Deus o Pai no Juda?smo Rab?nico e na Cristandade

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Deus o Pai no
Judaísmo Rabínico e
na Cristandade:
Fundo Transformado
ou Fundo Comum?
Alon Goshen-Gottstein
Resumo
Deus o Pai é princípio central da teologia cristã, bem como da fé do Jesus histórico.
Os estudantes de ambos os assuntos recorreram a comparações com o uso judaico,
particularmente rabínico da descrição de Deus como Pai. Habitualmente, o resultado
daquelas comparações tem sido a superioridade do entendimento cristão da
paternidade de Deus. O estudo presente examina de novo a referência rabínica a Deus
como Pai. Cuidado metodológico está sendo tomado para manter à parte fenômenos
literários diferentes e para avaliar o acesso ao material rabínico à luz da sua lógica
interna e dos seus próprios padrões literários. A aplicação dessa metodologia mina
estudos anteriores, como aqueles de Joachim Jeremias, limitando significantemente a
nossa capacidade de fazer pronunciamentos abrangentes a respeito da novidade do
ensino da paternidade de Deus por Jesus. O ensino de Jesus emerge como muito
parecido com o ensino do ensino rabínico contemporâneo, antes de como revolução
teológica. No entanto, alguma novidade está sendo reconhecida nos ensinamentos de
Jesus, onde, diferente na literatura rabínica, Deus o Pai está sendo retratado também
como ativo. A parte final do ensaio trata da questão da referência a Deus como Pai.
Enquanto um fundo teológico comum está sendo reconhecido, o entendimento cristão
da paternidade divina em relação a Jesus, antes de ser metáfora universal, está
profundamente em desigualdade com entendimento judaico, expressado na Bíblia
Hebraica e na literatura rabínica.
Introdução
Como com qualquer sujeito de significância teológica, visto o contexto da discussão
judaica-cristã, duas perspectivas são relevantes para a nossa discussão. A primeira
perspectiva, a partir da qual o sujeito de Deus o Pai pode ser tratado é aquele do
relacionamento entre o Judaísmo antigo e os ensinamentos de Jesus e do Novo
Testamento em geral. O assunto óbvio é aqui à qual extensão os ensinos de Jesus
são duma espécie do ensino judaico contemporâneo, o que, no fundo do judaísmo
antigo, é relevante para um entendimento próprio das palavras de Jesus, e em que
grau um ensinamento novo possa ser discernindo nas suas palavras.
Metodologicamente, tal análise pertence propriamente ao campo da história das
religiões. Ângulo completamente diferente desse assunto emerge das perspectivas
da teologia e do diálogo entre as fés. Enquanto os judeus e os cristãos não possam
ser capazes de concordar sobre a segunda e a terceira pessoas da Trindade Cristã,
a pessoa de Deus Pai poderia parecer sendo a dimensão de Deus que une o
entendimento judaico e cristão e que possa, assim, prover fundo teológico comum. A
partir da perspectiva dessas disciplinas, a gente queria, portanto, perguntar em que
extensão o Judaísmo e a Cristandade compartilham conceito comum de “Deus o
Pai”.
Que ambas as perspectivas vêm à mente em apresentação do tópico não é
acidental. Á um movimento contínuo de interdependência entre os estudos
filológicos e históricos, de um lado, e a articulação teológica de fé, de outro.
Enquanto na teoria há duas disciplinas diferentes, fazendo dois conjuntos de
perguntas, na realidade, as duas disciplinas alimentam-se uma da outra.
Entendimento exegético e histórico alimenta posições teológicas. A outra direção do
círculo hermenêutico é que as posições teológicas determinam a apresentação de
dados históricos e textuais, lendo textos antigos para dentro de estruturas teológicas
posteriores. Por causa das perspectivas múltiplas relevantes para a discussão de
Deus o Pai, vou abordar ambas as perspectivas na minha discussão. A discussão
presente, assim, tem a natureza dupla de estudo histórico, referente aos Evangelhos
no contexto do Judaísmo antigo, e um exercício entre as fés teológico, tentando se
enganchar com o que se tem em comum e diferenças entre o Judaísmo e a
Cristandade. Naturalmente, uma vez que o Judaísmo e a Cristandade estão sendo
discutidos, não nos podemos mais nos limitar à literatura rabínica ou ao Novo
Testamento, e visões têm de ser tomadas de desenvolvimentos posteriores de
ambas as tradições. Por isso, discutindo as dimensões teológicas mais amplas e
entre as fés do sujeito, vou expandir o campo de discussão para incluir certas
feições do Judaísmo e Cristandade posteriores.
Problemas Metodológicos
Tendo dito tudo isso, temos já nos movido adiante ao próximo ponto da minha
agenda: soletrar os obstáculos metodológicos no nosso caminho. A parte histórica
da minha discussão, a saber, o relacionamento entre o conceito de Deus o Pai de
Jesus e aquele do Judaísmo primitivo, está carregado com dificuldades
metodológicas. A confusão de métodos histórico e teológico é maior obstáculo no
contexto presente. Tanto tem sido escrito referente à novidade do ensino de Deus o
Pai por Jesus. Esta novidade pode ser apresentada ou como a nova proclamação
previamente desconhecida de que Deus é Pai,
Cf. Dieter Zeller, “God as Father in the Proclamation and in the Prayer of Jesus” [Deus como Pai
na Proclamação e na Oração de Jesus], em Asher Finkel e Lawrence Frizzell, ed.s, Standing
before God: Studies on Prayer in Honor of John M. Oesterreicher [Estando diante de Deus:
Estudos sobre Orações nas Escrituras e na Tradição com Ensaios em Honra de John M.
Oesterreicher] (Nova York: Ktav Publishing House, 1981), p. 118; George Foot Moore, “Christian
Writers on Judaism” [Escritores Cristãos sobre Judaísmo], Havard Theological Review, vol. 14,
nº 3 (1921), pp. 242ss
ou, numa versão mais sutil, que salienta os elementos novos que caracterizam o
entendimento de Jesus do Pai, em relação ao Judaísmo anterior.
Veja Joachim Jeremias, “Abba”, cap. 1, no seu The Prayers of Jesus [As Orações de Jesus],
Studies in BiblicalTheology, 2ª série, 6 (Londres: SCM Press; Nperville, IL: Alec A. Allenson, Inc.
1967 [cap. 1, trad. John Bowdon, de Abbastudien zur neutestementlichen Theologie und
Zeitgeschichte [Estudos referentes à Teologia neotestamentária e história do tempo] (Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1996, pp. 15-67); e Witold Marchei, La Priere du Christ et des
Chretiens [A Oração de Cristo e dos Cristãos] (Roma: Biblical Institute Press, 1971).
Enquanto tais declarações devem, metodologicamente, basear-se em estudo
puramente histórico, tal estudo está sendo desesperadamente informado por
perspectiva teológica que derruba totalmente o modo de rigor metodológico que
seria necessário para estabelecer as verdades históricas desejadas. Deixem-me
começar com um exemplo gritante, deixando o caso mais sutil do grande Joachim
Jeremias para um ponto posterior na nossa discussão.
O presente exemplo de cruzar metodológica e disciplinariamente as fronteiras está
encontrado em La Priere du Christ et des Chrétiens [A Oração de Cristo e dos
cristãos] de Witold Marchel de 1971. Enquanto Marchel dedica esforço considerável
a estudo histórico das fontes rabínicas, a sua apresentação estava inteiramente
colorida por um conjunto de pressuposições que traem o seu ponto de vista cristão e
dogmático. Assim, julgou que certa noção de paternidade estaria religiosamente
superior, tentando julgar as fontes rabínicas a partir da certeza do seu próprio
entendimento teológico. Que esse entendimento do conceito de paternidade de
Deus era dependente na participação de Cristo no seu relacionamento com o Pai é
alguma coisa menos que análise neutra de história-de-tipo-religiosa. Que a oração
rabínica não se dirige a Deus como Pai, está sendo visto sinal de falta religiosa, uma
que está sendo obviamente arrumada para os ensinamentos de Cristo (Marchel, La Priere
[A Oração], p. 96). De fato, a literatura rabínica e a literatura intertestamentária estão
sendo apresentadas por Marchei, com o mais honorável intento, como as estações
ao longo do caminho à revelação completa do sentido de “Pai”, no ensino do Seu
filho, Jesus Cristo. Ciência má é muitas vezes só exagero de erros metodológicos
cometidos pelos mais finos dos cientistas. A ciência cristã do nosso tópico presente
tem sido consistentemente atormentada por este fojo metodológico. (De fato,
Marchel ofereceu em forma mais crua o que Jeremias ofereceu com fineza maior).
Talvez, o fojo da expressão mais óbvia da interjeição de perspectiva teológica
naquilo que deve ser questão de história-de-religiões é que fontes rabínicas estão,
não somente apresentadas, mas sendo também avaliadas. Assim, há noção mais
alta, mais cheia ou mais completa de Deus o Pai, contra o que as fontes rabínicas
estão sendo julgadas, obviamente desfavoravelmente. Se escolhermos pôr de lado a
dimensão avaliativa, precisamos estudar cada corpo no seu direito e tentativa
próprios para discernir as feições distintas de como Deus o Pai está sendo
apresentado em cada corpo. Atenção à literatura rabínica como corpo único de
literatura significa a consideração das suas normas literárias de expressão, formas
retóricas estilizadas e referências teológicas específicas. Essas precisam se
apresentadas no seu próprio fundo, como precisa ser a evidência do Novo
Testamento. Depois de coletar os nossos fatos, poderíamos querer fazer
observações de natureza comparativa, a fim de tirar conclusões que estendam o
significado do nosso estudo do reino de religião comparativa ao campo da teologia
comparativa. Ainda, mesmo quando a dimensão teológica estiver introduzida,
precisar-se-á evitar o uso de tais categorias avaliativas como “mais alto” e “mais
cheio” como parte da comparação da apresentação judaica e cristã da imagem de
Deus o Pai.
A atenção à literatura rabínica como corpo literário único leva a outra série de
considerações metodológicas. É natural para os cientistas do Novo Testamento de
procurar na literatura rabínica aquilo que lhes interessar, formando, assim, a questão
de dentro das perspectivas da própria disciplina, antes de a partir da própria
literatura rabínica. Assim, por exemplo, cientistas cristãos pentearam a literatura
rabínica procurando exemplos em que se fala do Pai celeste no singular ou no
plural. Essa distinção era considerada significante, porque, com isso, podia-se
avaliar a medida da intimidade e relacionamento pessoais que a referência a Deus o
Pai tinha para os autores rabínicos. Infelizmente, tal exercício é perda total de
tempo. Está baseado no importar a questão às fontes rabínicas de fora, a saber, o
grau de intimidade em relação ao Pai e a medida em que essa possa ser discernida
dentro de nossas fontes. A questão não tem sentido porque não considera as
normas literárias das fontes rabínicas e as suas próprias convenções estilizadas de
expressão. Não se pode tratar a literatura do Novo Testamento e a rabínica como se
estariam todas partes dum corpo mais amplo de escritos antigos que devessem ser
pesquisadas para dados relevantes. Antes, as fontes rabínicas devem ser
apreciadas na unicidade das suas estruturas literárias, métodos de expressão e
convenções estilísticas.
O estudo moderno da literatura rabínica está ainda jovem; daí a sua metodologia
está sendo ainda executada por cientistas que se especializam no estudo da
literatura. A minha própria dissertação doutoral era dedicada ao sujeito de “Deus e
Israel como Pai e Filho na Literatura Tanaítica” (Alon Goshen-Gottstein, “God and Israel as Father
and Son in Tannaitic Literature” [Deus e Israel como Pai e Filho na Literatura Tanaítica], Ph.D. dissertação, Hebrew
a mais antiga camada da literatura rabínica, datando até o
terceiro século da era comum. Uma das contribuições daquela obra era a
metodologia sugerida dela. Antes de tomar todas as fontes rabínicas criando um
pasticho do qual as lições pudessem ser tiradas, sugeri que as fontes rabínicas
precisam primeiro ser classificadas de acordo com os seus tipos e gêneros literários.
Cada categoria de dados precisa ser estudada no seu direito próprio, e somente
então pode ser tentada uma apresentação sintética mais ampla. Não posso culpar
de defeito a ciência por não seguindo uma metodologia que eu mesmo desenvolvi
muito depois a maioria dos cientistas cristãos tiveram o seu falar sobre o sujeito. No
entanto, no contexto presente, gostaria aplicar essa metodologia à minha
apresentação de Deus o Pai na literatura rabínica. Creio que isso nos vai permitir
apresentação mais encrespadora do material rabínico e ajudar a dispersar muitas
afirmações a respeito de Deus o Pai na literatura rabínica.
University of Jerusalem, 1986),
Seguindo as diretrizes metodológicas, vou apresentar a imagem de Deus o Pai em
quatro categorias distintas, as quais correspondem aos tipos diferentes dos dados
literários encontrados na literatura rabínica. A primeira categoria constitui-se de usos
rabínicos do epíteto “Pai no Céu”. A segunda é de dicas que se referem a Deus
como Pai. Essas dicas não se referem a Deus como Pai no Céu, mas simplesmente
como Pai. Esta categoria é bem menor que a anterior. Uma terceira, e mais ampla,
categoria está feita de parábolas rabínicas que apresentam Deus no papel de Pai.
Escolho tratar as parábolas como corpo separado de dados, porque as parábolas
recorrem a estruturas literárias fixas e porque têm a sua lógica literária própria, a
qual governa a formação da parábola. Enquanto uma dica é forma mais livre pela
qual se expressa uma idéia, a parábola recorre a tipos literários fixos, dentro dos
quais ela deve dar expressão a idéias. Além disso, as parábolas são peças
exegéticas. Daí, parábolas são muitas vezes entendidas no contexto da
hermenêutica bíblica, antes de expressarem um conjunto independente de crenças.
A metodologia complicada associada com parábolas analisadoras me leva a analisálas à parte da análise de dicas.
Finalmente, fórmulas litúrgicas constituem um grupo independente de fontes. A
situação litúrgica é diferente daquela de ensinar, podendo suscitar articulação
diferente de fé. No caso da oração judaica não só o contexto é diferente, mas a
língua também pode ser diferente. A oração dá expressão à voz duma comunidade,
sendo assim sempre falada no plural. Enquanto dicas expressam as visões do
professor individual. Mais significante é uma questão metodológica aberta até que
ponto devemos ler a liturgia judaica antiga e a literatura rabínica como formando um
único corpo contínuo. Precisamos considerar a possibilidade de que os escritores da
liturgia judaica antiga podem não ser idênticos com os escritores da literatura
rabínica. O sujeito merece ainda atenção científica, e não podemos falar com
qualquer facilidade sobre esse ponto. Em qualquer evento, possuímos meramente
textos litúrgicos que são contemporâneos com documentos rabínicos clássicos,
ficando só com o Novo Testamento. Todos os nossos textos litúrgicos vêm de
séculos mais tarde, sendo somente por força de conjetura e retrojeção que os
façamos falar para os primeiros séculos da era comum. Enquanto nos precisamos
virar com a evidência na nossa posse, não temos certeza de que qualquer um dos
nossos dados litúrgicos é tão antigo como aquele que seria necessário para manter
uma discussão com sentido do relacionamento entre a alocução de Deus como Pai
nas palavras de Jesus e na oração judaica antiga. Por todas essas razões, a liturgia
judaica precisa ser tida como categoria no seu direito próprio, não confundida com
dicas que emergem da literatura rabínica.
