BIOLOGIA REPRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO

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BIOLOGIA REPRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO E
LARVAL DO CARDINAL TETRA, Paracheirodon axelrodi SCHULTZ, 1956
(CHARACIFORMES: CHARACIDAE), EM LABORATÓRIO
Hélio Daniel Beltrão dos ANJOS 1, 3 e Chris Rocha dos ANJOS 2
RESUMO
Paracheirodon axelrodi, ou cardinal tetra, é um peixe ornamental cuja ocorrência natural está restrita
à Bacia dos Rios Negro e Orinoco. É encontrado principalmente em igarapés de água preta e ácida
com baixa velocidade de fluxo, e sua biologia reprodutiva é ainda pouco estudada. Neste trabalho
são apresentados dados relativos a reprodução e desenvolvimento embrionário e larval em
laboratório. A manipulação do nível da água (chuva artificial), pH e condutividade elétrica
favoreceram a desova de Paracheirodon axelrodi. A espécie possui desova parcelada e os ovos são
adesivos. Análises de oito fêmeas de cardinal tetra revelam fecundidade de 154 a 562 ovócitos,
positivamente relacionada com o tamanho do peixe. O desenvolvimento dos ovócitos é do tipo
sincrônico em mais de dois grupos, isto é, inúmeros ovócitos em diferentes fases de
desenvolvimento são liberados em grupos. À temperatura média de 26,0 ± 1,0 o C , o
desenvolvimento do ovo apresentou diferenciação embrionária rápida e período larval longo.
As larvas eclodiram, aproximadamente, 19 a 20 horas após a fertilização, com 2,9 ± 0,2 mm de
comprimento total e corpo não pigmentado. No 5o dia de vida, as larvas apresentavam, em
média, 4,1 ± 0,2 mm de comprimento total e nadadeiras em desenvolvimento. No 12o dia de vida
foram observados os primeiros pigmentos vermelhos na base da nadadeira anal, e uma faixa
azul metálica lentamente formando-se e expandindo-se até a base da nadadeira adiposa. No 22o
dia de vida, todas as nadadeiras estavam formadas, e os juvenis se assemelhavam aos adultos,
com média de 11,0 ± 1,0 mm de comprimento total.
Palavras-chave: peixe ornamental; cardinal tetra; Paracheirodon axelrodi; reprodução; embriologia;
cativeiro
REPRODUCTIVE BIOLOGY AND EMBRYONIC AND LARVAL
DEVELOPMENT OF THE “CARDINAL TETRA”, Paracheirodon axelrodi
SCHULTZ, 1956 (CHARACIFORMES: CHARACIDAE), IN LABORATORY
ABSTRACT
Paracheirodon axelrodi, or “cardinal tetra”, is an important ornamental fish, whose natural occurrence
is restricted to the Basin of Negro and Orinoco Rivers. It is found mainly in acid and slow flowing
water streams, and its reproductive biology is still poorly known. In this work it is presented
information on reproduction and embryonic and larval development in laboratory. The
manipulation of the water level (artificial rain), pH and electric conductivity propitiated the
spawning of Paracheirodon axelrodi. The specie possesses parceled spawning and the eggs are
adhesive. Analyses of eight females revealed fecundity values ranging from 154 to 562 oocytes,
Artigo Científico: Recebido em 06/12/2005 - Aprovado em 27/06/2006
1
Engenheiro de Pesca e aluno de Pós-graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior – INPA
Laboratório de Ecologia de Peixes INPA/Max Planck
2
Engenheira de Pesca e aluna de Pós-graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior – INPA
Laboratório de Investigação Pesqueira, DEPESCA/UFAM
3
Endereço/Address: Rua 27, no 18, São José 2, Manaus, Amazonas - CEP: 69086-280
e-mail: [email protected]
B. Inst. Pesca, São Paulo, 32(2): 151-160, 2006
152
ANJOS e ANJOS
that were positively related to fish size. The development of the oocytes is of the synchronous
type in more than two groups, that is, numberless oocytes in different development phases are
liberated in batches. At an average temperature of 26.0 ± 1.0 oC, the development of the egg is
characterized by a fast embryonic differentiation and a long larval period. The larvae emerged
19-20 hours after fertilization with an average total length of 2.9 ± 0.2 mm and the body was
unpigmented. On the fifth day of life, the larvae displayed an average total length of 4.1 ± 0.2 mm
and the fins were in development. On the 12th day of life, the first red pigments were observed
at the base of the anal fin, and the metallic blue stripe began a slow expansion process to the base
of the adipose fin. On the 22nd day of life, all fins were formed, and the young presented an
average total length of 11.0 ± 1.0 mm and was very similar to the adult.
