OS TEOREMAS DE GÖDEL, E O QUE ELES NÃO SIGNIFICAM

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OS TEOREMAS DE GÖDEL, E O QUE ELES NÃO
SIGNIFICAM
Walter Alexandre Carnielli
DF- IFCH e CLE
UNICAMP
I. Quem foi Kurt Gödel?
Gödel nasceu em 1906, em Brno, na República Checa. Estudou
matemática em Viena e fez parte do “Circulo de Viena”, um
grupo de matemáticos e filósofos iniciadores do “ positivismo
lógico”
Seus famosos resultados, os teoremas da incompletude que
revolucionaram a matemática, a lógica, a filosofa, a lingüística e
a computação foram publicados em 1930 e 31, quando terminava
seu doutorado.
Nessa época deixou Viena em razão do nazismo, e foi professor
em Princeton, até sua morte em 1978.
Gödel era grande amigo de Albert Einstein, e trabalhou também
com a Teoria da Relatividade Geral. Foi o primeiro a mostrar que
de acordo com essa teoria é possível viajar para trás no tempo.
II. A idéia simples e genial de Gödel
· possibilidade de expressar os paradoxos usando linguagem matemática
· Imagine que temos um aparato teórico (um sistema ou uma teoria) T tal
que só podemos, com T, demonstrar o que é verdadeiro. Considere a
seguinte asserção U:
ESTA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM
T.
1. Se U é verdadeira, então não é demonstrável em T.
2. Se U é demonstrável em T, não pode ser verdadeira. Portanto,
não pode ser demonstrável em T, pois T só demonstra asserções
verdadeiras.
3. Consequentemente, U é verdadeira (já que U afirma não se
demonstrável em T) e daí
4. U é verdadeira e indemonstrável em T.
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5. Mais ainda, a negação de U, ~U, também não é demonstrável
em T, pois se fosse, ~U deveria ser verdadeira, e nesse caso U
seria falsa, contrariando (4).
6. Conclusão, U é verdadeira e nem U nem ~U, são
demonstráveis em T, e nosso sistema ou teoria T é incompleto.
Esse é basicamente o resultado do 1º Teorema da Incompletude.
Segue daí que toda teoria ou todo sistema é incompleto?
Há muitos ingredientes neste argumento:
1. a primeira dificuldade é arranjar uma
maneira de escrever isso tudo
matematicamente.
2. T deve der um modo de “falar sobre
provas”.
3. temos de arranjar um U conveniente.
4. T deve ser “consistente”.
5. Muitas possibilidades foram estudadas
depois que Gödel mostrou o caminho, mas
basicamente T deve ter “uma boa porção
de aritmética”
III. Provas muito gerais e muito leves dos teoremas de Gödel
Os teoremas de Gödel não funcionam em todos os sistemas
matemáticos. Há sistemas simples nos quais nem mesmo
podemos escrever as sentenças de Gödel.
Para poder levar o argumento de Gödel, o sistema T em questão
deve ter uma “quantidade suficiente de aritmética” de forma a
poder expressar alguma propriedades essenciais.
Se temos aritmética suficiente, podemos codificar todas as
propriedades de T, como provas em T por exemplo, através de
números (os chamados números de Gödel). Cada fórmula A de T
recebe um código numérico # (A)
Usamos a notação
T
A
significando que A é um teorema no sistema T.
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Usamos ainda os símbolos lógicos de negação ~ , implicação
equivalência :
e
· ~A significando "não é o caso que A"
· A B significando que “se A é verdadeira então B é”.
·A
B significando que “A é verdadeira se e somente se B é”.
A prova de Gödel faz uso essencial do que chamamos lema diagonal para
T:
Para toda fórmula B(x) (com variável x livre) pode-se construir uma
fórmula A tal que
T 0 (A B(#A) )
Portanto A é demonstrável em T sse seu número de Gödel (#A) satisfaz à
propriedade B(x).
O lema diagonal usa o poder da auto-referência na forma diagonal
Para provar seus teoremas de incompletude, Gödel usou no lugar de B(x)
um particular predicado Teo(x), que significa que "x é o código de um
teorema de T".
É mais conveniente escrever -A em lugar de Teo(#A). -A é uma fórmula
que significa que "A é um teorema de T", e pode ser iterada: --A significa
que -A é um teorema de T, e assim por diante.
Usando a notação - , podemos definir uma sentença de Gödel como uma
sentença G que satisfaz:
(a) T
(G
~ -G)
Portanto, G "afirma de si mesma que ela não é um teorema de T". Daí, G
é verdadeira sse G não é um teorema de T.
IV. Uma prova semântica do 1º Teorema da Incompletude
Suponha que todos os teoremas de T sejam de fato verdadeiros
(isto é, que T é semanticamente consistente). A partir de (a),
concluímos que:
A sentença G é indecidível em T, isto é, nem G nem ~G são
teoremas de T
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1) De fato, G é verdadeira sse G não é um teorema de T.
2) Como os teoremas de T são verdadeiros, G não pode ser um
teorema de T.
3) Como G não é um teorema de T, G é de fato verdadeiro
(usando de novo (a)).
4) Portanto ~G também não é um teorema de T, dado que ~G é
falsa.
Provamos então a seguinte versão do
O 1o Teorema da Incompletude
Seja T um sistema formal tal que pode-se efetuar a codificação
de Gödel e demonstrar o lema diagonal. Então T é incompleto,
isto é, existem sentenças G em T tais que nem G nem ~G são
teoremas de T
V. Uma prova do 2º Teorema da Incompletude
O segundo teorema da incompletude para T afirma que uma
certa fórmula, ConsisT, que significa "T é consistente" não pode
ser demonstrada em T, se T é de fato consistente.
