doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.04012 UM ESTUDO SOBRE SÃO BOAVENTURA DE BAGNOREGIO SANTIAGO, Viviane Paes (PIBIC/ Fundação Araucáruia-UNESPAR/FAFIPA) PERIN, Conceição Solange Bution (FAFIPA-GTSEAM) Introdução Esse trabalho apresenta um estudo sobre a influência do pensamento do mestre medieval São Boaventura de Bagnoregio em algumas alterações educacionais ocorridas na segunda metade do século XIII, que levaram o homem a buscar outras formas de conhecimento, o que acabou influenciando nas mudanças de pensamento e comportamento do indivíduo. O desenvolvimento do comércio e das cidades interferiu de forma significativa na formação do homem, o que aos poucos foi modificando suas ações e pensamentos. As atividades comerciais demandavam um conhecimento que não estavam mais pautados somente nos ensinamentos da Igreja, mas, também, no conhecimento das ciências, ou seja, para o homem saber comercializar e se relacionar, diante desta nova realidade de vida, tinha que buscar uma nova forma de se educar para poder viver em sociedade, o que lhe acarretava dificuldades e sentimentos de dúvidas para acompanhar essas mudanças. Sob essa perspectiva, o propósito é entender que, em momentos de transição, diante de novas formas de comportamentos e atitudes, novos interesses também surgem, e nesse período histórico em questão, final do século XIII, as Universidades florescem e, com elas, os intelectuais, que tiveram um papel significativo para a sociedade. É dentro deste contexto de dúvidas e incertezas, que segundo Falbel, se destaca Boaventura de Bagnoregio, “um dos maiores sintetizadores e teóricos da Ordem Franciscana, um intelectual por excelência” (FALBEL, Os Espirituais Franciscanos, p.102). Nesse sentido, analisaremos a importância dos ensinamentos de Boaventura para o seu período histórico por meio do seu pensamento ao discursar sobre o uso das ciências para o desenvolvimento do intelecto, assegurando que as Ciências, deveriam ser submissas 1 aos Ensinamentos de Deus “[...] nossa inteligência está unida à Verdade Eterna, porque sem o socorro de sua luz nada podemos conhecer com certeza [...]” (BOAVENTURA, O Itinerário da Mente Para Deus, §3, p. 184). Metodologia A pesquisa foi realizada com leituras e fichamentos das obras de Boaventura e de pensadores como Santo Agostinho, São Francisco de Assis e de alguns estudiosos que analisam o período que está sendo tratado, como exemplo Falbel e Verger. Para tanto, iniciamos com a leitura das Confissões de Santo Agostinho e de autores que revelam os ensinamentos de São Francisco de Assis, como Os Espirituais Franciscanos de Nachman Falbel. Para contextualizar o final do século XIII, visando os intelectuais e as universidades, fizemos a leitura da obra: Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos Séculos XII e XIII de Jacques Verger. As obras de São Boaventura que fundamentaram o nosso estudo são: O Itinerário da Mente para Deus e Redução das Ciências à Teologia. Os estudos dessas obras nos possibilitaram o entendimento do período histórico em questão, final do século XIII, o que favoreceu a compreensão sobre a importância do uso das ciências neste período. Objetivos Objetivo Geral O objetivo deste estudo é entender o pensamento do mestre franciscano São Boaventura de Bagnoregio, associando-o às mudanças socioeconômicas, educacionais e religiosas que ocorreram, principalmente, no final do século XIII. Objetivos Específicos - Analisar as transformações educacionais do final do século XIII; 2 - Compreender o papel dos intelectuais neste período histórico e, em especial de Boaventura de Bagnoregio, que discursava sobre a importância dos conhecimentos divinos para compreensão das ciências; Desenvolvimento Este trabalho apresenta uma discussão parcial sobre o estudo que está sendo realizado sobre os ensinamentos de Boaventura e algumas das mudanças ocorridas no final do século XIII. Desse modo, podemos apresentar pequenas reflexões que nos levam a entender o homem, no final do século XIII, a buscar outras formas de conhecimento para comercializar e conviver coletivamente. O objetivo é entender que, em momentos de transição, as mudanças de