Creio que certa quantidade de mal-entendimento das fontes judaicas antigas se
deve ao fato de que dados de todas as quatro categorias foram escolhidos
seletivamente para ilustrar idéias preconcebidas que servissem a uma agenda
teológica específica. Uma análise mais cuidadosa das fontes rabínicas, que tomem
em conta a complexidade das mesmas, vão obviamente complicar a pintura fácil
feita por cientistas cristãs. De fato, ela nos pode privar da certeza de varias verdades
aceitas. Enquanto nos poderia deixar mais incertos, pode nos levar, no entanto, mais
perto à verdade.
Seguindo essas observações introdutórias, vou introduzir as fontes rabínicas, de
acordo com essa divisão quádrupla. Depois de as fontes rabínicas tiverem sido
apresentadas na sua própria luz, vou tratar do relacionamento entre as fontes
rabínicas e da aproximação própria de Jesus a Deus como Pai. Nesse contexto, vou
tratar também a ciência cristã anterior, a qual tendia à obliqüidade teológica. Na
seção final, vou tratar da imagem de Deus o Pai no Judaísmo e na Cristandade, indo
além da discussão histórica de Jesus e o seu fundo judaico.
Deus o Pai na Literatura Rabínica: Observações Gerais
Daí, não há nada de literal sobre a paternidade divina nesse contexto, sendo ela
usada num sentido estendido. A descrição de Deus como Pai faz parte dum
vocabulário religioso que dá expressão aos sentimentos de Israel com respeito a
Deus e à apreciação de Deus por Israel. Conseqüentemente, não há nada de
essencial ou fundamental sobre a descrição de Deus como Pai, havendo muitas
outras descrições, imagens e metáforas que enchem o espetro de Israel se dirigindo
a Deus e sentindo por Deus. Não há nada privilegiado sobre “Pai” como forma de
expressão e podemos também acrescentar que “Pai” não é nome próprio para Deus.
Antes, é uma das numerosas metáforas por meio das quais Israel fala de e a Deus.
Muitos escritores enfatizaram que não é realmente uma imagem central no escrito bíblico. Veja
Theodorus Christiaan Vriezen, Theologie des Alten Testaments in Grundzeugen [Teologia do
Antigo Testamento em Testemunhas Básicas], Wageningen: H. Veenman; Neukirchen: K.
Moers, 1957, pp. 120ss.; Walther Eichrodt, Theology of the Old Testamente, trad. ao inglês J. A.
Baker, Philadelphia: Westminster Press, 1961, pp. 67ss.
A referência rabínica a Deus como Pai está fundamentalmente fiel ao uso bíblico.
Diferente de Filo - para quem Deus o Pai é também Deus o Criador do mundo - para
os rábis, a paternidade divina está sendo referida somente em relação a Israel. Isso
não quer dizer que podemos encontrar uma declaração rabínica na qual a
possibilidade de alguém fora de Israel seja excluída. Só significa que as fontes
rabínicas a supõem, continuando, assim, referindo-se a Deus como Pai somente no
contexto do relacionamento especial de Israel com Deus. Como extensão do uso
coletivo de paternidade encontramos também indivíduos que se referem a Deus
como o seu pai. Isso está sendo encontrado em fontes bíblicas, e os padrões
rabínicos permitem igualmente que o indivíduo se refira a Deus como o seu Pai. No
entanto, não encontramos nenhuma fonte na qual Deus está sendo considerado o
Pai de alguém num modo particular, específico ou especial. A paternidade está
sendo fundamentalmente aplicada a Israel e, por extensão, neste.
Vendo as fontes rabínicas em relação às fontes bíblicas, nota-se que as fontes
rabínicas utilizam o relacionamento pai-filho num modo particular. A imagem do Pai
está sendo usada em extensão larga, embora não exclusivamente, a fim de
expressar responsabilidade filial ao Pai. Como o filho terrestre tem obrigações para
com o seu pai, assim, também, Israel tem obrigações para com o seu Pai celeste. As
obrigações estão sendo expressas no seu modo de vida, na fidelidade à Toráh. Daí,
muitos usos de “Pai” são para serem entendidos no contexto da fidelidade de Israel
a Deus, expressada na metáfora de Deus como Pai. Isso não exaure a fila de
sentidos da paternidade divina na literatura rabínica. Encontramos também
descrições de cuidado e suavidade paternos. No entanto, o contexto básico, a partir
do qual a referência rabínica a Deus como Pai está para ser entendida, é aquela
divisão do mundo religiosa do Judaísmo e o sentido de fidelidade e reverência que
acompanha a aproximação ao Pai. Como vou sugerir brevemente, a referência a
Deus nesse contexto como Pai não é acidental. Pode ser que o aproximar-se a Deus
como Pai, antes de simplesmente como Rei, está sendo intentado para introduzir um
elemento mais pessoal no relacionamento. No entanto, “Pai” na literatura rabínica é
metáfora para Deus, e precisamos considerar o contexto no qual essa metáfora
esteja sendo usada. Isso se refere à literatura rabínica e à rigorosa concentração da
mesma na aderência à forma da Toráh dos usos da metáfora. Nesse contexto, é
significante notar que há pouca emoção a qual esteja sendo diretamente expressada
pela referência a Deus como Pai - nem emoção do Pai, nem emoção do Filho.
Seria útil apontar para uma assimetria na referência rabínica a pai e a filho. Como
um relacionamento recíproco poderíamos ter esperado mais ou menos referência
paralela a Deus como Pai e a Israel como Filho. Ambos deveriam ter aparecido mais
ou menos na mesma extensão, e ambos deveriam ter trazido interesses relatados.
De fato, a literatura rabínica parece prestar atenção maior ao Filho do que ao Pai.
Há um relacionamento claro entre o sujeito da reflexão referente ao Pai e aquela
considerando o Filho. Se a reflexão referente ao Pai se relatar à aproximação a este
e à piedade e obrigação filiais, então a reflexão referente ao Filho se refere ao status
do Filho e à qual extensão status esse está ou não está afetado por comportamento
apropriado. O maior impulso da literatura é indicar que o status do Filho está sendo
mantido, mesmo se falhar a observar as obrigações para com o seu Pai. Assim, uma
série particular de sentido ganha proeminência, mesmo se não exclusivamente, na
aplicação rabínica da metáfora. As referências tanto ao Pai como ao Filho estão
sendo derivadas do entendimento básico do relacionamento. De acordo com isso, as
fontes rabínicas empregam uma série muito particular de sentidos da metáfora paifilho, de acordo a suas necessidades ideológicas particulares.
Que a literatura rabínica serve a necessidades ideológicas é fator significante, o qual
a gente precisa ter em mente quando analisar os usos da metáfora pai-filho.
Escritores cristãos perguntaram até onde a noção de Deus como Pai se
desenvolveu na literatura rabínica. Uma vez reconhecido que a literatura rabínica
cumpre necessidades ideológicas, tal questão se torna sem sentido. O caso não é
que haja alguma noção de Deus como Pai que possa ser definida na sua plenitude e
contra a qual usos diferentes devam ser medidos como mais ou menos completos.
Antes, a linguagem religiosa de Pai e Filho é linguagem metafórica. Um dado corpo
literário pode expressar sentidos particulares daquilo que a metáfora poderia trazer,
de acordo com as suas próprias ênfases ideológicas. Precisamos, assim, apreciar a
ênfase e agenda particulares das fontes rabínicas, vendo as referências a Deus
como Pai no seu contexto. Vamos agora voltar a nossa atenção aos usos rabínicos
do epíteto de “Pai no Céu”.
“Pai no Céu” na Literatura Rabínica
Apresentação mais plena daquilo que segue encontra-se em Alon Goshen-Gottstein, Hakinui
“Ab Bashamayim” Besifrut Hazal, Iyunei Mikra Uprashanut 3 (Ramat-Gan: Bar Ilan University
Press, 1993) pp. 79-103.
Um dos epítetos para Deus na literatura rabínica é “Pai no Céu”.
Veja também George Foot Moore, Judaisme: In the First Centurries da Era Cristã - A Idade dos
Tanaím (Cambridge, MA: Havard University Press, 1944 [orig., 1927]), pp. 220ss.; Arthur
Marmorstein, The Old Rabbinic Doctrine of God (Nova York: Ktav Publishing Co., repr., 1968
[orig., 1927]), pp. 56-61; e Ephraim E. Urbach, The Sages: Their Concepts and Beliefs [Os
Sábios: os seus Conceitos e Crenças], trad. ao inglês de Israel Abrahams (em 2 vol.s, com as
notas abrangendo o vol. 2), Jerusalém: At the Magnes Press, The Hebrew University, 1975, p.
71.
Esse é nome novo para Deus, o qual não está sendo encontrado nem na Bíblia nem
nos Apócrifos. No inteiro corpo da literatura rabínica encontramos aproximadamente
100 ocorrências do epíteto, incluindo as fontes que estão sendo trazidas em mais
que um contexto. O número de ocorrências de outros epítetos comuns, tais como O
Santo, bendito seja Ele, Maqôm, Shamayim e outros. Deveríamos notar que e esse
é o único nome rabínico para Deus que permite que alguém se concentre no
relacionamento de Deus com Israel.
O nome “Deus de Israel” está sendo usado apenas na literatura rabínica. Veja Marmorstein, Old
Rabbinic Doctrine [A Doutrina Rabínica Antiga], p. 72.
Vale notar que os nomes divinos na literatura rabínica muitas vezes se referem à
capacidade de Deus como criador e no relacionamento de Deus ao mundo. Assim,
muitos nomes para Deus se referem a Deus em alguma relação ao mundo.
Veja a ilsta de nomes em Marmorstein acima, notando a freqüência extremamente alta de
nomes que apresentam Deus como Shel `Olóm [Do Mundo].
A referência a Deus como o Pai celeste está, nesse sentido, diferente. Isso pode ser
razão para o número baixo de ocorrências desse epíteto. No entanto, a teoria que
estou disposto a sugerir a respeito do desenvolvimento do nome pode prover
explicação ainda melhor para o uso relativamente raro do nome.
O exame dos usos de “Pai no Céu” revela que está sendo usado quase sempre no
contexto de fórmulas fixas e lingüísticas estereotipadas. Encontramos muito poucos
usos livres e espontâneos que iam além dos padrões lingüísticos fixos do seu uso. A
isso, pouco uso está sendo feito do potencial do epíteto para descrever o
relacionamento único entre Deus e Israel. É interessante notar que em lugar nenhum
encontramos referência a Deus como “O Pai no Céu”. Nas fontes rabínicas, a
referência está sempre personalizada de algum modo - meu pai, teu pai, etc. - o que
dá a impressão de intimidade. A referência a Deus como pai da nação, ou de
indivíduos nesta, cria a impressão dum relacionamento pessoal entre Israel e do Pai
celeste dos israelitas.
Mais um fato capta a atenção, quando se examinar os usos do epíteto. Quando
Deus está sem referido como Pai celeste, Deus nunca está sendo relatado como
ativo. O Pau no Céu é objeto de ação e intenção religiosas humanas, a qual se
dirige para cima. Esse uso passivo do epíteto tem de ser tomada em conta. Depois
de tudo, a imagem do Pai abre possibilidades de longo alcance para descrever a
ação de Deus para o povo de Deus. Os usos atuais do epíteto, assim, parecem
inaturalmente limitados. Além disso, de algumas fontes a gente sente atualmente
que haja distância em relação ao Pai celeste. Tal distância dá nota diferente daquela
dada pela referência pessoal a “Pai”.
Sugiro que “Pai no Céu” está derivado dum nome anterior para Deus - “Céu”. É só
contra o fundo dos usos de “Céu” que possamos dar conta para com “Pai no Céu”
estando ser usado. Diferente de “Pai no Céu”, o que está sendo encontrado somente
na literatura rabínica e no Novo Testamento, “Céu” é epíteto mais antigo, sendo
encontrado em fontes que antedatam a literatura rabínica.
O nome “Céu” foi discutido por Urbach muito ao longo.
Veja cap. 4 de Sages [Sábios] de Urbach: “Proximidade e Distância-Onipresente e Céu”, pp.
6679. Exame de fontes do Novo Testamento sugere que “Pai no Céu” virou moda só no primeiro
século. Veja Jeremias, “Abba”, pp. 16fi.
Via “Céu” e “Lugar” como dois nomes complementários para Deus que expressam
dois aspetos dum entendimento religioso complexo. A reclusão e presença estão
sendo expressas por meio de “Lugar”. O senso da distância (não afastamento) de
Deus encontra expressão por meio de “Céu”. De Urbach aprendemos que ambos os
epítetos estão sendo para serem entendidos como metonímias, pois alguém que
mora no Céu e pelo Único que mora num lugar particular, isso é, o Templo. A luta
bíblica pela definição própria do lugar de morar de Deus - os Céus ou o Templo encontra expressão de época recente nesse par de nomes.
A fim de apreciar o relacionamento entre “Céu” e “Pai no Céu” precisamos observar
como “Céu” está sendo usado na literatura rabínica. Urbach (Urbach, Sages [Sábios], pp. 6061) já notou que "Céu" está sendo usado em fórmulas lingüísticas estereotípicas. As
expressões que empregam “Céu” enfatizam a diferença ou a brecha entre Deus a a
humanidade. “O reino do Céu” é bom exemplo, sendo contraste ao reino humano.
Para explicação alternativa, veja Gerhard Kittel, ed., Theological Disctionary of the New
Testament, traduzido (do alemão) ao inglês e editado por Geoffrey W. Bromley (Grand Rapids,
MI: William B. Eerdmans Publishing Co. 1964), vol 1.pp. 571ss. (doravante, TDNT).
Semelhantemente, o temor do Céu é o contrário do temor dos humanos (veja, p. ex.,
Avot 1,3), e a glória do Céu está sendo contrastada com a glória humana (Tosefta
Yoma, 2,8). Os usos de “Lugar” estão sendo mais variados e muito mais freqüentes.
Por meio de “Lugar” se pode enfatizar a continuidade entre seres humanos e Deus e
a participação de ambos numa arena comum. Um dos fatos significantes adicionais
é que a ação ativa de Deus não está sendo expressa por meio de “Céu”. Além da
espécie do uso formular já mencionado, encontramos a intenção do coração dirigido
ao “Céu” (Veja, p. ex., Mishnah MenahDaDot 13,11). Em contraste, as ações de Deus estão
sendo expressas em modos diversos por meio de “Lugar”. Ao longo com falta de
atividade nos usos de “Céu”, notamos também a falta de sentir. “Céu” não está
sendo usado quando alguém deseja expressar sentimento e paixão divinos,
enquanto “Lugar” regularmente expressa sentimento divino (p. ex. Mishna Sanhedrin
6,5).
