PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Instituto de Educação Continuada A (des)proporcionalidade da representação política na Câmara dos Deputados à luz da Constituição Federal de 1988. Nivalda Batista de Melo Themis Ariadne Freire Starling Soares Ubiratan Campelo Reis Belo Horizonte 2008 2 Nivalda Batista de Melo Themis Ariadne Freire Starling Soares Ubiratan Campelo Reis A (des)proporcionalidade da representação política na Câmara dos Deputados à luz da Constituição Federal de 1988. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Poder Legislativo Turma 10., da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Professora Orientadora:Natália de Miranda Freire Belo Horizonte 2008 3 Nivalda Batista de Melo Themis Ariadne Freire Starling Soares Ubiratan Campelo Reis A (des)proporcionalidade da representação política na Câmara dos Deputados à luz da Constituição Federal de 1988. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Poder Legislativo turma 10, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. __________________________ Natália de Miranda Freire Professora Orientadora - PUC-Minas Belo Horizonte, 31 de outubro de 2008. 4 SUMÁRIO 1 - APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................. 5 2 - INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 5 3 - OBJETIVO ............................................................................................................................................. 6 4 - DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................................................. 6 4.1 - Conceito de representação política ............................................................................................................................................. 6 4.2 - Histórico das constituições republicanas, enfatizando a Constituição vigente ............................................................................................................................................. 9 4.2.1 - Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 ............................................................................................................................................. 9 4.2.2 - Constituição Republicana de 16 de outubro de 1934 ............................................................................................................................................. 12 4.2.3 - Constituição Brasileira de 18 de setembro de 1946. ............................................................................................................................................. 13 4.2.4 - A Constituição Brasileira de 1967. ............................................................................................................................................. 16 4 2.5 - A Constituição de 05 de outubro de 1988 ............................................................................................................................................. 16 4.2.5.1 - A Representação à luz da Constituição de 05 de outubro de 1988 5 ............................................................................................................................................. 18 4.2.5.2 - A sobre representação legislativa no Brasil ............................................................................................................................................. 20 4.2.5.3 - Sobre-representação e desenvolvimento regional no Brasil ............................................................................................................................................. 21 4.3 - Análise da relação entre democracia, federalismo e representação política ............................................................................................................................................. 22 4.3.1 - Causas e conseqüências da (des)proporcionalidade ............................................................................................................................................. 24 4.4. - Câmara dos Deputados Brasileira - distorções em sua representação. ............................................................................................................................................. 25 4.4.1 - Conseqüências face território continental X (des)proporcionalidade na representação ............................................................................................................................................. 26 4.4.2 - A dimensão partidária da alocação desproporcional ............................................................................................................................................. 31 4.4.3 - As possíveis causas e conseqüências da (des)proporcionalidade na Câmara dos Deputados, destacando o impacto da criação de novos estados; ............................................................................................................................................. 33 4.4.3.1 - A criação de novos estados ............................................................................................................................................. 34 5 - CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 36 6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................. 38 6 7 - ANEXOS ............................................................................................................................................. 41 1 - APRESENTAÇÃO O trabalho apresentado visa discutir a proporcionalidade ou desproporcionalidade na representação política (representatividade) na Câmara dos Deputados brasileira, após a vigência da Constituição de 1988. Como será adiante observado, vários autores atribuem a existência de um problema em nossa democracia à desproporcionalidade da representatividade da população nos estados federados, enquanto outros defendem a teoria de que essa desproporcionalidade seria proposital visando evitar ainda maiores desigualdades regionais. A proporcionalidade (desproporcionalidade) de um sistema político depende de vários fatores. A partir de referenciais teóricos, legislação e dados estatísticos, analisar o funcionamento da representação política, suas imprecisões e as conseqüências de ajustes na representação atual seria necessário. 2 - INTRODUÇÃO A representatividade é a proporcionalidade entre votos e cadeiras recebidas pelos partidos, ou seja, é a forma de caracterizar a representação política. Tendo em vista a comprovada existência de sub e sobre-representatividade em alguns estados brasileiros, este tema tornou-se relevante nos meios políticos e acadêmicos. O debate se dá em torno da desigualdade do peso que tem o voto de um cidadão brasileiro, já que varia de um estado para o outro no ato da escolha de um deputado federal. Utiliza-se a comparação entre um eleitor do estado de São Paulo e um do estado 7 de Roraima. O trabalho apresentado visa discutir os reflexos da (des)proporcinalidade na representação política na Câmara dos Deputados brasileira, após a vigência da Constituição de 1988, sob alguns pontos relevantes. Neste sentido, a discussão está organizada em cinco partes: 1) conceito de representação política; 2) histórico das constituições republicanas, enfatizando a Constituição vigente; 3) análise da relação entre democracia, federalismo e representação política; 4) Câmara dos Deputados brasileira - distorções em sua representação e as possíveis causas e conseqüências da (des)proporcionalidade na Câmara dos Deputados, destacando o impacto da criação de novos estados. 3 - OBJETIVO Identificar os mecanismos de representação política. Discutir as propostas apresentadas com vistas à análise da desproporcionalidade entre os estados federados. Defender a existência de algum grau de desproporcionalidade em termos de população dos estados e cadeiras parlamentares, inclusive como mecanismo para evitar a tirania da maioria, bem como amenizar as desigualdades regionais. É importante ressaltar que, apesar da defesa de algum grau de desproporção, isso não significa que ajustes não possam ser feitos no nosso sistema de representação, tanto na definição do piso e do teto na representação dos estados, como em fatores do sistema eleitoral que geram desproporcionalidade na representação dos partidos políticos: o quociente eleitoral, a fórmula D'Hont e as coligações eleitorais. Outro importante tema refere-se à criação de novos estados, especialmente de perfil pouco populoso. Apesar de assunto indireto, tem conseqüências sobre a desproporcionalidade, já que com a criação de novos estados pouco populosos com representação pelo piso surgirá mais um estado sobre-representado, ou seja, um aumento na desproporcionalidade. 4 - DESENVOLVIMENTO 4.1 - Conceito de representação política 8 A etimologia da representação é encontrada no latim, representatio, representationis, que, segundo Laudelino Freire, significa a "ação ou efeito de representar", "ser mandatário ou procurador", "fazer vezes de", "suprir falta de", "apresentar-se no lugar de". Assim o termo representação, no âmbito contratual, associase à figura da substituição na manifestação de vontade. Segundo a representação definida como um vínculo entre os governados e os governantes, estes agem em nome daqueles e devem trabalhar pelo bem dos representados e não pelo próprio. A idéia clássica de representação política é ínsita à de participação popular no governo, por intermédio de representantes eleitos, por meio do sufrágio universal. Representação, assim, está atrelada à idéia de democracia, de governo do povo. Consoante indica José Antônio Giusti Tavares, em "Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas" "a representação política é uma relação entre o conjunto dos cidadãos que integram uma comunidade política nacional e os seus representantes, na qual os primeiros, enquanto comitentes e constituintes, autorizam os últimos a tomarem as decisões que obrigam em comum e universalmente a todos, nelas consentindo por antecipação e assumindo, cada um, todas as conseqüências normativas derivadas das decisões do corpo de representantes como se as tivesse efetiva e pessoalmente adotado, e na qual, por outro lado, cada um dos representantes se obriga a tornar efetivos, no corpo legislativo, ao mesmo tempo os valores fundamentais e comuns da ordem política e as concepções particulares acerca do interesse e do bem público daquele conjunto especial de constituintes que, com sua confiança, concorreram para a consecução de seu mandato”. O conceito de representação, no sentido de algumas pessoas representando as outras, é uma idéia moderna. Quando se descreve os processos de democratização ocorridos ao longo do séc. XIX, basicamente está se tratando da ampliação do direito do povo de eleger os representantes e membros dos órgãos do Estado. Representação política é o modo de o povo, titular do poder, agir ou reagir relativamente aos governantes e o voto, ato normalmente associado com a atual democracia, é não para decidir, mas sim para eleger quem deverá decidir. 