Key words: ornamental fish; “cardinal tetra”; Paracheirodon axelrodi; spawning; embryology;
breeding; captivity
INTRODUÇÃO
No Brasil, pesquisas relacionadas à biologia
reprodutiva e ao desenvolvimento embrionário e
larval de peixes em cativeiro têm sido baseadas principalmente em espécies comerciais, como Rhamdia
hilarii (GODINHO et al., 1978), Pseudoplatystoma
coruscans (CARDOSO et al., 1995), Brycon insignis
(ANDRADE-TALMELLI et al., 2001), Brycon cephalus
(ROMAGOSA et al., 2001) e Pimelodus maculatus (LUZ
et al., 2001). Segundo REYNALTE-TATAJE et al.
(2001), o conhecimento da embriogênese de uma
espécie é de grande importância, pois constitui
ferramenta útil na localização de áreas de desova e
no estudo do crescimento da espécie em ambiente
natural. Com relação ao grande número de espécies
de peixes ornamentais nativas da Amazônia, muito
pouco se conhece acerca de seus estádios embrionários e potencial reprodutivo.
O cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi, é um
diminuto peixe ornamental, endêmico das Bacias dos
Rios Negro e Orinoco, onde é encontrado em igarapés
de florestas inundáveis, em áreas rasas, sombreadas
e com pouca correnteza (GEISLER e ANNIBAL, 1986).
Esta espécie tem grande importância econômica para
o Estado do Amazonas, sendo responsável por mais
de 80% dos 30-40 milhões de peixes ornamentais
vivos exportados anualmente da região do Rio Negro
(CHAO et al., 2001). Esse comércio de peixes ornamentais gera uma renda anual de 3 milhões de dólares
para o Estado do Amazonas, contribuindo com mais
de dez mil empregos diretos e indiretos (PRANG,
1996). Apesar da importância e popularidade do
cardinal tetra, trabalhos enfocando sua biologia são
escassos, e pouco se sabe sobre seu comportamento.
A estratégia alimentar do cardinal tetra em seu
ambiente natural foi estudada por WALKER (2004).
GEISLER e ANNIBAL (1986) avaliaram fatores limnológicos relacionados com a reprodução em ambiente
B. Inst. Pesca, São Paulo, 32(2): 151-160, 2006
natural, e PRADA-PEDREROS (1992) estudou a
abundância e distribuição do cardinal tetra no médio
Rio Negro.
Em virtude da grande importância do cardinal
tetra para as comunidades ribeirinhas do médio Rio
Negro e para o Estado do Amazonas, é necessário o
desenvolvimento de técnicas de reprodução para a
criação dessa espécie em cativeiro, com vista à
manutenção e conservação dos estoques naturais,
aliviando, assim, a pressão do extrativismo.
Ao longo dos anos, o cardinal tetra vem sofrendo
alta taxa de exploração (CHAO et al., 2001), fato que
gera uma dependência perigosa, levando à sobrepesca
e ameaçando a manutenção dos estoques da espécie.
Paralelamente, durante as últimas duas décadas
(1985 a 2005), os países importadores, principalmente os asiáticos, desenvolveram técnicas de reprodução de várias espécies de peixes ornamentais amazônicos, dentre eles, o acará-disco (Synphysondon
spp.), o acará-bandeira (Pterophyllum spp.), o neon
tetra (Paracheirodon innesi) e vários tipos de bodós
(Loricariidae) (CHAPMAN et al., 1997; CHAPMAN
et al., 1998; CHAPMAN , 2000; OLIVER , 2001).