A idéia do argumento é a seguinte: pode-se provar (mas é bem
trabalhoso) que, se T tem suficiente conteúdo aritmético:
(P1) Para toda sentença A, se T
(P2) Para toda sentença A, T
A então T
( -A
--
(P3) Para toda sentença A e B, T
(A
-
A.
A).
B)
( -A
-
A).
Usando (P1)-(P3) mais (a): T (G
~ -G) e um pouco de lógica,
pode-se dar uma prova rigorosa do:
O 2º. Teorema da Incompletude
Seja T um sistema formal como no 1o Teorema. Então, se T é
consistente, T é incapaz de demonstrar sua própria
consistência.
1) Por (a) obtemos T
~ -G)
(G
2) Por (P1) e (1) temos T
-
(G
~ -G)
De (2) e (P3) obtemos
4) T (-G
G)
Porém, de (P2) também temos:
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5) T
(- G
--
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G)
A partir de (4) e (5) e usando a definição de ConsisT, obtemos:
6) T (-G ~ ConsisT) e consequentemente:
7) T
ConsisT
~ -G
e finalmente, usando (7) e (a)
8) T Consis T G
Podemos concluir daí (usando Modus Ponens) que é impossível
que T ConsisT pois isso acarretaria que
T G.
VI. Os teoremas de Gödel mostram que não podemos provar nada ?
· será que os resultados de Gödel dão suporte a algum tipo de
ceticismo em relação às ciências formais?
? “Os teoremas de Gödel mostram que o conhecimento absoluto
é impossível”
? “Vários filósofos, entre eles Sexto Empírico e Kurt Gödel,
provaram que o fundamento da razão não pode ser confirmado”
Algum filósofo pretendeu ou pretende fundamentar o
conhecimento absoluto?
? “Muitas questões em matemática não podem ser demonstrados.
Isso é conseqüência dos teoremas de Gödel”.
ISSO NADA tem a ver com Gödel. A incomensurabilidade da raiz
quadrada de 2, a quadratura do círculo, a trissecção do ângulo
com régua e compasso, etc., foram mostrados ser
indemonstráveis independentemente dos teoremas de Gödel
? “Se não podemos provar que T é consistente, então nenhum
teorema demonstrado em T pode ser considerado como
garantidamente provado. De fato, T poderia ser inconsistente”.
NUNCA um teorema de uma teoria T tem mais garantia que
seus axiomas, e o fato de não podemos provar axiomas nada tem
a ver com Gödel
AINDA que pudéssemos provar a consistência de T dentro de T,
isso seria só mais um teorema de T...
VII. É a auto-referência que é responsável pelo argumento básico
nos teoremas de Gödel ?
Epimênides,o Cretense (VI a.C) parece ter dito
E: “Todos os cretenses sempre mentem”
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Sua asserção auto-referente é contraditória ou paradoxal?
NÃOi) se asserção de Epimênides é verdadeira, então ele próprio,
sendo cretense, mente sempre, e E deve ser falsa, contradição.
ii) Mas de E é falsa, existe pelo menos um cretense que não
mente sempre.
Portanto E só pode ser falsa, e no fundo é mais um elogio que
uma crítica aos cretenses!
Mas se Epimênides dissesse
E’ : “Eu estou mentindo ”
SIM, nesse caso E’ é paradoxal.
Nem sempre a auto-referência é
“perigosa”. O grande fundamento das
provas de Gödel é a diagonalização.
VIII. Gödel mostrou que a inteligência humana será sempre
superior às teorias formais, e portanto sempre superior às
máquinas?
? “Os teoremas de Gödel mostram que qualquer sistema
consistente que for suficientemente forte para produzir uma
certa quantidade de aritmética possui sentenças indemonstráveis
no próprio sistema, mas que nós humanos sabemos que são
verdadeiras”
· Mostramos (pelo 1o Teorema da Incompletude) que se T é
consistente, G não é demonstrável em T , mas isso é
precisamente o que G afirma- que ”G não é demonstrável em T”!
· Isso é demonstrável dentro de T (como mostra a prova do 2º
Teorema da Incompletude)
· Mais ainda, pelo 2º Teorema da Incompletude é demonstrável
dentro de T que “se T é consistente, então G não é demonstrável”
· Em resumo, saberemos que G é verdadeira se soubemos que T é
consistente, mas há muitos casos onde não temos a menor idéia
se T é ou não consistente.
Os teoremas de Gödel não afirmam que nós, de fora do sistema,
podemos decidir a verdade ou falsidade de G ou de qualquer
outra sentença indecidível no sistema
Referências em ordem cronológica:
1. J. van Heijenoort, “Gödel’s Theorems”, The Encyclopedia of
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Philosophy, editor Paul Edwards, Macmillan Pub. CO., 1973, vol.
3, pp.348-357.
2. W. A. Carnielli e Michael Rathjen, “Combinatória e
indemonstrabilidade, ou o 13o trabalho de Hércules”,
Mathematica Universitária n. 12, 1990, Sociedade Brasileria de
Matemática, pp.23-41.
3. W. DePauli-Schimanovich e P. Weibel, Kurt Gödel, ein
mathematischer Mythos, Verlag Hölder-Pichler-Tempsky, Viena,
1997.
4. R. L. Epstein e W. A. Carnielli,
Computability: computable functions, logic and the foundations
of mathematics, with the timeline Computability and
Undecidability, Segunda edição Wadsworth/Thomson
Learning,Belmont, CA, 2000.
Sítios na rede:
5. Karlis Podnieks, Around Goedel’s Theorem-Hyper-textbook for
students in mathematical logic, University of Latvia
6. Kelly S. Cline , “Gödel's Incompleteness Theorem”
6. Torkel Franzén, “Gödel on the net”
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