Contra o fundo desse breve resumo dos usos de “Céu”, precisa-se perguntar o que é
a função de “Pai no Céu”. Urbach (Urbach, Sages, p. 61) sugeriu que “Pai no Céu”, como
outras fórmulas que contém “Céu”, está sendo designado a contrastar com o pai
terrestre.
Veja também Moore, Judaism, vol. 2, p. 205, TDNT, vol. 5 (1967), p. 986. Que “Pai no Céu” se
originou como expansão de “Céu” e não de “Pai” conta também para o fato de que não há
formula correspondente para designar o filho ou as crianças em relação ao Pai celeste.
A dificuldade com essa sugestão é que há somente uma fonte na literatura rabínica
que atualmente contrasta os dois;
Veja Sifrei Deut. 48, p. 113. Não se deve concluir demais dessa fonte, considerando que a
derasha [investigação] sobre Pr 23,15 carrega em si o ímpeto para o contraste. O contraste
pode, assim ter mais a ver com a derasha particular que com o sentido de “Pai no Céu”.
daí, gostaria de sugerir que “Pai no Céu” se desenvolveu em relação a “Céu”. “Pai
no Céu” acrescenta dimensão pessoal a “Céu”. “Céu” conota a distância entre nós e
Deus, este que mora nos céus. Dirigindo-se ao Pai no Céu permite apelo pessoal ao
céu e até um ligar com uma ponte entre os humanos e o Céu. Essa sugestão
ajudará a considerar muitas das características de “Pai no Céu”. O tipo de fórmula
que caracteriza o seu uso, o fato de que o Pai celeste não está sendo descrito como
agindo, e as limitações qualitativas e quantitativas do uso do epíteto estão sendo
considerados à luz dessa sugestão. Assim, “Pai no Céu retém os hábitos lingüísticos
de “Céu”. A nota pessoal que está sendo sondada de “Pai no Céu” vem. Não de
“Céu”, mas sim do fato de que “Pai” está sendo relatado com a forma possessiva meu pai, teu pai, etc.
Contra esse fundo, entendemos porque tantos dos usos de “Pai no Céu” descrevem
a busca e o movimento em direção ao Pai celeste e a virada do coração ao Pai
celeste.
Veja Mishna Rosh Hashana 3,8; Mekhilta, Amalek 1, 179-180; cf. Goshen-Gottstein, “God and
Israel as Father and Son” [Deus e Israel como Pai e Filho], pp. 17-18; veja ainda Mishna
Berachot 5,l e numerosas outras fontes.
O senso de distância não deve ser limitado à distância geográfica entre terra e céu.
Percepção humana de Deus inclui percepção do hiato e distância enormes entre
Deus e a humanidade. Virar o coração é um modo de transpor esse hiato, como o
são outras expressões que indicam o movimento de Israel em direção ao seu Pai
celeste.
Enquanto o Pai celeste não é o sujeito de ação atribuída a Ele, o raio de atitudes
excede aquela da busca pelo Pai distante. Uma das dimensões de atitude referente
ao Pai celeste é confiança. Assim, numa adição à Mishna Sotah, lemos: “Em quem
podemos confiar? No nosso Pai no Céu.”
Sotah 9,15. A questão retórica que forma o texto faz parte daquilo que capacita de uso
lingüístico a respeito do Pai celeste. Cf. Mishna Yoma 8,9. Esse texto poderia ser comparado a
Mt 6,14. Os dois textos fornecem uma mensagem oposta a respeito do recipiente de perdão. No
entanto, ambos os textos justapõem os mesmos motivos, oferecendo imagem relatada do Pai
celeste. Por meio de questões retóricas, esse texto fornece mensagem que está perto ao uso de
“Pai no Céu” no Novo Testamento. A similaridade de motivos em ambos os textos levanta a
possibilidade de alguma fonte comum.
Tal confiança é obviamente conseqüência do fato de que, no céu, temos um “Pai”.
A aproximação pessoal ao Pai encontra expressão numa outra fórmula, comum nas
fontes tanaíticas: “A vontade do [meu] Pai no Céu” (Veja Urbach, The Sages, p. 72 e p. 714, nº
25). A fórmula indica que a ação religiosa é relatada num modo pessoal à imagem do
Pai celeste. Essa percepção está sendo expressa num modo formular, o qual indica
como este reconhecimento está entranhado.
No entanto, além do uso formular, não está sendo feito muito dessa associação. A fórmula
funciona quase automaticamente em contextos exegéticos, sem muita reflexão atada nela. Veja,
p. ex., Sifrei Deut. 306, p. 341. Nesse contexto, a atenção deve ser chamada à expressão única,
“Meu Pai no Céu me mandou”, em Sifra, Kedoshim, cap. 11, 93d. A dimensão ativa está sendo
considerada do melhor modo pela fusão das imagens do Pai celeste e o Reino do Céu no texto.
Veja Goschen-Gottstein, “God and Israel como Pai e Filho” [Deus e Israel como Pai e Filho], p.
25.
Até aqui, tudo o que foi dito remete a fontes tanaíticas. Em todas elas notamos que
não há descrição de sentimento associado com o Pai celeste.
As únicas exceções são encontradas em casos de paráfrases de textos bíblicos que expressam
emoção. Veja Goschen-Gottstein, Hakinui, p, 90.
A série de fenômenos, que são postos entre Israel e o seu Pai celeste, está limitada
a ações e intenções. Até fé não está sendo encontrada nunca em conjunção com
epíteto. Parece que essa limitação, também, é conseqüência da limitação que
caracteriza o uso de “Céu”.
Em vista da dependência de “Pai no Céu” de padrões lingüísticos que governam o
uso de “Céu”, chega a ser muito difícil fazer declaração referente à natureza do
relacionamento pai-filho baseada nos usos do epíteto na literatura tanaítica. O quê,
então, podemos dizer a respeito da imagem do Pai neste antigo estágio da literatura,
como ela se expressa nos usos do epíteto? Já temos sugerido que voltar ao Pai
celeste introduz nota pessoal. Mesmo se nenhuma emoção está sendo expressa
nesse contexto, confiança e relacionamento pessoal estão sendo feitos possíveis
por isso. Alem disso, a imagem de Deus como Pai, como expressa nos usos
tanaíticos de”Pai no Céu”, parece relatado ao cumprimento de obrigações religiosas.
A ação religiosa própria afeta o relacionamento de Israel e o seu Pai celeste, e
intento conveniente acompanha essas ações. A aproximação ao Pai indica que há
obrigações que são para serem encontradas em relação a Ele. O cumprimento
dessas obrigações transpõem a brecha entre Israel e o seu Pai celeste.
As fontes tanaíticas estabelecem os padrões básicos do uso do epíteto. Nas fonte
amoráicas, notamos dois desenvolvimentos interessantes. Encontramos vários
exemplos de midrashim sobre nomes bíblicos que fazem uso de “Pai no Céu”.
Assim, o nome de Hizkiyau está sendo interpretado como “aquele que fortaleceu o
coração de Israel ao Pai no Céu” (Bavli Sanhedrin 99a. Outros exemplos estão ib., p. 93). O sentido
nesse caso parece ser que essa pessoa influenciou o conhecimento de Deus de
outras pessoas e a vida religiosa destas e, por isso, levou-as perto de Deus. Podese sugerir que as mitsvôt na fontes tanaíticas tinham o poder de mediação e de levar
Israel pero ao seu céu paternal.
O padrão de meditação, pelo qual a parte terceira recomenda o filho ao seu pai, usualmente um
pai irado, está sendo amplamente documentado em parábolas tanaíticas. Veja Goschen-
Gottstein, Hakinui, p. 87, id., “God and Israel como Pai e Filho” [Deus e Israel como Pai e Filho],
pp. 88-110. Essa noção de mediação e apaziguamento do pai, por meio de terceira parte, pode
ser também significante para o entendimento da teologia paulina. Veja Rm 5,10-11 e 11,15; cf.
1Cor 11,7; 2Cor 18,5; Cl 1,20; e Ef 2,16. Veja Veja Goschen-Gottstein, Hakinui, p. 87, nº 47.
Algumas passagens midráshicas amoráicas parecem pôr personagens bíblicas
específicas no mesmo papel. Assim, o que leva Israel mais perto ao seu Pai celeste
não é somente uma ação, mas também uma pessoa.
Um segundo, embora menos bem documentado, desenvolvimento pode ser
encontrado na fonte seguinte:
Como é com o lírio? Quando estiver posto entre os espinhos, um vento norte sai e o forceja ao
sul e um espinho o pica e um vento do sul sai e o forceja ao norte e o espinho o pica; ainda,
apesar de tudo isso, o seu coração está dirigido para cima. É o mesmo com Israel. Embora
annonae [preços] e angariae [obrigações] estejam sendo coletadas dele, os seus corações
estão dirigidos a seu Pai que está no Céu (Leviticus Rabba 23,5).
Há sentidos múltiplos para a kavanah, intenção, ou direção do coração. Já vimos
que intenção é o meio ativo pelo qual alguém chega perto do Pai celeste. Essa fonte
pode sugerir um sentido adicional à kavanah. Intenção, nessa fonte, descreve, não o
processo de virar o coração ao Deus, mas sim um estado constante de Israel se
dirigindo a Deus. As pessoas de Israel estão sempre como o lírio entre os espinhos,
sempre dirigindo os seus corações a Deus. Esse uso, bem como os outros exemplos
de aplicação amoráica deles, deriva levemente de usos anteriores de “Pai no Céu”.
Tal derivação estão sendo no melhor considerada como perda de vista de “Céu”
como constitutivo do desenvolvimento de “Pai no Céu”. Fontes posteriores relatam
usos de “Pai no Céu” antes de diretamente a “Céu”.
Gostaria concluir a minha apresentação dos usos de “Pai no céu” por referência ao
seus usos em Tanna Devrei Eliyahu. Essa é obra midráshica recente, a qual está
composta de um autor anônimo original e altamente individual. Como pertence à
literatura rabínica e está consistente com os seus assuntos em toda parte, ocupa
também posição única em virtude do fato de que é obra dum pensador original,
expressada em modos originais e únicos. Essa obra contém o número maior de
usos de “Pai no Céu” em toda a literatura rabínica. O que caracterizou usos
anteriores, era o uso limitado do epíteto, os quais preveniam de chegar a ser um
sinônimo comum para Deus (CíMoore, Judaism, vol. 2, p. 204; Jeremias, “Abba”, p. 17). Em Tanna
Devei Eliyahu, por contraste, o epíteto está tão comum que funciona como sinônimo
para Deus. O epíteto está sendo também usado para descrever Deus num sentido
ativo. A freqüência de uso leva à criação de novas fórmulas lingüísticas. A isso,
numerosas orações estão sendo endereçadas ao Pai celeste (veja, p. ex., Tanna Devei
Eliyahu, cap. 7, p. 33; cap. 10, p. 51; e muitos mais). Como estamos para dar conta dos usos de
“Pai no Céu” em Tanna Devei Eliyahu?
Shmuel Safrai considerou Tanna Devei Eliyahu uma obra que veio do círculo dos
Haçidím, provendo-o (bem como outros, primariamente Géza Vermès, Jesus the Jew: A Historian’s Reading
of the Gospels [Jesus o Judeu: Leitura dum Historiador dos Evangelhos] (Londres: Collins, 19 73; Nova York :
com um contexto judaico, à luz do qual apreciar o ensino de Jesus. O
senso especial de Jesus de relacionamento filial, de acordo com Safrai, era duma
Macmillan, 1974)
espécie com a qual o entendimento religioso estava corrente em círculos haçídicos,
como expresso em Tanna Devei Eliyahu.
Shmuel Safrai, “Jesus and the Hasidic Movement”, em Isaiah Gafni e outros, ed.s, The Jews in
the Helenistic-Roman World: Studies in Memory of Menachem Stern (Jerusalém: Zalman Shazar
Press, 1996), pp. 417-420.
Há duas razões de não seguir a proposta de Safrai para relacionar Tanna David
Eliyahu e os ensinos de Jesus. A primeira é cronológica. Safrai seguiu datação muito
antiga da obra, em conseqüência disso não podia fazer a conexão entre Tanna
Dedei Eliyahu e Jesus. A maioria dos cientistas, porém, dataram a obra pelo fim do
período midráshico, tornando por isso o seu testemunho irrelevante para estudo do
contexto de Jesus.
Para sumário da discussão a respeito da data dessa obra, veja Enciclopaedia Judaica
(Jerusalém: Keter Publishing House, Nova York: Macmillan Co., 1971), vol. 15, pp. 803-804.
Segundo, a linha de Safrai de raciocinar seguindo a análise cristã convencional,
tentando localizar referência a “meu Pai no Céu”, encontrando nessa expressão um
grau maior de intimidade religiosa. Seguindo a minha análise dos usos do epíteto,
apresentado acima, rejeito esse método de inquisição como meio de mensurar
senso mais ou menos desenvolvido de relacionamento ao Pai.
Safrai, “Jesus and the Hasidic Movement” [Jesus e o Movimento Haçídico], p. 418, nº 26, cita
Goshen-Gottstein, “God and Israel as Father and Son” [Deus e Israel como Pai e Filho]. Sua
análise, porém, não está sendo influenciada de modo nenhum pela minha própria discussão.
Safrai está também não percebendo do meu artigo posterior em que Tanna Devei Eliyahu está
sendo discutido.
Uma vez que reconhecermos a natureza estereotipa do uso de “Pai no Céu”, esse
tipo de exame perde toda a significância.
Possibilidade alternativa pêra relacionar Tanna Devei Eliyahu e a literatura cristã,
seguindo a datação posterior mais convencional, poderia ser que o livro mostra
influência cristã. No entanto, exame dos usos do epíteto e comparação do uso a
esse fundo no Novo Testamento torna essa sugestão improvável. Enquanto os
pontos atuais de contato são minimais (veja Goshen-Gottstein, Hakinui, p. 101, nº 121), há
diferenças significantes entre eles. O uso do epíteto nos Evangelhos retém o senso
de distância que é típico do uso mais antigo. Portanto, em nenhum lugar dos
Evangelhos o amor do Pai celeste está sendo referido. O Pai é todo-poderoso, ainda
também severo. Em Tanna Devei Eliyahu encontramos percepção de grande
proximidade e amor entre o Pai e o Filho (veja Tanna Devei Eliyahu, cap. 17, p. 84, e cap. 26, p.
141). Idéias que são centrais nos Evangelhos, como o perdão do Pai celeste, não
aparecem nessa obra.
Como nenhum relacionamento direto com escritos cristãos pode ser provado, a
gente está sendo forçada à conclusão de que o uso freqüente do epíteto por ambos
os corpos atesta o fato de que, sob a influência de personalidades individuais ou
escritores individuais, fórmulas mais antigas podem ser transformadas, podendo
novos sentidos ser atados nelas. Assim, tanto Jesus como o autor de Tanna Devei
Eliyahu, nos seus modos próprios, estenderam e expandiram o âmbito de uso de
“Pai no Céu” em relação ao uso mais convencional. Vale notar que Tanna Devei
Eliyahu não parece fazer qualquer uso significante do fato de que o Pai está “no
Céu”. “Céu” designa onde está o Pai. No entanto, “Céu” não carrega mais o cargo
que carregava em fontes anteriores. Parece que, aqui, o Pai celeste está sendo
simplesmente contrastado com o pai terrestre (De fato, temos aqui a primeira articulação cônscia
da distinção entre os dois. Veja Tanna Devei Eliyahu, cap. 24, p. 134). O elemento que está sendo
realmente operativo, sem a restrição dos usos anteriores de “Céu”, âmbito muito
mais largo de sentido, está sendo desatado. Esse âmbito de sentido permite
expressão de emoção, para a descrição da atividade do Pai e para expressão
litúrgica. Nesse sentido, podemos ver, em Tanna Devei Eliyahu, o caso teste para
apoiar a nossa tese. Isso é como “Pai” teria sido visto, se não tivesse sido
embaraçado por constrangimentos do nome anterior, sobre o qual deu comentário, e
o qual amenizou no primeiro momento. Precisamos, assim, concluir esta parte da
nossa apresentação com a sugestão de que dentro de “Pai no Céu” está sendo
encontrada tensão entre a componente “Céu” e a componente “Pai”. As fontes mais
antigas estavam mais sob os constrangimentos de “Céu”, enquanto fontes
posteriores se moviam gradualmente para fora da influência de “Céu”, tendo
chegado a se dirigir mais e mais à componente de “Pai”. Sentidos novos e mais
amplos tem sido desatados ao longo do curso daquilo que pode ser descrito como o
movimento de “Céu” para “Pai”.
Deus o Pai nos Ditos Tanaíticos
Deixem-me proceder à segunda categoria das fontes rabínicas. A minha discussão
dos ditos rabínicos será significativamente mais breve. Já apontei à falha de
reciprocidade na referência ao Pai e ao Filho. Há significativamente mais ditos que
se referem ao status do Filho que aqueles que refletem sobre o sentido de Deus
como Pai. Não quero oferecer aqui ditos que simplesmente corroborem a imagem
pintada até esse ponto (Leviticus Rabba 23,5). Vou apresentar aqui duas fontes
baseadas sobre a imagem sobre a imagem retratada até agora, as quais também
ajudam para a repintar. Ambas são tomadas de comentários tanaíticos ao Êxodo, as
Mekiltas: “E Deus anda antes deles durante o dia, disse R. Yosse o Galileu: Não
fosse escrito na escritura, a gente não o poderia dizer - como um pai que carrega
uma lanterna diante o seu filho e como um mestre que carrega uma lanterna diante
o seu servo” (Mekilta de Rabbi Simeon bar Yohai a Ex 13.21, p. 47).
O quê é o ensinamento radical, o qual pode não pode ser dito senão porque a
escritura o faz explícito? Parece haver um padrão normativo de comportamento. De
acordo com esse padrão, é o dever dum filho de servir ao seu pai, e o dever do
servo de servir ao seu mestre. O versículo nos ensina que essa ordem está sendo
revertida e quebrada. Que o pai sirva ao seu filho é mudança radical das normas
aceitas. O padrão de relações que vimos com respeito a “Pai no Céu” está sendo
aqui invertido. Essa fonte não se responsabiliza pela inversão. Passagem paralela
na Mekilta de Rabbi Ishmael traz uma parábola que nos ajuda dar conta por essa
mudança na ordem. O mesmo versículo está sendo citado e consternação
expressada a respeito de Deus, o qual enche céu e terra, carregando uma lanterna
diante das suas crianças. Para fazer sentido disso, a Mekilta traz a passagem
seguinte:
Said Rabbi: Antonino iria, por vezes, continuar as suas breves sessões, sentado na plataforma,
até depois o cair da noite, e os seus filhos estavam com ele aí. Quando deixou a plataforma, ele
mesmo tomaria uma tocha iluminando o caminho para os seus filhos. Os grandes homens do
império se aproximariam nele dizendo: “queremos tomar a tocha e iluminar o caminho para os
teus filhos”. Mas ele lhes diria: “Não é que não tenha ninguém para tomar a tocha e iluminar o
caminho para os meus filhos. É meramente para vos mostrar como os meus filhos são caros
para mim, assim que os trateis com respeito (Mekilta, trad. Ao inglês de Y. Lauterbach, vol. 2,
pp. 185-186).
Essa é a primeira vez que encontramos o amor do Pai pelo Filho. O hebraico hiba
desse texto significa amor. O amor paternal divino justifica a inversão das normas
aceitas de comportamento.
Veja meu “Love as a Hermeneutic Principle in Rabbinic Literatura” [Amor como Princípio
Hermenêutico na Literatura Rabínica], Journal of Literature and Theology, vol. 8, nº 3, 1994, pp.
247-267.
Essa permuta indica que a dimensão básica em relações pai-filho se refere às
obrigações perante o seu pai, confirmando a impressão que recebemos dos usos de
“Pai no Céu”. A única força que possa justificar desvio da norma é amor. O amor de
Deus pelas crianças de Deus leva Deus a reverter padrões comuns de
comportamento e, em vez de ser servido, servir às crianças de Deus.
Deus o Pai nas Parábolas Tanaíticas
Analisando as parábolas pai-filho é tarefa complicada. A gente deve evitar um
método de escolher a dedo, pelo qual a gente escolha certas parábolas que ilustram
um ponto teológico que a gente queira fazer, enquanto ignorando outras parábolas.
A fim de ser fiel à evidência tanaítica, a gente deve examinar o conjunto das
parábolas e avaliar a imagem global das relações pai-filho, a qual emerge delas.
Devotei análise extensa a parábolas pai-filho tanaíticas (veja a parte 2 de GoshenGottstein, “God and Israel as Father and Son [Deus e Israel como Pai e Filho]), mas,
no contexto presente, não posso oferecer senão as observações mais gerais desse
corpo dentro da literatura rabínica. Agrupei as parábolas tanaíticas de acordo com
modelos diversos. A lista seguinte descreve o âmbito das parábolas pai-filho na
literatura tanaítica.:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Parábolas de ira e apaziguamento
A competição de irmãos
Parábola de educação e orientação
O decreto do rei
O rei, o filho e o pedagogo
O presente do rei
O filho e o servo
Parábolas de proteção e salvar
Percebo que o simples listar as categorias que encontrei úteis para analisar
parábolas rabínicas não provê apresentação apropriada dessas categorias. O que
quero apontar é que se veja, nessas parábolas, o âmbito que seja semelhante ao
âmbito de referências que encontravam expressão nos ditos. Assim, a evidência das
parábolas rabínicas corresponde à imagem das relações pai-filho que encontramos
nos ditos. Os dois focos dos ditos - a saber, o serviço apropriado do pai e o status do
filho - estão sendo ambos expressos dentro do âmbito das parábolas tanaíticas. As
parábolas de ira e apaziguamento e as parábolas que envolvem uma terceira parte,
como o pedagogo, dão expressão, em forma de parábola, à noção de que alguém
possa transpor uma brecha ou chegar mais perto ao Pai por meio dum intermediário.
Esse intermediário pode ser ou ação religiosa ou uma personalidade religiosa
especial. Encontramos ambas as possibilidades na nossa análise sobre o epíteto
“Pai no Céu”. O pai é também educador. Todas essas parábolas se relacionam ao
comportamento do Filho. Assim, dar dom e dar proteção são ambos atividades que
são características da atitude do Pai referente ao seu Filho. Finalmente as parábolas
como aquelas que contrastam o Filho e o servo, bem como as parábolas nas outras
categorias, apresentam o status incondicional do Filho, de acordo com a
concernência dessa literatura.
Enquanto o âmbito de concernências é similar àquele dos ditos, há uma única
dimensão das relações que encontram expressão melhor pelas parábolas que pelos
ditos: cuidado e proteção paternais. Como notamos, os usos de “Pai no Céu” não
permitem para a apresentação do Pai como ativo, devido à história e
desenvolvimento do nome. Isso é onde as parábolas, como gênero literário
independente, podem dar expressão a algo que não está expresso em outras formas
literárias. Assim, as parábolas completam os ditos, permitindo-nos ver o
relacionamento numa perspectiva mais cheia. Gostaria oferecer exemplo duma
única parábola que apresenta essa dimensão. A parábola está encontrada como
comentário sobre a mesma passagem bíblica do Êxodo, onde já encontramos o
amor do Pai. Há pouco a dizer sobre essa parábola; a imagem do Pai divino
cuidando fala por si mesma:
E o Anjo de Deus … se removeu etc. R. Judah diz: Esse é versículo
rico de conteúdo, sendo ecoado em muitos lugares. Para dar
parábola, ao quê se assemelha? A um homem que está andando na
rua, com o seu filho andando a sua frente. Se ladrões que poderiam
tentar catar o filho vierem de frente, toma-o de frente de si e o põe
detrás de si. Se um lobo vier de trás, tira-o detrás e o põe em frente.
Se ladrões vierem de frente e lobos detrás, toma o seu filho nos seus
braços. Quando o filho começar a sofrer do sol, o seu pai expande o
seu manto sobre ele. Quando estiver faminto, alimentá-lo-á, quando
estiver com sede, dá-lhe a beber (Mekilta, pp. 224-225).
Deus o Pai nas Orações Judaicas Antigas
Muito tem sido feito na ciência cristã da falta de referência direta a Deus como Pai
nas orações judaicas antigas.
Devia-se notar, do âmbito mais amplo dos nomes divinos, só uma seleção de poucos aparece
na liturgia judaica. Que um nome ou epíteto não aparece na liturgia possa, assim não ser tão
significante come se poderia imaginar. Lex orandi [a lei de orar] não parece idêntico com a lex
credendi [lei de crer].
Isso tem sido tomado como sinal de menos direto e menos completo sentido de
paternidade.
Marchal, La Priere [A Oração], p. 96; e Jeremias, “Abba”, pp. 29, 57.
Comparação da forma de oração ensinada e usada por Jesus com formas judaicas
de oração resultaram numa visão desfavorável da oração judaica e da concepção
judaica da paternidade de Deus.
O leitor atento pode notar que, enquanto a seções prévias foram dados títulos que
se referiam a períodos cronológicos específicos, a parte presente da nossa
discussão se refere simplesmente à oração judaica antiga, sem sugerir período de
tempo mais específico, porque estamos incapazes de oferecer imagem clara do
estado textual da oração judaica no período tanaítico. Todos os nossos textos vêm
dum período posterior, e a gente está sempre retrojetando evidência posterior para
trás em tempo, a fim de reconstruir o estado de oração judaica anterior. Quando a
gente estiver considerando a liturgia a partir duma perspectiva ampla, é provável que
a evidência a mão possa, não obstante, oferecer-nos senso razoável de como as
coisas se apresentavam num ponto anterior no tempo. Assim, é razoável assumir
que os nossos textos nos dão indicação razoável no que se refere ao conteúdo das
dezoito benções em Jabneh, mesmo se os nossos textos são de séculos mais tarde.
No entanto, quando se chegar à possibilidade de identificar uma palavra particular,
como a apelação “Pai”, estamos num fundo muito mais precário. Estamos numa
situação na qual está quase impossível chegar ao estado histórico do texto da
liturgia judaica no tempo de Jesus. Daí é impossível fazer quaisquer comparações
de natureza constrastivas e avaliativas baseadas na diferença ostensível entre a
prática de Jesus e aquela do Judaísmo contemporâneo.
O ponto está ainda mais complicado, quando considerarmos os desenvolvimentos
nos estudos litúrgicos judaicos. A teoria corrente no tempo em que Jeremias e
outros conduziam os seus estudos era a de que pelo fim do período do segundo
templo a oração judaica foi fixada. Daí, os textos litúrgicos de períodos posteriores
estavam em continuidade direta com práticas litúrgicas anteriores que remontam ao
tempo de Jesus. Mesmo se os textos litúrgicos atuais à nossa disposição não
possam ser traçados ao tempo de Jesus, as orações da sinagoga estão em
continuidade essencial com as práticas de oração naquele tempo. Essa continuidade
permite aos cientistas traçar um contraste entre a forma de oração esposada por
Jesus e aquela praticada pelo Judaísmo oficial no seu dia.
A teoria mencionada acima da evolução da oração judaica era a visão comum pela
maior parte do século vinte, e grandes cientistas de liturgia, como Elbogen,
Heinemann e outros a endossavam.
Nos anos recentes, teoria alternativa foi avançada pelo cientista de Jerusalém, Ezra
Fleischer.
Veja Ruth Langer, “Revisiting Early Rabbinic Liturgy: The Recent Contribuions of Ezra
Fleischer”, Prooftexts, vol. 19, nº 2, 1999, pp. 179-194.
Segundo Fleischer há divisor nítido entre o Judaísmo pré-70 EC e pós-70 EC, a
respeito de oração pública. Conforme essa sugestão, não havia nenhuma oração
pública obrigatória fixada anterior à destruição do Templo. O estabelecimento de
orações diárias fixas era reação à destruição, sendo parte da tentativa do Judaísmo
de se reconstruir a seguir à destruição. Enquanto as matérias lingüísticas das quais
a oração judaica estava sendo construída foram tomadas de obras bíblicas bem
como apócrifas, a própria liturgia era completamente nova, não estando em
continuidade com práticas de orar do período último do segundo templo. A
implicação da teoria de Fleischer, a teoria de que ganhou muito apoio desde que foi
articulada primeiramente, é que há simplesmente nenhum sentido em contrastando
a oração de Jesus a qualquer uma das formas de oração judaica conhecida da
liturgia estabelecida da sinagoga. Todas essas formas litúrgicas são, por definição,
posteriores e de natureza diferente que a oração de Jesus. Assim, além da
dificuldade de estabelecer o texto relevante de oração, o próprio empreendimento de
contrastar a oração de Jesus com orações judaicas contemporâneas está sendo
julgado uma tarefa irrelevante.
Vamos, não obstante, considerar os fatos a partir da perspectiva da teoria mais
antiga da evolução da liturgia judaica. Joseph Heinemann, um dos faladores chave,
aderiu o sujeito da forma de Jesus de oração. Encontrou lugar para ela dentro da
sua apresentação de padrões antigos de oração judaica. Segundo Heinemann,
precisa-se distinguir entre oração pública coletiva e a oração de indivíduos. A oração
pública recorre a linguagem específica e padrões específicos. A oração individual é
mais livre nos seus padrões lingüísticos. A Oração do Senhor é exemplo primo da
oração dum indivíduo que escolha a sua fórmula própria de oração para introduzir a
sua oração.
Veja Joseph Heinemann, Prayer in the Talmud: Forms and Patterns [A Oração no Talmude:
Formas e Padrões] (Berlim e Nova York: de Gruyter, 1977), pp. 190-191. Veja, porém, Géza
Vermès, The Religion of Jesus the Jew [A Religião de Jesus, o Judeu] (Londres: SCM Press,
1993), p. 164.
