CAPÍTULO 5 Câncer de Uretra Daniel Hampl Antonio Augusto Ornellas Leandro Koifman Ricardo de Almeida ! INTRODUÇÃO O carcinoma de uretra é uma doença extremamente rara, com cerca de 2.400 casos citados na literatura até o presente, sendo muito mais comum na mulher do que no homem, alcançando uma proporção de 4:1. Geralmente é diagnosticado após os 50 anos e costuma estar associado à história de doença sexualmente transimitida, leucoplaquia de uretra, divertículos, carúnculas, doença inflamatória crônica e presença de infecção pelo papilomavirus humano (HPV).1,2 Apesar de o cigarro, as aminas aromáticas e o abuso de analgésicos poderem estar relacionados com o desenvolvimento de carcinoma urotelial, tal relação não foi bem documentada com o carcinoma uretral. No entanto, pacientes com câncer de bexiga possuem maior chance de desenvolver a doença na uretra.3 Muitas vezes é assintomático e pode apresentar-se como massa uretral palpável com ou sem sintomas obstrutivos à micção, descarga uretral, disúria, priaprismo, hematospermia e dispareunia. No homem é comum a relação entre estenose e carcinoma de uretra. A malignidade ocorre em 25 a 75% dos casos e pode ser suspeitada quando há dificuldade no manejo da estenose, presença de fístulas e dor perineal.1 ! PATOLOGIA NO HOMEM Os tumores da uretra masculina são classificados e tratados de acordo com o local anatômico comprometido. O local mais comumente comprometido é a uretra bulbomembranosa (60%), seguida da peniana (30%) e da prostática (10%). Em geral, o tipo histológico mais comum da neoplasia uretral é o carcinoma epidermoide (ou de células escamosas), presente em cerca de 80% dos casos. O carcinoma de células transicionais corresponde a cerca de 15%, e o adenocarcinoma, geralmente indiferenciado e com prognóstico ruim, corresponde aos outros 5% dos pacientes.2 Na uretra prostática o tipo histológico mais comum é o carcinoma de células transicionais, correspondendo a 90%.2,4 O padrão de disseminação mais comum da doença é por extensão local, aproveitando o rico espaço vascular do corpo esponjoso. A disseminação hematogênica com metástases a distância é extremamente incomum e ocorre, mais frequentemente, no carcinoma urotelial da uretra prostática. É importante ressaltar que a drenagem linfática da porção distal da uretra (uretra antrerior) se faz para linfonodos inguinais superficiais e profundos e, ocasionalmente, para linfonodos no território da ilíaca externa. A porção proximal da uretra (uretra posterior) possui drenagem para a região pélvica. Massa inguinal palpável pode estar presente em até 20% dos pacientes com carcinoma de uretra e, diferente do que acontece no câncer de pênis, quase sempre está relacionada com doença neoplásica metastática sistêmica.2 A tomografia computadorizada helicoidal de pelve é a melhor maneira de avaliar linfonodos, ossos e partes moles adjacentes, enquanto a ressonância magnética é o melhor método para avaliar possível invasão do corpo cavernoso.4,5 Outros exames como retossigmoidoscopia, biópsia prostática podem ser indicados se houver suspeita de lesão extrauretral ao exame físico. Estadiamento O estadiamento mais utilizado é o TNM, conforme Quadro 1. Tratamento O tratamento para o carcinoma de uretra é eminentemente cirúrgico e a extensão da ressecção depende do estadiamento e da posição anatômica da doença. Em geral, o controle oncológico traz menos impacto à qualiQuadro 1. Estadiamento TNM T – TUMOR PRIMÁRIO Tx O tumor não pode ser avaliado T0 Não há evidência de tumor primário Ta Carcinoma papilar não invasivo, polipoide ou verrucoso Tis Carcinoma in situ T1 Tumor que invade o tecido subepitelial T2 Tumor que invade qualquer das seguintes estruturas: corpo esponjoso, próstata, músculo periuretral T3 Tumor que invade qualquer das seguintes estruturas: corpo cavernoso, além da cápsula prostática, vagina anterior, colo vesical T4 Tumor que invade outros órgãos