposição à luz ultra violeta (UV), com isso as moléculas que tiveram o mesmo tamanho serão visualizadas num mesmo ponto do gel, formando assim uma faixa fluorescente. Se existirem tamanhos diferentes de moléculas, estas serão separadas na migração e ficarão visíveis em diferentes localizações do gel (KOCH & ANDRADE, 2008). As moléculas de menor massa molecular têm maior facilidade em migrar através da malha do gel ficando mais próximas do catodo, enquanto as moléculas de maior massa molecular terão maior dificuldade e posicionam-se mais próximas do ânodo (MUNIZ & SILVA, 2010). Apesar de ser uma técnica muito versátil e apresentar baixa dificuldade de realização sua única desvantagem é que a identificação dos fragmentos é feita somente quanto ao tamanho e não quanto à seqüência (KOCH & ANDRADE, 2008). Para se identificar o DNA com uma seqüência de bases especificas usa-se uma técnica chamada Shouthern Blotting. Utilizando a capacidade que tem a nitrocelulose de ligar-se com força ao DNA fita simples, mas não à fita dupla, então o gel é recoberto por uma membrana de nitrocelulose. Assim, as moléculas que estão no gel são forçadas a deslocar-se para a nitrocelulose por capilaridade que retira o líquido usando um papel absorvente pelo outro lado da nitrocelulose, ou seja, como as sondas não se difundem no gel original, os fragmentos de restrições presentes no gel de nitrocelulose ou de nylon por capilaridade (KOCH & ANDRADE, 2008). Com isso, a membrana é então incubada em condições de hibridação com uma sonda específica marcada por radioatividade, obtida a partir de um fragmento de restrição clonado (MUNIZ & SILVA, 2010). A técnica de Shouthern Blotting pode ser utilizada na identificação de polimorfismos que determinam a alteração do padrão de clivagem (devido a mutações pontuais em sítios de restrição) obtido a partir de uma determinada região do DNA (do inglês, Restriction fragment length polymorphism – RFLP) (KOCH & ANDRADE, 2008). Os diferentes padrões são detectados utilizando-se a própria região potencialmente polimórfica como sonda. Padrões de RFLP obtidos com uma determinada sonda podem ser utilizados no estabelecimento de “impressão digital” de DNA, que permite a diferenciação entre dois indivíduos distintos (DOLINSKY & PEREIRA, 2007). A reação de PCR é uma técnica qualitativa bem simples onde moléculas de DNA ou DNA complementar são amplificadas milhares de vezes de uma forma bastante rápida (DOLINSKY & PEREIRA, 2007). O método é programado para permitir a amplificação de sequências-alvo de DNA definidas, presentes em uma preparação de DNA. Para que tal amplificação seja possível, precisa-se de algumas informações previas a respeito das sequências-alvo, que serão utilizadas para desenhar dois oligonucleotídeos iniciadores, denominados primers, e que são específicos para a sequências-alvo apresentando cerca de 15 a 25 nucleotídeos de extensão (KOCH & ANDRADE, 2008). Esta é uma técnica com grande aplicabilidade e especificidade. Uma reação de PCR contém em torno de 30 ciclos de amplificação, sendo que cada um destes ciclos é constituído pelas etapas de desnaturação, pareamento e síntese, nessa ordem, durando em media 3 a 5 minutos em um termociclador automatizado, totalizando menos de três horas para todo o processo (MUNIZ & SILVA, 2010). Essa velocidade e facilidade são uma das vantagens da PCR. Sua desvantagem é de que se houver DNA contaminante estiver presente em níveis comparáveis aos do DNA alvo, sua amplificação pode confundir a interpretação dos resultados, o que leva a uma conclusão errada (KOCH & ANDRADE, 2008). Na área forense a sensibilidade do PCR possibilita a utilização de pequenas amostras como saliva em filtros de cigarro ou fios de cabelo, permitindo uma comparação com outras amostras já coletadas (MUNIZ & SILVA, 2010). A identificação pelo DNA é uma das principais ferramentas do sistema judiciário, pois estabelece laços de parentesco e identifica individualmente as pessoas, sendo que essa identificação é fundamentada no conjunto de características hereditárias que um indivíduo possui para um determinado número de marcadores genéticos (MUNIZ & SILVA, 2010). 