Recentemente, em alguns países, o cardinal tetra
(Paracheirodon axelrodi) está sendo criado em quantidades comerciais (CHAPMAN et al., 1997), porém
os custos ainda são mais elevados que aqueles de
exemplares capturados no Rio Negro. O perigo
iminente de perda dessa indústria extrativista na
Bacia do Rio Negro e os prejuízos que a estrutura
socioeconômica da região poderá sofrer não podem
ser desconsiderados.
O desenvolvimento de técnicas de criação que
permitam reproduzir o cardinal tetra (Paracheirodon
axelrodi) e outras espécies de peixes ornamentais
nativos da Amazônia pode gerar conhecimentos para
o uso racional e defesa dos estoques nativos, incentivando as comunidades ribeirinhas a ter uma nova
Biologia reprodutiva e desenvolvimento embrionário e larval ...
alternativa de auto-sustentação familiar e, assim,
contribuindo para a melhoria e consolidação de uma
socioeconomia regional baseada na sustentabilidade.
Para aumentar os conhecimentos sobre os peixes
ornamentais da Amazônia foi realizado este estudo,
visando apresentar informações preliminares sobre
a reprodução e o desenvolvimento embrionário e
larval do cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi, em
condições laboratoriais.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre janeiro e setembro de 2004, experimentos
foram conduzidos utilizando-se juvenis de cardinal
tetra (Paracheirodon axelrodi) coletados em tributários
do médio Rio Negro, próximo à cidade de Barcelos,
Estado do Amazonas. Os peixes foram mantidos em
tanques de 1.000 litros, e após um período de aclimatação de seis meses constituíram-se grupos
compostos por uma fêmea e dois machos sexualmente maduros. Durante os experimentos, os peixes
maduros foram selecionados pelo formato do corpo os machos são mais esguios que as fêmeas - e pelo
aspecto dos ovários, que podiam ser vistos através
da parede transparente da cavidade celomática. No
caso dos machos, os testículos desenvolvidos apresentavam formato semelhante a filetes esbranquiçados, estando localizados na parte posterior da
cavidade celomática. Para verificar as diferenças de
tamanho entre machos e fêmeas do cardinal tetra, foi
aplicado o teste “t” de Student. Vinte grupos de reprodutores selecionados foram transferidos para aquários com capacidade de 27 litros, os quais foram mantidos em recinto coberto e com iluminação natural
difusa (aproximadamente 12 h de luz e 12 h de
escuro). Em cada aquário de reprodução foram colocadas duas espécies de plantas aquáticas: musgo de
java (Vesicularia dubyana) e salvínia (Salvinia
auriculata), além de folhas de açaí (Euterpe oleracea),
que serviam como substrato para a desova.
Os reprodutores foram alimentados duas vezes
ao dia com ração formulada à base de camarão e, freqüentemente, com larvas de mosquito como alimento
alternativo. As larvas de cardinal, logo após a transição de nutrientes endógenos para exógenos, foram
alimentadas cinco vezes ao dia com rotíferos e
náuplios de artêmia. Na fase de juvenil foram alimentados, durante 60 dias e três vezes ao dia, somente
com náuplios de artêmia. Após esse período iniciouse a passagem do alimento vivo para ração comercial
desidratada com 47,5% de PB.
153
Para determinar as melhores condições de
qualidade da água para a reprodução em cativeiro,
ensaios foram realizados manipulando-se nível da
água, condutividade elétrica e pH. Os experimentos
foram feitos em ciclos de 22 dias. No início de cada
ciclo, todos os aquários continham água até a altura
de 10 cm, que foi gradativamente elevada com adição
de água de chuva (armazenada em reservatório). O
nível da água foi aumentado em 1 cm/dia, de forma
que, após 15 dias, os aquários estavam cheios. Assim,
ao ser atingido o nível máximo de 25 cm, a adição de
água foi suspensa e os aquários foram deixados sem
perturbação por sete dias. Após esse período, tendo
havido ou não desova, a água dos aquários foi reduzida até o limite inicial (10 cm de altura da coluna
d´água), e todo o processo, novamente realizado.
