Construção de um modelo ecológico para o médio rio Xingu - instrumento na previsão de cenários futuros Mauricio Camargo & Rubens Ghilardi Jr 1 Resumo – Para estudar o funcionamento dos ecossistemas aquáticos e para prever eventuais efeitos ambientais decorrentes de intervenções, como a implantação de projetos de infraestrutura, aplicou-se a modelagem ecológica. Um modelo baseado no uso do programa ECOPATH e com base em 24 compartimentos identificados para o sistema, após balanceamento, foi submetido a simulação de redução da floresta inundável através da rotina ECOSIM. Confirmou-se a importância da floresta inundável como uma das principais fontes de produção primária no ecossistema, seguida do epilíton. Vários grupos de macroinvertebrados constituem importantes fontes de energia para muitos peixes que constituem a produção pesqueira neste trecho do rio. Após simulação, foi prevista uma perda da biomassa de peixes frugívoros e aumento de outros peixes principalmente pequenos detritívoros. Assim, foi perceptível além de uma perda da diversidade, uma diminuição da produção pesqueira destes principais grupos no trecho de rio que poderá sofrer interferência do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Palavras chaves − ambientes aquáticos amazônicos, fluxos de matéria, médio rio Xingu, modelagem ecológica, usinas hidrelétricas, I. INTRODUÇÃO Dos estudos desenvolvidos nas diferentes fases de execução de um empreendimento hidrelétrico é possível identificar efeitos ambientais em diferentes escalas espacial e temporal [1], [2]. Os efeitos ocasionados nos componentes do ecossistema podem ser categorizados em três níveis: a) Parâmetros abióticos do sistema b) Mudanças nos organismos vegetais e na produção primária e c) Alterações na produtividade secundária, diversidade e dinâmica ambiental 1 Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica regulado pela ANEEL e consta dos Anais do V Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica (V CITENEL), realizado em Belém/PA, no período de 22 a 24 de junho de 2009. Este estudo fez parte do projeto intitulado “Um modelo trófico para o ecossistema aquático do médio rio Xingu – bases para seu manejo”, do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Eletronorte, Ciclo 2003/2004, regulado pela ANEEL, e executado pela Universidade Federal do Pará – UFPA e Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará IFECTPa, com recursos financeiros da Lei 9.991/2000. Mauricio Camargo é professor na Coordenação de Recursos Pesqueiros e Agronegocio do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará ([email protected]). Rubens Ghilardi Jr trabalha na Eletronorte - Superintendência de Meio Ambiente – EEM ([email protected]). dos organismos animais, decorrentes dos anteriores efeitos ambientais. Entretanto, um dos principais limitantes para estabelecer os critérios que evidenciem o grau de mudança ocasionada com a implantação de um empreendimento, se deve à falta de estimativas quantitativas dos componentes do ecossistema aquático. O conhecimento dos ecossistemas aquáticos, fundamentado somente em descrições ou mesmo em valores não padronizados sem um contexto espacial e temporal do sistema, não tem grande aplicação para realizar análises quantitativas, que se tornem um diagnóstico prévio a execução de um empreendimento hidrelétrico. Os estudos enfocados numa análise quantitativa dos parâmetros biológicos, assim como da transferência de energia e biomassa entre os diferentes compartimentos do sistema, num determinado período de tempo, permitem construir modelos quantitativos, através dos quais podem ser previstos diferentes cenários e simular situações impossíveis de serem acompanhadas no ambiente real. O presente projeto teve como objetivo, com base em estudos dos componentes de um ecossistema aquático durante um ciclo anual, construir