3.4. Eficiência e Limitações das técnicas de biologia molecular para fim forense A eficiência do DNA sobre a sorologia tradicional reside na possibilidade de sua aplicação sobre qualquer fonte de material biológico. Uma ampla variedade de tecidos ou líquidos corporais são frequentemente encontrado nas cenas de crimes ou acidentes. Enquanto que testes sorológicos podem ser realizados somente no sangue e não em outros tecidos ou líquidos corporais, estudos com DNA permitem qualquer quantidade traço de qualquer material biológico, incluindo o sangue, pêlos, sêmen, ossos, tecidos diversos, células encontradas na saliva, na urina ou em outros fluidos corporais podes ser analisados para associar para a identificação de um indivíduo (MUNIZ & SILVA, 2010). A eficiência com a qual um exame de DNA é discriminatório pode ser considerada como uma das mais importantes características e responsável pela ampliação da adoção destas técnicas para fins forenses. Enquanto a sorologia usando o grupo sangüíneo ABO, tem capacidade de discriminar aproximadamente um em três indivíduos na população geral, com o DNA esta capacidade discriminatória pode ser de um indivíduo entre o universo de bilhões (KOCH & ANDRADE, 2008). Testes de DNA se tornam eficientes por estarem associados a grande sensibilidade dos exames de DNA. Além disso, o DNA é uma molécula robusta, relativamente resistente aos fatores ambientais, ácidos, álcalis e detergentes, diferentemente dos determinantes protéicos, lipídicos e carboidratos. Ainda a determinação do polimorfismo do DNA por meio de PCR pode ser efetuada com o DNA de algumas poucas células, superando em muito a sensibilidade dos exames tradicionais (DOLINSKY & PEREIRA, 2007). O uso do DNA para fins forenses, não irá por si só provar a culpabilidade ou inocência de criminosos, mas irá relacioná-lo com a cena do crime. Aceita em processos judiciais por todo o mundo, o uso das técnicas de biologia molecular na área forense é de grande valia, pois podem ser utilizadas em quase todos os tipos de investigação tais como: crime sexual, identificação de cadáveres carbonizados, mutilados ou em decomposição, relação entre instrumento lesivo e vítima, entre outros (DOLINSKY & PEREIRA, 2007). Seus resultados são imediatos e não coloca em dúvida, quando coletados e analisados corretamente, a veracidade de seus resultados (MACIEL & ARANTES, 2010). Apesar de grande eficiência os exames em DNA, estes apresentam certas limitações no que diz respeito às peculiaridades da análise. Com frequência, vestígio de outros materiais biológicos ou impurezas colhidas com as amostras biológicas, como por exemplo, fragmentos de tecidos coloridos, inibem a reação de PCR (KOCH & ANDRADE, 2008) ou produzem reações cruzadas. Outras limitações que as técnicas baseadas em DNA enfrentam são a falta de padronização dos métodos de análise, falta de banco de dados de DNA, com informações genéticas de criminosos e desaparecidos. Outra limitação, para uma ampla aplicação destas técnicas é a alta dependência de produtos importados, o que onera e limita o acesso aos vários laboratórios de forense, implicando em morosidade na obtenção dos resultados (SILVA & GONTIJO, 2010). 3.5. Legislação relativa ao uso de técnicas moleculares na investigação forense O avanço da tecnologia da biologia molecular para fins de análise forense, não tem tido o mesmo respaldo correspondente no avanço da legislação, ou seja, as novas tecnologias genéticas têm promovido conflitos e dúvidas no âmbito jurídico. Pois, enquanto a genética avança rapidamente, o sistema judiciário e a legislação em todo mundo anda a passos mais lentos. Nos EUA, por exemplo, embora as reivindicações sejam antigas, somente em 2005 o senado aprovou um projeto de lei proibindo a discriminação com base em informações genéticas. O Brasil ainda não possui uma legislação específica para análise e uso dos dados genéticos para fins forenses e o estabelecimento de bancos de perfis genéticos. Entretanto, há normas que tratam de provas periciais e as condições para que estas sejam aceitas devem cumprir uma séria de requisitos, ser conduzida de maneira idônea e seguir protocolos específicos que garantam sua qualidade e legitimidade (SILVA & GONTIJO, 2010). No Brasil, o Código do Processo Penal (CPP) explica que a prova pericial deve ser conduzido da seguinte maneira: “Art. 158. Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.” Quanto aos exames conduzidos em laboratório o CPP estabelece em seu Art. 170 que: “Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.” Como já referenciado, a ausência de uma legislação específica capaz de padronizar os procedimentos de análise de amostras de DNA e o uso das técnicas moleculares, gera ainda inúmeros problemas, já que os laboratórios são relativamente novos e não há padrões definidos ou órgão responsável pela certificação, fiscalização e regulação dos laboratórios forenses (SILVA & GONTIJO, 2010). Neste sentido, sugere-se às autoridades do executivo e legislativo brasileiro de que é urgente a definição de um marco regulatório sobre os procedimentos a serem adotados para a coleta de material genético e definir os casos em que a obtenção deste material seja obrigatória. Pois em muitas situações a legislação atual protege o infrator e detrimento das vítimas, uma vez que há dificuldades para obtermos o DNA de suspeitos, pois a lei os protege quanto a doar amostras. Deve definir também quanto ao uso dos dados e proteção da intimidade e privacidade de dados pessoais, já que este aspecto tem proteção constitucional. Como se verifica este é um tema de alta relevância e recheado de pontos sensíveis que merecem ampla discussão não só no legislativo, judiciário e executivo, mas, sobretudo pela sociedade como um todo. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos houve um grande crescimento da investigação forense no Brasil, assim como, enormes avanços relacionados às técnicas de biologia molecular usada em laboratório. As técnicas de identificação baseadas no DNA são consideradas a maior revolução da esfera criminal, pois tem duas vantagens fundamentais: a estabilidade química do DNA e sua ocorrência em todas as células nucleadas dos organismos humanos. As amostras mais frequentemente usadas são sangue, sêmen, pelos e objetos com saliva; restos cadavéricos, amostras de músculos, ossos, polpa dentaria, entre outros. Dessas amostras são extraídas as células que contêm o DNA com as quais se realiza os testes de DNA. O estudo das regiões polimórficas do DNA possibilita construir um perfil-individuo especifico com alto poder de discriminação, levando a resolução de inúmeros casos nos quais se tem a necessidade de identificação individual, vínculos genéticos e crimes pela conexão entre suspeitos e locais de crimes. Para que a identificação através do DNA tenha veracidade inquestionável e principalmente seja aceita como prova pericial é imprescindível que se tenha cuidados na hora da coleta das amostras, do processamento e da análise do DNA. Também é fundamental que os laboratórios que realizam os testes em DNA passem por credenciamento e testes de qualificação, uma vez que está em jogo a liberdade de um inocente e a sentença para o autor do delito. Ao perito cabe um papel fundamental em todo o processo, desde a coleta do vestígio biológico até a apresentação do laudo pericial. Por esse motivo, é necessário que o mesmo esteja sempre atualizado no que se refere às novas técnicas e novas metodologias forenses. É do perito a principal responsabilidade no resultado apresentado, e assim sendo é extremamente importante que se evite o famoso erro humano. E por fim, cabe considerar a importância da incorporação de metodologias tão contundentes quanto robustas em especial nos casos de crimes nos quais os tribunais certamente reconhecerão que as evidências de DNA são mais confiáveis do que as testemunhas oculares e outras provas subjetivas menos poderosas. Entretanto, torna-se imperativo a garantia dos direitos individuais e a regulamentação dos procedimentos de acesso e uso das informações contidas no genoma humano ao mesmo tempo em que se reconhece a necessidade de incorporação de novas tecnologias para fins forenses. 5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Ilmara Lima de. A aplicação da biologia forense na perícia criminal. 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