Chuvas artificiais foram simuladas utilizando-se
bomba d´água (modelo EHEIM 2213) que impulsionava água de chuva para os aquários durante 10
minutos aproximadamente, uma vez ao dia e sempre
no período da manhã. A adição de água de chuva,
que apresenta baixa concentração iônica, também
permitiu a diminuição da condutividade elétrica. O
valor do pH foi manipulado de forma a se manter
moderadamente ácido, utilizando-se soluções comerciais à base de ácido fosfórico. Durante todo o
tratamento, o oxigênio dissolvido na água foi suprido
com o auxílio de aeradores. Os valores dos parâmetros limnológicos da água dos aquários de reprodução foram determinados diariamente, com o uso
de medidores eletrônicos.
Para determinar o tipo de desova e estimar a
fecundidade, foram medidos e contados todos os
ovócitos com diâmetro superior 0,06 mm, presentes
nos ovários de oito fêmeas na fase Madura, retirados
através de incisão longitudinal na parede da cavidade celomática. A medição do diâmetro dos ovócitos
foi realizada em microscópio estereoscópico, com
auxílio de ocular micrométrica. O tipo de desova foi
determinado pela análise da freqüência relativa das
classes de diâmetro dos ovócitos (VAZZOLER, 1996).
Estimativas de fecundidade foram feitas através da
contagem do número de ovos liberados nos aquários
de reprodução.
Após cada desova, os ovos foram transferidos para
aquários com capacidade de seis litros, de onde, a
cada trinta minutos, uma amostra era retirada e examinada em microscópio estereoscópico (com ocular
micrométrica) equipado com máquina fotográfica
digital. Os ovos foram medidos, e a seqüência de
modificações ocorridas durante as fases embrionária
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ANJOS e ANJOS
e larval foi descrita.
Para a descrição dos estágios de desenvolvimento
iniciais de cardinal tetra, adotaram-se as terminologias descritas por BLAXTER (1988) e GOMES
et al. (2003), que consideram:
- “embrião” - período decorrente do momento da
fecundação do óvulo até a eclosão do ovo;
- “larva” - período caracterizado pela diferenciação progressiva de caracteres e que se estende
da fase de eclosão até o surgimento de características
do adulto (formação completa dos raios das nadadeiras, aparecimento de escamas, pigmentação
completa da superfície do corpo);
- “juvenil” - período em que o indivíduo se assemelha ao adulto e que se estende até o início do processo de maturação sexual.
As abreviaturas utilizadas no texto referem-se a
comprimento total (Ct), comprimento padrão (Cp),
peso total (Pt), “t” Student calculado (t cal), “t” Student
tabelado (t crít ), nível de significância (α), grau de
liberdade (GL) e tamanho da amostra (n).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante os experimentos, a adição de água de
chuva (simulação de chuva) nos aquários de reprodução provocou diminuição da condutividade elétrica, de 70 ± 19 para 25 ± 8 µS 20/cm, do pH, de 7,0 ± 0,1
para 5,5 ± 0,4, e do nível de oxigênio dissolvido, que
se manteve em torno a 5,0 mg/L até o 5 o dia, elevandose para 6,5 ± 1,0 mg/L nos dias subseqüentes. A
temperatura manteve-se estável, com média de 26,0 ±
1,0 0 C (Tabela 1). GEISLER e ANNIBAL (1986),
estudando o cardinal tetra em seu biótopo natural,
registraram valores de condutividade elétrica de 6,0
a 41,0 µS 20/cm, de pH de 3,97 a 5,30, de oxigênio
dissolvido de 3,7 a 5,7 mg/L, e de médias de temperatura de 25,2 a 30,0 0C. PRADA-PEDREROS (1992),
estudando a distribuição do cardinal tetra no médio
Rio Negro, encontrou valores de condutividade
Tabela 1. Valores médios e desvio padrão de parâmetros limnológicos registrados durante os experimentos:
nível da água (chuva artificial) (cm), condutividade elétrica ( µS20 /cm), pH, temperatura ( oC) e oxigênio dissolvido
(mg/L), e ocorrência de desova (n) do cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi
Nº de dias durante
um ciclo do
experimento com
simulação de chuva
Altura da
coluna
d´água (cm)
Condutividade
elétrica (µS20/cm)
pH
Temperatura
(ºC)
Oxigênio
dissolvido
(mg/L)
Ocorrência
de desovas
(n)
1
10
70 ± 19
7,0 ± 0,1
26 ± 1
5,0 ± 0,1
0
5
15
61 ± 26
6,2 ± 0,7
26 ± 1
5,0 ± 0,1
0
10
20
46 ± 14
5,5 ± 0,5
26 ± 1
6,5 ± 1
0
15
25
18 ± 7
5,5 ± 0,3
26 ± 1
6,5 ± 1
4
22
25
25 ± 8
5,5 ± 0,4
26 ± 1
6,5 ± 1
15
elétrica variando de 3,6 a 22,5 µS 20/cm, de pH oscilando de 3,4 a 5,5, de oxigênio dissolvido, de 0,8 a 6,5
mg/L, e de temperatura, de 24,3 a 29,3 0C.
