33 Fenocópia: nem tudo é o que parece

Propaganda
Fenocópia: nem tudo é o que parece
RELATO DE CASO
Descritores
Neoplasias da mama
Gene BRCA1
Fenótipo
Keywords
Breast neoplasms
BRCA1 gene
Phenotype
Fenocopy: not everything is what seems to be
Antonio Abilio Santa Rosa1, Mariana Costa Abad2, José Cláudio Casali da Rocha3
RESUMO
O câncer de mama e de ovário são apresentações fenotípicas altamente prevalentes da síndrome
de câncer de mama e ovário hereditário (HBOC) associada com mutações germinativas nos
genes BRCA1, BRCA2, RAD51C, PALB2, entre outros. Fenocópia é o individuo cujo fenótipo,
originado por influências principalmente ambientais, é idêntico ao fenótipo produzido por um
determinado genótipo, de certo modo mimetizando um fenótipo produzido por um gene. Neste
artigo apresentamos um caso clínico de uma mulher com carcinoma ductal in situ (CDIS) após
ooforectomia bilateral redutora de risco, pertencente a uma família com HBOC e cujo teste
genético BRCA1 foi inconclusivo. Insistimos no rastreamento genético em outro membro da
família afetado. A investigação genética feita em sua sobrinha com câncer de ovário foi conclusiva,
com a identificação da mutação c.5083del19 no gene BRCA1. Concluímos que a mulher com
CDIS era de fato uma fenocópia, tendo desenvolvido um CDIS esporádico (não hereditário).
ABSTRACT
Breast and ovary cancers are highly prevalent phenotypes of the hereditary breast and ovary
cancer syndrome (HBOC) associated with germline mutations in one of the susceptible genes BRCA1,
BRCA2, RAD51C, PALB2, among others. A phenocopy is an individual whose phenotype, under a
particular environmental condition, is identical to the one of another individual whose phenotype
is determined by the genotype, someway mimicking the phenotype produced by a gene. In this
article we described a woman with breast ductal carcinoma in situ (DCIS) after profilactic bilateral
oophorectomy belonging to a family with HBOC whose genetic testing BRCA1 was inconclusive.
We insisted with the genetic screening of another affected family member. The genetic testing of her
nephew with ovary cancer was clarifying, with the identification of deleterious mutation c.5083del19
in the BRCA1 gene. We concluded that the woman with CDIS was in fact a phenocopy, and developed
a sporadic (not hereditary) CDIS.
Trabalho realizado na Clinica COI – Rio de Janeiro (RJ) e no CGEN – Centro de Genética – São Paulo (SP), Brasil.
1
Clínica COI e Hospital Federal de Bonsucesso – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
2
Clínica COI – Rio de Janeiro (RJ); Instituto Oncológico, Hospital Nove de Julho – Juiz de Fora (MG), Brasil.
3
Clínica COI – Rio de Janeiro (RJ); Centro de Genética (CGEN) – São Paulo (SP); Hospital Erasto Gaertner e Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC-PR) – Curitiba (PR), Brasil.
Endereço para correspondência: José Cláudio Casali Da Rocha – Rua Barata Ribeiro, 490, cj. 77 – CEP: 01308-000 – São Paulo (SP), Brasil –
E-mail: [email protected]
Conflito de interesse: nada a declarar.
Recebido em: 15/05/2012. Aceito em: 15/01/2013.
34
Rosa AAS, Abad MC, Rocha JCC
Introdução
O câncer de mama constitui-se na segunda neoplasia mais
frequente no mundo e a mais incidente em mulheres. Em 2008
representou 23% do total de casos de câncer, com aproximadamente 1,4 milhão de casos novos, sendo a quinta causa de
morte por câncer (458.000 óbitos). Na população feminina,
corresponde à causa mais frequente de morte por câncer1.
No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o
câncer de mama também é o mais incidente em mulheres de
todas as regiões, exceto na região Norte, onde o câncer do colo
do útero ocupa a primeira posição. Para o ano de 2012 foram
estimados 52.680 casos novos, que representam uma taxa de
incidência de 52 casos por 100.000 mulheres2. Tais taxas são
elevadas em nosso país em virtude de grande parte dos
casos ainda serem diagnosticados em estádios avançados.