Uma vez que Jesus está sendo apreciado dentro da rúbrica litúrgica própria, a sua
oração não é mais novel, mas sim emerge como perfeitamente típica e
perfeitamente judaica.
Falando de grupos diferentes dos quais oração emerge, Géza Vermès apontou que
Jesus é para ser contrastado com figuras religiosas carismáticas do primeiro século
como Hanina bem Dosa. Se quisermos entender a sua oração contra o fundo do
Judaísmo, precisamos a contrastar, não com oração pública convencional, mas sim
com a oração de figuras carismáticas. Infelizmente, nenhuma de tais orações tem
sido preservada; portanto, não nos podemos engajar nesse exercício.
Géza Vermès, Jesus and the World of Judaism [Jesus e o Mundo do Judaísmo] (Londres: SCM
Press. 1983), p. 42.
Até isso, dois argumentos foram empregados em resposta à denúncia de que a
oração judaica deixe de se endereçar diretamente ao Pai, sendo,
conseqüentemente, inferior. O primeiro era que, historicamente, não podemos fazer
comparação com sentido da liturgia judaica e a oração de Jesus. O segundo é que,
sociologicamente, estamos lidando com círculos diferentes que desafiam
comparação. Outra estratégia poderia ter sido tomada, em teoria. Em vista do fato
de que “Pai” serve de apelação para Deus em Ben Sira e outras obras apócrifas,
Veja Zeller, “God as Father” [Deus como Pai], pp. 118-119, 124; Vermès, Jesus and the World of
Judaism [Jesus e o Mundo do Judaismo], p. 40.
mas faltando na oração judaica formal, podia-se ter considerada a possibilidade de
que falta de referência a Deus como Pai é, por si mesmo, reação pós-cristã a uma
ênfase cristã de Deus como Pai.
Jeremias responde pela transição da fórmula de Marcião da Oração do Senhor, “Pai”, à fórmula
de Mateus, “nosso Pai que (estás) no céu”, à luz de “costume piedoso palestinense judaico”
(Jeremias, Prayers of Jesus [Orações de Jesus], p. 91). James Barr, “Abba Isn’t Daddy” [Abba
não é Papai], Jewish Thological Studies, N.S. vol. 39, nº 1 (1988), p. 44, entendeu isso
corretamente como referido ao estilo palestinense judaico. Se, de fato, o hábito litúrgico levou a
abrir a oração com “nosso Pai”, como é que nem uma única oração sobreviveu com uma
abertura tal? A resposta anti-cristã viria à mão neste ponto.
No entanto, esta estratégia não tem sido sugerida e, pessoalmente, não me inclino
para tal explanação.
Vários fenômenos religiosos, os quais desapareceram do Judaísmo, foram levados em conta
como reação à adoção cristã desses fenômenos. Um exemplo está sendo encontrado na
explanação de W. D. Davies para o declínio na linguagem de aliança no Judaísmo rabínico.
Veja William David Davies, The setting of the Sermon on the Mount [A Composição do Sermão
da Montanha] (Atlanta, GA: Scholars Press, 1989), p. 187. Estou pessoalmente cauteloso de
tais explanações, já que não temos diretrizes metodológicas claras para nos ajudarem a
decidirmos quando a reação polêmica devia ser uma para deixar afastar-se duma idéia central e
quando, no contrário, a idéia judaica está sendo enfatizada como reação à sua adaptação num
contexto cristão. Acho duro crer que o fato de que os cristãos adotam certas idéias iria levar ao
abandono de conceitos teológicos chave do ambiente judaico.
Uma estratégia adicional tem sido empregada por cientistas, e eu, também, gostaria
dar uma contribuição ao longo de linhas similares, embora com ênfase
significantemente diferente. Um exame do conteúdo atual da liturgia judaica é
elemento importante no lidar com reivindicações a respeito da inferioridade do
conceito judaico de paternidade, como expressadas na oração. Um modo em que
isso tem sido feito é encontrar menção do Pai em textos litúrgicos judaicos,
refutando, por isso, as reivindicações de Jeremias. Essa direção tem sido tomada
por Vermès e Dieter Zeller.
Veja Zeller, “God as Father” [Deus como Pai], p. 119. Vermès, Jesus and the World of Judaism
[Jesus e o Mundo do Judaísmo], p. 40, aponta para as primeiras benções de suplicação na
Amida, que se dirigem a Deus como pai no rito palestino. No texto comum temos menção de
Deus como Pai na segunda e terceira suplicações, embora essa menção esteja acoplada com a
referência a Deus como Rei. As primeiras benções parecem formar ramalhete independente,
cuja história litúrgica precede a composição da Amida, desconsiderando isso assinamos a teoria
de desenvolvimento litúrgico. Moshe Weinfeld, “The Prayers for Knowledge, Repentance, and
Forgiveness in the ‘Eighteen Benedictions’: Qumran Parallels, Biblical Antecedents, and Basic
Characteristics” [As Orações por Conhecimento, Arrependimento e Perdão nas ‘Dezoito
Benções’: Paralelas de Qumran, Antecedentes Bíblicos e Características Básicas] Tarbiz, vol.
48, nº 3 (1979), pp. 186-200 (em hebraico), sugeriu que essas benções possam ser traçadas a
Qumran e que têm várias feições que as põem à parte. São mais individualistas e de natureza
mais espiritual. Daí, o apelo ao Pai nessas benções pode ser especialmente apto (Weinfeld,
“Prayers”, p. 187).
Gostaria fazer um apontamento diferente, pelo apelo aos conteúdos da liturgia
judaica, chamando mais uma vez a nossa atenção à importância de reconhecer a
unicidade de cada corpo literário e das suas ênfases. Vendo a liturgia judaica, não a
devemos medir com qualquer medida teológica que lhe importarmos. Antes,
precisamos tentar reconhecer os seus próprios focos e concernências maiores. Uma
vez que reconhecermos esses focos, a questão de comparação pode simplesmente
cair fora, na medida em que chegamos a reconhecer que tradições litúrgicas
diferentes simplesmente oferecem ênfases diferentes, as quais devem ser
apreciadas ao longo uma da outra, antes que serem contrastadas e avaliadas cada
uma contra a outra.
Um exame da liturgia judaica nos faz imediatamente cientes da maneira
predominante em que Deus está sendo aproximado. Deus está sendo aproximado,
sobretudo como Rei universal. Isso encontra expressão primeiro e principalmente na
fórmula de Benção pela qual virtualmente toda a oração judaica está sendo
composta: Bendito és Tu, Senhor, nosso Deus, Rei do universo.
Veja Heinemann, Prayer in the Talmud [A Oração no Talmude], p. 93ss. Interessantemente, A
Amida não contém essa fórmula (Heinemann, Prayer in the Talmud, p. 94). No entanto, a
Amida, também, contém várias alocuções a Deus como Rei.
O assunto do reinado divino está sendo expresso repetidas vezes na liturgia. É o
princípio governante do ritual da recitação do Shemá`,
Veja Reuven R. Kimelman, “The Shema and Its Retoric: The Case for the Shema’s Being More
than Creation, Revelation and Redemption” [O Shemá` e sua Retórica: O Caso para o Ser Mais
do Shemá` que Criação, Revelação e Redenção], Journal of Jewish Thought and Philosophy,
vol. 2 nº 1 (1992), pp. 111-156.
e é também a chave da liturgia dos dias santos altos. A fórmula da benção contém
dentro de si tensão significante. Deus está sendo aproximado simultaneamente
como “nosso Deus” e como Rei universal. A metáfora do reinado pode, de uma só
vez e ao mesmo tempo designar o poder universal divino e o relacionamento
particular que Israel tem com Deus como o seu Rei. Como Rei, Deus é tanto fonte
universal da vida e poder como é aquele com quem o povo tem entrado num
relacionamento de aliança. Cf. Mekhilta Bahodesh, cap 5, vol. 3, pp. 229-230.
A escolha de reinado, como metáfora básica por meio da qual a oração coletiva
deve ser organizada, faz sentido perfeito. Deus pode tanto ser louvado como
endereçado em suplicação. Tanto a memória da comunidade e as necessidades da
mesma para redenção se fiam no relacionamento do povo com o seu Rei.
Se reinado estiver somente apto para as necessidades da comunidade, não
podemos perguntar porquê a sua linguagem litúrgica é essa antes que aquela. Uma
vez que reconhecemos que a liturgia pública realça a imagem de Deus como o Rei,
comparações com outros modos de oração chegam a serem quase irrelevantes.
Digo “quase”, porque é que a liturgia judaica faz também referência a Deus como
Pai. O que chama a atenção, no entanto, é que Deus está sendo reconhecido como
Pai ao longo do ser Rei de Deus. Daí, onde Deus está sendo endereçado com Pai, é
atualmente como Rei e Pai.
Poderia isso refletir a aproximação dupla de amor e temor ou pavor, AHaBóH VeYiRÓH, os
quais são apropriados a Deus? Puxando a sugestão a um estágio mais adiante, ao extenso de
que aproximações cristãs posteriores preferem “Pai” a “Rei”, não vai refletir isso o
previlegiamento de amor sobre temor dentro da psicologia religiosa cristã?
A única fórmula litúrgica referente a Deus como Pai, pela qual temos alguma base
para datação tanaítica é aquela recordada no Talmude, de acordo como essa, R.
Akiva se dirige a Deus como: “Nosso Pai, nosso Rei”.
Bavli Ta’anit. 25b. Heinemann, Prayer in the Talmud [A Oração no Talmude], p. 190, vê essa
fórmula, ainda, como expressão de oração individual. Assim, tanto Jesus como R. Akiva abriram
as suas orações individuais dirigindo-se a Deus como Pai.
O texto presente da nossa liturgia recorda vários outros exemplos do se aproximar a
Deus simultaneamente como Pai e Rei.
Veja a benção de Ahava Rabba, precedendo a recitação matinal do Shemá`. Atualmente, essa
bendição também não tem endereço a Deus como Pai somente, provavelmente por causa da
sua ênfase na compaixão paternal. Na nossa versão da Amida, a quinta e sexta benções
também têm um endereço duplo tal. No entanto, outras versões da Amida têm somente Pai, e
isso na quarta e quinta benções. Veja Solomon Schechter, Jewish Quaterly Review, vol. 10
(1898), pp. 656-657. O texto está traduzido ao inglês em Emil Schürer, The History of the Jewish
People in the Age of Jesus Christ [A História do Povo Judaico na Era de Jesus Cristo], nova
tradução inglesa, revisada e editada por Géza Vermès e Fergues Millar (Edinburgh: T. & T.
Clark, 1973, 87 (orig. Geschichte des jüdischen Volkes im Zeitalter Jesu [A História do povo
Judaico na Era de Jesus]), vol 2, p. 460. É impossível recuperar versão “original” de qualquer
uma dessas orações, podendo-nos olhar para trás pelo prisma da mudanças das gerações,
apontando para possibilidades de idéias e combinações das mesmas.
Dois pontos nos atingem quando considerando as ocorrências desse
endereçamento a Deus como Pai e Rei. O primeiro é que a aproximação a Deus
como Rei é comum, enquanto a aproximação como Pai é relativamente rara. O
segundo é que Deus está sendo aproximado como Pai quase exclusivamente
quando também aproximado como Rei. Ambas as observações levam à
possibilidade de que “Pai” está sendo introduzido como camada secundária,
intentado a amenizar a aproximação ao Rei. Como sugeri com respeito ao epíteto
“Pai no Céu”, a introdução de “Pai” introduz um elemento pessoal, relacional,
trazendo consigo as associações várias da imagem do Pai. De fato, a referência a
“Pai” está sendo encontrada em contextos que caracterizam a dimensão pessoal da
vida espiritual: sabedoria, entendimento, arrependimento e perdão (Cf. anotação acima, nº
52).O endereço duplo de Deus indica tanto aquilo que “Pai” poderia significar quanto
como a aproximação fundamental da oração pública está sendo direcionada à
majestade e poder de Deus.
A discussão acima tratou do problema do uso da linguagem de Pai na oração judaica contra o
fundo dum entendimento do lugar especial de “Pai” nas orações de Jesus. Esse entendimento
chegou recentemente a vir sob crítica. Veja Mary Rose D’Angelo, “Abba and ‘Father’]: Imperial
Theology and the Jesus Traditions” [Abba e ‘Pai’: Teologia Imperial e Tradições de Jesus],
Journal of Biblical Literature 111 [Winter.1992]: 611-630). Vendo “Abba” nesse contexto levaria a
ver esse uso cristão como completamente contextual com o uso judaico contemporâneo
Deus o Pai no Judaísmo Pós-Rabínico
À que extensão a imagem de Deus como Pai desenvolveu no Judaísmo pósrabínico? A resposta seguinte se baseia, não numa impressão aprendida, mas antes
numa pesquisa extensiva. Parece-me que, em resumo, muito pouco
desenvolvimento ocorre na noção de Deus o Pai no Judaísmo pós-rabínico. Isso não
é surpreendente. Falar de Deus como Pai é empregar metáfora. No pensamento
cristão, fala-se de desenvolvimento no entendimento de Deus como Pai
precisamente porque a reflexão cristã vai além de entendimento metafórico. No
contexto judaico, o entendimento básico é metafórico. Daí, somente
desenvolvimento limitado é possível. O âmbito de desenvolvimento seria
primeiramente um em que novos sentidos e novas aplicações estiverem sendo
dados à metáfora. Isso não constituiria desenvolvimento no entendimento de Deus
como Pai, mas sim aplicação novel da velha metáfora.
Exemplo notável pode ser encontrado nos escritos de Rabbi Dov Ber, o Maggid de
Mezrich (século dezoito), o discípulo líder do fundador do movimento Hassídico, R.
Israel Baal Shêm Tov. Exame da sua obra Maggid Devarav Le ’Yaakov revela que
há numerosas parábolas usadas no livro, e no meio delas, as parábolas pai-filho
ocupam lugar de importância. Quando examinarmos a extensão dessas parábolas,
notamos que suas concernências são completamente diferentes daquilo que
encontramos nas parábolas tanaíticas de pai-filho. Não há nada de dever, obrigação
e status. As parábolas estão sendo aplicadas a uma descrição da vida interna de
mente e espírito, sendo as maiores intimidades entre Deus e a humanidade,
expressadas por meio dessa parábola. Agora, não considero isso um caso de
avanço teológico ou refletivo. Como já dito, corpos literários diferentes e sistemas de
pensamento diferentes usam metáforas, aplicando linguagem religiosa numa
maneira que serve às suas necessidades e ideologias. Cada sistema ideológico tira
da metáfora aqueles aspetos que considera úteis para a sua estrutura de
pensamento e para a sua mensagem ideológica. Que o magid [narrador] podia
assim aplicar a metáfora pai-filho, indica que usos anteriores estavam longe de
exaurir o seu âmbito de sentidos.