Reprodução
Os peixes selecionados para reprodução apresentavam gônadas em fase de desenvolvimento avançado (maduras). Os machos (n=40) apresentavam
valores médios de comprimento total (Ct)=25,6 mm
(23,0 mm–28,0 mm) e de peso total (Pt)=0,33 g
(0,29 g– 0,38 g) e as fêmeas (n=20), 31,5 mm de comprimento total médio (25,0 mm – 36,0 mm) e 0,50 g de
peso total médio (0,4 g – 0,55 g).
O cardinal tetra apresenta dimorfismo secundário
entre os sexos, relacionado ao tamanho do corpo,
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sendo as fêmeas maiores que os machos (t cal=10,25;
tcrít.=1,66; α =0,05; GL=70). Estas características permitem distinguir os indivíduos sexualmente
maduros.
Neste estudo, o dimorfismo entre os sexos em
relação ao comprimento foi semelhante ao descrito
para outras espécies da família Characidae, como
Astyanax scabripinnis (SÁ, 2000), Hyphessobrycon
pulchripinnis (COLE et al., 1999), Hyphessobrycon serpae
(COLE e HARING, 1999) e Hemigrammus bleheri
(ANJOS, 2003). WOOTTON (1989) afirma que o
tamanho maior de fêmeas é vantajoso, uma vez que o
número de ovócitos por desova aumenta exponencialmente com o comprimento, o que pode ser também
observado para o cardinal tetra.
Biologia reprodutiva e desenvolvimento embrionário e larval ...
A estimativa da fecundidade do cardinal tetra
variou de 154 a 562 ovócitos, para exemplares de
28,2 mm a 35,5 mm de comprimento total (Figura 01).
A distribuição dos tamanhos dos ovócitos foi
trimodal (Figura 2), sendo observados ovócitos em
diferentes fases de desenvolvimento, com diâmetros
que variaram de 0,06 a 0,66 milímetro. CHAO et al.
(2001) analisaram a fecundidade de dois exemplares
de cardinal tetra do igarapé Anapixi, médio Rio
Negro, e constataram distribuição de ovócitos
bimodal e fecundidade de 145 e 255 ovócitos em
exemplares com comprimento padrão de 23,5 mm e
25,3 mm, respectivamente. Segundo GEISLER e
ANNIBAL (1986), o cardinal tetra em seu biótopo
natural, o médio Rio Negro, apresenta crescimento
menor que o daqueles criados em cativeiro,
suspeitando-se que a pobreza de minerais naquela
região possa ser um dos fatores que limita o
crescimento do cardinal tetra na natureza. De acordo
com NIKOLSKY (1963), o crescimento lento e o
pequeno tamanho dos indivíduos capacitam
diversas populações de peixes a viver em ambientes
que apresentam condições alimentares restritas.
VAZZOLER (1996) afirma que a fecundidade em
peixes está relacionada diretamente ao tamanho do
corpo ou às condições ambientais.
A fecundidade total do cardinal tetra apresenta
valores próximos aos de outras espécies miniatura
da família Characidae, como Pristella maxillaris (300400 ovócitos), Hyphessobrycon scholzei (800 ovócitos),
Hyphessobrycon rosaceus (50 a 300 ovócitos),
Hemigrammus rhodostomus (400-500 ovócitos) e
Hemigrammus bleheri (179-721 ovócitos) (TAPHORN,
1992; BAENSCH, 1997; ANJOS, 2003), todas
utilizadas em aquariofilia.
no. de ovócitos
Dos vinte grupos de reprodutores selecionados
para este estudo, apenas nove (45%) se reproduziram.