Na população mundial, a sobrevida média após cinco anos é
de 61%3.
Por ser relativamente raro antes dos 35 anos, a partir daí
observa-se um crescimento progressivo em sua incidência
tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.
Como fatores que elevam significativamente o risco, podemos
citar obesidade, sedentarismo, menarca precoce, menopausa
tardia, história familiar de câncer e radioterapia torácica prévia.
Nesse aspecto, pacientes que sobrevivem a tumores malignos
na juventude e tratados com radioterapia na região torácica têm
o câncer de mama como o tumor secundário mais frequente4.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nas
décadas de 1960 e 1970 registrou-se um aumento de dez vezes nas taxas de incidência ajustadas por idade nos Registros
de Câncer de Base Populacional de diversos continentes.
Tal aumento de incidência também se observa ao longo do
tempo. Mesmo levando-se em consideração o grande impacto
representado pela adoção do rastreamento por mamografia5,
nos Estados Unidos o risco de 1:9 corresponde ao dobro do
que era na década de 1940 e vem aumentando paulatinamente.
Com relação ao câncer de ovário, ele representa 25% dos
cânceres genitais em mulheres, sendo sua mortalidade bastante
elevada. Pouco frequente, o câncer de ovário é o tumor ginecológico mais difícil de ser diagnosticado e o de menor chance
de cura, uma vez que cerca de 3/4 dos cânceres desse órgão
apresentam-se em estágio avançado no momento do diagnóstico. A herança genética é o principal fator de risco, na
maioria das vezes com histórias associadas a câncer de mama.
A exemplo do que ocorre no câncer de mama, a história familiar
é o fator de risco isolado mais importante. Cerca de 10% dos
casos apresentam componente genético ou familiar, e 90% são
esporádicos, isto é, sem fator de risco conhecido. História prévia
de câncer de mama, útero ou colorretal e nuliparidade também
aumentam o risco. Alguns estudos sugerem que a ingestão
do hormônio estrogênio (sem progesterona) por dez anos ou
Rev Bras Mastologia. 2012;22(1):33-38
mais pode aumentar a chance de a mulher vir a ter este tipo
de câncer6.
O câncer de mama identificado em estágios iniciais apresenta
prognóstico mais favorável e elevado percentual de cura, justificando um rastreamento populacional, já que, em países que
implantaram programas efetivos de rastreamento, a mortalidade
por câncer de mama vem diminuindo — entendendo-se por
rastreamento a aplicação de teste ou exame numa população
assintomática, aparentemente saudável, com o objetivo de
identificar lesões sugestivas de câncer e encaminhar as mulheres
com resultados alterados para investigação e tratamento.
Nesse sentido, existem mulheres que apresentam risco
elevado de vir a desenvolver câncer de mama. Elas estão representadas na Tabela 1. Para esse grupo, a rotina de investigação
inicia-se aos 35 anos com exame clínico e mamografia anual8.
No entanto, tais medidas de rastreamento ainda são
bastante gerais e de modo algum abrangem a singularidade de
famílias específicas, identificadas como sendo de risco elevado
de câncer de mama e ovário. Já está bem estabelecido que uma
história familiar positiva é o fator de risco mais importante
para o desenvolvimento de ambos os tumores, mais do que
quaisquer outros fatores de ordem hormonal, dietética ou
reprodutiva7. Essas mulheres necessitam de acompanhamento
clínico individualizado e de uma abordagem diagnóstica diferenciada, incluindo o aconselhamento genético realizado por
profissional especializado.
A definição clássica de Kessler10 para o aconselhamento genético ainda é válida. Trata-se de um processo de comunicação que
lida com problemas associados à ocorrência de uma condição
genética em uma família10. Baseia-se na utilização voluntária
dos serviços e na ação não diretiva e não coercitiva, de modo a
capacitar o paciente a uma tomada de decisão informada, tendo
assegurados sua privacidade e confidencialidade.
No câncer de mama, apesar de fatores ambientais e culturais
serem responsáveis por certa proporção dos casos na mesma
família, a maior parte deles se deve à presença de genes
capazes de levar ao surgimento de câncer. Tais genes de baixa
penetrância levam a agregações familiares de casos, estimados
em 5% dos cânceres de mama e 10% dos cânceres de ovário11.