9 A primeira concepção de representação que data do Século XVII, é o que Hanna Pitkin chama de concepção robinsoniana, a representação entendida pura e simplesmente como autorização formal para que haja governo. Tem de haver um mecanismo explícito, legal, formal para que alguém esteja autorizado a falar em nome da coletividade, assim a representação é entendida como um mecanismo para autorizar a ação coletiva da sociedade. Já a teoria da representação política teve como primeiro teorizador o grande cérebro Rousseau, responsável pela grande revolução política dos nossos tempos. Ele foi o primeiro a sistematizar a teoria da representação política. Na sua concepção, os mandantes e mandatários deveriam guardar perfeita articulação, de tal forma que um mandatário só agia legitimamente dentro das estritas determinações do mandante. Quando o mandatário fugia às aspirações, aos desejos ou aos interesses do mandante, tudo que ele praticava era nulo. É a teoria da representação imperativa. Em sua concepção, um tanto quanto ortodoxa, Montesquieu chegou realmente ao extremo do voto imperativo, achando que toda vez que o mandatário não cumprisse as determinações do mandante ele deveria ser substituído. Essa teoria prevaleceu até o momento em que surgiu a resistência e a oposição poderosa de Edmund Burke, no seu famoso discurso aos eleitores de Bristol, refutando-lhe a crítica de que ele estava fugindo às suas diretrizes. No seu famoso discurso aos eleitores de Bristol, afirmou; “Vós me elegestes membro do parlamento, mas, uma vez efetivada a eleição, eu deixei de ser representante dos eleitores de Bristol para ser membro do Parlamento, quer dizer, membro da nação inteira.” Surgiu na teoria da representação política como relação fiduciária, isto é, o mandatário político recebia implicitamente, quando eleito, um mandato de confiança que o habilitava a decidir de forma autônoma sobre todas as questões, sobre todos os problemas que fossem submetidos à sua decisão. Essa teoria foi realmente responsável pelo ponto mais elevado do Estado Liberal, porque surgiu na sua égide, acompanhando-o até sua decadência. Manifestada nas contingências da vida prática, a inoperância das teorias liberais e da representação 10 política consoante o esquema liberal em decorrência da revolução cultural e da revolução industrial do século XIX , a teoria da representação de mandato imperativo e de mandato em relação fiduciária substituída pela teoria da representatividade sociológica. A Representatividade Sociológica só é concebível quando ela guarda perfeita correlação com os grupos humanos que têm interesses sociais, econômicos e políticos, por prevalência na luta, e luta que em regra se faz em termo de posições ideológicas. Ela parte do princípio de que os eleitores não esgotam a representação, é preciso que permaneça em sintonia com os grupos sociais que mantêm o organismo social em permanente atuação e trepidação. Essa teoria da representatividade sociológica cedeu lugar às modernas teorias da participação democrática, a chamada representação participativa, que parte do princípio de que a eleição não se esgota nos eleitores, é necessário que ela tenha mantenha vivo e permanente contato com o povo. A democracia participativa tem realmente a vantagem de promover constantemente o auto-aperfeiçoamento individual, a constante renovação social, através de conquistas culturais, econômicas e sociais. A representação é a base, a alma da democracia. Só existe democracia onde existe representação. Todo e qualquer sistema de representação via eleitoral é imperfeito pela própria natureza, porque todos eles são construções humanas e participam de todas as precariedades e limitações da natureza humana. A partir de cada realidade tem-se a opção de escolher o menos mau. Após a apresentação do conceito de representação política, necessário se faz o entendimento de que o presente trabalho discute sobre a representação política sob seu aspecto quantitativo, ou seja, um cidadão vale um voto. Desta forma, a pretensão aqui apresentada é de analisar a des(proporcionalidade) na representação política através do ordenamento jurídico que estabelece o regramento que causa as distorções no sistema vigente. 4.2 - Histórico das constituições republicanas, enfatizando a Constituição vigente 11 Segue um breve histórico das Constituições Republicanas brasileiras. Inicia-se com a primeira, em 1891, e finaliza com a de 1988. Em todas elas, o aspecto da representatividade na Câmara dos Deputados foi destacado, visando uma melhor análise no decorrer dos tempos, cujo objetivo principal é identificar os motivos que levaram à existência da situação atual. 4.2.1 - Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891 A crise econômica que provocou o ocaso do Império está refletida na revolução republicana de 1889. A crise do açúcar, que era, antes da República, a alavanca propulsora da economia nacional, aliada à emancipação da escravatura, em campanhas onde se salientaram Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, somadas aos entrechoques da monarquia contra o exército e o clero vieram esculpir nova forma de governo, vitoriosa com o momento revolucionário. Uma assembléia constituinte formada por teóricos, tendo Rui Barbosa à frente, embebidos das idéias federalistas, proibiu qualquer tipo de associação ou partido político que pretendesse se organizar nacionalmente. Assim, as oligarquias dos estados concentraram o poder em suas mãos, permitindo que os grandes estados da Federação, apoiados no seu poder econômico, se tornassem hegemônicos e conduzissem o país para desastrosa experiência federativa. Tendo Rui Barbosa como pai espiritual, a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 foi esculturada segundo o estilo da constituição norte-americana, com as idéias diretoras do presidencialismo, do federalismo, do liberalismo político e da democracia burguesa. A soberania nacional exercia-se mediante os três órgãos clássicos: o legislativo, formado da Câmara dos Deputados, eleitos proporcionalmente à população de cada estado e do Senado, com número igual de representantes das unidades federadas; o executivo constava de um presidente, designado pelo povo e assistido por ministros responsáveis politicamente perante ele; e o judiciário coroa o sistema, com seu Supremo Tribunal Federal, encarregado de apreciar a constitucionalidade das leis. Apesar das lideranças nacionais e do domínio das oligarquias locais, o país se modificava graças a um incipiente processo de industrialização concentrado no eixo Rio de Janeiro - São 12 Paulo; a juventude dos quartéis, das universidades e das vidas literárias iniciavam um processo de protesto com os movimentos da “Semana de Arte Moderna” e do “Tenentismo” no Brasil. A década de vinte marca o início de um processo de grandes modificações, que, no plano político, provocam grande abalo na deformada estrutura de governo e no corrompido processo eleitoral. A revolta conhecida como “Os Dezoito do Forte” em 1922; a “Revolução de Isidoro Dias Lopes” em São Paulo, em 1924, a “Coluna Prestes - Miguel Costa”, em 1924/1926 e, finalmente a revolução de 1930 colocaram por terra a utopia federalista instituída em 1891, através de uma constituição que já em 1926 sofrera uma reforma constitucional. Segundo Pedro Calmon, a reforma constitucional de 1926 “destinou-se a corrigir certos abusos, que a ambigüidade do texto de 1981 favorecera em detrimento da honesta realização do regime. Teve o mérito de indicar todos os princípios constitucionais, que tinham de ser amparados mediante a intervenção federal nos Estados; de restringir a concessão de habeas corpus nos casos de liberdade individual; e de dar ao governo da União competência para regular o comércio em ocasiões graves, que reclamassem uma atitude de defesa econômica ou de prevenção contra as anormalidades de circulação”. A democracia nacional instalada com a revolução de 1889 erigiu-se na forma representativa. Na formulação da Constituição da Primeira República (24/02/1891), os legisladores não entravam no mérito da representatividade e nem da soberania da Nação. Ao longo do texto constitucional, nos seus 91 artigos somados a mais 8, o país aparece simplesmente como União dos Estados Unidos do Brasil. O termo “Nação Brasileira” somente apareceu no artigo primeiro para definir a forma de governo sob o regime representativo, a república federativa”. Quanto à representação, o termo somente aparece no seu Preâmbulo, quando os deputados constituintes se definem como “ os representantes do povo brasileiro”. O abandono da “fórmula de compromisso” com a tradição do país e o apego à formulação utópica do constitucionalismo liberal ficou bastante claro no texto da 13 primeira Constituição da República. As idéias positivistas discutidas nas Academias Militares ainda não tinham chegado às estantes dos teóricos da Constituição de 1891. Nas discussões posteriores dos territórios, a entidade “Estado” assume o primeiro plano nas suas formulações. Se considerarmos o fulcro do tema como foi colocado:“Representação do Estado como totalidade da Nação” veremos que isso não se realizou na constituição política da Primeira República, como também não havia se realizado no Império, da mesma forma como também nas demais constituições republicanas até hoje. Ao se proclamar a República, a população alfabetizada não ultrapassava 15% do seu total. A tradição política local baseada no poder dos “coronéis” e numa elite intelectual de formação liberal desvinculada da realidade brasileira não tinha condição de vislumbrar a “Nação como totalidade”. Desfigurando ainda mais o processo representativo, os teóricos da constituição de 1891, tendo à frente Rui Barbosa, embebidos das idéias federalistas, proibiram qualquer tipo de associação ou partido político que pretendesse se organizar nacionalmente. Assim, as oligarquias dos estados concentravam o poder em suas mãos, o que permitiu que os grandes Estados da Federação- apoiados no seu poder econômico - se tornassem hegemônicos e conduzissem o país para a desastrosa experiência federativa. A política do “café com leite” foi o contrário desse processo, que desconhecia a Nação e tomava o Estado como objeto de defesa de seus interesses, quase sempre desvinculados dos verdadeiros objetivos nacionais. 4.2.2- Constituição Republicana de 16 de outubro de 1934 A Revolução Nacional de Outubro de 1930, que foi possível graças à confluência de fatores modificadores do plano político, destruiu o ordenamento jurídico-liberal da primeira república burguesa e foi ainda o novo decalque ideológico das contradições dialéticas da sociedade. O açúcar, centro gravídico da economia nacional no Império e a hegemonia política se concentravam nas províncias nordestinas, sobretudo Bahia e Pernambuco. 