um modelo de balanço de massas, com a aplicação do programa ECOPATH e posteriormente, através do uso do ECOSIM simular possíveis mudanças nos compartimentos do ecossistema, em decorrência de um efeito gradativo de diminuição da floresta aluvial no setor do médio rio Xingu. Através de uma análise geográfica das unidades de paisagem, foram estabelecidos os limites do ecossistema a ser modelado. Posteriormente, com base na área de influência do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte (AHE), foram definidos dois ambientes de lagos e quatro ambientes de canal principal do rio, nos que se estudou tanto habitats de remanso como de corredeiras. Após coletas padronizadas na variação espaçotemporal, e suas posteriores análises laboratoriais, foram obtidos os parâmetros de entrada, input, requeridos para o balanceamento de um modelo, conformado por 24 compartimentos do sistema. Através deste modelo foram identificados os compartimentos mais importantes dentro do ecossistema aquático e uma caracterização do mesmo em termos de seu grau de complexidade. Posteriormente, após o balanceamento do modelo, foi simulado um efeito perturbador no ecossistema que consistiu num desaparecimento gradativo da floresta inundável da área de estudo, se obtendo importantes efeitos negativos em compartimentos de peixes predadores e dos frugívoros, e em sentido oposto aumento de alguns grupos de detritívoros. Assim, o referido modelo, por meio das simulações realizadas, criou possíveis cenários no sistema aquático, e previu os possíveis efeitos e impactos ambientais tanto nos organismos, como em atividades econômicas como a pesca, no trecho estudado. Neste sentido, este modelo se torna uma importante ferramenta para definir medidas de mitigação dos possíveis efeitos e impactos ambientais decorrentes de um empreendimento da magnitude da AHE Belo Monte. II. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA Uma das maiores necessidades para conhecer a funcionalidade energética de um ecossistema, consiste na integração das informações disponíveis sobre o mesmo, para responder questões tais como: “Como este ecossistema funciona?”; “Qual é o papel de um determinado grupo trófico na reciclagem da energia no ecossistema?”; “O que ocorre ao ser suprimido um ou outro componente do ecossistema?”; “Quanto o ecossistema estudado difere de outros analisados na mesma abordagem?”. Neste contexto, faz sentido uma descrição coerente do ecossistema, que enfatize os aspectos necessários para compreender seu funcionamento, ou seja, um “modelo” ou abstração do ambiente estudado num determinado instante. A análise de algumas publicações sobre o tema mostraram que de forma generalizada se utilizam informações secundárias, disponíveis na literatura científica para ecossistemas similares [3], [4], [5], [6], [7].. Entretanto, é perceptível que a maioria das pesquisas realizadas, principalmente em águas continentais do Brasil, ocorre de forma isolada, não envolvendo a comunidade aquática como um todo (fitoplâncton, zooplâncton, zoobentos, ictiofauna), a biomassa dos recursos hidrobiológicos extraída pelo homem e a produção de matéria orgânica do ambiente. Para aplicar esta metodologia no médio rio Xingu foram desenvolvidos estudos de campo integrados dos compartimentos do sistema, dando ênfase aos aspectos relacionados com a trofodinâmica do ambiente aquático, de forma a integrar os principais componentes do ecossistema e buscar a interação entre os pesquisadores, assim como o entendimento dos aspectos quantitativos dos ambientes estudados no médio rio Xingu. O programa ECOPATH que foi utilizado nos ambientes aquáticos do médio rio Xingu, foi desenvolvido pela ICLARM (International Center of Living Aquatic Resources Management, Manila, Philippinas) a partir da teoria proposta por Polovina [8], para sistemas em equilíbrio. Já foi