Sendo assim, dois genes de suscetibilidade hereditária a câncer
de mama e ovário foram identificados e clonados a partir de
estudos de ligação: o BRCA112 e o BRCA213. Estes genes foram,
a partir de então, implicados em maior ou menor proporção, na
gênese de uma série de tumores. Suas mutações conferem alto
risco para câncer de mama (85% em mulheres e 10% em homens),
câncer de mama contralateral (50% em mulheres), câncer de
ovário/tubário/peritoneal primário (40% em BRCA1 e 15% em
BRCA2), câncer colorretal (6% em BRCA1), câncer de pâncreas (2% em BRCA2), câncer de próstata (8% dos homens) e
melanoma (<10% em BRCA2)14.
A síndrome de câncer de mama e ovário hereditário ou
HBOC (hereditary breast and ovarian cancer), na sigla em inglês,
Fenocópia: nem tudo é o que parece
é tida como a principal causa de câncer de mama e ovário hereditários. Tipicamente, essas famílias apresentam vários casos de
câncer, com diagnóstico em idade jovem e tumores múltiplos11.
A HBOC segue um padrão de herança autossômico dominante,
sendo os homens portadores das mutações em BRCA1 e/ou
BRCA2 capazes de transmitir a mutação, apesar de serem menos
afetados pela doença15. Pacientes com história familiar sugestiva, a
partir dos dados do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), merecem uma abordagem diferenciada e personalizada,
a qual deve incluir a testagem genética de tais genes.
Diversos testes genéticos para confirmação molecular das
síndromes de câncer hereditário foram desenvolvidos nos últimos 20 anos e muitos deles estão disponíveis comercialmente.
Os testes genéticos baseados no DNA utilizam principalmente
a técnica de sequenciamento das regiões codificadoras (éxons)
e regiões de emenda (sítios de splicing) do gene e as técnicas de
MLPA (multiplex ligation-dependent probe amplification), FISH
(fluorescent in situ hybridization) e Southern-blot. Dessas, as
mais utilizadas são o sequenciamento gênico e o MLPA.
A primeira detecta inserções e deleções de pequeno tamanho,
além de mutações pontuais, ou seja, troca de nucleotídeos. Se
essa substituição modifica o aminoácido na proteína final, ela
tem o potencial de alterar a conformação da proteína dependendo da região da molécula onde a troca se dá (mutação de
sentido trocado, ou missense). E caso ela crie um códon de parada,
ela interrompe prematuramente a síntese da proteína (mutação
sem sentido ou nonsense). Já o MLPA é capaz de identificar
inserções ou deleções de grande tamanho (ou In/Dels), frequentemente envolvendo éxons inteiros, as quais não são detectadas
pelo sequenciamento convencional. Ambas as técnicas, por
detectarem alterações diferentes, são frequentemente usadas
em associação. Contudo, é importante ressaltar que a solicitação de tais exames passa necessariamente pelo processo de
aconselhamento genético, em virtude da complexidade da investigação e da interpretação dos resultados obtidos pelas duas
técnicas, o que normalmente não faz parte da experiência de
mastologistas, oncologistas clínicos, cirurgiões oncológicos
ou ginecologistas.
O aconselhamento genético oncológico visa à avaliação dos
riscos, prevenção e diagnóstico precoce de neoplasias. Em uma
primeira parte da consulta, passa necessariamente pela elaboração de um heredograma, o qual traduz de modo gráfico o
padrão de distribuição de casos dentro da família. Baseia-se em
uma história familiar detalhada com anotação da etnia familiar,
dos tipos de tumor (benigno ou maligno), bem como da
localização destes, e idades dos indivíduos ao diagnóstico
e no momento da consulta (ou ao óbito, se for o caso). Tais
informações devem ser acompanhadas de documentação adequada, seja ela composta de atestados de óbito, relatos cirúrgicos
ou resultados de análise histopatológica. Diante desses dados,
são feitas as correlações com os critérios clínicos de suspeita de
HBOC e indicados/realizados os testes genéticos necessários.