14 Com a República, a alavanca econômica passou a ser o café, novo “produto rei” da economia nacional, o que fez desviar o centro de gravitação política para os grandes Estados- sulistas, tais como São Paulo e Minas Gerais. A sua causa imediata, resultando como sempre em crises graves, profundas, comum nas campanhas presidenciais no regime republicano. Uma das idéias que os regimes totalitários transmitiram e que encontrou receptividade em Constituições democráticas, inclusive na brasileira de 1934, foi a da chamada “representação profissional”. Em 1934, o presidente Getúlio Vargas fez inserir na constituição a chamada “bancada classista”, mais numerosa que a de qualquer Estado, com vistas a consolidar o seu poder pessoal sobre o das unidades federadas. Bancada essa que era produto exclusivo das manipulações do Executivo, através de Ministério do Trabalho, como expediente para limitar, circunscrever e até impedir a participação popular nas decisões políticas, enfeitando-as todas na ação ditatorial do executivo. O caudilhesco grupo político que tomou o poder em 1930 – de tradição castilhista positivista na linha da “ditadura republicana” proposta para a constituição de 1891, aproveitou-se do ambiente internacional e da confusão institucional e política do país para perpetuar-se no poder e frustrar toda a expectativa da Nação. A Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932 acentuou dramaticamente a convocação de uma constituinte, em 1933-34, desta resultando a constituição de julho de 1934. A constituição de 1934 expressou a passagem do mundo rural para o urbano e industrial, estabelecendo direitos políticos, como o voto universal e trabalhista. o salário mínimo e a jornada de oito horas. A carta centralizou poder na esfera federal e tinha um forte viés estatizante. A nova constituição sofreu decisiva influência da constituição de Weimar, catalogando o nosso regime não como uma democracia liberal, e sim como uma democracia social com poderosa ampliação do governo no campo econômico. Essa democracia social era símbolo de um compromisso do constitucionalismo com as novas tendências proletárias que faziam suas primeiras manifestações coletivas no Brasil. Travaram-se então choques inevitáveis entre o proletariado, organizado sob a direção de Luís Carlos Prestes, e a burguesia conservadora, os quais se refletiram na Revolução Comunista de 27 de novembro de 1935 e nas três novas emendas 15 constitucionais constantes do decreto legislativo de 18 de dezembro do mesmo ano, com o objetivo de salvaguardar as instituições das atividades subversivas e revolucionárias. 4. 2.3 - Constituição Brasileira de 18 de setembro de 1946. A constituição federal de 18 de setembro de 1946 representa ainda um compromisso social entre a burguesia conservadora e o proletariado socialista, pendendo mais para a direita que para a esquerda. Na criação da nova lei fundamental três fontes interfluíram reciprocamente: da 1ª, o sistema ianque, derivou o princípio da descentralização, com o federalismo e o municipalismo; a segunda, a Constituição Francesa de 1848, no tocante ao corte do presidencialismo caudilhesco da tradição brasileira. Os ministros de estados, de simples assistentes do presidente passavam a ser politicamente responsáveis, com o dever de comparecimento ao congresso, garantindo ainda que o deputado ou senador, investido na função de ministro, não venha a perder seu mandato, segundo o estilo constitucional francês, de uma verdadeira infiltração parlamentarista , para o qual já caminhava a constituição de 1934; a terceira fonte é a constituição alemã de Weimar, que instalou no mundo a democracia social numa reação contra o liberalismo econômico. Mas a constituição de 1946 insistiu em demasia na índole conservadora da burguesia esclarecida, reproduzindo constantemente o teor democrático-social de 1934, da qual é uma reprodução mais apurada. A constituição de 1946 fixou o número de Deputados pela população, mas com limite até 20, um para cada 150 mil habitantes, daí em diante, um para cada 250 mil habitantes; começando aí um desequilíbrio na representação porque os Estados mais populosos têm menor representatividade do que os menos populosos. A Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932 acentuou dramaticamente a convocação de uma constituinte, em 1933-34, desta resultando a constituição de julho de 1934. Outro problema que sempre existiu no Brasil republicano é que, vivendo em um Estado Federal, cuja distribuição territorial é reminiscência colonial, os limites das antigas capitanias foram mantidos, alguns se desenvolveram mais, outros menos, mas não houve uma nova redistribuição. 16 Além do requisito da população, a constituição de 1946 repetindo a tradição brasileira declarava ser sete o número mínimo de representantes para cada Estado independente da população, o que torna uns Estados super-representados e outros subrepresentados, o que constitui um problema da representação chamada proporcional, já que ela é proporcional até certo ponto, daí em diante é uma distribuição política. Para suprir a fraqueza dos Estados pequenos, fracos diante das grandes bancadas, foi criado o Senado, invenção americana inspirada na Câmara dos Lordes.Foi criado então um novo órgão do Poder Legislativo, em que os Estados se representariam igualmente, através de dois senadores. O problema da representação começa a encontrar na história política brasileira uma série de dificuldades, ela é proporcional até certo ponto, depois a desproporção prossegue. A representação em relação ao voto, segundo trabalho do Dr. José Tomas Nabuco Filho, mostrou que no Brasil o voto foi indireto, em todos os níveis de 1500 a 1881. De 1881 a 1964, o voto foi direto em todos os níveis. O eleitorado brasileiro, durante todo o tempo em que havia eleições, se dividiu de várias maneiras: três partidos em 1870, depois com a dispersão de partidos chegou a 13, até 1967. Depois voltou a dois partidos e caminhou para o pluripartidarismo. Derrotado o fascismo, era preciso remover o entulho autoritário da legislação brasileira. A constituição reinstituiu o estado de direito. Voltou a eleição direta para presidente, e ressurgiram as garantias e os direitos individuais. A constituição federal brasileira de 1946, seguindo as praxes constantes da tradição republicana , adotou as linhas amplas do governo representativo, falando no preâmbulo dos representantes do povo, indicando em seu artigo 1º a preferência pelo “regime representativo, segundo a fórmula de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” e afinal estatuindo no seu artigo 56 que a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados e pelo Distrito Federal e pelos Territórios. O artigo 54 da Constituição brasileira de 1946 e o 41 da Constituição de 1967 estão redigidos como se não existissem partidos nem coação de partidos, quando na realidade, freqüentemente, é uma pura ilusão o princípio de que o deputado é o representante de toda a Nação e não deve submeter-se a instruções de nenhuma classe. Os deputados são os representantes da Nação, como numa sociedade estratificada em camadas e classes diferentes reunidas em uma síntese total, independendo formalmente de vinculações aos partidos simbolizadores de tais blocos 17 parciais da coletividade, mas na prática relativamente subordinados aos mesmos, ou em geral ao eleitorado por intermédio dos processos mediante a renovação das assembléias referendou as medidas semelhantes. O sistema representativo é, assim, o direito comum da Constituição federal de 1946, que assim formulou as bases da organização dos poderes públicos como resultado do seu artigo 37: “o poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”; e o artigo 78 da referida carta básica indica que “o poder executivo é exercido pelo Presidente da República”. Os constituintes de 1946, acompanhando a tradição republicana anterior, não ousaram introduzir as novas medidas da votação popular, tão em moda no Estado Contemporâneo. O primeiro axioma da democracia política está definido pelo fato de ser a democracia o governo Constitucional da maioria, o que, entretanto, se mostra inoperante no Brasil, já que ainda em 1919 a eleição decidiu os destinos da Nação através de só 1% da população, coeficiente este que se elevou a 10% nas eleições de 1945, o que demonstra que só uma maioria privilegiada pela instrução e pela riqueza governa, ao invés do povo, a sociedade nacional. A democracia nacional se colocou assim à beira do abismo, com possíveis lutas de classes, mas, seja como for, melhor uma democracia política imperfeita, que eduque lentamente o povo na prática do constitucionalismo, que uma ditadura sempre pronta a corromper-se. A democracia representativa brasileira sofreu uma transformação com o Ato Adicional de 1961, quando o poder legislativo continuou a ser exercido pelo congresso, mas processou-se um bipartismo quanto ao exercício do executivo: ao lado do presidente. surgiu a figura do Presidente do Conselho de Ministros, introduzindo assim a República parlamentarista, que substitui o presidencialismo, depois reintroduzido no país pela Emenda Constitucional nº. 6, de 23 de janeiro de 1963. 4. 2.4– A Constituição Brasileira de 1967. A Constituição Brasileira de 1967, assim como a sua Emenda nº 01, de 17 de outubro de 1969, estabeleceram em tese a idéia de governo representativo, fugindo às 18 tendências articuladas pelas técnicas da democracia mista. Admitia a eletividade do Presidente e do Vice-presidente, pelo prazo de 5 anos, por um colégio eleitoral especial. Já os Senadores e Deputados Federais seriam eleitos pelo voto direto, secreto e universal. Quanto ao regime eleitoral dos Estados-membros da Federação, os Governadores seriam eleitos pelo voto universal direto e secreto, tanto como os Vicegovernadores (artigo 13, nº. IX, § 2º). Contudo admitiu a exceção do voto indireto para eleição do Governador, em 1970 (artigo 189), o que seria feito pelas próprias assembléias Legislativas. Os representantes do povo seriam eleitos segundo os princípios do mandato nacional e não do mandato imperativo. A emenda constitucional nº 01, de 1969, inovou no tocante ao principio de lealdade partidária (artigo 152, parágrafo único) admitindo a perda do mandato de qualquer representante federal, estadual e municipal (Senadores, Deputados Federais e estaduais, vereadores), que, por atitude ou pelo voto, viesse a se opor às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou que viesse a deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. 4. 2.5 - A Constituição de 5 de outubro de 1988 Em 1984, intensificou-se a luta pela democracia na medida em que o povo tomou as ruas com o objetivo de concretizar o sonho da eleição direta para Presidente da República. Este movimento, “Diretas Já”, converteu-se em unanimidade nacional e, assim, foi proposta uma emenda que pretendia assegurar o voto. Contudo, seus adeptos frustraram-se, pois o governo, de modo diverso, pretendia promover uma mudança dotada de “prudência” e “moderação”, somando-se, ainda, o fato de que, na votação desta emenda, faltaram na Câmara dos Deputados 22 votos, impedindo sua aprovação. Assim, da eleição indireta que ocorreu então, as forças democráticas convergiram em torno do nome de Tancredo Neves à presidência da República, em oposição à situação, à época. Portanto, em 15 de janeiro de 1985, declarava-se vencedora a chapa Tancredo/Sarney. Mas, em 21 de abril de 1985, morre Tancredo, assumindo, em seu lugar, o Vice-Presidente José Sarney. 