validado através de sua aplicação em mais de 200 sistemas aquáticos no mundo, proporcionando informações eficazes para análises comparativas dos fluxos de energia à de análise de estoques pesqueiros em ambientes aquáticos. No Brasil ainda são poucos os estudos que têm como objetivo a construção de teias alimentares nos ambientes aquáticos, principalmente em águas continentais, bem como a utilização de programas computacionais que possibilitam a construção de modelos tróficos. O ECOPATH continua sendo utilizado mundialmente para descrever a estrutura trófica e fluxo de energia em ecossistemas aquáticos, excetuando o Brasil, restringindo apenas a alguns trabalhos como [9], [10], [11], [12]. A. Definição do Ecossistema a Modelar Três critérios foram considerados na definição dos limites do sistema a ser modelado: a) afinidades hidrológicas e geográficas; b) disponibilidade de informações obtidas pelas amostragens experimentais dos componentes do sistema a ser modelado, e c) área de abrangência da atividade pesqueira neste trecho de rio. O modelo proposto é mais adequado para o período de maior vazão do rio, quando ocorre a inundação temporal da floresta aluvial. Um outro aspecto considerado no processo de construção do modelo foi o pressuposto de que o ecossistema selecionado encontra-se em estado estável [13] e que as populações estão em equilíbrio dentro do sistema [14]. Isso significa que os fluxos que ocorrem entre os compartimentos e as populações de peixes que constituem os mesmos, apresentam condições de equilíbrio na relação das mortalidades natural e por pesca, com o recrutamento de novos indivíduos. B. Grupos Funcionais De acordo com os resultados obtidos nos estudos dos componentes e complementando com informações pretéritas obtidas na literatura, foram definidos 24 compartimentos, que se agruparam em produtores primários e diferentes categorias de consumidores [15] C. Produtores Primários 1) Floresta ombrófila aluvial e de pedregais: vegetação sujeita a inundação sazonal, que está localizada nas ilhas fluviais e brechas das superfícies rochosas expostas [16]. Incluíram-se neste compartimento, árvores e arbustos emergentes, tais como o assacu (Hura crepitans, Euphorbiaceae), a piranheira (Piranhea trifolilata, Euphorbiaceae), a abiurana da várzea (Pouteria glomerata, Sapotaceae) e acapurana (Campsiandra laurifolia, Caesalpiniaceae) e o camu-camu ou araçá (Myrciaria dubia, Myrtaceae. Também agruparam-se nesta categoria algumas gramíneas como a canarana peluda (Echinochloa polystachya, Poaceae), a canarana lisa (E. spectabilis, Poaceae), o capim rabo de raposa (Hymenachne amplexicaule, Poaceae) e o arroz selvagem (Oryza sp.) [19]. 2) Epilíton: microalgas que crescem sobre rochas graníticas ou substratos imersas no leito do rio Xingu. O perilíton do médio rio Xingu esteve representado por 75 espécies, distribuídas em 10 classes, 7 sub-classes, 23 ordens, 35 famílias e 47 gêneros, pertencentes às divisões Xanthophyta (1 sp.), Euglenophyta (1 sp.), Dinophyta (1 sp.), Cyanophyta (6 sp.), Bacillariophyta (25 spp.) e Chlorophyta (41 spp.). Assim como observado para a comunidade fitoplanctônica, as clorofíceas foram dominantes qualitativamente na comunidade de algas perifíticas, representando 54,68% do total de espécies identificadas, sendo representado por um total de 3 classes, 6 ordens, 10 famílias, 21 gêneros e 41 espécies. As famílias mais representativas foram: Desmidiaceae (14 spp.), Scenedesmaceae (7 spp.) e Hydrodictyaceae (7 spp.) [17]. 