88 L.M.L. EXPANDIDO Duarte et al. RESUMO TOMATO MOSAIC VIRUS ISOLADO DE IMPATIENS HAWKERI: ANÁLISE FILOGENÉTICA MOLECULAR* L.M.L. Duarte1, R.M. Soares2, F.M.C. Fernandes3, M.A.V. Alexandre1**, A.R.P. Tozetto1, A. Cilli1**, E.B. Rivas1 Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal, Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 1 RESUMO Impatiens hawkeri e I. walleriana (Balsaminaceae) são espécies amplamente utilizadas na ornamentação de jardins. Como são propagadas vegetativamente por sementes, os vírus tendem a se perpetuar na cultura. O objetivo deste trabalho foi identificar e caracterizar um Tobamovirus isolado de I. hawkeri, bem como estabelecer as relações filogenéticas entre os vírus desse gênero. A presença de Tomato mosaic virus, descrita pela primeira vez em ornamental no Brasil, foi determinada por meio de testes serológicos, RT-PCR e seqüenciamento do gene da capa protéica. Na análise de máxima parcimônia das seqüências de nucleotídeos, uma única árvore mais parcimoniosa, com 1.093 passos, foi encontrada, com valores de “bootstrap” significativos. Discute-se a proposta da divisão do gênero Tobamovirus em 3 subgrupos, um dos quais envolve todas as espécies isoladas de Solanaceae, com exceção do isolado aqui caracterizado e do Odontoglossum ringspot virus. PALAVRAS-CHAVE: Análise de máxima parcimônia, subgrupos de Tobamovirus, planta ornamental. ABSTRACT TOMATO MOSAIC VIRUS FROM IMPATIENS HAWKERI: MOLECULAR PHYLOGENETIC ANALYSIS. Impatiens hawkeri and I. walleriana (Balsaminaceae) have been widely used as ornamental plants in gardens. Since they are vegetatively propagated, viruses tend to perpetuate in the crop. The aim of this paper was to identify and characterize the Tobamovirus isolated from I. hawkeri (tobamo-imp), as well as to establish the phylogenetic relationships among viruses of the same genus. The presence of Tomato mosaic virus, described for the first time in ornamental plants in Brazil, was determined by serological tests, RT-PCR and coat protein gene sequencing. In the maximum parsimony analysis of the nucleotide sequences, a single mostparsimonious 3 with 1,093 steps was found with high bootstrap values. The present paper discusses the proposal to divide the Tobamovirus genus in three subgroups, one of which involves all the species isolated from Solanaceae, with the exception of tobamo-imp and Odontoglossum ringspot virus. KEY WORDS: Maximum parsimony analysis, Tobamovirus subgroups, ornamental plant. INTRODUÇÃO A demanda de plantas ornamentais no Brasil tem aumentado, nos últimos anos, resultando em um comércio intenso e, dentre as espécies mais comercializadas, destacam-se Impatiens hawkeri e I. walleriana (Balsaminaceae). A ocorrência de diversos vírus já foi relatada nessas espécies, incluindo Impatiens necrotic spot virus (Law & Moyer, 1990), Tomato spotted wilt virus (De Ávila et al., 1992), Tobacco streak virus (Lockhart & Betzold, 1980), Tobacco ringspot virus (Lockhart & Pfleger, 1979), Helenium virus S (Koenig & Lesemann, 1983) e Cucumber mosaic virus (CMV) (Herold, 1964). No Brasil, partículas virais alongado-flexuosas (Sá & Mattos, 1990 ), CMV (Duarte et al., 1996) e um Potyvirus não identificado (Castro et al., 1992) foram relatados. O objetivo deste trabalho foi identificar e caracterizar um Tobamovirus isolado de I. hawkeri, previamente relatado (Rivas et al., 2000), bem como examinar as relações filogenéticas entre vírus do mesmo gênero. Universidade de São Paulo Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, São Paulo, SP, Brasil. Universidade de São Paulo, Museu de Zoologia, São Paulo, SP, Brasil. *Parcialmente financiado pela FAPESP. **Bolsistas do CNPq. 2 3 Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, suplemento 3, p.88-91, 2003 Tomato mosaic virus isolado de Impatiens hawkeri: análise filogenética molecular. MATERIAL E MÉTODOS Fonte do vírus O Tobamovirus isolado de I. hawkeri (tobamo-imp), apresentando mosaico e deformação foliar, foi mantido em Nicotiana tabacum "White Burley" e em preparação purificada a -20° C. Serologia Foi realizado ELISA-indireto com anti-soros contra os Tobamovirus: Tobacco mosaic virus (TMV-p) isolado de Petunia hybrida; Tomato mosaic virus, isolado de tomate (ToMV-br) e o homólogo (tobamo-imp). O índice de distância serológica (SDI) entre os tobamovírus foi determinado de acordo com Jaegle & Van Regenmortel (1985) utilizando-se uma concentração viral de 10 μg/mL e diluições dos anti-soro de 1/8 a 1/2097152. Transcriptase reversa - reação da polimerase em cadeia (RT-PCR) O RNA viral foi extraído a partir da preparação purificada do tobamo-imp (1 mg/mL) com TRIzol LS, de acordo com as instruções do fabricante. Foram utilizados 20 pmoles dos .primers. PS1 e PAS1 (Alexandre et al., 2000) e um outro "primer" anti-senso (PAS2) foi desenhado. Seqüenciamento Os produtos amplificados do tobamo-imp foram purificados utilizando-se o Kit de extração e seqüenciados, utilizando-se o ABI Prism Big Dye Terminator System e os primers PS1, PAS1 e PAS2. Análise das seqüências A seqüência de um fragmento de 480 pares de bases (pb) correspondendo ao gene completo da capa protéica (CP) do tobamo-imp foi submetida ao BLAST 2.0 (http://www.ncbi.nlm.nih.gov./ BLAST/) e alinhada com outras 17 espécies ou isolados de tobamovirus, utilizando-se o programa CLUSTAL X. Análise filogenética Seqüências de 18 espécies ou isolados de Tobamovirus, incluindo tobamo-imp, foram submetidas à análise filogenética. Foi realizada a análise de máxima parcimônia (MP) com busca heurística, empregando-se o programa PAUP v. 4.0b10 (Swofford, 2002). Os valores de "bootstrap" foram obtidos usando-se o método "branch-and-bound" (Thompson, 1987). Os índices de consistência (IC) e de retenção (IR) (Felsenstein, 1978) foram obtidos com o programa MacClade 3.03 (Maddison & Maddison, 1992). RESULTADOS E DISCUSSÃO O tobamo-imp foi serologicamente mais relacionado com o ToMV-br do que com o TMVp, com um valor de SDI de 0,64. Considerando-se que valores menores do que 1,0 indicam que se trata de um isolado do mesmo vírus (Hamilton et al., 1981), pode-se afirmar que o isolado de Impatiens é um ToMV. A RT-PCR foi realizada, inicialmente, utilizandose o par de "primers", PS1 e PAS1, descritos por Alexandre et al. (2000). Com o emprego desse par de "primers", amplificaram-se dois fragmentos, que diferiam um do outro por cerca de 50 pb. Assim, com o objetivo de amplificar apenas um fragmento, um novo “primer” anti-senso foi desenhado (PAS2: AACTTTATATTTCAGCACCTATGC), com base na seqüência de consenso de isolados do ToMV, incluindo a região 3 -UTR. Após análises de MP das seqüências de nucleotídeos, foi obtida uma única topologia de árvore mais parcimoniosa, com 1.093 passos. O IC foi 0,667 e o IR foi 0,807 e a topologia da árvore, não enraizada, está representada na Figura 1. Três clados principais foram visualizados, correspondentes aos três subgrupos de Tobamovirus previamente relatados (Lartey et al., 1996). Esses subgrupos foram propostos com base na localização dos genes, posição filogenética e família botânica das hospedeiras (Lartey et al., 1996; Aguillar et al., 1996). Com relação às hospedeiras, no subgrupo I estão, principalmente, as solanáceas; no subgrupo II, as cucurbitáceas e leguminosas e no subgrupo III, as crucíferas. Os valores de "bootstrap" encontrados para os ramos que separam os 3 subgrupos foram de 100%, permitindo sugerir que não houve viés homoplástico na topologia da árvore envolvendo os três subgrupos (Fig. 1). Embora os 3 subgrupos de tobamovírus apresentem sinapomorfia, propõe-se que, pelo menos em parte, a família da planta hospedeira pode ser considerada como uma autapomorfia exibida em cada subgrupo. O presente relato descreve a ocorrência de uma infecção por ToMV (subgrupo I) em uma espécie não solanácea, I. hawkeri (Balsaminaceae), sendo este o primeiro relato de ToMV em planta ornamental no Brasil. CONCLUSÃO Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.70, suplemento 3, p.88-89, 2003 89 90 L.M.L. Duarte et al. Fig. 1 - Árvore não enraizada das seqüências do gene da CP de espécies de Tobamovirus após análise da máxima parcimônia. Valores de “bootstrap” estão indicados próximos aos ramos. Círculos I, II e III representam os respectivos subgrupos. A ocorrência de ToMV em I. hawkeri permite sugerir que este vírus possa ter vindo de uma hospedeira solanácea para uma espécie de outra família, indicando um relaxamento das restrições biológicas envolvendo hospedeiras do subgrupo I. Esse “salto” de linhagens de vírus tem sido usado para explicar a evolução de tobamovírus do subgrupo III (Lartey et al., 1996). No presente caso, o “salto” é observado dentro do subgrupo I, o que é extremamente significativo para o manejo de plantas economicamente importantes, especialmente aquelas propagadas vegetativamente. Como o ToMV é um vírus bastante infectivo, medidas fitossanitárias rígidas devem ser tomadas para prevenir a dispersão desse vírus, pois, a incidência de infecção viral nas matrizes poderá reduzir, e até mesmo impedir, a produção com qualidade de espécies de Impatiens. Referências Bibliográficas Aguilar, I. Sánches, F.; Martin, A.M.; Martinez-Herrera, D.; Ponz, F. 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