19 Constituída a Assembléia Nacional Constituinte, composta de 24 subcomissões, com a finalidade de elaborar a chamada Lei Maior, esta se reuniu no período de 1º de fevereiro de 1987 a 05 de outubro de 1988. Essa Assembléia Constituinte propôs-se, desde o princípio, a reduzir as atribuições do executivo e a colocar o Congresso Nacional como eixo do sistema de poderes do Estado. A constituição de 1988 nasce no meio de pressões de diferentes grupos da sociedade, incorrendo em uma Constituição Federal com uma abordagem mais democrática em relação às demais constituições. Essa democracia é evidenciada, pois teve a colaboração e participação do povo, por meio de abaixo-assinados, liderados pelos sindicatos de classe, entidades religiosas e demais segmentos da sociedade. A Carta Magna de 1988 apresenta as seguintes principais características: - sistema presidencialista, com o Presidente eleito por quatro anos, por voto popular direto e eleição em dois turnos; − consolidação dos princípios democráticos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos; − assistencialismo social, ampliando os direitos dos trabalhadores; − ampliação da autonomia administrativa e financeira dos Estados da Federação; − amplo intervencionismo estatal. A Constituição brasileira (art. 45, caput) determina que a representação dos Estados na Câmara dos Deputados é proporcional à população. Entretanto, a seguir, estabelece um piso e um teto dessa representação (oito e setenta deputados, respectivamente) que implicam a negação dessa proporcionalidade. 20 4.2.5.1 – A Representação à luz da Constituição de 05 de outubro de 1988 Os dilemas da representatividade não dizem respeito à representação no mundo privado. Nele, a representação se esgota na norma e no contrato que autorizam a procuração de interesses em assuntos previamente delimitados; o representante é mandatário sem autonomia decisória, possui um mandato imperativo. Isto é, há coincidência entre a vontade do representado e as decisões do representante; graças ao mandato imperativo, anula o sentido da questão da representatividade. O contraste com a representação política própria do governo representativo não poderia ser maior. Ela leva consigo um caráter duplo constitutivo, graças à qual a mera existência da representação, mesmo que legalmente instituída ou respaldada por mecanismo obrigatório de autorização, não garante a representatividade ou correspondência com a vontade ou interesse dos representados. A relação entre representante e representado assume o caráter de uma conexão/desconexão a determinar o quanto representativos são as instituições e os agentes da representação política. O mandato imperativo da representação no direito privado corresponde a um mandato delegatório ou representativo que garante a autonomia do representante para agir em função do seu juízo e raciocínio, priorizando o todo sobre as partes, ou o interesse da nação sobre o interesse particular dos eleitores – “uma nação com um interesse” conforme expresso por Edmund Burke no Discurso canônico aos eleitores de Bristol (1942: 312-313 [1774];). Arlindo Fernandes, consultor legislativo do Senado Federal assim descreve: “o problema da representação das unidades federativas na Câmara dos Deputados deve ser objeto de toda atenção por parte de quem pretende aperfeiçoar o regime democrático - a democracia representativa. Não existe distorção significativa na representação dos Estados das regiões Sul e Nordeste. Do mesmo modo, a representação da região Sudeste, exclusive o Estado de São Paulo, não é problemática, quanto a esse ponto de vista. Na região Centro-Oeste, dentro de alguns anos, a representação estará adequada à população, que cresce mais do que a brasileira. Portanto, esse não é um problema insolúvel, do ponto de vista político. Ao contrário, o aumento da representação do Estado de São Paulo em trinta deputados, acompanhada de igual aumento do número total de deputados, ou 543, significaria um progresso extraordinário. 21 A Lei Complementar no 78, de 30 de dezembro de 1993, assim dispõe: Art. 1o Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de Deputados Federais não ultrapassará 513 (quinhentos e treze) representantes, fornecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior à eleição, a atualização demográfica das unidades da Federação. Parágrafo Único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.” Se a representação política é constituída por uma dualidade, que coloca no centro a questão da representatividade, quer dizer, da maior ou menor legitimidade da representação efetivamente exercida pelo representante, torna-se crucial verificar quão efetivas são as instituições e os processos da representação política para evitar a total desconexão entre eleitos e eleitores ou para promover modalidades de conexão. O modelo dominante de representação política que organiza as democracias contemporâneas, cristalizado nos séculos XVIII, XIX e XX, nomeou o legislativo como ambiente da representação, políticos eleitos, eleições e eleitores, e, mais tardiamente, partidos políticos de massas como instâncias de mediação e ordenação da relação entre representantes e representados. Essa configuração da representação política, consubstanciada na fórmula “governo representativo”, estabelece definições claras quanto a quem representa (o político), mediante que mecanismos é autorizado a representar e a que tipo de sanção ou controles estará submetido (as eleições), quem é representado (o eleitor), e de alguma forma, ainda que muito vaga, qual o conteúdo ou mandato a ser representado (programa, promessas de campanha). Não obstante, o voto também é um mecanismo utilizado com função dupla, o que impede a formulação de um mandato da expressão de alguma vontade clara a ser representada. De um lado, o eleitor emprega o voto como um mecanismo de sanção (accountability) sobre a administração em gestão, avaliando o seu desempenho; do outro, o voto sinaliza preferências (mandato) sobre políticas e opta entre as propostas de implementação futura apresentadas pela situação e pela oposição. Daí, as eleições apresentam a tendência de induzir comportamentos responsivos dos representantes, pelo menos em algum grau, e institucionalizem prestações de contas periódicas, a ambigüidade inerente ao voto acusa seus limites intransponíveis como mecanismo de 22 expressão de preferências. Assim, o representante agir em benefício do representado continua a ser um problema incontornável da teoria democrática, inclusive para renomados defensores de compreensões minimalistas da própria democracia. Segundo Oliveira a simetria não se estende aos critérios de repartição de cadeiras na Câmara dos Deputados entre os Estados. Esta divisão prejudica os Estados mais populosos – pois nenhum pode eleger mais que 70 deputados – em benefício dos menos populosos, que no mínimo escolhem 8 deputados. Ora, entre a população dos menos habitados e a dos mais habitados há muito mais que 8,5 vezes. Isto representa uma flagrante desigualdade. No fundo da questão, porém, está a opção por deixar a maioria da Câmara dos Deputados nas mãos dos eleitos pela metade menos desenvolvida, teoricamente mais controlável, do país. 4.2.5.2- A sobre-representação legislativa no Brasil Procurando a unidade na diversidade, Montesquieu via a geografia (a extensão territorial, em particular) como condicionante das instituições políticas e da organização do governo. No Brasil, na federação brasileira, por exemplo, há uma distribuição do poder da União para os Estados e uma redistribuição dos Estados para os Municípios, tendo como objetivo manter um sistema político forte e estável que faculte aos Estados negociar seus principais interesses; o que não previne, vale dizer, contra instabilidades e mesmo distorções. Uma dessas distorções consiste na sobre-representação legislativa na Câmara dos Deputados, caracterizada pela negligência do critério da proporcionalidade populacional, na medida em que o cálculo da representação brasileira se dá a partir de um teto mínimo (oito) e máximo (70) de deputados federais estabelecido pela Constituição. Nos termos da Constituição de 1988, há uma intensa preocupação com essas formas da representação legislativa na Câmara Federal. A discussão tem como base a representação populacional e a representação territorial: os Estados menos populosos insistem na representação territorial e os Estados mais populosos preferem a 23 representação proporcional à população. A distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados, que segue o critério vigente, beneficiaria – segundo o argumento da sobrerepresentação – pelo teto mínimo, os Estados menos populosos. Contudo, se o cálculo fosse realizado unicamente em relação à população, ter-se-ia apenas um representante para esses Estados. Assim, os Estados mais populosos acabam “penalizados” pelo teto máximo. Trata-se, com efeito, de debate antigo: “desde a Filadélfia de 1776 até a Reunião de Cúpula da Comunidade Européia em Nice no ano 2000, está claro que, na adoção de um acordo federal, as maiores preocupações relativas à possibilidade de exploração provém provêm dos pequenos territórios que seriam sistematicamente derrotados se os votos fossem distribuídos de acordo com a população. Assim, estados pequenos tendem a insistir em esquemas de representação baseados no território, enquanto estados grandes defendem a representação proporcional à população” (RODDEN, 2005). A questão posta nesse debate apresenta duas concepções teóricas: de um lado, a da igualdade, que seria alcançada pela proporcionalidade estrita de representação – um homem, um voto (critério populacional); de outro, as objeções a essa concepção. Uma delas, proposta por Arend Lijphart, distingue entre os modelos majoritário e consociativo de democracia, apontando este como instrumento de estabilidade política porquanto abarca a representação de interesses minoritários, contrapostos aos da maioria. O arranjo federativo frearia o poder da maioria, expressando assim o princípio consociativo ao definir a representação não apenas em termos individuais, mas também em termos territoriais, assegurando certa autonomia aos governos subnacionais e incorporando sua representação no poder central. “Com isso, temos uma dualidade de representação política das federações e um dilema: tornar as regiões politicamente mais iguais ou tornar todos os cidadãos (membros do corpo político nacional) mais iguais” (SOARES e LOURENÇO, 2004: 56). Este dilema parece-nos particularmente grave no caso da federação brasileira, atravessada por desigualdades regionais. 4.2.5.3- Sobre-representação e desenvolvimento regional no Brasil 24 ANASTASIA exemplifica que a distribuição desigual de representantes dos estados no legislativo federal, em conseqüência do arranjo federativo brasileiro, é dada pelos estados do Norte vis-a-vis dos do Sudeste. Assim, Roraima tem 0,18% do eleitorado brasileiro e oito deputados federais (1,56% das cadeiras na Câmara), que eram eleitos, cada um, por 26.066 residentes habilitados a votar enquanto que o estado de São Paulo corresponde a 22,27% do eleitorado brasileiro, com 70 cadeiras na Câmara Federal (13,65% dos deputados federais), cada uma delas determinadas por 366.508 eleitores. Essa é a dimensão numérica da sobre-representação. A atual bancada paulista é constituída pelo teto máximo permitido. Entretanto, uma representação estritamente populacional elevaria esse número de 70 para 111 cadeiras na Câmara. O argumento que justifica tal desproporcionalidade bebe na fonte da economia política do processo orçamentário: os estados mais populosos, caso houvesse uma distribuição de cadeiras baseada no critério populacional, acabariam por centralizar os esforços alocativos, tendo como conseqüência uma força representativa superior na partilha de recursos orçamentários federais. Também a região Nordeste apresenta casos de sobre-representação na Câmara dos Deputados (em Sergipe e Pernambuco). Entretanto, argumenta-se que essa sobrerepresentação das bancadas nordestinas deve ser compreendida como um “mecanismo compensatório” em virtude das desigualdades inter-regionais que persistem. O Nordeste seria, portanto, sobre-representado por “hipossuficiente”; e as assimetrias econômicas, geográficas e políticas que travam o desenvolvimento econômico regional e potencializam as desigualdades regionais teriam na sobrerepresentação uma ferramenta política para minorá-las. Recoloca-se, assim, a velha “questão regional” na arena da partilha política por recursos públicos federais: não só se delega ao livre mercado a promoção do desenvolvimento nas regiões mais débeis como se introduz a competição nas instâncias de representação política. Difícil, contudo, imaginar que ganhos nesta última arena se convertam em efetiva melhoria das condições de vida dos nordestinos. 4.3 – Análise da relação entre democracia, federalismo e representação política 25 O presente tópico analisará a relação existente entre um regime democrático federalista e sua representação política, especialmente sobre o aspecto da importância da representação territorial, que visa à existência do princípio igualitário, ou seja, um indivíduo vale um voto. “O federalismo é provavelmente a forma mais clássica e o exemplo por excelência de recurso ao princípio envolvido no modelo consociativo. Não faz sentido, portanto, pretender aplicar à organização federativa o igualitarismo majoritário ou plebiscitário que vem sendo apregoado com tanto furor, o qual desconhece as coletividades intermediárias e se refere ao nível dos indivíduos. Naturalmente, é possível observar que o Senado é o lugar previsto, em nossa aparelhagem institucional, para a aplicação do princípio consociativo, assegurando-se ali a representação dos estados como tal. Contudo, é discutível, em primeiro lugar, que disso decorra a possibilidade de se ignorar inteiramente aquele princípio no plano da Câmara dos Deputados (REIS, 1993, pp. 162-163).” Defender uma representação estritamente proporcional em termos de população e cadeiras parlamentares seria o seu caráter mais democrático. A alocação desproporcional de cadeiras, segundo a população, infringiria a tradução mais precisa do princípio igualitário da democracia expressa na equação: 1 indivíduo = 1 voto. No cenário brasileiro, a (des)proporcionalidade decorre, principalmente, da legislação eleitoral que define os estados como distritos e estabelece um patamar mínimo e máximo para a representação destes na câmara baixa: respectivamente oito e setenta deputados federais. O resultado, segundo os críticos, é a violação do princípio igualitário da democracia, com os votos de alguns cidadãos tendo maior valor: o eleitor de Roraima ou do Acre em comparação com o de São Paulo, para citar os casos mais extremos. A conclusão é que o aperfeiçoamento da democracia exigiria a representação igualitária dos cidadãos, ou seja, a correspondência entre o percentual de população e o de deputados federais em cada estado de nossa federação. A principal objeção a esse argumento é seu entendimento de democracia, que considera tão-somente a dimensão individual da representação e o princípio majoritário. Podemos defender uma outra concepção, na qual a regra da maioria é apenas um expediente a serviço da democracia, e não um fim em si mesmo, e que privilegie a inclusão e o consenso, dando expressão a interesses relevantes presentes na sociedade, mesmo que minoritários. Segundo SOARES, essas concepções expressam o que Lijphart (1999), a partir da observação do funcionamento da democracia em 36 países, distinguiu como modelo majoritário e modelo consociativo de democracia. 26 “O autor defende que em sociedades plurais o poder da maioria não somente é menos democrático, porque exclui minorias relevantes do poder, relegandoas ao papel de oposição, como também, ao fazer isso, pode ser fator de instabilidade política. A federação é apontada por Lijphart como um dos freios ao poder da maioria, expressando o princípio consociativo ao definir a representação não apenas em termos individuais, mas também em termos territoriais. O sistema federal enfatiza a representação territorial ao garantir certa autonomia política às subunidades nacionais e ao incorporar a representação dessas subunidades no poder central. Com isso, temos uma dualidade na representação política das federações e um dilema: tornar as regiões politicamente mais iguais ou tornar todos os cidadãos (membros do corpo político nacional) mais iguais. As federações, e mesmo alguns estados unitários, convivem com esse dilema e buscam um equilíbrio. Assim, a razão para diminuir o grau de igualdade na representação dos indivíduos é incrementar a igualdade de representação das regiões (dos estados). Dado isto, falar em proporcionalidade em federações requer distinguir entre a proporcionalidade do princípio territorial de representação e a proporcionalidade do princípio de representação dos cidadãos.” A questão de igualdade na representação de regiões com características populacionais diferentes equivale ao grau de (des)proporcionalidade dos cidadãos entre essas regiões. Assim, as regiões menores e mais vulneráveis são incorporadas a um preço proporcionalmente maior para os membros de outras regiões, e isso é aceito em nome dos benefícios advindos da união em uma coletividade mais ampla. Resumindo, a federação destaca interesses de natureza territorial na representação política e, com isso, envolve sempre algum grau de (des)proporcionalidade na representação dos cidadãos na esfera nacional. Ainda, de acordo com SOARES, a citada problemática esteve na origem do sistema federal nos Estados Unidos, no final do século XVIII, e a solução encontrada foi o bicameralismo: uma casa legislativa representaria os interesses estaduais e outra os interesses dos indivíduos, considerados nacionalmente. No caso brasileiro, dada a forma como estão estruturadas e atuam as duas casas legislativas, com ampla sobreposição de competências, inclusive daquelas mais diretamente relacionadas aos interesses federativos, não temos por que ignorar, o princípio de representação territorial na câmara baixa. Portanto, se o federalismo é algo importante e deve ser valorizado na estrutura de Estado no Brasil, e se os estados são unidades territoriais que têm relevância, então não há por que pretender uma representação estritamente proporcional, no sentido populacional, desconsiderando os interesses territoriais na constituição da câmara baixa. 27 4.3.1 - Causas e conseqüências da (des)proporcionalidade Como deve estar claro, a (des)proporcionalidade consiste na distorção entre a população dos distritos eleitorais (estados) e as cadeiras destinadas a esses distritos na câmara baixa. Passaremos a nos referir a essa desproporcionalidade como distrital, enfatizando o aspecto da representação territorial. Para calcular a (des)proporcionalidade distrital, seguindo outros autores (Samuels e Snyder, 2001; Nicolau, 2003), utilizaremos uma adaptação da fórmula de Loosemore e Hamby para o cálculo do Índice D, que aqui passa a ser denominado índice Dd (desproporcionalidade distrital): Dd =1/2S |ci-pi| onde c é o percentual de cadeira de um distrito i, e p é o percentual da população dessa mesma unidade i, em determinado ano eleitoral. O trabalho de Samuels e Snyder (2001) (Anexo 1) possibilita visualizar o Brasil, em termos de (des)proporcionalidade distrital, no contexto internacional. Na tabela. observa-se que, à exceção de Holanda, Israel e Peru, que realizam as eleições legislativas em um único distrito nacional, e por conseguinte apresentam perfeita proporcionalidade, algum grau de (des)proporcionalidade é sempre observado em países que subdividem o território nacional em distritos eleitorais. Portanto, a questão relevante não é quem é (des)proporcional, mas qual o grau dessa (des)proporcionalidade, suas causas e conseqüências. Segundo SOARES, em termos de intensidade, observa-se que os países federativos e unitários apresentam médias semelhantes em (des)proporcionalidade distrital e que nos dois grupos há uma variação muito grande entre os países. Isso dificulta a formulação de uma explicação geral para as diferenças observadas. “O Brasil está acima da média, situando-se entre os de maior desproporcionalidade distrital (9%). Mas o que dizer desse número? Não temos como responder a essa questão tendo como referência o pouco que a literatura nos apresenta sobre outros países. Assim, o caminho mais plausível parece ser nos concentrar no caso brasileiro, analisando as possíveis causas e conseqüências da desproporcionalidade observada, o que pode contribuir para um debate mais consistente, afastando diagnósticos apressados e apontando alguns caminhos para o aperfeiçoamento do nosso sistema de representação. 4.4. - Câmara dos Deputados Brasileira - distorções em sua representação. 28 No cenário brasileiro, observa-se um problema existente na (des)proporcionalidade população/eleitorado em determinada circunscrição eleitoral e seu número de representantes na Câmara dos Deputados. O principal efeito dessa nãoproporcionalidade é dar pesos distintos aos votos dos eleitores de diferentes circunscrições eleitorais, o que viola o princípio democrático de que todos os cidadãos tenham votos com valores iguais, evidenciado na máxima " um homem, um voto". Existem duas formas mais comuns de violação da proporcionalidade entre população e representantes. A primeira delas é fruto da não revisão periódica do número de representantes de cada circunscrição eleitoral na Câmara dos Deputados. Nos casos em que há mudanças decorrentes do deslocamento da população no interior de um país, ou decorrente de diferentes padrões regionais de crescimento da população, algumas unidades territoriais ficam sobre-representadas em detrimento de outras. Uma segunda maneira de violar a proporcionalidade entre população e representantes dos distritos eleitorais na Câmara dos Deputados deriva das regras estabelecidas (muitas vezes na Constituição) para alocação das cadeiras. Quando a distribuição de cadeiras da Câmara é desproporcional, ela produz distorções representativas que podem ser dimensionadas na federação ou partidos políticos. 