3) Fitoplâncton: A comunidade fitoplanctônica do médio rio Xingu no período de agosto de 2006 a maio de 2007 possibilitou a identificação de 239 espécies, estando essas distribuídas em 9 classes, 23 ordens, 35 famílias e 62 gêneros, pertencentes às divisões Xantophyta (2 spp). Chrysophyta (3 spp.), Dinophyta (7 spp.), Cyanophyta (18 spp.), Euglenophyta (13 spp.), Bacillariophyta (76 spp.) e Chlorophyta (199 spp.) (vide cap. productores primários). As clorofíceas foram dominantes qualitativamente, representando 61,51% do total de espécies identificadas. Este grupo foi representado por um total de 3 classes, 6 ordens, 16 famílias, 42 gêneros e 147 espécies. As famílias mais representativas foram: Desmidiaceae (72 spp.), Scenedesmaceae (19 spp.) e Oocystaceae (16 spp.), destacando-se os gêneros Staurastrum Meyen por ter sido representado por 25 espécies, Staurodesmus Teiling por 17 espécies, Scenedesmus Meyen, por 10 espécies e Closterium Nitzch ex Ralfs e Ankistrodesmus Corda por apresentarem 7 espécies cada [ 17] D. Consumidores 1) Zooplancton: foi composto por três principais grupos dominantes em diversidade e abundância: Os Rotífera, os Cladócera e os Copépoda, um padrão que se repete para muitos ecossistemas de águas doces tropicais. Um total de 166 espécies de organismos zooplantônicos foi registrado para ambientes aquáticos do médio rio Xingu, gerando valores superiores aos encontrados em outras regiões amazônicas [18], Destacaram-se os Rotifera com 141 espécies; os Clacodera com 20 espécies; e os Copepoda com 5 espécies [20]. 2) Fauna Bentônica: Este grupo foi constituído basicamente por macroinvertebrados que habitam os substratos de fundo. Para o período de estudo, foram coletados 14.934 espécimes de macroinvertebrados bentônicos, dos quais 73,1% corresponderam aos insetos [21]. Para ambiente de rio, as famílias mais abundantes foram: Leptophlebiidae, Hydropsychidae, Chironomidae e Polymitarcyidae, com 24,7%, 21,4%, 12,9% e 10,5%, respectivamente; no lago foram: Chironomidae, com 34,6%; Oligochaeta, 23,2%; Chaoboridae, 14,9% e Nematoda, 14,5%. a) Organismos Bentônicos Raspadores: Principalmente representados pelos insetos da ordem Ephemeroptera, que correspondem a 23% das espécies (famílias: Baetidae, Oligoneuriidae e Heptageniidae). Moluscos raspadores (Doryssa e Pomacea) que se alimentam de algas e musgos aderidos às rochas submersas, também tiveram uma contribuição importante na diversidade de espécies. b) Organismos Bentônicos Filtradores: Constituídos principalmente por moluscos, que se alimentam do material orgânico particulado em suspensão. c) Organismos Bentônicos Coletores/Detritívoros: A maior diversidade é conformada pelos Oligochaeta e Chironomidae, que representaram 32% do número total de espécies. 3) Peixes: Com base nas guildas tróficas definidas e nos parâmetros biológicos das espécies foram definidos oito subgrupos funcionais [22], [23]. a) Detritívoros: Prochilodus nigricans, Semaprochilodus brama e Cyphocharax spp. b) Iliófagos: foram divididos em iliófagos maiores como Pachyurus junki, Leporinus sp “verde”, Argonectes robertsi, Laemolyta proxima, Baryancistrus niveatus; e iliófagos menores, com representantes Hemiodus spp. e Bivibranchia velox. c) Frugívoros: Myleus torquatus, Myleus rhomboidalis, M. schomburki, M. pacu e Tocantinsia piresi. d) Onívoros: Bryconamericus sp. e Triportheus. e) Insetívoros: Centromochlus schultzi, Auchenipterus nuchalis f) Piscívoros Menores: Chalceus macrolepidotus, Agoniates anchovia, Acestrorhynchus spp, Boulengerella cuvieri. g) Piscívoros Médios: Cichla sp. Xingu, Plagioscion spp. Hoplias macrophthalmus, Serrasalmus spp. Ageneiosus inermis e Sorubim lima. 4) Grandes Predadores: Phractocephalus hemioliopterus, Brachyplatystoma filamentosum, Hydrolycus armatus. 5) Quelônios: Podocnemis unifilis – Tracajá, que representa a maior biomassa dentre este compartimento na área de estudo. 6) Mamíferos: Ptenoura brasiliensis a ariranha que mesmo em pequenos grupos, representa um componente principal em áreas marginais e lagos do Xingu. 7) Aves: mergulhão, Phalacrocorax brasilianus; carará, Anhinga anhinga, e maguari, Ardea cocoi, de hábitos principalmente piscívoros. 