A solicitação de quaisquer testes genéticos se faz em
consulta(s) de aconselhamento genético pré-teste, nas quais a
natureza da testagem genética é explicada à paciente de modo
a fazê-la compreender a investigação que se inicia. De igual
modo, a entrega dos resultados aos pacientes só se faz em
consulta de aconselhamento pós-teste, em que são explicados
os possíveis resultados e as implicações destes para seu tratamento e seguimento. De maneira a exemplificar a importância
da abordagem aqui proposta, apresentamos uma família com
casos de câncer de mama e ovário, em que o diagnóstico
de síndrome HBOC pôde ser aventado com bases clínicas,
sendo vários de seus membros avaliados e submetidos a
aconselhamento genético.
Relato de caso
Paciente de 67 anos, sexo feminino (indivíduo III-5 ao heredograma e indicado por uma seta), procurou aconselhamento
oncogenético em virtude de história familiar extensa de câncer, constituída por 5 parentes com câncer de ovário antes dos
50 anos (III-6, III-8, III-9, IV-5 e IV-6), incluindo sobrinhas
gêmeas monozigóticas de 37 anos, além de câncer de mama e
próstata. Sua história familiar é complementada pela informação de que ela, sua irmã (III-4) e outras duas sobrinhas (IV-3 e
IV-4) já haviam se submetido a salpingo-ooforectomia bilateral profilática. A hipótese diagnóstica principal foi a síndrome
HBOC (Figura 1).
Na consulta seguinte, a paciente retornou para avaliação
e aconselhamento genético pré-teste. Trouxe consigo o laudo
histopatológico de seu tumor de mama, mostrando carcinoma ductal in situ (CDIS) de baixo grau e grau intermediário, com necrose central e predomínio do padrão cribiforme.
1
2
3
4
I
1
II
1
III
IV
V
2
3
2
3
4
*
63
5
4
1
67
2
7
#
49
*
3
2
3
9
4
*
#
4
10
8
66
47
49
1
8
7
6
5
*
72
6
9
42
5
43
6
# 37
5
CA suspeito
CA esôfago
CA próstata
CA mama
CA ovário
A seta indica o probando (caso índice); os números romanos indicam as
gerações e os arábicos os indivíduos na ordem de nascimento; as idades atuais
dos pacientes estão indicadas inferiormente aos símbolos que os representam;
#indica teste genético realizado; *indica salpingo-ooforectomia profilática.
Figura 1. Heredograma do caso apresentado
Rev Bras Mastologia. 2012;22(1):33-38
35
36
Rosa AAS, Abad MC, Rocha JCC
Imunohistoquímica: c-erbB2 negativo, RP e RE positivos.
Índice de Van Nuys: 1 (tamanho da lesão) + 2 (margem) + 2
(grau histológico) = 5.
A família apresentava excelente percepção de risco,
mostrando-se bastante centrada e esclarecida, com expectativas positivas quanto ao resultado da investigação genética.
Foram solicitados sequenciamento e MLPA dos genes
BRCA1 e BRCA2 para a paciente (III-5). O sequenciamento do
gene BRCA1 mostrou a mutação c.1067A>G (Q356R); o sequenciamento do gene BRCA2 mostrou a presença da mutação
c.4035T>C (V1269V), e o MLPA dos genes BRCA1 e BRCA2
foram negativos para In/Dels. A consulta ao banco de dados
do Breast Information Core (BIC)16 revelou que as mutações
BRCA1 Q356R e BRCA2 c.4035T>C eram, respectivamente,
uma mutação de significado clínico incerto e uma mutação
sem significado clínico.
A partir desse resultado questionamos as seguintes possibilidades: (1) a mutação BRCA1 Q356R seria a mutação
patogênica familiar e, nesse caso, deveria estar presente em
outros membros afetados?; (2) a mutação BRCA1 Q356R não
seria a mutação patogênica familiar e, portanto, estaria ausente
nos indivíduos sem o fenótipo neoplásico?
Para avaliar as hipóteses acima, solicitamos que os testes
fossem repetidos em outro familiar com o fenótipo HBOC e,
nesse sentido, a sobrinha (IV-5) com diagnóstico de câncer de
ovário concordou com a investigação molecular de seu material genético. Ela residia noutro município e, por estar, naquele
momento, em tratamento para o câncer de ovário, não pôde
comparecer em consulta inicialmente, tendo sido avaliada e
submetida a aconselhamento pré-teste em ocasião posterior.