Foram observadas desovas em um período de 1 a 4
dias, com lotes de ovos sendo observados, diaria700
600
500
400
300
200
100
0
155
mente, dispersos no aquário, geralmente ao amanhecer. O número de ovos observados por dia variou
de 7 a 37. Durante cada período de desova foram encontrados em média 82 ovos dispersos no aquário de
reprodução. GEISLER e ANNIBAL (1986) relatam que
exemplares de cardinal tetra que se reproduziram em
cativeiro apresentaram períodos de desova de 8 a 10
dias, com um máximo de 14 dias, podendo esta
diferença no período de desova estar ligada a vários
fatores. MURON et al. (1990) afirmam que fatores ambientais, aliados a disponibilidade de alimento, estresse em cativeiro, comportamento e interações
sociais, podem ser os principais estímulos à reprodução. CHAPMAN et al. (1998), estudando o desempenho reprodutivo do neon tetra (Paracheirodon innesi)
em cativeiro, uma espécie irmã do cardinal tetra, constataram que indivíduos selvagens quase não se reproduzem em cativeiro, enquanto indivíduos domesticados (criados há várias gerações) conseguem reproduzir-se por quase um ano.
Neste estudo, dos nove grupos de cardinal tetra
que se reproduziram, oito apresentaram dois períodos de desova, e apenas um apresentou três períodos. O intervalo entre os períodos de desova variou
de 23 a 31 dias.
GEISLER e ANNIBAL (1986), estudando o
cardinal tetra em ambiente natural, sugeriram que
uma estação reprodutiva pode durar no máximo 4-6
semanas, chegando a essa conclusão por terem
capturado juvenis com tamanhos homogêneos, o que
não justificaria uma estação reprodutiva longa. No
presente experimento, o intervalo entre a primeira
desova observada e a última foi de 34 semanas, não
sendo observadas novas desovas após esse período.
Ao final do experimento, as fêmeas foram sacrificadas
e examinadas em microscópio estereoscópico,
constatando-se abdome flácido e ovários reduzidos.
2
R = 0,941
25
30
35
40
Comprimento total (mm)
Figura 1. Valor médio do número de ovócitos por fêmea, em relação ao comprimento total (mm) do cardinal tetra,
Paracheirodon axelrodi (n=8)
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ANJOS e ANJOS
frequência (%)
25
20
15
10
5
0
0
0,06 0,12 0,18 0,24
0,3
0,36 0,42 0,48 0,54
0,6
0,66 0,72
Diâmetro dos ovócitos (mm)
Figura 2. Distribuição de freqüência porcentual dos diâmetros dos ovócitos de cardinal tetra, Paracheirodon
axelrodi (n=8)
Desenvolvimento embrionário
Os ovos do cardinal tetra são esféricos, translúcidos, demersais e adesivos. A olho nu, os ovos
eram transparentes e quase imperceptíveis, enquanto
os ovos não fertilizados apresentavam coloração
branca opaca (Figura 3). A observação da sucessão
de eventos que aconteceram durante o processo de
desenvolvimento dos ovos de Paracheirodon axelrodi
permitiu a caracterização de três fases: 1) embrionária; 2) larval; 3) juvenil, conforme descrito por
BLAXTER (1988) e GOMES et al. (2003).
339 µm
fecundação; a partir dos dois blastômeros originais
observaram-se várias divisões sucessivas até a fase
de mórula, cerca de 120 min após a fertilização. Nesta
mesma fase, depois de intensa proliferação celular, a
camada de células somáticas começou a envolver o
saco vitelínico, sendo possível observar o processo
de gastrulação (aproximadamente 180 min após a
fertilização).
O embrião começou a se formar aproximadamente 5 h após a fertilização, com intensa segmentação somática, quando foram observados o início
da formação da cauda e a diferenciação da cabeça
(Figura 4a). Dez horas após a fertilização, a porção
caudal do corpo do embrião começou a separar-se do
saco vitelínico (Figura 4b); doze horas após a fertilização, a porção caudal continuou a crescer e o saco
vitelínico apresentou-se dividido em duas partes
(Figura 4c). Quinze horas após a fertilização podiase visualizar as formações das nadadeiras caudal e
peitorais e das vesículas ópticas (Figura 4d).