8) Jacarés: no setor do médio rio Xingu predomina em abundância e biomassa Caiman crocodilus. E. Parâmetros do Modelo No modelo trófico do ecossistema do médio rio Xingu foram considerados os recursos pesqueiros e grupos não explorados comercialmente. Dentre os parâmetros de entrada para cada grupo funcional requerido para parametrizar o modelo ecotrófico, incluiram-se: a biomassa (B), a produção (P) e o consumo (Q). 1) Biomassa (B): corresponde à massa total de cada grupo vivente e expressa em g.m-2 de peso seco. Para os peixes, a biomassa foi obtida a partir de cálculos dos parâmetros biológicos deste estudo [23]. Para os outros grupos funcionais a biomassa foi calculada a partir de coletas experimentais ou extraídos da literatura. 2) Produção (P): corresponde à geração de tecido por um certo grupo de organismos num período de tempo. No modelo, é considerada equivalente à relação produção/biomassa (P/B). A produção total de um fluxo é estimada pelo ECOPATH e expressa em g.m-2.ano-1. A relação P/B é expressa em ano-1. Neste estudo, foi utilizada a equivalência proposta por Allen (1971), na qual as populações em equilíbrio, com mortalidade exponencial e crescimento tipo von Bertalanffy, possuem a relação P/B do mesmo valor que a mortalidade total (Z) [23]. Para outros compartimentos, inicialmente foi utilizada a produção calculada para sistemas fluviais similares ao Xingu e posteriormente, foi realizado o cálculo de P/B. 3) Consumo (Q): corresponde ao alimento ingerido por um grupo durante o período de tempo considerado. Entra no modelo como a relação entre consumo e biomassa (Q/B). O consumo absoluto calculado pelo modelo corresponde a um fluxo expresso em g.m-2ano-1, enquanto que Q/B expressa-se em termos de ano-1. A relação Q/B foi calculada para os grupos de peixes com base na equação empírica proposta por [24]. Para outros grupos foram tomadas estimativas da literatura. 4) Composição da Dieta dos Predadores: corresponde à fração em volume de alimento de cada presa no conteúdo estomacal de um predador. Estas informações foram obtidas através das análises quantitativas e semiquantitativas dos conteúdos estomacais dos peixes[22]. 5) Eficiência Ecotrófica (EE): corresponde à parcela da produção de cada grupo que é utilizada dentro do sistema em forma de predação ou captura pela pesca. Não tem unidades. Por ser um valor difícil de medir, este foi gerado pelo próprio programa e é utilizado para o balanceamento do modelo. 6) Eficiência de Conversão do Alimento (GE): Também é estimada pelo programa e ajustado no processo de balanceamento do modelo. Corresponde à relação produção/consumo (P/Q). Não tem unidades. 7) Captura (Y): corresponde à quantidade removida pela pesca da biomassa de um grupo. Tem as mesmas unidades da biomassa (g.m-2). Para os recursos pesqueiros, este valor foi estimado com base nos registros de desembarques coletados nos portos de Altamira. III. RESULTADOS OBTIDOS Os estudos dos diferentes componentes do ecossistema aquático do médio rio Xingu foram realizados de forma simultânea na variação espaço-temporal durante um ciclo anual no período de junho 2006- julho 2007. Um total de 1629 quilômetros quadrados corresponderam aos limites espaciais da área de estudo (Figura 1). Através de estudos da ecologia da paisagem natural, foram caracterizadas e quantificadas nove unidades de paisagem inseridas no ambiente aquático e de áreas alagáveis ao longo do canal principal do trecho de rio estudado (Tabela 1; Figura 2) [16]. Estes resultados ainda forneceram subsídios para os estudos complementares do diagnóstico ambiental do AHE Belo Monte, em 2008. Por sua vez, os estudos das áreas de floresta aluvial no mesmo trecho do rio, mostraram estimativas de biomassa e da produção anual de serrapilhera por fração vegetativa; também foram estabelecidos alguns padrões de floração e produção de frutos em sincronia com o regime de inundação do rio (Figura 3) [25]. Estas informações, por sua vez deram subsidio para os estudos de diagnóstico ambiental do AHE Belo Monte, principalmente na quantificação de áreas de floresta aluvial que sofrerá interferência pelo empreendimento seja por inundação contínua ou por perda do regime de inundação anual. 52°20' Figura 1. Limites espaciais da área de estudo no setor do médio rio Xingu Tabela I. Unidades de paisagem identificadas para o trecho do médio rio Xingu Área (km2) Unidade de paisagem Leito do Xingu Lagos em ilhas fluviais Planícies inundáveis de rios tributários Planícies inundáveis do rio Xingu Ilhas fluviais com predomínio de floresta ombrófila com palmeiras Floresta ombrófila densa aluvial Floresta ombrófila aluvial com dossel emergente Vegetação arbustiva sobre afloramento rochoso e rochas expostas Formações pioneiras Total 52°00' Número de dias com água (20062007) 360 150 150 620,43 4,67 % da área total 38,1 0,3 151,97 9,3 150 136,02 8,3 0-120 21,89 373,98 1,3 23,0 150 120 34,92 2,1 180 270,54 14,67 1629,09 16,6 0,9 100,00 190 51°40' Y Belo Monte# N Y Altamira # 3°20' X in gu 3°20' R io Itu R io na aj R io B a c í ja ca a o B Ri 5 12 52°20' 3°40' 52°00' -0,625745553 Lago Ilha Grande Rio 51°40' Boa Esperança Nível rio (cm) 0 5 10 Km Rio Arroz Cru 800 700 10 600 2 Figura 2. Unidades de paisagem identificadas para 8o trecho do médio rio Xingu 500 6 400 C. Fração de flores 300 4 200 2 100 0 0 Jan/07 Fev/07 Mar/07 Abr/07 Mai/07 Jun/07 Jul/07 Mês Ago/06 Set/06 Out/06 Nov/06 Dez/06 Nível rio (cm) u Floresta latifoliada c om dosel em ergente Floresta om brófila aluv ial Form aç ões pioneiras Ilhas fluv iais com predom ínio de palm eir as Lagos em ilhas fluviais Leito do X ingu Planícies inundáveis do rio X ingu Planícies inundáveis de rios tri butários Vegetaç ão arbustiv a em afloram entos rochosos e rochas ex pos tas Média de peso seco (g/m ) Xi R io io ng ir i Ir R á Rio Itata 3°40' por sua vez, prever eventuais mudanças decorrentes da instalação do empreendimento (Figura 4). Figura 3. Sazonalidade na floração da floresta aluvial em relação ao nível do rio Xingu (junho de 2006 a julho de 2007). B. Consumidores Através da identificação de grupos funcionais foi possível prever categorizar e qualificar os ambientes aquáticos estudados, como diagnóstico para eventuais mudanças decorrentes de algum tipo de intervenção. Tabela II Classificação do estado trófico dos ambientes aquáticos do médio rio Xingu Local Lago da Ilha Grande Corredeira Boa Esperança Remanso Boa Esperança Remanso Arroz Cru Corredeira Arroz Cru Lago Pimental Corredeira Rio Caitucá Remanso CNEC Corredeira CNEC Clorofila a (mg.m-3) Prof. Secchi (m) Zona Classificação eufót (Zeu ) (m)– 2,1 Meso2,7 Eutrófico 3,6Mesotrófico 4,2 8,85 ± 4,09 0,7-0,9 3,72 ± 1,46 1,2-1,4 4,68 ± 1,77 1,3 3,9 Mesotrófico 3,07 ± 1,52 1,2 -1,4 3,6 – 4,2 Oligomesotrófico 2,71 ± 1,57 1,3 3,9 Mesotrófico 1,36 ± 0,62 0,7 - 1,3 2,1 – 3,8 Oligotrófico 3,71 ± 1,84 1,3 3,9 Mesotrófico 3,34 ± 2,48 1,2 3,6 Mesotrófico 3,63 ± 2,65 1,3 3,9 Mesotrófico Os macroinvertebrados aquáticos constituem importantes compartimentos no fluxo de energia dos ambientes estudados no médio rio Xingu, principalmente nos ambientes de corredeiras. Através dos estudos deste componente, foi possível obter importantes informações do ponto de vista de diagnóstico ambiental e da construção de grupos funcionais indicadores do estado atual de conservação do ecossistema e, Figura 4. Estimativas da biomassa (B) e produção por biomassa (P/B) das guildas tróficas de macroinvertebrados do lago da Ilha Grande médio rio Xingu. C. Monitoramento dos desembarques pesqueiros Um importante componente deste estudo foi o monitoramento dos desembarques pesqueiros nos principais portos de Altamira [26], [27]. Nesta região se desenvolvem duas importantes fontes de renda para as