Em seu material, foram encontradas seis mutações em
BRCA1, c.5083del19, c.2430T>C (L771L), c.2731C>T (P871L),
c.3232A>G (E1038G), c.3667A>G (K1183R) e c.4427T>C
(S1436S), todas em heterozigose; e no BRCA2, foram achadas quatro mutações em heterozigose, c.5972T>C (M1915T), c.1114C>A
(H372N), c.3624A>G (K1132K) e c.7242A>G (S2414S), sendo a
mutação M1915T descrita no BIC como tendo relevância clínica
indeterminada. A mutação BRCA1 c.5083del19 tem 46 descrições
no BIC e é considerada patogênica, uma vez que a deleção de 19
nucleotídeos da sequência de DNA resulta na alteração da fase de
leitura (mutação do tipo frameshift), levando à introdução de um
códon de parada prematuro na proteína BRCA1 na posição 1670.
Os resultados estão resumidos na Tabela 1.
Tais resultados foram apresentados e discutidos com
os familiares no aconselhamento pós-teste. Foi oferecida
a possibilidade de a investigação prosseguir em outros
familiares que manifestassem interesse em ser avaliados.
Desse modo, outra de suas sobrinhas (IV-4) decidiu ser
investigada, tendo sido testada apenas para a presença da
mutação patogênica BRCA c.5083del19 cujo resultado foi
negativo para a mutação familiar.
Discussão
Estamos diante de uma família acometida por neoplasias em diversos órgãos, mas principalmente por câncer de mama e ovário,
em que o diagnóstico da síndrome HBOC foi postulado em bases
clínicas, mediante uma anamnese bem dirigida, e confirmado por
análise molecular dos genes envolvidos, identificando, dentre várias mutações de significado incerto, uma sabidamente deletéria,
constituindo-se assim na mutação familiar constitutiva.
A mutação genética constitutiva (ou germinativa) é responsável pela segregação dos casos de câncer e é sempre a mesma considerando-se uma mesma família. Por isso, é importante iniciar a
investigação genética da mutação (genótipo) com um indivíduo
da família portador de câncer (fenótipo), e só depois investigar
outros familiares de risco. No caso apresentado, após a definição
da síndrome HBOC e durante o processo de aconselhamento
genético, foi proposta a investigação a partir da probanda afetada com CDIS, sendo a abordagem de uma paciente com CDIS e
não com carcinoma invasivo respaldada pela recente diretriz do
NCCN para HBOC, versão 1.201117 (Quadro 1).
No entanto, o resultado apresentado pela probanda, mutação
BRCA1 Q356R, era de relevância clinica indeterminada, e
a pesquisa em outro familiar afetado foi esclarecedora com a
identificação da mutação BRCA1 c.5083del19, sabidamente
patogênica, e ausência da mutação Q356R detectada na tia.
A partir da identificação dessa mutação sabidamente patogênica na
paciente com câncer de ovário, pudemos afirmar que ela seria
a mutação familiar causadora dos casos de câncer hereditários
nessa família. Dessa forma, podemos concluir que a probanda,
por não apresentar a mutação patogênica familiar detectada na
sobrinha com câncer de ovário, representa uma “fenocópia”.
Fenocópias podem ser definidas como os indivíduos que,
embora apresentem o fenótipo em estudo, não possuem o
Tabela 1. Resultados dos exames das pacientes III-5 e IV-5
Indivíduo
III-5
IV-5
67 anos
37 anos
CDIS de baixo grau e grau intermediário de mama
Adenocarcinoma seroso e papilífero de ovário
BRCA1
Q356R – significado clínico incerto
6 mutações – 5083del19 com relevância clínica
BRCA2
c.4035T>C – sem relevância clínica
4 mutações – M1915T significado clínico incerto
Idade ao Diagnóstico
Histopatológico
CDIS: carcinoma ductal in situ
Rev Bras Mastologia. 2012;22(1):33-38
Fenocópia: nem tudo é o que parece
genótipo, ou seja, representam casos esporádicos eventuais
inseridos em famílias com casos hereditários. A paciente III-5
constitui-se, assim, em um caso bastante representativo de tal
fenômeno. Apesar de ter tido câncer de mama CDIS e pertencer
a uma família HBOC, não compartilha a mutação familiar
c.5083del19, tratando-se de um caso de CDIS esporádico inserido
em uma família com tumores hereditários.