4.4.1 - Conseqüências face território continental X (des)proporcionalidade na representação Partindo da análise de regras estabelecidas para a alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados entre os estados ao longo da história parlamentar do país. A Constituição de 1824, que vigorou ao longo de todo o Império, não criou normas para a representação das bancadas das províncias na Câmara; assim, elas foram instituídas por intermédio de legislação ordinária (leis, decretos e resoluções). Durante todo o Império o número de representantes da Câmara variou entre 100 e 125, com modificações implementadas em três situações: a) após a introdução de um novo sistema eleitoral; b) devido a alterações nas estruturas das províncias (criação das Províncias do Amazonas e 29 Paraná e independência da Província Cisplatina); c) simplesmente derivadas do aumento arbitrário do número de representantes de algumas províncias. Enquanto as Constituições do período republicano determinaram normas para a alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados entre as unidades da Federação. Cinco critérios são enumerados nos dispositivos dos textos constitucionais: a) o número mínimo de representantes dos estados; b) número de representantes dos territórios; c) número máximo de representantes dos estados; d) número máximo de representantes na Câmara; e) estabelecimento de um número de habitantes (ou eleitores) em milhares para que os estados obtenham uma cadeira na Câmara. Observa-se que as regras definidas pela Constituição de 1891 foram utilizadas para o cálculo do número de representantes de cada unidade da Federação na Câmara dos Deputados de todas as legislaturas eleitas na República Velha e da Constituinte eleita em 1933. As regras da Constituição de 1934 serviram para definir as cadeiras da legislatura eleita em 1934 e da Constituinte eleita em 1945. Durante o período autoritário houve uma grande vulnerabilidade nas regras de alocação das cadeiras da Câmara dos Deputados, todas elas advindas de emendas à Constituição de 1967: Emenda Constitucional nº 1, de 1969 (legislaturas eleitas em 1970 e 1974); Emenda Constitucional nº 8, de 1977 (legislatura eleita em 1978); Emenda Constitucional nº 22, de 1982 (legislatura eleita em 1982). No período democrático duas normas diferentes vigoraram: as bancadas das legislaturas eleitas em 1986 e 1990 foram distribuídas pelas normas da Emenda Constitucional nº 25, de 1985, enquanto a da legislatura eleita em 1994 foi alocada segundo regras definidas pela Constituição de 1988. O anexo II apresenta um resumo das onze diferentes regras constitucionais utilizadas para estabelecer o número de representantes de cada unidade da Federação na Câmara dos Deputados. Três delas as das Constituições de 1937 e 1967 e da Emenda Constitucional nº 11 não chegaram a ser empregadas. Observa-se que as normas adotadas no período democrático, pós-1985, praticamente repetem os critérios estabelecidos pelas regras de 1982, as últimas do período autoritário. Podem-se apontar três fatores como as principais causas para a alocação desproporcional no Brasil. Dois deles deve-se a normas estabelecidas nas Constituições. O primeiro é a determinação de um número mínimo de representantes por unidade da Federação, independente da sua população. A citada medida sobre-representa as unidades que por um critério de distribuição rigorosamente proporcional deveriam ter um número inferior a esse mínimo. O segundo fator decorre de regras que sub- 30 representam unidades com populações maiores, por intermédio de dois processos: pela definição de um número máximo de representantes por estado, ou pela distribuição de cadeiras segundo intervalos crescentes. Neste último caso, a partir de um determinado patamar, é maior o número de habitantes necessários (ou eleitores) para que um estado aumente a sua representação na Câmara. Por exemplo, no período 1946-64 para cada 150 mil habitantes um estado garantia uma cadeira na Câmara até que ele atingisse vinte cadeiras. A partir deste número, o estado garantia um novo representante a cada 250 mil habitantes. E o terceiro fator responsável pela alocação desproporcional deve-se à não revisão periódica do número de representantes de cada estado comparativamente às alterações ocorridas na população (migração interestadual e diferentes padrões de crescimento populacional). Por exemplo, o último cálculo para a definição do número de representantes de cada unidade da Federação na Câmara foi feito por intermédio da Resolução nº 12.855, de 1986 (Rabat e Cassiano, 1997). Isso produz algumas aberrações, como o fato de o Pará, com uma população superior à do Maranhão, ter um deputado a menos, e de Santa Catarina, com uma população superior à de Goiás, também ter menos um representante na Câmara. O próximo passo é analisar o impacto desses fatores sobre as diferentes composições da Câmara dos Deputados brasileira ao longo da história. Para possibilitar a comparação escolhe-se a mensuração das possíveis distorções, utilizando um índice que capta as dissimilaridades de duas unidades comparadas. O percentual de cadeiras de cada unidade da Federação em um determinado ano eleitoral foi cotejado com o percentual da população dessas mesmas unidades no mesmo ano para os casos de não coincidência entre ano censitário e ano eleitoral, a população foi projetada. As diferenças entre os dois percentuais foi mensurada utilizando-se o índice D. No Gráfico 1 (Anexo III) apresenta-se a distorção agregada de 26 legislaturas (tomando o ano da eleição como referência). Entre 1872 e 1930 foram selecionadas dez legislaturas que cobrem todos os diferentes critérios utilizados no período para alocação de cadeiras da Câmara entre os estados. Entre 1930 e 1994 as composições de todas as legislaturas foram analisadas. Os valores que aparecem no gráfico podem ser lidos de duas maneiras: como o percentual de cadeiras perdidas por todas as unidades da Federação sub-representadas, ou como o total percentual das cadeiras ganhas pelas unidades sobre-representadas. Por exemplo, o valor para 1990, indica que 10,2% das 31 cadeiras da Câmara foram alocadas fora do lugar; ou seja, a soma do percentual de estados que perderam representação (ou se quisermos, dos que ganharam) é de 10,2%. Como pode ser observado no gráfico 1 as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados nunca foram rigorosamente proporcionais à população dos estados. Apesar das constantes mudanças das regras constitucionais, a desproporção entre o número de cadeiras dos estados e territórios e a população oscilou em torno de 10,0%, sem muitas discrepâncias neste valor a legislatura mais proporcional foi a eleita em 1966 (7,7%) e a menos proporcional a eleita em 1886 (12,4%). Os gráficos 2 a 6 (Anexo IV) apresentam os valores das distorções entre as bancadas e as populações das regiões brasileiras. A região Sudeste (gráfico 2) foi subrepresentada em todas as legislaturas com exceção da eleita em 1890. Durante o Império, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram as principais unidades sub-representadas. Já na República Velha, São Paulo e Minas Gerais, por deterem as maiores populações, foram os estados mais prejudicados. A partir de 1945, São Paulo passou a responder quase que sozinho pela sub-representação da região Sudeste. As regiões Nordeste (Gráfico 03) e Sul (gráfico 04) apresentam uma evolução errática, sendo ora sub-representadas, ora sobre-representadas. O contraste entre as duas regiões pode ser observado a partir da comparação visual, que apresenta um resultado curioso: quase sempre há uma coincidência entre a sub-representação de uma região e a sobre-representação da outra. Os dados apresentados nos gráfico 03 e 04 permitem rejeitar uma versão corrente sobre a alocação de cadeiras da Câmara dos Deputados. Atribui-se, freqüentemente, ao governo militar um agravamento das distorções representativas, por intermédio da sobre-representação da região Nordeste (reduto eleitoral da Aliança Renovadora Nacional X rena) e sub-representação das regiões Sul e Sudeste (redutos eleitorais do Movimento Democrático Brasileiro MDB). Esta hipótese se confirma para o caso do Sudeste, que foi crescentemente sub-representado ao longo do regime autoritário, mas não para as regiões Sul e Nordeste. A região Sul, pelo contrário, foi sobre-representada nas legislaturas eleitas em 1970, 1974, 1978 e 1982. A região Nordeste, embora tenha sido sobre-representada em 1978 e 1982, chegou a ser sub-representada em 1970 e 1974. As regiões Norte e Centro-Oeste sempre tiveram maior representação na Câmara do que deveriam, no caso da utilização de um critério estritamente proporcional. No Centro-Oeste a taxa de sobre-representação foi pouco expressiva, chegando a um máximo de 2,1% em 1986. A região Norte, por ser área com baixa densidade 32 demográfica, foi ao longo do tempo a principal beneficiária das regras constitucionais que estabeleceram um patamar mínimo de representação para estados e territórios. A elevação desse patamar, em 1982, para oito nos estados e quatro nos territórios caracterizou-se como a principal responsável pelo intenso crescimento da sobrerepresentação da bancada dessa região (gráfico 6). A Constituição de 1988, ao criar o Estado de Tocantins e transformar os territórios de Roraima e Amapá em estados concedendo mais quatro cadeiras a cada um acabou aprofundando essa tendência. Os gráficos 07 e 08 (Anexo V) apresentam as taxas de desproporção da representação de São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais populosos. Minas Gerais foi mais intensamente sub-representado no Império e na República Velha. No período pós-1945, é decrescente a tendência da taxa de sub-representação de Minas Gerais, chegando até a ser sobre-representada na legislatura eleita em 1982. O Estado de São Paulo, com exceção da legislatura eleita em 1890, foi sempre sub-representado. Observa-se um crescente aumento da sub-representação ao longo do regime autoritário, tendência que continuou no período democrático e atingiu seu ápice em 1990. Na legislatura eleita em 1994 houve uma pequena diminuição na subrepresentação de São Paulo, devido à entrada em vigor das regras estabelecidas pela Constituição de 1988, que ampliou o número máximo de representantes por estado para 70. A literatura que analisa a questão da alocação desproporcional de cadeiras da Câmara entre as unidades da Federação no Brasil concentra-se na dimensão federalista. O trabalho pioneiro dessa perspectiva é o de Miguel Reale (1959), que chamou a atenção para os efeitos produzidos pelas Constituições de 1934 e 1946, no sentido de sub-representar os estados mais populosos. Luiz Navarro de Britto, em argumento que se tornaria clássico, enfatiza o viés sociológico da alocação desproporcional: "[...] as circunscrições eleitorais sub-representadas correspondem, em geral, aos estados mais desenvolvidos e industrializados do país. Ao contrário sensu, as zonas mais atrasadas, e por igual, politicamente mais sujeitas ao jugo do coronelismo, acham-se super-representadas em relação às primeiras" (1965:242-243). 