comportamentos e de atitudes, estabelecem uma nova forma de produzir a vida, ou seja, novos interesses surgem e, no século XIII, para prover esses interesses, florescem as Universidades, e com elas os intelectuais, que tiveram um papel significativo para a sociedade. Segundo Verger, esses intelectuais tiveram um papel importante para a sociedade, pois trouxeram outro modo de instrução que iria modificar a formação e o desenvolvimento do homem. É nesse contexto que Boaventura se destaca com os seus ensinamentos e debates dentro da universidade parisiense. Grande parte de suas discussões estão pautadas no pensamento de Santo Agostinho e nas Sagradas Escrituras, como em outros autores que revelavam Deus como o criador de tudo e de todos. Boaventura coaduna com Santo Agostinho e seus escritos sobre a sabedoria da fé e, no que se refere à ciência, segundo Boaventura, o conhecimento proveria, também da dádiva de Deus. Boaventura marcou expressivamente o final do século XIII por meio do seu pensamento, pois questionou as alterações que estavam ocorrendo na forma de organização e conhecimento dos homens e contradisse aos mestres que pautavam os seus conhecimentos somente na razão, fazendo assim com que os indivíduos se afastassem dos conhecimentos divinos. Para Boaventura antes era preciso conhecer e entender a Palavra de Deus, obedecer aos ensinamentos divinos para se chegar ao desenvolvimento racional e então poder compreender todas as coisas. 3 A Universidade de Paris, por ser considerada uma autoridade respeitada, digna de atrair para si os melhores mestres e intelectuais, contava com pessoas das mais variadas regiões do Ocidente e, por este motivo, enfrentou muitos problemas referentes às diferentes nacionalidades, pensamentos e relações sociais variadas. Por concentrar o maior número de estudantes e mestres, é de lá que desponta, segundo Verger, o grande debate sobre a introdução maciça de Aristóteles no pensamento medieval. “A penetração maciça da filosofia de Aristóteles foi um dos fenômenos da história intelectual do século XIII” (VERGER, Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente, p.283). Boaventura discordava dos ensinamentos que estavam sendo ministrados na Universidade de Paris, pautados na teoria aristotélica e que colocavam a razão como principal via de entendimento. [...] Boaventura fez em Paris três séries de conferências (as collationes), nas quais procurou definir as linhas mestras do saber cristão, em face as ameaças dos novos tempos. Siger de Brabante e outros tomavam Aristóteles como seu grande mentor filosófico: Boaventura vai dizer-lhes que o estagirita nem mesmo merece o nome de filósofo pois, ao tentar corrigir Platão, acabou perdendo a possibilidade de conhecimento da razão última, da causa primeira da existência dos seres – e Filosofia é conhecer a causa primeira -, causa esta que são as ideias, tais como existem desde sempre na mente divina” (DE BONI, São Boaventura Obras Escolhidas, 1983, p.XIX). A preocupação do mestre franciscano era de que as explicações do mundo dadas pelos mestres na Universidade de Paris não fossem tomadas como verdades absolutas, pois estas estavam se distanciando dos Ensinamentos Divinos e, como consequência, o homem perderia a possibilidade de salvação eterna. [...] e como no íntimo de toda a coisa que se sente ou se conhece está presente o próprio Deus. - E este há de ser o fruto de todas as ciências, que por meio delas se edifique a fé [...] (BOAVENTURA, Redução..., §26, p. 218). Para Boaventura o ensino das ciências era necessário, principalmente num período de mudanças nas atividades comerciais, onde os homens buscavam o seu desenvolvimento na sociedade, porém ele achava que embora a Filosofia favorecesse o entendimento das coisas, era só por intermédio da Teologia que se podia esclarecer a verdade de tudo. São Boaventura defendia a Teologia, como reflexão racional e ordenada da fé, e não como uma 4 vaidade da razão [...] Fica manifesto também, como todo o conhecimento está subordinado à Teologia [...] (BOAVENTURA, Redução..., §26, p.218). Para o mestre franciscano a verdadeira teologia deveria ser motivada pelo amor a Deus e a Filosofia