As fenocópias são há longo tempo reconhecidas em
Genética por interferirem na interpretação de heredogramas
em estudos de ligação, funcionando como variáveis de confundimento. Elas podem mimetizar sintomas que se assemelham a
distúrbios mendelianos ou imitar padrões de herança ao ocorrerem em alguns indivíduos ligados por laços de parentesco
consanguíneo18. Os geneticistas, ao analisarem a distribuição de
indivíduos acometidos dentro de uma mesma família, devem
estar familiarizados com a possibilidade de alguns dos casos
identificados tratarem-se, de fato, de fenocópias, orientando
o prosseguimento da investigação genética em outro familiar
com o fenótipo em estudo.
O Teste Preditivo é o teste oferecido aos familiares
para definir se um indivíduo é ou não portador de mutação
e só deve ser feito após a identificação da mutação familiar.
O rastreamento da mutação germinativa em familiares assintomáticos é importante para identificar aqueles indivíduos com
alto risco de desenvolvimento de câncer, direcionando procedimentos preventivos e de detecção precoce, otimizando o custo
e a eficiência destas medidas. A identificação de indivíduos de
risco portadores assintomáticos também fornece informações
importantes para o planejamento familiar. No caso em questão,
foi a investigação da sobrinha (IV-5) com câncer de ovário o
fato que levou à descoberta da mutação familiar, a qual, a partir
daí, deverá ser especificamente procurada em outros parentes
que se dispuserem a ser investigados no futuro, como foi o
caso de IV-4.
Desse modo a ANS caminha na direção do progresso da
Medicina, na mesma medida em que novas técnicas e metodologias de análise diagnóstica vêm sendo descritas e utilizadas na
abordagem de doenças específicas, mesmo que a incorporação das
novas tecnologias não se dê no mesmo compasso. Cabe aos profissionais de saúde envolvidos na abordagem de tais condições a tarefa
de estarem atualizados com as ferramentas diagnósticas à disposição, no sentido de propiciar o cuidado mais adequado, não apenas
aos pacientes acometidos, mas também a seus familiares. Assim, a
síndrome HBOC pode se constituir em um importante exemplo
da aplicação de tais tecnologias na prática médica rotineira, uma
vez que câncer de mama faz parte do dia a dia da Mastologia.
Conclusão
Introduzimos neste artigo o conceito em genética de “fenocópia”
aplicado a um caso clínico de câncer de mama. Considerando
o câncer de mama como doença de alta prevalência na população feminina, a frequência de fenocópias pode ser facilmente
subestimada, levando a investigações genéticas desnecessárias,
além de erros diagnósticos. Os mastologistas responsáveis pelo
cuidado de pacientes com câncer de mama hereditário só terão
a se beneficiar, caso tenham à sua disposição a possibilidade de
Quadro 1. Diretriz NCCN versão 1.2011 com os critérios para testagem BRCA1 e BRCA2 na síndrome de câncer de mama e ovário hereditário
Indivíduo membro de família com mutação deletéria BRCA1/BRCA2 identificada
História pessoal de câncer de mamaa + um dos seguintes:
Idade ao diagnóstico ≤45 anos
Idade ao diagnóstico ≤50 anos com um parente próximob com câncer de mama ≤50 anos e/ou um parente próximo com câncer
epitelial de ovário em qualquer idade
Dois cânceres primários de mama quando o primeiro acontece ≤50 anos
Idade ao diagnóstico ≤60 anos se triplo negativo
Idade ao diagnóstico ≤50 anos se história familiar limitada
Diagnóstico em qualquer idade se ≥2 parentes próximos com câncer de mama e/ou epitelial de ovário em qualquer idade
Diagnóstico em qualquer idade se ≥2 parentes próximos com câncer de pâncreas em qualquer idade
Parente próximo do sexo masculino com câncer de mama
Para indivíduos com etnia associada a alto risco (ex.: judeus Asquenaze), não há necessidade de história familiar adicional
História pessoal de câncer epitelial de ovário
História pessoal de câncer de mama masculino
História pessoal de câncer de pâncreas em qualquer idade com ≥2 parentes próximos com câncer de mama e/ou ovário e/ou pâncreas
em qualquer idade
História familiar exclusiva, se:
Parentes de primeiro ou segundo grau apresentam os critérios acima
Parente de terceiro grau com câncer de mama e/ou ovário com ≥2 parentes próximos com câncer de mama (ao menos um com
menos de 50 anos) e/ou câncer de ovário
a
câncer de mama invasivo ou carcinoma ductal in situ; bparentes de primeiro, segundo e terceiro graus
Rev Bras Mastologia. 2012;22(1):33-38
37
38
Rosa AAS, Abad MC, Rocha JCC
realização de testes moleculares e o apoio de geneticistas clínicos
para a identificação de pacientes portadores de mutações nos
genes de predisposição ao câncer e na distinção entre casos
hereditários e fenocópias, como a paciente aqui apresentada.