33 Gláucio D. Soares radicaliza a hipótese de Navarro de Britto ao defender que a alocação desproporcional das cadeiras da Câmara entre os estados dificulta a implementação de reformas sociais no país: "Efetivamente, ao aumentar artificialmente a representação política de uma cultura política tradicional, atrasada, dominada por líderes locais, freqüentemente latifundistas, proprietários rurais, coronéis de todos os tipos, ou pessoas de sua escolha ou confiança, o sistema eleitoral terminou por prejudicar a maioria da população destas áreas. Ao aumentar o poder político da elite dirigente desta cultura política rural, tradicional e pré-ideológica, ao super-representar na Câmara e no Senado as áreas desenvolvidas social e politicamente, a legislação diminuiu a possibilidade de aprovação, pelas duas Câmaras, de reformas que viriam a beneficiar a maioria da população rural que habita principalmente estas áreas subdesenvolvidas. Este foi o caso da reforma agrária." (1973:27-28) Autores que posteriormente trataram do tema (Souza, 1976; Kinzo, 1978; Lamounier, 1983), praticamente repetem os argumentos desenvolvidos anteriormente por Reale (1959), Britto (1965) e Soares (1973). Um ponto comum em todos esses trabalhos é o reconhecimento de que a alocação de cadeiras da Câmara entre as unidades da Federação, por critérios não-proporcionais, produz resultados deletérios para o sistema representativo brasileiro. De acordo com Wanderley Guilherme dos Santos (1987), o primeiro autor a enfatizar os possíveis aspectos não-patológicos da alocação desproporcional: “dois critérios devem ser utilizados para se avaliar o desempenho de um sistema representativo: inexistência de tirania da maioria e inexistência de veto da minoria.” A partir de tais pressupostos, SANTOS analisa a representação dos estados na Câmara dos Deputados brasileira. Sua conclusão é a de que a sub-representação dos maiores estados e a sobre-representação dos menores, além de não violar os princípios da boa representação, ainda compensa os menores estados das desvantagens geradas pelo alto custo para obtenção de representação nessas circunscrições: Os críticos do sistema parlamentar brasileiro sustentam como evidência da injustiça distributiva o fato de que os estados de populações minoritárias no conjunto 34 nacional, e que são coincidentemente os mais atrasados do ponto de vista econômico, possuem uma representação desproporcional comparativamente aos estados mais populosos. Quanto à justiça federativa da representação não há nada de criticável neste fenômeno, na medida em que é este mecanismo que garante o essencial em um regime representativo, a saber, a não tirania da maioria e a impossibilidade de veto da minoria.. 4.4.2 - A dimensão partidária da alocação desproporcional Todas as evidências quantitativas e os argumentos analisados até aqui se ancoram em pressupostos federalistas: algumas unidades da Federação, e conseqüentemente seus habitantes e eleitores, foram sobre-representadas, enquanto outras foram sub-representadas. O problema do tratamento quase que exclusivamente federalista é que ele deixa de lado um aspecto fundamental: a representação partidária. Não são somente os estados e seus habitantes os beneficiados ou desfavorecidos pelas regras de alocação de cadeiras utilizadas no país, mas também os partidos que concentram suas votações em determinadas circunscrições. Daí a necessidade de explorar com mais cuidado os efeitos da alocação desproporcional sobre a composição das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. Para dimensionar os efeitos da alocação desproporcional sobre a representação partidária, analisarei os resultados das eleições de 1994 para a Câmara dos Deputados. A comparação entre a votação nacional e a representação dos partidos é apresentada na tabela 2 ( Anexo VI) Os dados que chamam mais a atenção referem-se à sobrerepresentação do PFL e à sub-representação do PT e do PSDB. O desafio é saber se essas distorções derivam da alocação desproporcional das cadeiras da Câmara entre os estados, ou são decorrentes de outros fatores. O passo seguinte foi simular a distribuição de cadeiras de cada partido, caso os estados tivessem bancadas na Câmara dos Deputados rigorosamente proporcionais à população (coluna C). A comparação entre as colunas B e C revela o efeito da alocação desproporcional, já desconsiderados os efeitos dos votos em branco e das coligações. Os principais beneficiados pela alocação desproporcional são o PFL, PP e PPR, enquanto os principais prejudicados são o PT e o PSDB. Por esse critério, 22 cadeiras (4,3% da Câmara) estariam alocadas "fora do lugar". A comparação entre a composição da Câmara derivada das eleições de 1994 (coluna A) e a simulação, isolando, simultaneamente, os efeitos dos votos em branco, 35 das coligações e da alocação desproporcional (coluna C), revela uma distorção mais intensa: 56 cadeiras (10,9% do total). A alocação desproporcional, o efeito das coligações parlamentares e a inclusão dos votos em branco no cálculo do quociente eleitoral explicam a sub-representação do PT e do PSDB. Os dados apresentados revelam que, em uma situação na quais esses três atributos do sistema representativo não estivessem presentes, esses partidos ficariam com representação parlamentar bem próxima à sua votação: PT (12,8% dos votos e 12,7% das cadeiras), PSDB (13,9% dos votos e 14,2% das cadeiras). Porém, nesse novo cenário, o PFL continuaria sobre-representado, e o PMDB ficaria intensamente sobrerepresentado. O que explicaria a sobre-representação desses dois partidos? Com o isolamento dos efeitos das três variáveis que contribuem para a desproporcionalidade na relação votos-cadeiras, as distorções que permanecem são derivadas exclusivamente do sistema eleitoral, ou seja, derivam da combinação da fórmula matemática com o número de cadeiras da Câmara em cada circunscrição eleitoral (magnitude). Como a fórmula DHondt de maiores médias utilizada no Brasil favorece os maiores partidos e o fim das coligações faz com que o quociente eleitoral opere como cláusula de exclusão, nas simulações analisadas os partidos mais votados nos estados acabam sendo mais intensamente sobre-representados. Dessa maneira, a sobre-representação do PMDB e do PFL seria explicada devido à desempenho desses partidos no âmbito estadual: o primeiro foi o mais votado em quatorze estados, e o segundo em seis. Os dados analisados até aqui permitem avaliar os principais fatores que influíram na sub/sobre-representação dos principais partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados em 1994. O PMDB perdeu cadeiras, sobretudo em decorrência das coligações com outros partidos, sendo pouco prejudicado pela alocação desproporcional. O PFL beneficiou-se das coligações com outras legendas e do resultado da alocação desproporcional. O PSDB e o PT foram sub-representados devido às mesmas razões: coligações eleitorais e alocação desproporcional; estes dois partidos foram particularmente prejudicados por conta da boa votação obtida em São Paulo. 4.4.3 - As possíveis causas e conseqüências da (des)proporcionalidade na Câmara dos Deputados, destacando o impacto da criação de novos estados; 36 Para analisar as causas e conseqüências da (des)proporcionalidade na Câmara Federal imperativo se faz o estudo das regras eleitorais(piso e teto na representação dos estados), o que se verá abaixo, retornando ao período que antecede a Constituição Federal de 1988, ou seja, o regime militar. Em 1977, sob o governo autoritário-militar iniciado em 1964, a Emenda Constitucional nº 8 estabeleceu um número mínimo (6) e máximo (55) de representantes, por estado, na Câmara dos Deputados. Esta Emenda garantiu ainda dois representantes para cada um dos territórios federais. A Emenda Constitucional nº 22, de 1982, alterou esses números: os estados passaram a ter como piso oito e como teto sessenta representantes, sendo que os territórios aumentaram seu piso para quatro deputados. No processo de redemocratização, a Constituição de 1988 somente alterou o limite máximo de representantes por estado, que passou a ser setenta. O estabelecimento desses patamares de representação para os estados serviu como argumento para aqueles que caracterizaram o "problema" da nossa desproporcionalidade como um fenômeno derivado da ação dos militares, no final da década de 1970, com propósitos eleitorais. As emendas constitucionais acima citadas teriam levado à sobre-representação dos estados do Norte, do Nordeste e do CentroOeste, onde o partido de apoio aos militares era mais forte (Arena), e à subrepresentação do Sudeste e do Sul, onde estava a principal base eleitoral do partido de oposição ao governo (MDB). Contrariando esse argumento, Nicolau (1997) mostrou que a desproporcionalidade foi uma constante em nossa história política, não sendo maior no período da ditadura militar. Também é fato, que os dados de desproporcionalidade, agregados por região, não confirmam essas conclusões. As regiões Nordeste e CentroOeste não apresentaram alterações significativas no grau de sobre-representação durante o período militar; e somente a região Norte aumentou significativamente sua sobrerepresentação a partir de 1978 – o que é explicado pela combinação entre as regras de piso e teto e a criação de novos estados na região, algo que teve vigor não somente no período autoritário, mas também no período democrático mais recente. Voltaremos a este ponto mais adiante. A região Sul foi continuamente sobre-representada no período pós-1970. Por fim, a região Sudeste sempre foi sub-representada, algo que se tornou mais pronunciado a partir de 1978, o que pode ser interpretado como a contrapartida da criação dos novos estados na região Norte. 37 4.4.3.1 - A criação de novos estados A sub-representação de São Paulo, com um déficit de 42 cadeiras nas últimas eleições parlamentares, é o fator que mais contribuiu para nossa desproporcionalidade. A desproporcionalidade distrital (Dd) calculada para 2002 permaneceu em 9% e, analisando os dados desagregados, verificamos que a sub-representação de São Paulo respondeu por 4% desse índice, ou seja, mais de 40% da desproporcionalidade observada. Mas há outro fator relevante e pouco considerado entre as causas da desproporcionalidade na nossa representação política: os novos estados, criados principalmente a partir da década de 1980. Em 1962, o Acre deixou a condição de território para se tornar estado; em 1979 foi criado o estado de Mato Grosso do Sul, a partir do desmembramento do estado do Mato Grosso. Na década de 1980, surgiram quatro novos estados: o território de Rondônia elevou-se à categoria de estado em 1981; o mesmo ocorreu com Roraima e Amapá na Constituição de 1988, quando também se criou o estado de Tocantins com a divisão do estado de Goiás. Todos os novos estados são pobres e pouco populosos, o que combinado com a garantia de um piso mínimo de oito representantes, depara-se com o resultado de 3: cinco desses seis novos estados configurarem no topo dos que detém maior sobrerepresentação política na Câmara dos Deputados, somando uma sobre-representação de 28 cadeiras. Juntos, os seis estados respondem por 3% dos 9% da desproporcionalidade distrital, ou seja, mais de 30% do total. O estabelecimento de piso e teto na representação dos estados, combinado com a criação de novos estados, alterou significativamente a desproporcionalidade entre as regiões. A região norte tem aumento expressivo na sua representação parlamentar a partir de 1978, atingido o ápice de sobre-representação em 1990 (+6,1), primeira eleição legislativa após a Constituição de 1988, quando a região ganhou três novos estados. A contrapartida parece ser a perda relativa de representação da região Sudeste no mesmo período, com o ápice de sub-representação situado na mesma eleição de 1990 (-9,1). Cabe ressaltar que os novos estados têm impactos ainda mais profundos na representação do Senado, que é paritária entre os estados. Seis novos estados significaram dezoito cadeiras adicionais no Senado, o que subverteu a representação política dos outros estados. 