adjacentes URETRA (MASCULINA E FEMININA) CARCINOMA DE CÉLULAS TRANSICIONAIS (URETRA PROSTÁTICA) Tis pu Carcinoma in situ da uretra prostática Tis pd Carcinoma in situ das vias prostáticas T1 Tumor que invade o tecido conjectivo subepitelial T2 Tumor que invade qualquer das seguintes estruturas: estroma prostático, corpo esponjoso, músculo periuretral T3 Tumor que invade qualquer das seguintes estruturas: além da cápsula prostática, colo vesical (extensão extraprostática) T4 Tumor que invade outros órgãos adjacentes (invasão de bexiga) Nx Os linfonodos regionais não podem ser avaliados N0 Ausência de metástase em linfonodo regional N – LINFONODOS REGIONAIS N1 Metástase em 1 linfonodo < 2cm N2 Metástase em 1 linfonodo > 2cm ou múltiplos linfonodos Mx Presença de metástase não pode ser avaliada M0 Ausência de metástase a distância M1 Metástase a distância Diagnóstico Na avaliação do carcinoma epidermoide de uretra é fundamental a realização de exame físico minucioso, cistocopia com biópsia, citologia urinária e exames de imagem para avaliação de possível comprometimento linofonodal. M – METÁSTASE A DISTÂNCIA 39 PARTE IX dade de vida e mais chances de cura quando a neoplasia compromete a uretra anterior. Quando na uretra posterior, o tipo histológico mais comum costuma ser metastático e agressivo, necessitando de cirurgias mais extensas para o controle local.6 UROLOGIA Tratamento da uretra anterior Tumor superficial ou neoplasia in situ: a fulguração ou a ressecção transuretral pode ser suficiente. Tumor invade o corpo cavernoso: a penectomia é o padrão de excelência nessa situação. Pode ser parcial, quando a doença compromete a metade distal do pênis, ou total, caso o sítio primário seja na porção proximal da uretra anterior, necessitando, assim, de uretrostomia perineal. Alguns autores defendem cirurgias menos mutilantes, com a realização de uretrectomia com margem de segurança de 2 cm e preservação dos corpos cavernosos. No entanto, essa medida ainda não possui dados suficientes na literatura para avaliar o benefício dessa medida considerando o risco de recidiva, a complicação local e o óbito pela doença. Linfadenectomia inguinal: está indicada quando há linfadenomegalia inguinal sem doença metastática documentada. ! PATOLOGIA NA MULHER Nos dois terços proximais da uretra feminina, os tumores tendem a ser de alto grau e invasivos. O carcinoma epidermoide é o mais comum, correspondendo a 60% dos casos, seguido pelo carcinoma urotelial em 20%, e do adenocarcinoma em 10% dos pacientes. Outros tipos histológicos indiferenciados também podem estar presentes na uretra feminina, como sarcomas e melanomas. A disseminação costuma ser com extensão local da doença, podendo comprometer vagina, osso e órgãos adjacentes. Não há relato de alteração expressiva no prognóstico, dependendo do tipo histológico, e o tratamento é similar. No terço mais distal, os tumores costumam ser menos agressivos.2 Diagnóstico Exame físico minucioso. Uretrocistoscopia com biópsia. Exames de imagem (TC ou RM). Cintilografia óssea quando houver suspeita clínica de comprometimento ósseo. Tratamento da uretra posterior bulbomembranosa Estadiamento Lesões superficiais e iniciais não costumam ser frequentes, mas podem ser tratadas com ressecção transuretral ou ressecção segmentar da uretra com anastomose terminoterminal. A doença nessa porção da uretra costuma ser mais avançada e com pior prognóstico sem que haja significativa melhora da sobrevida independente do tratamento oferecido. Em geral, torna-se necessária a cistoprostatectomia radical com linfadenectomia pélvica, uretrectomia total e penectomia total para o controle local da doença.7 Por vezes a extensão tumoral nos obriga a ressecar o ramo púbico e o diafragma urogenital para obter margem de segurança suficiente.8 Segue o padrão TNM descrito acima. Tratamento da uretra posterior prostática A neoplasia da uretra prostática geralmente se