Fenocópias representam a certeza de que na Genética, bem
como em toda a Medicina, nem tudo é o que parece, e é preciso
estar atendo para perceber as diferenças.
Referências
1. WHO, World Health Organization. International Agency for
Research on Cancer. Globocan; 2008.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle
do Câncer de Mama (INCA, 2010), Divisão de Apoio à Rede de
Atenção Oncológica. [cited 2010 Apr 30]. Available from: http://
www.inca.gov.br/wps/wcm/connect/acoes_programas/site/home/
nobrasil/programa_controle_cancer_mama/conceito_magnitude
3. Brasil. Ministério da Saúde. Tipos de Cancer. (INCA, 2012). [cited
2012 Dec 1st]. Available from: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/
connect/tiposdecancer/site/home/mam
4. Demoor-Goldschmidt C, Supiot S, Mahé MA. [Breast cancer after
radiotherapy: Risk factors and suggestion for breast delineation
as an organ at risk in the prepuberal girl]. Cancer Radiother.
2012;16(2):140-51. [article in French].
5. Marshall E. Search for a Killer: focus shifts from fat to hormones.
Science 1993;259:618-21.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Tipos de Cancer: ovario (INCA, 2012).
[cited 2012 Dec 1st]. Available from: http://www.inca.gov.br/wps/wcm/
connect/tiposdecancer/site/home/ovario/prevencao
Rev Bras Mastologia. 2012;22(1):33-38
7. WHO. World Health Organization. International Agency for
Research on Cancer. World Cancer Report 2008. Lyon: 2008.
8. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Controle do Câncer de
Mama: Documento do Consenso. Rio de Janeiro: 2004.
9. Eeles RA, Easton DF, Ponder BAJ, Eng C (eds). Genetic
predisposition to cancer. 2nd Ed. London: Arnold; 2004.
10. Kessler S. Genetic counseling: psychological dimensions. New York:
Academic Press; 1979.
11. Hoskins KF, Stopfer JE, Calzone KA, Merajver SD, Rebbeck
TR, Garber JE, et al. Assessment and counseling for women with
a family history of breast cancer – A guide for clinicians. JAMA
1995;273(7):577-85.
12. Hall JM, Lee MK, Newman B, Morrow JE, Anderson LA,
Huey B et al. Linkage of early onset familial breast cancer to
chromosome 17q21. Science. 1990;250(4988):1684-9.
13. Wooster R, Neuhausen SL, Mangion J, Quirk Y, Ford D, Collins
N, et al. Localization of a breast cancer susceptibility gene, BRCA2,
to chromosome 13q12-13. Science. 1994;265(5181):2088-90.
14. Robson M, Offit K. Clinical practice. Management of inherited
predisposition to breast cancer. N Engl J Med. 2007;357(2):154-62.
15. Strømsvik N, Råheim M, Oyen N, Gjengedal E. Men in the
women’s world of hereditary breast and ovarian cancer – a systematic
review. Fam Cancer. 2009;8(3):221-9. Epub 2009 Jan 23.
16. Breast Cancer Information Core. An Open Access On-Line Breast
Cancer Mutation Data Base. [cited 2013 Feb 19]. Available from:
http://research.nhgri.nih.gov/projects/bic/index.shtml
17. National Comprehensive Cancer Network. [cited 2013 Jan 31]. Available
from: http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/f_guidelines.asp
18. Lewis R. Genética humana: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2004. 453 p.
Download