38 A criação de novos estados é motivada pelas vantagens políticas e econômicas proporcionadas a qualquer localidade que se torna um estado, sobretudo as menos populosas e mais pobres. A principal vantagem política é o aumento da representação política no governo federal: três senadores e oito deputados federais. Entre as vantagens econômicas destacam-se: a assunção de competências tributárias exclusivas – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) e Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Causa Mortis (ITCD); a garantia de uma cota-parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE); uma maior força política para barganhar recursos junto ao governo Federal. Em suma, a lógica dessas vantagens é extremamente perversa, quanto menos populosa e mais pobre a região, maiores os incentivos em se tornar estado, sem contar que uma região com essas características parece encontrar menos empecilhos para atingir tal objetivo. A Constituição de 1988 condiciona à criação de novos estados a aspectos estritamente políticos, não estabelecendo nenhuma exigência demográfica ou econômica: Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). 39 5- CONCLUSÃO A (des)proporcionalidade na representação política na Câmara Federal é uma marca da história institucional brasileira, estando presente em todas as legislaturas eleitas no Império e na República. A defesa de uma representação estritamente proporcional, no sentido populacional, dos estados brasileiros na Câmara Federal encontra respaldo no modelo de democracia majoritária. Se nos desviamos desse modelo e nos aproximamos do modelo de democracia consociativa, podemos pensar a federação como expressão de interesses territoriais relevantes que merecem representação especial, o que justifica abrir mão de total igualdade na representação política dos indivíduos em nome de uma maior igualdade na representação dos estados. Ao comparar o Brasil com outros países, verificamos que a desproporcionalidade distrital não é um privilégio nosso, está presente na maioria dos países – todos os que subdividem o território nacional para realizar eleições legislativas, entretanto, o grau de (des)proporcionalidade, no Brasil se encontra acima da média, mas nada nos permite concluir que o índice de (des)proporcionalidade brasileiro em si seja totalmente negativo, apesar de merecer algumas correções. Analisando a (des)proporcionalidade na representação política, observa-se que ela envolve sobretudo a sub-representação do estado de São Paulo e a sobrerepresentação de estados na região Norte. Quanto as causas, conclui-se que as principais são: o estabelecimento de piso e teto na representação dos estados só responde em parte pelos efeitos observados: é certo que o teto responde pela sub-representação de São Paulo, mas o piso privilegia sobretudo os mais novos estados da federação, ou seja a criação de estados pouco populosos e pobres nas últimas décadas é um fator importante para se entender a (des)proporcionalidade da representação política na Câmara Federal. Importante ressaltar que um impacto negativo na representação política é a criação de estados pobres e pouco populosos, já que aumentará o grau de (des)proporcionalidade na , ou seja, novos estados sobre-representados, além de outros fatores negativos que não são objeto da discussão . Quanto as conseqüências da (des)proporcionalidade na representação política na Câmara Federal, não existe qualquer tipo de comprovação de que se estaria beneficiando as regiões mais retrógradas do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), em detrimento dos centros mais modernos localizados no Sul e no Sudeste, não existindo qualquer evidência empírica que possibilite imputar um padrão "retrógrado" ou 40 "moderno", comportamento dos legisladores das diferentes regiões brasileiras. A relação entre a (des)proporcionalidade distrital e a (des)proporcionalidade partidária precisa ser melhor estudada, especialmente por três aspectos: a cláusula de exclusão (quociente eleitoral); a fórmula D'Hont e as coligações eleitorais. Estudos indicam que, corrigidas as (des)proporcionalidades geradas por esses fatores, pouco se ganharia, em termos de proporcionalidade partidária, com mudanças na representação dos estados. Por fim, a representação estritamente proporcional dos estados, em termos de população, levaria a uma maior concentração de poder econômico e político em uma única unidade da Federação – o estado de São Paulo –, o que contribuiria para o aumento de nossos desequilíbrios federativos, com a conseqüente ameaça de o país ficar submetido no plano político-eleitoral ao que se denomina "tirania da maioria", como também impossibilidade de veto da minoria. Desta forma, a (des)proporcionalidade na representação política na Câmara Federal é perfeitamente tolerável e até mesmo necessária, já que ameniza as enormes desigualdades regionais. 41 6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANASTASIA, Fátima. (2004), “Federação e relações intergovernamentais”, in: AVELAR, Ana Lúcia e CINTRA, Antônio Octávio (orgs.), Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo, Fundação Unesp, pp. 185-203. ANASTASIA, Fátima. & INÁCIO, Magna (2006), “ Democracia, Poder Legislativo, Interesses e Capacidades, UFMG . 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São Paulo, Alfa-Ômega. 44 7 - ANEXOS ANEXO I Tabela 1 -Índice de (des)proporcionalidade distrital (Dd) na Câmara Baixa em 40 democracias Unitárias Dd (%) Holanda 0 Israel 0 Peru 0 Finlândia 1 Itália 1 Suécia 1 Ucrânia 1 Nova Zelândia 2 Polônia 2 Portugal 2 Hungria 3 Uruguai 3 Romênia 4 Grécia 4 Dinamarca 5 Grã-Bretanha 5 Japão 5 Tailândia 5 França 7 Noruega 7 Turquia 9 Bolívia 17 Islândia 17 Equador 20 Coréia 21 Média 6,0 Desvio Padrão 6,5 Federativas Estados Unidos 1 Austrália 2 Suíça 2 África do Sul 3 Alamanha 3 Rússia 4 Austria 6 Ìndia 6 México 6 Venezuela 7 Canadá 8 Brasil 9 Espanha 10 Argentina 14 Média 5,8 Desvio Padrão 3,6 Ano 1996 1999 1993 1991 1996 1998 1998 1997 1997 1995 1998 1992 1996 1997 1997 1997 1995 1996 1998 1993 1995 1997 1995 1998 1996 1992 1996 1995 1995 1994 1995 1994 1991 1997 1996 1997 1998 1996 1995 45 Anexo II Normas Constitucionais para Distribuição das Cadeiras da Câmara dos Deputados entre os Estados 1891 1934 Número Número Número de Mínimo Máximo porRepresentantes por Estado Estado dos Territórios 4 2 1937 1946 3 7 Constituição Número de Representantes da Câmara 10 1 150 mil, até 20; 250 mil, acima de 20 300 mil, até 25; 500 mil, acima de 25 300 mil, até 25; 1 milhão, acima de 25 * Emenda nº 17 (1965) 7 1967 7 Emenda nº 1 (1969) Emenda nº 8 (1977) Emenda nº 22 (1982) Emenda nº 25 (1985) 1988 6 8 8 8 População para Obtenção de uma Cadeira 70 mil 150 mil, até 20; 250 mil, acima de 20 1 55 60 60 70 1 2 4 4 4 até 420 até 479 até 487 Até 100 mil eleitores: três deputados; acima de 100 mil até 3 milhões: um deputado para cada 100 mil eleitores ou fração superior a 50 mil; acima de 3 milhões até 6 milhões: um deputado para cada 300 mil ou fração superior a 150 mil; acima de seis milhões: um deputado para cada 500 mil ou fração superior a 250 mil. 46 ANEXO III Gráfico 1 Distorção Representativa por Anos Selecionados – Brasil (1872-1994) Anexo IV Gráfico 2 Distorção Representativa por Anos Selecionados Região Sudeste(1872- 1994) 47 Gráfico 3 Distorção Representativa por Anos Selecionados - Região Nordeste (1872-1994) Gráfico 4 Distorção Representativa por Anos Selecionados - Região Sul (1872-1994) 48 Gráfico 5 Distorção Representativa por Anos Selecionados - Região Centro Oeste (1872-1994) Gráfico 6 Distorção Representativa por Anos Selecionados - Região Norte (1872-1994) 49 ANEXO V Gráfico 7 Distorção Representativa por Anos Selecionados - São Paulo (1872-1994) Gráfico 8 Distorção Representativa por Anos Selecionados - Minas Gerais (1872-1994) 50 ANEXO VI Tabela 2 - Percentual de Votos e Cadeiras por Partido Eleições para a Câmara dos Deputados, 1994 Partido PMDB PSDB PFL PT PPR PDT PP PTB PL PSB PCdoB PSD PPS PMN PRP PSC PRN PV Outros Total [A] % de votos 20,3 13,9 12,9 12,8 9,4 7,2 6,9 5,2 3,5 2,2 1,2 0,9 0,6 0,6 0,5 0,5 0,4 0,2 0,8 100,0 [B] % de cadeiras 20,9 12,1 17,3 9,6 10,1 6,6 7,0 6,0 2,5 2,9 1,9 0,6 0,4 0,8 0,2 0,6 0,2 0,2 0,0 100,0 B-A + 0,6 - 1,8 + 4,4 - 3,2 + 0,7 - 0,6 + 0,1 + 0,8 - 1,0 + 0,7 + 0,7 - 0,3 - 0,2 + 0,2 - 0,3 + 0,1 - 0,2 0,0 - 0,8 Anexo VII Tabela 3 - Percentual da Representação Partidária na Câmara em Três Situações: (a) eleições de 1994; (b) com proibição de coligações parlamentares; (c) com alocação rigorosamente proporcional à população dos estados PMDB PFL PSDB PPR PT PP 20,9 17,3 12,1 10,1 9,6 7,2 [B] Com Proibição de Coligação e Sem Votos em Branco 25,0 16,6 13,1 10,1 11,1 7,8 PDT PTB PSB PL PCdoB PMN PSD PSC PPS PRN PV PRP Prona 6,6 6,0 2,7 2,5 1,9 0,8 0,6 0,6 0,4 0,2 0,2 0,2 0,0 5,8 5,3 1,8 2,7 0,4 0,0 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 Partido [A] Bancada Eleita em 1994 [C] Com Alocação Proporcional 25,3 15,2 14,2 9,2 12,7 6,4 6,2 4,7 1,8 3,1 0,4 0,0 0,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,2 0,2 Tabela 4 - Percentual da População dos Estados, Número de Cadeiras dos Estados na Câmara (Absoluto e Percentual) e 51 Número de Cadeiras dos Estados na Câmara Proporcional à População (Absoluto e Percentual) 1994 Estado SP MG RJ BA RS PR PE CE PA MA SC GO PB ES PI AL RN AM MT MS DF SE RO TO AC AP RR Total % População 21,6 10,6 8,5 8,1 6,1 5,6 4,8 4,3 3,5 3,4 3,1 2,8 2,1 1,8 1,7 1,7 1,7 1,5 1,5 1,2 1,1 1,0 0,9 0,6 0,3 0,2 0,2 100,0 Número de Cadeiras (1994) [A] 70 53 46 39 31 30 25 22 17 18 16 17 12 10 10 9 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 513 Número de Cadeiras Proporcional à % População dos Estados [B] 13,6 111 10,3 54 9,0 44 7,6 42 6,0 32 5,8 29 4,9 25 4,3 22 3,3 18 3,5 17 3,1 16 3,3 14 2,3 11 1,9 9 1,9 9 1,8 9 1,6 8 1,6 8 1,6 8 1,6 6 1,6 6 1,6 5 1,6 4 1,6 3 1,6 1 1,6 1 1,6 1 100,0 513 % 21,6 10,5 8,6 8,2 6,2 5,7 4,9 4,3 3,5 3,3 3,1 2,7 2,1 1,8 1,8 1,8 1,6 1,6 1,6 1,2 1,2 1,0 0,8 0,6 0,2 0,2 0,2 100,0 A-B - 41 -1 +2 -3 -1 +1 0 0 -1 +1 0 +3 +1 +1 +1 0 0 0 0 +2 +2 +3 +4 +5 +7 +7 +7 ANEXO VII LEI COMPLEMENTAR Nº 78, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 52 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DO PODER LEGISLATIVO SEÇÃO I DO CONGRESSO NACIONAL Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Parágrafo único - Cada legislatura terá a duração de quatro anos. Art. 45 - A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. LEI COMPLEMENTAR Nº 78, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1993 Disciplina a fixação do número de Deputados, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição Federal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA - Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação. Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas. Art. 2º Nenhum dos Estados membros da Federação terá menos de oito deputados federais. Parágrafo único. Cada Território Federal será representado por quatro deputados federais. 53 Art. 3º O Estado mais populoso será representado por setenta deputados federais. Art. 4º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 30 de dezembro de 1993; 172º da Independência e 105º da República. ITAMAR FRANCO Maurício Corrêa 54