O magid podia encontrar sentido novo na metáfora pai-filho, porque o seu escrito
toma lugar por um médio que está em muitos modos similar ao modo rabínico mais
antigo de escrever. Escreveu em ensinamentos breves, num modo não-sistemático,
ilustrando os seus pontos por meio de parábolas. Essa forma de ensinar está em
continuidade com padrões rabínicos de ensinar. No entanto, ao longo dessa tradição
de escrever e refletir, o Judaísmo também experimentava movimento grande para
fora das formas rabínicas de expressão. Isso está especialmente verdade dos dois
grandes movimentos da idade média judaica - o movimento filosófico judaico e a
Cabala. A filosofia judaica desenvolveu um novo discurso sobre Deus o qual estava
sendo informado pelas tradições gregas e moslêmicas. Esse discurso estava
desigual com a linguagem metafórica e antropomórfica judaica tradicional. A tarefa
dos filósofos da Idade Média era interpretar a linguagem bíblica e rabínica num
modo que não ofenderia as suas sensibilidades filosóficas. Dentro dessa matriz, não
se podia esperar desenvolvimento da idéia da paternidade de Deus. A Cabala, por
contraste, fiava-se pesadamente na linguagem antropomórfica e mística anterior, a
qual sistematizou na sua linguagem teosófica.
Veja Yehuda Liebes, “De Natura Dei: On the Development of the Jewish Myth [Da Natureza de
Deus: Sobre o Desenvolvimento do Mito Judaico], cap. I nos seus Studies in Jewish Myth and
Jewish Messianism, trad. ao inglês por Batya Stein, SUNY Series in Judaica: Hermeneutics,
Mysticism, and Religion (Albany, NY: State University of New York Press, 1993), pp. 1-64, e
notas ao cap. I nas pp. 151-169.
Não encontramos, no pensamento cabalístico, interesse específico na imagem de
Deus o Pai. No entanto, dentro do contexto de sistematização da linguagem religiosa
anterior, a questão do sentido do epíteto “Pai” não ocorre. O tratamento
enciclopédico de R. Moses Kordovero das tradições cabalísticas lista “Pai” como
designação para ou a primeira das dez emanações divinas, a coroa ou a segunda, a
sabedoria. Kordovero sugere que “Pai” era designação de ambas, apontando o fato
de que a palavra “ab” está composta das duas primeiras letras do alfabeto (Pardes
Rimonim, Sha’ar 23, cap. 1).
A implicação da aplicação de “Pai” à estrutura teosófica é interessante para a nossa
discussão. Em um sentido, essa designação é aplicação técnica do nome, não
revelando nada de novo sobre a natureza de Deus como Pai. Isso é assim a partir
da perspectiva da teologia e da psicologia de religião. No entanto, o sentido dessa
aplicação é que, no falar de Deus como Pai, a gente não só se refere a nosso pai,
falando como Israel, ou até como criação, mas se tem em mente a Deidade, dentro
da qual se vem a designar aspeto particular como “Pai”. Assim, Keter [Coroa] e
Hokmóh [inteligencia] estão sendo entendidos com “Pai”, porque a emanação divina
interior procede deles. Desnecessário dizer que esse entendimento de paternidade
intradivina soa familiar a ouvidos cristãos. A respeito de que alguém quiser falar
duma estrutura intradivina, seja essa trinitária ou seguindo o entendimento sefirótico
da Cabala, encontra entendimento comum na possibilidade de apelar a um aspecto
dessa estrutura como “Pai”.
Enquanto essa correspondência é interessante, algumas notas de cautela devem
ser proferidas, antes que alguém se precipitar numa identificação rápida da teosofia
cabalista e o pensamento trinitário. Um dos pontos se refere ao fato de que, para o
“Pai” cristão, é o caminho próprio e apropriado de endereçar o primeiro princípio da
Trindade, enquanto, para o cabalista, “Pai” é somente um de múltiplos nomes e
atributos. Sua função é mais chave exegética para a interpretação correta de fontes
anteriores, entendida da perspectiva cabalista que entendimento próprio do seu
aspecto do divino. Um segundo ponto se refere ao fato de que, para a reflexão
trinitária, “Pai” é a fonte da qual as outras pessoas da Trindade procedem, enquanto
o cabalista reconhece a realidade que transcende a inteira estrutura décupla das
sefirôt, a qual é a sua própria causa. Essa causa não está sendo denominada por
qualquer um dos nomes, nem está conhecida como “Pai”. Segundo alguns, talvez a
maioria, os sistemas cabalistas, o referente cabalista de “Pai” nem é a primeira das
dez emanações. Assim, enquanto “Pai” pode funcionar dentro duma estrutura
intradivina, consignado um princípio gerador, o contexto e função desse princípio na
Cabala e no pensamento cristão podem ser radicalmente diferentes. Apesar de
essas diferenças, a Cabala aponta a transformação significante no uso de “Pai”.
Aqui, “Pai” cessa de ser metáfora nas relações entre Deus e a humanidade.
Paternidade descreve relacionamento real, substantivo que toma lugar dentro da
vida divina. Isso corresponde ao desenvolvimento que tomou lugar dentro da
reflexão cristã sobre Deus o “Pai”. Este é um bom ponto para se mover da
apresentação do entendimento judaico de Deus o Pai às fontes cristãs que se
referem a Deus como Pai.
Deus o Pai no Ensino de Jesus
Como dito nas anotações introdutórias, a intenção primária deste ensaio é
apresentar o entendimento judaico de Deus o Pai. No entanto, como esta
apresentação está sendo feita no contexto de conversação judaico-cristã, quero
também trazer as suas implicações dialógicas. Reação judaica à referência cristã a
Deus o Pai precisa ser dividida entre exame dos ensinamentos de Jesus, de um
lado, e uma olhada aos ensinamentos da Igreja, de outro lado. Deixem-me começar
fazendo alguns pontos referentes ao uso de Jesus da metáfora de Pai.
Muito da discussão precedente era colorida pelo contraste científico cristão do
ensino de Jesus com aquele dos rábis antigos, destacando a unicidade e ruptura
religiosa característicos dos ensinamentos de Jesus. Espero que a minha
apresentação de matérias rabínicas ajude a esclarecer mal-interpretações comuns.
No que segue, queria apontar a obra de outros cientistas, como estes trataram a
obra de cientistas cristãos, primeiramente aquela de Jeremias, embora este não era
o primeiro a sugerir que há algo de novo no ensino de Jesus em relação ao
Judaísmo antigo. George Foot Moore, no seu artigo clássico sobre escritores
cristãos sobre o Judaísmo (Moore, “Christian Writers”, pp. 197-254), descreveu os diferentes
estágios da descrição de William Bousset de Deus o Pai no Judaísmo (Moore, “Christian
Writers”, p. 247). Bousset se moveu da negação total do reconhecimento de Deus como
Pai no Judaísmo à declaração de que a idéia estava rara à sua posição final de que
não estava sendo encontrada senão na fé de indivíduos. Essa espécie de descrição
“histórica” está obviamente altamente colorida teologicamente, e a precisão de
Bousset de redefinir a sua posição não pode ser entendida senão como torções
teológicas face à evidência contrária.
Provavelmente, o cientista mais influente neste sujeito era Jeremias. Enquanto não
argüia que Jesus introduziu idéia nova, certamente argüiu que introduziu dimensão
nova à idéia. Conforme Jeremias, Jesus descobriu senso novo de intimidade na
presença do Pai, um previamente desconhecido no Judaísmo. O argumento de
Jeremias pode ser visto como procedente da sua análise da oração “Abba” de
Jesus. A cruz do seu argumento é que essa apelação ecoa a linguagem de crianças,
expressando assim a familiaridade e intimidade duma criança confiando no seu pai.
Essa aproximação contrastava com a referência rabínica a “O Pai no Céu” e com as
fórmulas litúrgicas judaicas. Os usos de “Pai no Céu” carecem da qualidade de
intimidade que encontramos no uso de Jesus do termo, sendo a liturgia encontrada
como faltando numa aproximação direta a Deus como Pai.
Já tratei da evidência judaica. Creio a minha apresentação mine a nossa capacidade
de fazer o jeito de comparação que Jeremias fez. A sua construção do sentido da
oração de Jesus também chegou sob crítica severa. A crítica mais devastadora foi
oferecida por James Barr (Barr, “Abba Isn’t Daddy” [Abba não é Papai], pp. 28-47).
Outros críticos de Jeremias incluem Vermès e Zeller.
Vermès, Jesus and the World of Judaism [Jesus e o Mundo do Judaísmo], pp.41-42; e id., The
Religion of Jesus the Jew [A Religião de Jesus o Judeu], pp. 180-183.
Zeller, “God as Father” [Deus como Pai], pp. 123-124. Discussões adicionais desse assunto
estão sendo referenciadas em B. T. Viviano, “Hillel and Jesus on Prayer” [Hillel e Jesus sobre
Oração], em James H. Charlesworth e Loren L. Jones, ed.s, Hillel and Jesus: Comparative
Studies of Two Major Religious Leaders [Hillel e Jesus: Estudos Comparativos de Dois Maiores
Líderes Religiosos] (Minneapolis, MN: Fortress Press, 1997), p. 451, nº 41; p. 453, nº 48.
A refutação comum é que “Abba” não é somente o modo de criança de se dirigir ao
seu pai, mas também o modo de adulto que se dirigir ao seu pai. Assim, nada de
conclusivo pode ser aprendido do fato de que Jesus se dirige ao seu Pai celeste
como “Abba”. Embora isso não detraia da centralidade da imagem do Pai no ensino
e oração de Jesus (Barr, “Abba Isn’t Daddy” [Abba não é Papai], pp. 28-47), não mina a idéia de
que Jesus descobriu uma dimensão de intimidade anteriormente desconhecida com
o Pai.
Não posso evitar mencionar um modo yídiche comum de se referir a Deus como Tate’le ou
Tatinyu, expressando precisamente o que Jeremias esperava encontrar em “Abba”. Custou
muita vivência e sofrimentos judaicos adicionais levar a cultura judaica popular a essa forma de
expressão.
A isso deve ser acrescido que um exame da apresentação do Pai por Jesus está em
muitos aspetos duma espécie com apresentações rabínicas, sendo entendido do
modo melhor como parte desse fundo, antes que em oposição a ele. Já nos
referimos ao fato de que a oração judaica liga a referência com Deus como Pai com
a referência ao reinado de Deus. Heinemann (Heinemann, Prayer in the Talmud [A Oração no
Talmude], p. 191) apontou que nesse sentido a Oração do Senhor não é dissimular de
outras orações judaicas conhecidas. Enquanto a oração abre com alocução ao Pai,
está claro que o Pai está sendo aproximado como Rei também. Só assim podemos
entender o pedido seguinte “Teu Reinado venha” (Veja também TNDT, vol. 5, pp. 995fi., 10091011).
Também, o uso por Jesus de “Pai no Céu” não é dissimilar de algumas feições
delineadas acima. É significante que, a despeito do âmbito muito mais amplo de
usos encontrados no Evangelho de Mateus,
Estou evitando a questão do relacionamento entre as palavras originais de Jesus e como essas
foram desenvolvidas dentro da tradição. Jeremias destacou que a referência a Deus como Pai
aumenta entre os Evangelhos diferentes, sendo que “Pai no Céu” é largamente específico a
Mateus. Creio que é por essa razão que Jeremias fez tanto da fórmula de oração “Abba”, a qual
lhe permitia chegar à voz original do próprio Jesus (Jeremias, “Abba”, p. 31). Veja também
Gottlob Schrenk, em TDNT, vol. 5, pp. 985-986.
nunca encontramos o “Pai no Céu” expressando emoção. Particularmente digno de
mencionar é a falta de qualquer roca de amor entre o Filho e o Pai celeste. Essa
falha de sentimento está muito em harmonia com os padrões rabínicos de usar “Pai
do Céu”. De fato, está incerto em que extensão devemos até considerar a
aproximação de Jesus como sendo estreita e pessoal. Barr (Barr, “Abba Isn’t ‘Daddy’”, pp.
39ss.) sugeriu que “Abba” pode ser do modo melhor traduzido como “O Pai”, antes
que alocução a um pai pessoal. Assim, Jesus pode se estar referindo a uma
consciência mais ampla da presença de Deus como o Pai, antes de a um
relacionamento pessoal com seu pai. Isso, então, dá razão para a capacidade de
falar de “meu pai” e “vosso pai”. (Estou lembrado da santa mulher do século vinte, Marthe Robin, e a
referência dela à Virgem Maria como “A Mãe”.) Tal uso levanta referências ao pai ao nível duma
presença mais ampla, todo-abrangente, reconhecendo a sua relevância e a maneira
nas quais transcende personalidade específica e relações pessoais específicas. Se
isso for como a referência a “o Pai” seja para ser entendida, temos de fato noção
muito diferente que aquela sugerida por Jeremias.
É significante que “Pai no Céu” está sendo ultimamente usado dentro do mesmo
contexto como encontrado nas fontes tanaíticas - para se referir ao comportamento
apropriado, em relação ao Pai celeste. Os usos de “Pai no Céu” em Mateus podem,
correspondentemente, ser classificado de acordo à mesura a qual correspondem
com usos tanaíticos. O que emerge é que há camada comum de uso. Tal, por
exemplo, é o uso de “a vontade do Pai no Céu” (Mt 7,21;, 12,50; 18,14) e olhando na face do Pai
celeste (Mt 18,10. Cf. Sifrei Num 89, e Bavli Sanhedrin 42a, paralelando Melkita Pisha 1, p. 7 {Horowitz}). Outros
exemplos de “Pai no Céu” retêm o uso passivo (Veja Mt 5,16; 10,32s.; 6,14; 18,35; 5,46-48). No
alto dessa camada encontramos uso expandido de “Pai no Céu”. É significante que,
onde encontramos esse uso expandido, encontramos também idéias que são
cruciais ao ensino de Jesus. Isso inclui a referência ao relacionamento entre
comportamento interpessoal e a relação deste ao Pai celeste (Mt 6,14; 18,35; 5,4648). Esses usos não têm paralelos na literatura tanaítica, onde “Pai no Céu” não
figura em ralação ao comportamento interpessoal próprio, nem está associado com
o perdão dos pecados. Semelhantemente, o cuidado e provisão do Pai e a confiança
apropriada em Deus estão sendo expressos em relação a “Pai no Céu” (Mt 6,26.32;
7,9). Aqui, o “Pai no Céu” é ativo, e o conhecimento e atividade de Deus são a base
para a atitude própria de confiança e oração. Aqui, também, idéias que não eram
associadas ao termo “Pai no Céu” estão sendo relatadas a este e atribuídas a Jesus.
Parece que, sobre um substrato lingüístico comum, os ensinamentos únicos e
particulares de Jesus introduzem novos usos ao epíteto. Esses usos não só
introduzem contextos novos, mas também estendem os usos do epíteto de usos
passivos a ativos. Nessa juntura podemos encontrar os ensinos originais de Jesus.