comunidades locais: a pesca de peixes ornamentais com grande volume de embarques exportados e a pesca de consumo que constitui uma importante fonte de proteína para as comunidades locais e como fonte de renda. Com estes estudos, além de se gerar subsídios para o diagnostico ambiental da região, gerou informações econômicas, tais como o retorno econômico por unidade de esforço (Figura 5), a diversidade de recursos explorados e o valor médio por unidade vendida, assim como os principais locais no trecho do rio estudado. Renda média (R$/pescador/dia) A. Produtores primários Os produtores primários do ambiente aquático, além de serem estudados na sua diversidade biológica, também geraram estimativas de biomassa e densidade (Clorofila a) e da produção primária [17]. Além de estas informações serem relevantes como fontes input para a construção do modelo quantitativo, constituem a base para um diagnóstico ambiental e para classificar o grau de trofia atual do ecossistema, assim como prever eventuais mudanças no componente aquático durante e após a execução do empreendimento hidrelétrico no médio rio Xingu (Tab. 2). 250 200 Rabeta Barco motor de centro 150 100 50 0 A B C D E F Trecho do rio Figura 5. Renda média bruta ± desvio padrão por pescador por dia para as embarcações de rabeta e motor de centro nos diferentes trechos do rio Xingu (2006-2007). A comparação da Captura por Unidade de Esfoço CPUE na variação mensal, não mostrou nenhum padrão na distribuição das capturas. Ao se agrupar os meses de acordo com o regime de seca e cheia do rio Xingu, e após transformação dos dados, foram testadas possíveis diferenças nos valores de CPUE na variação espacial (trechos) (Figura 6), e temporal (períodos sazonais), os trechos do rio Xingu, não mostraram diferenças (F1,668 = 13,62; p = 0,782); já os períodos do ano foram estatisticamente diferentes (F5,668 = 0,49; p = 0,0024). Barco com Motor de Centro alguns componentes do ecossistema e, por sua vez, um aumento de outros. (Figura 9). Rabeta 80 Valor da captura R$ por unidade CPUE CPUE (No ind/pescador/dia) 100 60 40 20 0 A B C D E F Trecho do rio 70 média cheia 60 50 40 30 20 10 0 Barco motor centro Figura 6. Média ± desvio padrão da captura por unidade de esforço para os tipos de embarcações nos trechos definidos para o médio rio Xingu (20062007). Em relação à pesca de consumo, quando comparadas as CPUEs estimadas para os seis trechos definidos para o rio, observou-se que mesmo com uma grande variação, existiu uma tendência pelas menores CPUEs para os três tipos de embarcação consideradas, nos trechos B e F do rio (Figura 7). Uma análise de variância aplicada para estes resultados não indicou diferenças (F(2,1127;5%) = 1,46 e p>0,05) entre as CPUEs dos três tipos de embarcações possivelmente pela grande variabilidade das mesmas. Barco m otor centro Canoa a rem o Rabeta -1 -1 CPUE (Kg.dia .pescador ) 30 25 20 15 10 5 0 A B C D E F Trecho do rio Figura 7. Captura por unidade de esforço média±d.p. para os diferentes tipos de embarcação em relação aos trechos definidos para o rio Xingu. Na variação sazonal a média do retorno econômico diário por pescador variou de dois até R$ 283,75 com uma média de 29,70±26,26 reais e mediana de 22,5 reais. Em relação ao tipo de embarcação na variação sazonal, ao comparar as médias de retorno econômico por embarcação observou-se que os valores foram muito afins. A maior media de retorno econômico por dia para um pescador foi registrada para o barco motor de centro durante a seca, com 31,75±23,87 reais e a menor para a canoa a remo na seca com 20,45±10,72 reais (Figura 8). D. O Modelo uma Finalidade ou um Instrumento Uma vez obtido o balanceamento do modelo, foi possível formular algumas perguntas relacionadas a eventuais cenários futuros dos possíveis efeitos ambientais decorrentes de empreendimentos como o de Belo Monte, tais