deveria ser desenvolvida por meio da Teologia. A filosofia, na visão boaventuriana, utilizada como um instrumento no exercício da interioridade, possibilitava aos indivíduos, a procura do conhecimento da alma, auxiliandoos na busca pela verdade, que é o próprio Deus. É uma busca permanente, lenta, uma prática reflexiva, onde, o ser humano deveria remeter-se ao seu eu mais profundo e, só então depois, isso se traduziria no seu comportamento e ações. Boaventura asseverou que todos os conhecimentos ordenavam-se ao conhecimento da Sagrada Escritura, pelo qual toda iluminação refere-se a Deus, de quem teve seu princípio. Segundo Boaventura, todas as iluminações cognitivas podem reduzir-se à luz da Sagrada Escritura , pois toda ciência deverá reduzir à Teologia, onde Deus é o princípio e o fim de toda ciência e, o homem, somente quando deixar-se iluminar pelo conhecimento divino desenvolveria a inteligência, a qual o possibilitaria entender a ciência. [...] Nada é absolutamente invariável, sem limites e sem fim senão aquilo que é eterno. E tudo o que é eterno é Deus ou está em Deus. Se, portanto, todos os nossos juízos repousam sobre esta lei, então a conseqüência é óbvia: só Deus é a razão de todas as coisas, a regra infalível e a luz verdadeira. Nesta luz brilham todas as criaturas duma maneira infalível, indelével, indubitável, irrefutável, invariável, ilimitável no espaço, ilimitável no tempo, indivisível e intelectual (BOAVENTURA, Itinerário..., §9, p.177-178). Boaventura inquiriu o estudo das ciências como necessário para o conhecimento da realidade, porém, priorizou a ciência teológica na explicação de mundo, assegurando que a fé atendia às necessidades do conhecimento desde que fundamentada nas Palavras de Deus. A fé e a razão são duas possibilidades, pelo qual o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade, e foi colocada por Deus, no coração dos homens a vontade de conhecer a verdade, de conhecer Deus, que é a própria verdade. E para Boaventura, ainda que a razão esteja iluminada pelas ciências, não pode entrar em si mesma se não for por intermédio da fé em Jesus Cristo, mediador entre Deus e os homens. 5 Conclusões O estudo, até o momento, nos favoreceu a compreensão de que os ensinamentos realizados por Boaventura contribuíram para algumas mudanças na educação dos homens no final do século XIII, pois apontou aos indivíduos que o conhecimento, por meio das ciências sobre os ensinamentos divinos, favorecia o aprendizado da reflexão, onde possibilitava o diálogo com Deus através das Escrituras Sagradas e assim o homem poderia corresponder às vontades do Criador, colocando em prática os sentimentos cristãos, disseminando amor, caridade e paz coletiva. Boaventura justificou a importância e a hierarquia da fé em relação à razão por meio das ciências quando afirmou que, pela Sagrada Escritura, a existência de Deus como criador de tudo e de todos. A nosso ver, Boaventura foi um intelectual do século XIII, que permitiu à sociedade da sua época a refletir e buscar uma compreensão pautada na razão, porém, sempre submissa à fé. Nesse sentido, Boaventura, possibilitou aos indivíduos desenvolverem com profundidade seus pensamentos e ações, sensibilizando os corações através de suas obras. Sendo assim, segundo o autor, os homens deveriam conhecer os ensinamentos de Deus deixados nas Sagradas Escrituras, e deixar-se iluminar pela “luz de Cristo”, com isso, os homens compreenderiam, através da razão, que deveriam modificar suas atitudes e saber viver coletivamente. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 2004. BAGNOREGIO, São Boaventura. Itinerário da Mente para Deus. In:_____. Obras Escolhidas. Org. Luis A. De Boni. Caxias do Sul: Livraria Sulina Editora, 1985. BAGNOREGIO, São Boaventura. Redução das Ciências à Teologia. In:_____. Obras Escolhidas. Org. Luis A. De Boni. Caxias do Sul: Livraria Sulina Editora, 1985. FALBEL, Nachman. Os Espirituais Franciscanos. São Paulo: Perspectiva : FAPESP : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. VERGER, Jacques. Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos Séculos XII e XIII. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 6