Esses não estão em oposição a ensinamentos anteriores, nem revolucionam
entendimento teológico. Ainda, contra o fundo comum que podia ter sido entendido
pelos ouvintes (veja Zeller, “God as Father” [Deus como Pai], p. 120), novos conceitos religiosos
estão sendo introduzidos, como novos padrões lingüistas estão sendo empregados
a respeito do epíteto comum “Pai no Céu”. Enquanto essa sugestão está bem
menos dramática que aquela feita por Jeremias, creio que análise de usos de
feições comuns nas literaturas diferentes nos permita apontar a novidade no ensinar
e à mensagem religiosa única de Jesus.
O Judaísmo e a Cristandade Falam do Mesmo Pai?
Por toda a significância atada à discussão histórica da relação do entendimento de
Jesus de Deus como Pai àquela do Judaísmo contemporâneo, me parece que o
assunto verdadeiramente significante é que o nosso tópico que surge é como a
imagem de Deus o Pai serve como ponto comum - ou fonte de divisão - entre
cristãos e judeus. Podem as duas tradições falar num modo significativo sobre a
imagem comum de Deus o Pai, e pode a reflexão religiosa de uma das tradições
servir como inspiração a membros da outra tradição?
Talvez, não está sendo supérfluo afirmar, neste ponto, que, no se referir ao entendimento
cristão e o relacionamento deste ao Judaísmo na discussão que segue, estou, naturalmente,
falando como um de fora, formado por impressões e sempre carecendo da espécie de nuança
que o conhecimento completo de um de dentro provê. Recebo bem correções.
Gostaria começar explorando esse assunto sugerindo distinção tripartite da fala de
Pai. O primeiro nível se refere à linguagem religiosa. A linguagem religiosa contém
modos multiformes de falar de Deus, sendo parte da linguagem religiosa o uso de
metáforas. No falar de Deus, várias metáforas e analogias humanas estão sendo
empregadas. A linguagem religiosa não pode descrever as coisas como são,
metafisicamente. Dá impressão à percepção humana e aspiração tirando analogias
da vida humana e as transpondo no divino. Está nesse sentido que Maimônides
entendeu o dito rabínico de que a Toráh tem falado usando linguagem humana.
Moses Maimônides, Guide of the Perplexed [Guia dos Perplexos], trad. ao inglês por Shlomo
Pines (Chicago: Chicago University Press, 1963), 1,26.
Correspondentemente, quando falando de Deus como Pai, isso teria sido uma como
metáfora. O ponto da metáfora pode mudar de um pensador ao outro. No entanto,
de acordo com esse primeiro nível de entender, Deus é somente Pai por analogia.
Naturalmente, as analogias possuem os seus poderes próprios em que condicionem
o nosso comportamento, formando as nossas atitudes. A obra da metáfora não pode
ser limitada ao expressar idéias; forma também atitudes religiosas.
O sentido segundo se refere à experiência religiosa. Se Deus está sendo referido
como “Pai”, isso pode ser não somente forma de linguagem religiosa, mas trazer
experiência real, dando assim expressão à conscientização numa maneira que
impinge atento paternal sobre a mente humana numa maneira direta, a qual é
completamente distinta das lições intelectuais tiradas por analogias baseadas em
linguagem humana. Pode haver relação óbvia entre o primeiro e o segundo níveis. A
linguagem religiosa pode jogar um papel na formação da consciência e experiência
religiosas. Qualquer aspecto da linguagem religiosa - qualquer metáfora que for
comumente empregada - pode chegar a ser atualizada na consciência dum crente,
assumindo qualidade de imediato que lhe falta para outros membros da comunidade
religiosa, a qual emprega a linguagem religiosa particular. O avanço do primeiro ao
segundo nível não é necessariamente um avanço conceitual. Não é que algo de
novo seja conhecido sobre Deus. Antes, é o movimento duma dimensão mais
externada da linguagem religiosa para o impacto mais direto de cognição imediata.
Há ainda um terceiro sentido em que a linguagem de Deus-Pai possa ser
empregada: pela especulação metafísica. Nesse nível terceiro, está sendo feita
tentativa de articular a realidade divina “como ela é”. A linguagem humana não está
sendo vista como relativa e subjetiva, pertencente primariamente ao reino do
humano. Admitindo as qualificações apropriadas, o próprio pensamento e expressão
articulada podem prover visão da realidade divina e de si mesma. A linguagem
humana está, assim, metafisicamente dotada, servindo de veículo para revelar
verdades superiores.
Se o segundo nível de sentido procedeu naturalmente do primeiro, o terceiro pode
bem proceder dos dois anteriores, mas não o precisa. Não creio que haja impulso
inato de oferecer status absoluto à linguagem humana ou de chegar a declarações
metafísicas últimas. Enquanto todos os três níveis podem ser culturalmente
contingentes, o terceiro nível parece o ser ainda mais que os outros, visto que é
somente dentro dos confins de culturas particulares que absolutos metafísicos estão
sendo procurados.
O primeiro e terceiro níveis recebem articulação em obras literárias. Por
comunicação humana verbal e escrita, a linguagem religiosa funciona tanto no
sentido contingente relativo, o primo nível, e no sentido metafísico absoluto, no
terceiro nível. O segundo nível é mais duro para traças dentro duma expressão
literária. Quando chegar à consciência do indivíduo, este pode ou não pode
encontrar expressão em obras literárias. Obras tendem a ser produtos de ideologia.
Obras são formadas por considerações ideológicas, bem com por princípios
literários diversos. Enquanto uma obra literária pode da expressão à consciência
dum indivíduo, pode também impedir a nossa capacidade de chegar à consciência
individual. Pode-nos prover com somente o primeiro e terceiro níveis de sentido, os
quais estão sendo mais prontamente alcançados por meio de linguagem e criação
literária.
Queria aplicar essa distinção triplica entre sentidos diferentes, nos quais a fala de
Deus-Pai está sendo empregada a percepções diferentes de Deus o Pai. Quero
fazer distinção entre a significância de Deus o Pai no Judaísmo, nos ensinos de
Jesus e na Cristandade. Resumidamente, o Judaísmo entende a linguagem de Pai
no primeiro nível de sentido. Jesus parece ter conhecido o seu Pai celeste numa
maneira que se conforma ao segundo nível. A Cristandade transformou esse
relacionamento para algo que possa ser classificado como o terceiro nível de
sentido.
Para o Judaísmo, tanto o antigo como o posterior, “Pai” nunca cessa de ser
metáfora. Isso, assim, pertence à arena de linguagem religiosa, como o fazem todas
as expressões que descrevem Deus. Ensina-nos sobre Deus e sobre a aproximação
apropriada a Deus, mas não descreve Deus verdadeiramente. Porque não há status
absoluto para essa descrição, esta está sendo complementada por uma multidão de
outra descrições, tais com aquela de Deus como Rei, a qual, como vimos,
complementa a apresentação de Deus como Pai. Não há sentido absoluto em que
se fala de Deus como Pai, nem a descrição de Deus como Pai carrega qualquer
valor absoluto. Quando a gente for pressionada, por exemplo, porque Deus é Pai
antes de Mãe, a gente pode simplesmente apontar para hábitos culturais, sem
precisar justificar num sentido essencial a paternidade de Deus. A linguagem e os
conceitos humanos são relativos, não fornecendo verdades absolutas. Já que a
linguagem religiosa não carrega qualquer valor normativo absoluto, nada impede
não-judeus da paternidade divina, mesmo se os rábis empregavam a metáfora
somente a respeito de Israel. Isso é escolha cultural antes que necessidade
teológica. Da perspectiva da aplicação de linguagem religiosa do Judaísmo, os rábis
que limitem os usos de Deus o Pai a Israel e Filo, que fala do Pai como criador, são
igualmente válidos no seu uso de linguagem religiosa.
Se estivermos capazes de tirar pintura verdadeira do Jesus histórico, visto pela teia
complexa dos retratos do Novo Testamento e dos usos lingüísticos, parece provável
que ele gozava dum relacionamento particular com Deus, experimentado por ele
como “O Pai”. Mais que qualquer outra coisa, aquilo que Jesus vivia era experiência
imediata vigorosa. Como Vermès o exprimiu, Jesus era, não teólogo preocupado
com a articulação precisa da verdade, mas sim personalidade religiosa vivendo e
experimentando Deus numa maneira direta (Vermès, Jesus and the World of Judaism [Jesus e o
Mundo do Judaísmo], p. 43). Assim, quando Jesus falou de Deus como Pai, quando se
dirigia a Deus em oração e quando fez a presença de Deus ponto central do seu
ensino, é plausível que temos aqui um produto da sua consciência pessoal, como
esta encontrou Deus e experimentou Deus na forma de Pai. Há, talvez, nada de
conteúdo novo no seu entendimento de Deus.
A reivindicação de que um ensino novo a respeito da paternidade divina tem sido introduzido
por Jesus, fia-se a certa extensão, no entendimento cristão de que, dirigindo-se a Deus como
Pai, Jesus o fez como um Filho único e especial, no sentido cristão. Esse entendimento nos põe
a nós outra vez além da estaca da pesquisa histórica na área da fé e dogmática, a menos que
possa ser inequivocamente provado que Jesus tinha plena auto-consciência de tudo aquilo que
a Cristandade lhe atribui. Se Jesus estava falando, não sobre seu Pai, mas sim sobre o Pai (e,
daí, meu pai, vosso pai, etc.), então Jesus não estava oferecendo um entendimento novo tanto
como chamando para a realização mais profunda de um entendimento compartilhado existente.
Como Zeller o destacou (Zeller, “God as Father” [Deus como Pai], p. 120), aqueles que estavam
ao redor de Jesus o entenderam perfeitamente bem, porque falou na linguagem
religiosa deles, fornecendo um ensino que podiam entender. No entanto, pode ter
havido uma dimensão nova de realidade experimental atada ao ensino de Jesus. O
que é único e especial sobre Jesus é a medida naquilo que, para outros, é
simplesmente parte estoque de linguagem religiosa, estava sendo vivido como
experiência vívida, pessoal de Deus. Penso que isso não é constatação menor. A
essência da vida religiosa é para ser encontrada na internização da experiência e no
acesso direto da realidade espiritual. Se Deus era experimentado por Jesus como
“Pai”, é isso fator significante no entender a sua vida, ensino e espiritualidade. No
entanto, não se pode falar dum ensino novo ou recognição nova de Deus como Pai,
simplesmente porque não temos nenhum modo de contrastar inteligentemente as
experiências de indivíduos diferentes como essas são medidas através de obras
literárias ideologicamente coloridas. É completamente suficiente sugerir que aquilo
que para outros era metafórico era por ele experimentado como plenamente real e
imediato.
Não se pode excluir que mesmo essa quantidade de acesso a experiência religiosa duma
personalidade do passado é inalcançável, à luz de práticas ideológicas e retóricas que
controlam a literatura que registra essas experiências. Se tomamos o autor de Tanna Devei
Eliyahu, temos um caso dum escritor que usa linguagem de Pai extensivamente, numa maneira
que é desproporcionada com as práticas rabínicas comuns. Isso indica consciência pessoal do
autor de Deus como Pai? Talvez, mas talvez é meramente feição literária e estilística dum autor
particular, e não podemos chegar á consciência do escritor através da obra que relata os seus
pensamentos. Em um dos extremos se pode considerar que o autor de Tanna Devei Eliyahu
gozava de um relacionamento pessoal com Deus como Pai, justamente como Jesus o gozava.
No outro extremo podemos estar incapazes de chegar à experiência religiosa de nenhum dos
dois.
Os ensinamentos da Igreja cristã me parecem pertencer ao terceiro nível no qual a
linguagem de Pai está sendo aplicada. De fato, encontramos aqui um ensinamento
novo a respeito da natureza do Pai. O que nos ensinos de Jesus era experiência
viva encontra expressão tanto num corpo conservado de reflexão e em formulação
doutrinal que dá expressão precisa ao sentido em que Deus é Pai.
Se a mudança de expressão religiosa espontânea à estrutura de pensamento organizado,
sistemático não se originar de necessidade humana para formular, entender e, com isso,
controlar, então essa mudança ao nível terceiro poderia ser mais uma indicação do espírito
helênico que deu à Cristandade tão muitas das suas feições, Veja Edwin Hatch, The Influence
of Greek Ideas on Christianity [A Influência de Idéias Gregas na Cristandade], repr. (Nova York:
Harper & Row, 1966), especialmente cap. 11
Dentro do contexto do ensinamento da Igreja, emerge um entendimento
completamente novo da paternidade divina. Enquanto esse entendimento está
estreitamente ligado à experiência pessoal de Jesus de Deus o Pai, constitui
também transformação radical do entendimento de Deus como Pai. Deixem-me citar
do Catecismo da Igreja Católica:
Jesus revelou que Deus é Pai num sentido inaudito: é Pai, não só no ser Criador, é eternamente
Pai por seu relacionamento ao seu único Filho que, reciprocamente é Filho somente em relação
ao seu Pai: “Ninguém conhece o Filho exceto o Pai, e ninguém conhece o Pai exceto o Filho e
cada um a quem o Filho escolher para lhe revelar [citando Mt 11,27] (Catecismo da Igreja
Católica, secção 240).
Assim, de acordo com o entendimento cristão, falando de Deus como Pai, o que
está entendido é primariamente, não Deus nosso pai, mas sim Deus como Pai de
Jesus Cristo. É só por extensão e em virtude da participação de alguém na vida de
Cristo, que alguém participe no relacionamento paternal. O sentido primário da
paternidade divina, assim, dirige-se ao relacionamento único, estando para ser
entendido dentro da estrutura do pensamento trinitário. Assim, “Pai” cessa de ser
metafórico, estando para ser entendido como revelando algo substantivo sobre
Deus. A paternidade de Deus é essencial a um entendimento apropriado, é feição
constitutiva do ensino unicamente cristão sobre Deus. De fato, pode-se dizer que
“Pai” chega a fazer parte da própria definição de Deus.
Peter Widdicombe, The Fatherhood of God from Origen to Athanasius [A Paternidade de Deus
de Orígenes a Atanásio] (Oxford: Claredon Press, 1994), p. 1.
A não ser que alguém tenha o entendimento próprio das relações pai-filho dentro da
Divindade, não conhece Deus. Posto diferentemente, não pode pensar de Deus sem
considerar a sua paternidade. Falar de Deus como Pai não é mais opção disponível
ao discurso religioso humano; é componente essencial da própria definição e
entendimento daquilo que se quer dizer quando falamos “Deus”.
De outro ângulo, pode ser feito o ponto de que “Pai” chegou a ser nome próprio de
Deus. Um judeu ouvindo a seguinte citação de Tertuliano, certamente não se
identificará facilmente com a imagem do Pai que aquela desenvolve, precisamente
porque a passagem mesma põe essa noção de Pai acima e contra o entendimento
judaico de Deus.
A expressão Deus o Pai nunca fora revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés
perguntou a Deus quem este era, ouviu um outro nome. O nome do Pai nos foi
revelado no Filho, porque o nome ‘Filho’ implica o nome novo, ‘Pai’ (Tertuliano, De oral. 3;
PL 1, 1155). Não cito Tertuliano nem como sinal de grande erudição nem como alguém
que cava no recesso do quintal dum outro a fim de encontrar evidência problemática.
A citação acima está sendo tomada do Catecismo da Igreja Católica (secção 2779).
Possui, assim, status semicanônico ou catequético. Tomas de Aquino (Summa
Theologica, Parte 1, Questão 33), também, defende “Pai” como nome próprio para Deus:
“Este nome de Pai, pelo qual está sendo significada a paternidade, é o nome próprio
da pessoa do Pai.
É importante contrastar isso com o entendimento de cabalista da função de “Pai”. Mesmo que
“ab” descreve relacionamento intradivino, não faz parte da definição de Deus, nem está sendo
considerado nome próprio. A estrutura religiosa estaria intacta, mesmo se essa designação
fosse evitada. Isso não seria o caso para o tetragrama (YHVH. Trad.), o qual é, de fato nome
próprio, o qual Tertuliano, na citação acima, consignou a um degrau inferior de nomes.
Que teólogos contemporâneos, enfrentando crítica feminista, têm, assim, um tempo
tão duro de abrir mão da linguagem de Pai é testemunho do fato de que “Pai” não é
metáfora, mas um nome e parte duma definição.
Veja Johannes-Baptist Metz e Edward Schillbeecks, ed.s, God as Father? [Deus como Pai?],
Concilium: Religion in the Eighteens [A Religião nos Dezoitos] 143 (Edinburgh: T. & T. Clark;
Nova York: Seabury Press, 1981.
É sobre este ponto que grande divisão existe entre entendimento judaico e
entendimento cristã do sentido de “Pai” como aplicado a Deus. A questão básica é
se é igualmente bem possível contemplar Deus como sendo ou como não sendo
Pai. Claro, a atribuição de paternidade a Deus pode enriquecer o nosso conceito de
Deus e a nossa aproximação a Ele. Ainda, fundamentalmente, essa forma de
linguagem é opcional e, daí, não essencial para um entendimento judaico de Deus.
Nisso, o Judaísmo está mais perto ao Islame, o qual não se refere a Deus como Pai
de modo nenhum, mesmo nem dentro de esquemas elaborados que contam
noventa-e-nove nomes divinos.
Veja Sheikh Tosun Bayrak al-Jerrahi al-Halevi, The Most Beautiful Names [Os Nomes Mais
Bonitas] (Putney, VT: Threschold Books, 1985).
De perspectiva cristã, a paternidade de Deus é alguma coisa, menos opcional.
Em algum sentido, o entendimento cristão é simplesmente caso de levar a
linguagem religiosa mais a sério. Isso está sendo ocasionado pelo uso pesado
dessa forma de linguagem pelo próprio Jesus. A forma de Jesus de expressão está
sendo tomada tão a sério que está sendo entendida como literal e substantiva. A
paternidade não está sendo mais entendida simplesmente metafórica. Deus é Pai
realmente. O único modo de fazer sentido duma declaração tal é focalizando na
pessoa de Cristo, antes de deixar ficar a sua aplicação geral e um tanto vaga, como
em usos anteriores da metáfora no Judaísmo.
A conseqüência de um entendimento tal é que, quando Jesus ensinava a outros orarem dizendo
“Pai”, estava aquinhoando o seu status, até a sua messianidade, com os seus discípulos. Veja
Jeremias, “Abba”, p. 63; Catecismo da Igreja Católica, seção 2782). O que capacita uma leitura
carregada tal da instrução de Jesus na oração é o sentido substantivo da paternidade divina. Cf.
Zeller, “God as Father” [Deus como Pai”], p. 124.
O entendimento e linguagem religiosos nem são as únicas áreas de metáfora no
Judaísmo.
Este é um dos vários fatores que levam ao que me parece ser sensibilidade maior para a
psicologia religiosa, interioridade pessoal e autopercepção psico-religiosa no contexto cristão.
Enquanto sugiro que esse fator particular se baseia numa posição teológica fundamentalmente
cristã, creio que o fundo lingüístico, metafórico e escritural comum, o qual une a Cristandade e o
Judaísmo, permita a incorporação de dimensões da espiritualidade cristã na consciência judaica
comum, levando assim à vida um potencial contido dentro da tradição judaica.
No entanto, mesmo que a espiritualidade cristã suscite o sentido pleno de se
aproximar a Deus como “Pai”, precisa ser também destacado que a construção
teológica cristã não está sem preço, mesmo na dimensão experiencial. Que “Pai”
está sendo tomado a sério como é devido precisamente ao fato de que Deus é “Pai”
num sentido pleno e real, não simplesmente do crente, mais primariamente de Jesus
- e, somente como conseqüência disso, do crente. Enquanto alguma coisa está
sendo ganha, algo está sendo perdido. Se eu for correto no entender a mensagem
histórica de Jesus como o reconhecimento duma imediação e presença de Deus,
experimentada agora como “Pai”, Deus o Pai, para a tradição posterior cristã, Deus
o Pai não está mais tão imediato ou presente. De fato, Deus pode ser dito de ser
inalcançável. O único caminho de conhecer o Pai é através do Filho de Deus. A
encarnação está sendo necessária precisamente porque, de outro modo, não há
acesso ao Pai.
Ecos do “Pai no Céu” distante aparecem nesta re-exposição num modo redondo.
Ainda, enquanto, para os rábis, o Pai celeste pode ter estado distante, embora
acessível por aspiração humana, para a reflexão cristã posterior o acesso ao Pai
está somente por meio do Filho. O caminho do Filho tanto convida como exclui.
Convida, porque agora há meio de chagar a conhecer o Pai. Exclui, porque filiação e
relacionamento filial estão reservados para aqueles que compartilhem a filiação de
Jesus. O entendimento rabínico não pode ser apresentado como inclusivo, limitando
o campo de filiação a Israel. No entanto, argüiria que essa exclusão é tendência
cultural, onde alguém não pensa de outros como filhos. Revela viés cultural, mas
está baseada na necessidade ontológica, nem está mesmo explicitamente
articulada. Que a reflexão cristã está tão cuidadosamente elaborada que toma
paternidade num sentido tão literal e substantivo, e que está explícita sobre a
necessidade para o Filho como meio de alcançar o Pai, indica que, na mesma
medida em que a linguagem metafórica chegou a ser metafisicamente carregada,
assim uma tendência para exclusão chegou a ser metafisicamente fundada.
Que o Pai não pode ser conhecido exceto através do Filho toma nuança filosófica a
qual faz o Pai ainda menos acessível. Não sei até que ponto, na reflexão cristã, a
paternidade está identificada com a transcendência divina. No entanto, tem,
certamente, chegado a ser elemento comum do entendimento cristão de Deus o Pai
combinar a paternidade com a transcendência. A seguinte formulação, tomada do
Catecismo da Igreja Católica, ilustra o ponto: “Chamando Deus de ‘Pai’, a linguagem
da fé indica … que Deus é a primeira origem de cada coisa e autoridade
transcendental … A ternura parental pode também ser expressa pela imagem de
maternidade, a qual enfatiza a imanência de Deus” (Catecismo da Igreja Católica, secção 239, p
63).
Imanência e Transcendência estão sendo aqui contratadas como Mãe e Pai.
Não estou certo de que os rábis tinham sondado aquilo ao que gerações posteriores
se referiam como “transcendência”. A presença divina era tão real e natural que
creio que não concebeu Deus como transcendente. Apresentação antropomórfica
não pode ser aplicada a Deus. Certamente, onde a linguagem humana e metáforas
terrestres forem aplicadas a Deus, não se pretende descrever Deus como
transcendente. Daí, falando de Deus como Pai, os rábis nunca intentavam descrever
Deus como transcendente. Deus pode ser distante e nos céus, mas então os céus
são lugar muito longe, não um reino o qual está totalmente além. Usos posteriores
de “Pai” no Judaísmo, incluindo o uso cabalista, também não prestam esse
entendimento à imagem do Pai. Assim, quando o pensamento cristão se referir ao
Pai como Deus transcendente, está tanto aplicando linguagem que está fora aos
usos judaicos de “Pai” como criando a necessidade pela revelação do Filho, o qual é
o único meio de chegar ao Pai transcendente. Identificando o Pai com o Deus
transcendente parece conflitar com a ênfase, encontrada no ensino de Jesus, na
presença, imediação e disponibilidade do Pai.
Esse assunto não é só como “Pai” está sendo traduzido filosoficamente. Com devida
caução e tentatividade, queria também pôr à consideração a possibilidade de que, a
partir da perspectiva de experiência religiosa e aproximação direta ao “Pai”, um
preço está sendo pago, já que Deus é não simplesmente nosso “Pai”, mas
primariamente o “Pai” de Jesus Cristo. As anotações seguintes estão sendo
inspiradas por um estudo interessante do franciscano contemporâneo, Thaddée
Matura, que estudou nomes divinos nos escritos de São Francisco de Assis (Thaddée
Matura, Dieu le Père Très Saint: Contemplè par François d’Assise (Paris, 1990). Enquanto Francisco é
uma das numerosas personalidades cristãs, ele está pessoalmente interessando
nesse caso, enquanto a sua espiritualidade é tão muita imitação da vida de Cristo.
Há poucas personalidades na história cristã que se empenhavam por uma tão
profunda identificação com Jesus. Contra esse fundo, é interessante examinar o
modo em que São Francisco falou de Deus e a sua escolha de nomes para Deus.
Matura proveu o leitor com lista de nomes divinos usada por Francisco, de acordo
com a sua freqüência no contexto. O nome mais freqüentemente usado é “Senhor”
(410), seguido por “irmão” (306) (Cf., porém, o seu relato em Dieu le Père Très Saint: Contemplè par
François d’Assise (Paris, 1990). Enquanto “Pai” aparece como o nome terceiramente mais
citado, muitas das suas ocorrências se encontram em fórmulas litúrgicas trinitárias
estandardizadas.
O número de alocuções de Deus como Pai é extremamente baixo, somente nove.
Por contraste, Jesus era muito mais freqüentemente apresentado como se dirigindo
a Deus como “Pai”, vinte-e-duas vezes. Mesmo em tais exemplos, nos quais
Francisco se dirigia a Deus como “Pai”, aquilo que esteve enfatizado, segundo
Matura, era a transcendência de Deus antes da imediação de Deus. Não é
surpreendente que, nesses contextos, Deus está sendo referido freqüentemente
tanto Pai quanto como Rei, justamente como o encontramos na liturgia judaica.
Parece-me que Francisco é um tanto único no acoplar freqüentemente Pai e Rei. A minha
impressão é que, por causa da centralidade de “Pai” na especulação cristã, a percepção de
Deus como Rei está sendo freqüentemente diminuída. Para pôr o assunto mais radicalmente,
talvez, a ênfase sobre a pessoas do Pai e o relacionamento do Pai ao Filho permite detração da
mensagem problemática do Reinado por vir.
É pesaroso que Jeremias não gastou mais tempo na companhia de São Francisco
antes de propor o seu contraste do ensino de Jesus com aquele do Judaísmo
rabínico
Matura sugeriu que a espécie de distância que caracteriza o uso de Francisco de
“Pai” aponta para a transcendência da primeira pessoa da Trindade, a qual não pode
ser conhecida senão por meio da segunda pessoa (veja a discussão em Matura, Dieu le Père
[Deus o Pai], p. 54). De fato, também aponta ao preço que a piedade cristã paga, já que
“Pai” não é mais expressão direta endereçada a Deus, mas está sendo uma
mediada pelo relacionamento Pai-Filho dentro da Trindade. Quando Francisco
procurava um modo religioso que fornecesse a espécie de imediação e sentimento
pessoal, que a linguagem religiosa judaica, da qual Jesus fazia parte, expressava
por meio de chamar Deus de “Pai”, não o fez por chamar Deus de “irmão”. Uma vez
que “Pai” tem sido assimilado para dentro duma estrutura religiosa, sendo
considerado de pertencer primariamente a Jesus Cristo pessoalmente, a imediação
religiosa está sendo forçada para outros canais.
Par retornar à questão de se “Pai” é fundo comum ou ponto de divisão entre a
Cristandade e o Judaísmo, é óbvio que ambos os elementos emergem da
apresentação acima. A partir da perspectiva do primeiro nível, o Judaísmo e a
Cristandade compartilham uma linguagem comum, baseada em escrituras comuns.
O próprio uso da linguagem religiosa comum proporciona comunialidade às duas
religiões. Movendo-se para o segundo nível, se Jesus tinha realização de Deus para
compartilhar com a sua audiência judaica, era isso aprofundamento experimental do
próprio entendimento tradicional deles e está obviamente em conflito como
entendimento esse. A gente está, portanto, forçado a refletir sobre o fato de que
talvez a experiência direta de Deus o Pai pelo Jesus judaico poderia ter impacto
mais profundo no ensino judaico, se não tivesse sido enxertado na dimensão
metafísica sistemática do nível terceiro. Tanto o primeiro como o segundo níveis de
sentido permanecem vivos dentro da tradição cristã, formando assim um elo
contínuo e base de entendimento comum ao Judaísmo e à Cristandade.
No entanto, a marca de contraste da fé cristã é precisamente o nível terceiro de
sentido, pelo qual Deus o Pai está sendo entendido inicial e primariamente como o
Pai de Jesus cristo. Aqui, precisa-se reconhecer divisão fundamental entre os
entendimentos judaico e cristão da paternidade divina. Parece-me que o único modo
em que, a despeito das diferenças teológicas, o Judaísmo pode continuar o seu
diálogo com a Cristandade neste fundo, fundamentalmente cristão, mudando a
ênfase da dimensão teológica e metafísica à dimensão psicológica e aos frutos da fé
cristã no domínio da espiritualidade. Se um entendimento psicológico mais profundo
e apreciação mais cônscia e nuançada da paternidade divina estão sendo
encontrados num contexto cristão, pode isso servir como inspiração para a
experiência religiosa judaica. A Cristandade pode ter tido de mover a construção
particular do sentido teológico, nesse nível terceiro de sentido, a fim de fazer sentido
da sua historia e tradições, como essas foram levadas para dentro de novos
ambientes. Fazendo isso, certos frutos chegaram a ser disponíveis. Esses frutos
mostram o potencial do primeiro nível, mediando a realidade do segundo nível. Por
essa razão, continuem ser relevantes para os judeus, a despeito da sua
incapacidade de concordar às formulações teológicas do terceiro nível.
O Judaísmo pode ser capaz, não só de relatar, mas também de ser inspirado pela
espiritualidade vivida da presença paternal, sem respeito das suas calcaduras
teológicas. A definição teológica da natureza de Deus o Pai certamente parece ser
ponto divisor entre os cristãos e os judeus. Queria crer, no entanto, que a
experiência de vida na presença do Pai possa transcender essa diferenças.
Este artigo apareceu primeiro no Journal of Ecumenical Studies, 38:4, Spring 2001.
Texto inglês. Tradução: Pedro von Werden SJ
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