trata de carcinoma urotelial ou adenocarcinoma. Como o carcinoma urotelial é considerado pan-urotelial, a doença diagnosticada na uretra deve gerar investigação minuciosa do trato urinário. Na maioria das vezes o carcinoma urotelial está associado à doença intravesical. Ao exame clínico é difícil a diferenciação entre câncer de próstata e da uretra prostática. Por vezes se faz necessária a biópsia transuretral em conjunto com a biópsia transretal da próstata. As lesões superficiais da uretra prostática podem ser bem manejadas com ressecção transuretral. Infelizmente, a doença invasora é a mais comum e a cistoprostatectomia radical com linfadenectomia inguinal e uretrectomia total é o tratamento mais indicado, apesar da taxa de sobrevida em 5 anos não ultrapassar 26% dos casos.9 Tratamento O estadiamento tumoral é o fator prognóstico mais significativo. Tumores invasivos e de alto grau têm baixa taxa de sobrevida em 5 anos, não ultrapassando 33%. Quando o tratamento é direcionado ao carcinoma de baixo grau e de uretra anterior, os números são mais favoráveis, podendo alcançar 89% de sobrevida em 5 anos.10 Geralmente o comprometimento da sobrevida está relacionado com o envolvimento de órgãos adjacentes no momento do diagnóstico, sendo, nessa situação, incomum o tratamento satisfatório com apenas uma modalidade terapêutica.10,11 Tratamento da uretra distal Excisão circunferencial costuma ser suficiente. Tratamento da uretra proximal As lesões costumam ser mais agressivas e comumente comprometem toda a uretra (Fig. 1). Nesses casos a cistectomia com uretrectomia total e com ampla margem de segurança é o melhor tratamento. Uma outra opção menos agressiva é a uretrectomia total com preservação da bexiga e derivação com apêndice ou intestino delgado pela técnica de Mitrofanoff (Figs. 2 e 3). A linfadenectomia inguinal está indicada quando houver linfadenomegalia estabelecida. APÊNDICE APÊNDICE FIGURA 1. Tumor invadindo parede anterior da vagina e ocupando toda a uretra de uma paciente. 40 FIGURA 2. O apêndice é separado do colo por meio de sutura mecânica. A vascularização do mesoapêndice é mantida. BEXIGA FIGURA 3. A extremidade distal do apêndice é implantado na bexiga com técnica antirrefluxo. A implantação na bexiga de forma antiperistáltica permite o cateterismo intermitente com mais facilidade. A extremidade proximal do apêndice pode ser implantada na pele do hipocôndrio direito ou na cicatriz umbilical. CÂNCER DE URETRA 1. Dalbagni G, Zhang ZF, Lacombe L et al. Male urethral carcinoma: analysis of treatment outcome. Urology 1999;53:1126-32. 2. Grigsby PW, Herr HW. Urethral tumors. In: Vogelzang N, Scardino PT, Shipley WU et al. (Eds.). Comprehensive textbook of genitourinary oncology. Baltimore: Williams & Wilkins, 2000. p. 1133-39. 3. Kaplan GW, Bulkey GJ, Grayhack JT. Carcinoma of the male urethra. J Urol 1967 Sept.;98(3):365-71. 4. Vapnek JM, Hricak H, Carroll PR. Recent advances in imaging studies for staging of penile and urethral carcinoma. Urol Clin North Am 1992;19:257-66. 5. Hricak H, Secaf E, Buckley DW et al. Female urethra: MR imaging. Radiology 1991 Feb.;178(2):527-35. 6. Zeidman EJ, Desmond P, Thompson I. Surgical treatment of carcinoma of the male urethra. Urol Clin North Am 1992;19:359-72. 7. Bracken RB. Exenterative surgery for posterior urethral cancer. Urology 1982;19:248-51. 8. Mackenzie AR, Whitmore WF. Resection of the pubic rami for urologic cancer. J Urol 1968;100:546-51. 9. Hall RR, Robinson MC. Transitional cell carcinoma of the prostate. Eur Urol Update Series 1998;7:1-7. 10. Dalbagni G, Zhang ZF, Lacombe L et al. Female urethral carcinoma: an analysis of treatment outcome and a plea for a standardized management strategy. Br J Urol 1998;82:835-41. 11. Narayan P, Konety B. Surgical treatment of female urethral carcinoma. Urol Clin North Am 1992;19:373-82. CAPÍTULO 5 ! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 41