Fase larval
Figura 3. Ovo de cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi,
não fertilizado, aproximadamente três horas após a
desova
Fase embrionária
O diâmetro médio dos ovos de cardinal tetra
coletados 30 minutos após a fertilização foi de
0,9 ± 0,05 milímetro. Os ovos possuíam espaço perivitelínico pequeno, 0,1 mm a 0,2 mm, e membrana
coriônica densa e clara. COLE et al. (1999) observaram,
para Hyphessobrycon pulchripinnis, que o diâmetro dos
ovos após a desova variava de 0,74 mm a 0,9 mm.
Nesta fase foi possível observar a formação de dois
blastômeros, aproximadamente 50 min após a
B. Inst. Pesca, São Paulo, 32(2): 151-160, 2006
As larvas eclodiram com 2,9 ± 0,2 mm e não apresentavam pigmentação no corpo, a não ser nos olhos
(preta) (Figura 4e). A eclosão ocorreu 19-20 h após a
fertilização, a uma média de temperatura da água de
26 ± 1 0C, quando foi possível observar larvas livres,
com natação ondulatória irregular junto ao fundo do
aquário. Em microscópio estereoscópico foi possível
observar olhos bem evidentes, parte do trato digestivo,
desenvolvimento das nadadeiras peitorais e coração
bombeando sangue para o resto do corpo. Em espécies miniaturas, como Hyphessobrycon serpae e
Hyphessobrycon pulchripinnis, as larvas eclodiram
24 h após a fertilização, a uma temperatura média de
25 ± 1 0C (COLE et al., 1999; COLE e HARING, 1999).
LOPES et al. (1995) observaram, para Brycon cephalus,
espécie comercial, eclosão após 10 h e 30 min, a uma
Biologia reprodutiva e desenvolvimento embrionário e larval ...
280 µm
157
268 µm
a
b
280 µm
227 µm
c
d
e
2 mm
f
2 mm
g
h
Figura 4. Ovos, larvas e juvenil de cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi: 4a - intensa segmentação somática
(formação da cauda e diferenciação da cabeça); 4b - porção caudal começa a separar-se do saco vitelínico;
4c - porção caudal avoluma-se e saco vitelínico divide-se em duas partes; 4d - formações das nadadeiras caudal
e peitoral e das vesículas ópticas; 4e - embrião após a eclosão, com 3,1mm de Ct; 4f - larva com 5 dias de idade,
4,3 mm de Ct, olho com pigmentação de cor azul metálica e corpo parcialmente pigmentado; 4g - larva com 14
dias de idade e 8 mm de Ct, apresentando a faixa azul metálico em formação; 4h - fêmea com 6 meses de idade,
28 mm de Ct e ovários no início do processo de maturação
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ANJOS e ANJOS
temperatura média de 30 0C, e, para larvas de
Colossoma macropomum e Piaractus mesopotamicus,
eclosão 12 a 14 h após a fertilização, em temperaturas médias da água de 28 a 30 0C. ARAÚJO-LIMA e
BITTENCOURT (2002) observaram que larvas de
Hoplias malabaricus eclodiram 34 h após a captura
dos ovos na natureza e apresentavam 4,7 mm de comprimento padrão.
A larva de cardinal tetra possui uma glândula
adesiva grande no topo da cabeça, que lhe permite
prender-se ao fundo do aquário ou a plantas aquáticas. ARAÚJO-LIMA e BITTENCOURT (2002)
observaram características semelhantes em larvas de
Hoplias malabaricus, sugerindo que essa glândula
serviria para evitar que as larvas se dispersassem do
ninho, o que reduziria a eficiência da proteção
parental. Porém, em cardinal tetra não há evidências
de cuidado parental com a prole, podendo a glândula
ser uma adaptação para a fixação das larvas ao
substrato, diminuindo, assim, o risco de predação e
de dispersão pela correnteza. Nessa fase, observouse a absorção do saco vitelínico.
No 5 o dia de vida das larvas teve início a inflação
da bexiga natatória, quando se verificou o maior
índice de mortalidade de larvas (40-50%) e o início
do consumo de alimentos exógenos, com perseguição
ativa de pequenas presas. