242 Relato de caso Resultados tardios da descompressão microvascular do nervo facial pela artéria vertebral Long-term Outcomes of Facial Nerve Microvascular Decompression by Vertebral Artery José Nazareno Pearce de Oliveira Brito1 Aline Lariessy Campos Paiva2 Danilo dos Santos Silva2 Lucas de Moraes Brito3 Monik Filismina Costa Moura3 Lucídio Portella Nunes Filho4 Ricardo Marques Lopes de Araújo5 RESUMO ABSTRACT Espasmos faciais constituem afecção rara, caracterizada por contrações assimétricas, involuntárias e paroxísticas da musculatura facial. Frequentemente são de acometimento unilateral e levam a situação desconfortável e prejudicial à qualidade de vida dos pacientes. Na maioria das vezes, o quadro inicia-se gradualmente no músculo orbicular dos olhos, seguindo-se por acometimento do andar inferior da face ipsilateralmente. Os espasmos são causados por compressão vascular, mais comumente provocada pela presença da artéria cerebelosa póstero-inferior (PICA) ou da artéria cerebelosa antero-inferior (AICA) (sendo mais raro o envolvimento da artéria vertebral) sobre a raiz do nervo facial, na REZ (Root Entry Zone). Injeção de toxina botulínica no músculo facial envolvido é uma opção terapêutica medicamentosa, no entanto possui benefícios transitórios ao longo da terapia. A descompressão microvascular é um tratamento efetivo, com baixas taxas de complicação. Descreve-se o caso de um paciente de 65 anos portador de contrações involuntárias e esporádicas da musculatura orbicular do olho esquerdo de caráter insidioso e progressivo. Optou-se por microcirurgia descompressiva com interposição de teflon entre artéria vertebral esquerda e o nervo facial na fossa posterior, com significativa melhora clínica, e regressão progressiva dos espasmos até sua completa remissão. Facial spasm is a rare disease characterized by asymmetric contractions and involuntary paroxysmal activity of facial muscles. It is often unilateral disease and leads to an uncomfortable and injurious situation that affects patients’ quality of life. Most often, it begins gradually in the orbicularis oculi muscle, followed by involvement of the ipsilateral inferior face . The spasms are usually caused by PICA and AICA vascular compression (vertebral artery compression is more rare) of the facial nerve root, in its entry zone. Botulinum toxin injection in the involved facial muscle is a treatment option, however has transient benefits during the therapy. Microvascular decompression is an effective treatment, with low complication rates. We report a case of a 65-year-old patient with sporadic involuntary contractions of left orbicular muscle , with an insidious and progressive character. Microsurgical decompression with Teflon interposition between the left vertebral artery and the facial nerve in the posterior fossa was performed. There was a significant clinical improvement, with progressive decrease of the spasms until complete remission. Key Words: Hemifacial spasm, Microvascular decompression Palavras Chave: Espasmo hemifacial; Descompressão microvascular. 1. Disciplina Neurologia e Neurocirurgia FACIME-UESPI e NOVAFAPI-Faculdade Teresina – PI 2. Acadêmico de Medicina FACIME-UESPI 3. Acadêmico de Medicina NOVAFAPI-Faculdade, Teresina-PI; 4. Chefe do Serviço de Radiologia da Clínica de Imagem Lucídio Portella, Teresina-PI 5. Residente do serviço de Neurocirurgia do Hospital Santa Marcelina – SUS SP Recebido em 14 de maio de 2012, aceito em 12 de junho de 2012 Brito JNPO, Paiva ALC, Silva DS, Brito LM, Moura MFC, Filho LPN, Araújo RML - Resultados tardios da descompressão microvascular do Nervo Facial pela artéria vertebral. J Bras Neurocirurg 23 (3): 242-245, 2012 243 Relato de caso Introdução Espasmos hemifaciais idiopáticos configuram uma afecção rara, e têm incidência anual de 1 por 10000 pacientes12, sendo mais comum em mulheres do que em homens6. Frequentemente ocorre em pacientes de meia idade, havendo evidências recentes de que mudanças na parede arterial relacionadas à idade configuram um importante fator relacionado ao surgimento da condição.12 Constitui-se em um distúrbio focal do movimento, caracterizado por contrações involuntárias clônicas ou tônicas, intermitentes, que podem persistir durante o sono, nos músculos inervados pelo nervo facial1,9. Na maioria das vezes, inicia-se gradualmente no músculo orbicular dos olhos, seguindo-se por acometimento da metade inferior da face ipsilateralmente. O movimento é agravado por estresse e fadiga, e não pode ser suprimido voluntariamente. Frequentemente inicia-se na vida adulta e, ocasionalmente, existem antecedentes de paralisia de Bell ou de lesão traumática do VII nervo craniano10. na intensidade dos espasmos. A tomografia computadorizada com uso de contraste não mostrou achados sugestivos de compressão do nervo facial. Abordagem terapêutica inicial com injeções de toxina botulínica obteve melhora significativa do quadro, entretanto com resultados progressivamente menos satisfatórios na contenção dos espasmos ao longo do tratamento. A angioressonância magnética ( angioRM) evidenciou deslocamento tortuoso da artéria vertebral esquerda para o ângulo-ponto cerebelar, sugestivo de compressão do nervo facial (Fig. 1). Os episódios de espasmos hemifaciais atingiram freqüência e intensidades insuportáveis, tornando-se prejudiciais às atividades cotidianas e gerando intenso desconforto e ansiedade. Optou-se por microcirurgia descompressiva com interposição de teflon entre artéria vertebral esquerda e o nervo facial em fossa posterior, obtendo significativa melhora clínica do quadro no pós-operatório, com nervo facial livre de compressão (Fig. 2). Os espasmos regrediram progressivamente ao longo de um ano até sua completa remissão sem qualquer outra intervenção clínica ou cirúrgica. O exame neurológico apresenta discreta paresia facial esquerda incapaz de comprometer a qualidade da fala e expressão facial. Paciente encontra-se há mais de 9 anos assintomático. Na maior parte dos casos as artérias cerebelares antero-inferiores (AICA) e póstero-inferiores (PICA) estão associadas à compressão nervosa, sendo o envolvimento da artéria vertebral, portanto, mais raro.12 Entre as modalidades de tratamento, a abordagem clínica com carbamazepina ou toxina botulínica não mostra resultados tão satisfatórios a longo prazo como a descompressão microcirúrgica vascular na fossa posterior do crânio.4,5,8,14 Relato do Caso Paciente A.B.A.F., sexo masculino, 65 anos, procurou Serviço de Neurocirurgia do Hospital São Marcos após várias tentativas de tratamento clínico em virtude de contrações involuntárias e esporádicas da musculatura orbicular do olho esquerdo, de caráter insidioso e progressivo. O exame consistia em espasmos musculares envolvendo, a princípio, apenas o músculo orbicular do olho esquerdo e, posteriormente a musculatura da rima labial e platisma. Evoluiu progressivamente em intensidade e frequência e , caracteristicamente, os episódios de espasmo surgiam de forma aleatória e imprevisível, sem relação direta com eventos do cotidiano. O paciente queixava-se de dificuldades de manutenção da leitura com o aumento 0 Figura 1: Angio-RM : sistema vértebro-basilar mostrando deslocamento tortuoso da artéria vertebral esquerda para o ângulo-ponto cerebelar Brito JNPO, Paiva ALC, Silva DS, Brito LM, Moura MFC, Filho LPN, Araújo RML - Resultados tardios da descompressão microvascular do Nervo Facial pela artéria vertebral. J Bras Neurocirurg 23 (3): 242-245, 2012 244 Relato de caso de neurocisticercose.18 Impõe-se desta forma, realização de investigação angiográfica pré-operatória para exclusão de aneurismas originando o quadro clínico, além de estimar o local de compressão nervosa. Geralmente o espasmo hemifacial deve-se a compressões das artérias cerebelares ântero-inferiores ou póstero-inferiores sobre o sétimo nervo, sendo a compressão pela artéria vertebral evento mais raro12. A AICA origina-se da artéria basilar, já a PICA origina-se da artéria vertebral, assim sua relação com o nervo facial só ocorre quando possui origem mais alta, próxima a junção vértebro-basilar. A compressão microvascular do nervo facial depende de condições tais como o nível de origem destes vasos, seus calibres e locais de bifurcação. Outra situação mais rara que pode ocorrer é a compressão indireta pela artéria vertebral: a AICA ou PICA se interpõem entre a artéria vertebral e o NC VII, comprimindo o nervo12. Figura 2: RM com ponderação em T2 evidenciando resultado pós-operatório com nervo facial livre de compressão. Discussão O espasmo hemifacial consiste em uma disfunção unilateral do nervo facial capaz de provocar contrações involuntárias e paroxísticas4,10,17. É uma condição desconfortável e prejudicial à qualidade de vida destes pacientes17, tendo geralmente curso clínico crônico, raramente remitindo espontaneamente1. Os espamos são causados por compressão vascular sobre a saída da raiz do nervo facial2,8,15. É uma síndrome hiperativa de disfunção do nervo craniano e, na maioria dos casos, causada por artérias tortuosas e aberrantes15. Com o decorrer do tempo, pode-se observar fraqueza da musculatura facial. Casos de acometimento bilateral são raros. Quando ocorrem, os tempos de instalação em cada lado não são coincidentes e as contrações são independentes. Devem ser diferenciado de outras condições como blefaroespasmo, miocimia facial, tiques faciais, distonia oromandibular e espasmo hemimastigatório10. Tumores cerebrais também podem estar associados ao espasmo hemifacial, como meningiomas do ângulo ponto cerebelar, e gliomas pontinos. Este distúrbio também pode decorrer, com menor freqüência, de aneurisma no sistema vertebrobasilar3 e Além de mais raramente associar-se ao espasmo facial, a compressão pela artéria vertebral geralmente causa sintomatologia em idades mais avançadas, como o caso relatado, pois o tronco desta artéria encontra-se mais distante dos nervos faciais, sendo o espasmo facial um evento mais tardio. Já o tronco e os ramos da PICA são mais próximos da origem do nervo facial, podendo originar sintomatologia em pessoas mais jovens12. A injeção de toxina botulínica bloqueia seletivamente e reversivelmente a junção neuromuscular, causando relaxamento da musculatura envolvida16. No entanto, os benefícios da toxina botulínica são transitórios e decrescentes após múltiplas administrações4. O procedimento efetivo consiste na descompressão microvascular4,5,8,14,17. A descompressão microvascular consiste em procedimento cirúrgico que envolve risco muito baixo, bem tolerado por pacientes idosos, e está associado a taxas de reincidências muito baixas14. Quando o quadro deve-se a compressão nervosa pela AICA ou PICA, a descompressão microvascular com interposição de teflon usualmente é mais efetiva do que quando o vaso envolvido é a artéria vertebral que geralmente apresenta-se bastante tortuosa, dificultando o procedimento e muitas vezes comprometendo o resultado11, às vezes sendo necessária fixação da mesma à dura-máter para minimizar os índices de recorrência.11 Após a microcirurgia, a recuperação do quadro clínico de hemiespasmos faciais acontece de forma gradual7. O procedimento é feito por abordagem retromastóidea seguida de uma pequena craniotomia e abertura da dura-máter. Com leve retração, o cerebelo é gentilmente elevado e a zona de entrada da raiz do nervo facial é exposta e examinada para reconhecimen- Brito JNPO, Paiva ALC, Silva DS, Brito LM, Moura MFC, Filho LPN, Araújo RML - Resultados tardios da descompressão microvascular do Nervo Facial pela artéria vertebral. J Bras Neurocirurg 23 (3): 242-245, 2012 245 Relato de caso to do contato vascular. A artéria é então afastada do nervo e fragmentos de Teflon são usados para impedir o contato mecânico direto entre a artéria e o nervo17. 11. Ferreira Junior M, Walcott BP, Nahed BV, Sekhar LN. Vertebral artery pexy for microvascular decompression of the facial nerve in the treatment of hemifacial spasm. J Neurosurg 2011 114(6): 1800-4. Em pacientes que não podem ser submetidos à cirurgia devido à idade avançada, más condições gerais ou pacientes que recusam a cirurgia, o tratamento radiocirurgico pode ser uma alternativa5. No futuro, várias técnicas complementares de imagem serão usadas sistematicamente para acesso mais preciso a informações anatômicas19. 12. Oizumi T, Ohira T, Kawase T. Angiographic manifestations and operative findings with 70 cases of hemifacial spasm: relation of common trunk anomalies. Keio J Med 2003; 52 (3): 189–97 A microcirurgia descompressiva possui excelentes resultados13 precoces com melhoria da qualidade de vida e demonstrou no presente relato de caso um resultado altamente satisfatório apresentado em longo prazo. Referências 1. Barbosa ER, Takada LT, Gonçalves LR, Costa RMPN, Moriyama LS, Chien HF. Botulinum toxin type A in the treatment of hemifacial spasm: an 11-year experience. Arq Neuro-Psiquiatria 2010; 68(4): 502-5 2. Benitez MC, Kaufmann AM. Neurovascular compression findings in hemifacial spasm. J Neurosurg 2008; 109( 3) : 416-20. 3. Borges V, Ferraz HB. Espasmo Hemifacial. Rev. Neurociências 2001 9(1): 5-8 4. Dannebaum M, Lega BC, Suki D, Harper RL, Yoshor D. 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Espasmo hemifacial bilateral relato de caso. Arq Neuro-Psiquiatria 2003; 61 (1): 115-8. Brito JNPO, Paiva ALC, Silva DS, Brito LM, Moura MFC, Filho LPN, Araújo RML - Resultados tardios da descompressão microvascular do Nervo Facial pela artéria vertebral. J Bras Neurocirurg 23 (3): 242-245, 2012