como a diminuição da floresta aluvial seja por inundação permanente, ou por perda do padrão de sazonalidade [15]. Assim, um primeiro cenário mostrou o efeito da perda de áreas de floresta aluvial. Foi observado um decréscimo de média seca Canoa a remo Rabeta Tipo de embarcação Figura 8. Média ± d.p. do retorno econômico por dia de pesca de um pescador, na variação sazonal para os três principais tipos de embarcação de pesca. E. A Construção do Modelo Dois conjuntos de dados constituíram os parâmetros de entrada para alimentação do modelo: informações de biomassa (B), produção por biomassa (P/B) e consumo por biomassa (Q/B), para cada um dos compartimentos e uma matriz das dietas de cada grupo de predadores [15]. O balanceamento dos 24 compartimentos definidos para o sistema do rio Xingu mostrou que o maior fluxo de biomassa na teia alimentar tem origem na floresta aluvial [15]. Contudo, outras fontes de produção primária como o epilíton foram também importantes. O modelo apresentou quatro níveis tróficos distintos (Figura 9). Uma simulação feita para o sistema que consistiu em um processo gradativo de supressão da floresta inundável conduz ao aumento do epilíton, dentre os produtores primários e dos raspadores bentônicos e de peixes iliófagos, mas por sua vez um importante declínio dos peixes frugívoros que constituem importantes fontes de proteína para consumo humano através da pesca artesanal. Assim, foi perceptível além de uma perda da diversidade, uma diminuição da produção pesqueira destes principais grupos no trecho de rio que poderá sofrer interferência do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte (Figura 10). F. Benefícios Auferidos e as Dificuldades Encontradas Durante a Execução do Projeto. Com a execução deste projeto, foram vários e diversos os benefícios para os parceiros envolvidos. De um lado foi evidente a contribuição no diagnóstico ambiental e o subsidio com informações necessárias para a execução dos estudos ambientais de acordo com os termos de referencia exigidos. Por sua vez, com a elaboração de cenários futuros, será possível ter previsões de alguns efeitos e impactos ambientais decorrentes da execução do empreendimento AHE Belo Monte, de forma a viabilizar alternativas que permitam atenuar os mesmos. Para as instituições acadêmicas envolvidas, além de se obter um reconhecimento da produção científica, também foi possível a capacitação de recursos humanos em diferentes níveis de formação técnica, de graduação e de pós-graduação. Figura 9. Modelo trófico do ecossistema aquático do médio rio Xingu, os círculos correspondem a cada um dos compartimentos do sistema; os números associados às linhas correspondem ao nível trófico de cada compartimento. Pequenos peixes iliófagos Organismos bentônicos raspadores Peixes frugívoros Floresta alagada Figura 10. Simulação de diminuição na biomassa da floresta aluvial e seu efeito nos outros componentes do ecossistema. O eixo x corresponde à evolução da biomassa na variação temporal de cinco anos e o eixo y corresponde à biomassa dos compartimentos. IV. CONCLUSÕES Através deste estudo foi confirmada a importância da floresta inundável como uma das principais fontes de produção primária no ecossistema, seguida do epilíton. Vários grupos de macroinvertebrados constituem importantes fontes de energia para muitos peixes que por sua vez são a base da produção pesqueira neste trecho do rio. Após simulação, foi prevista uma perda da biomassa de peixes frugívoros e aumento de outros pequenos ilófagos sem ou com baixo valor comercial. Assim, foi perceptível além de uma perda da diversidade, uma diminuição da produção pesqueira destes principais grupos no trecho de rio que poderá sofrer interferência do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] A. A Agostino, and M. 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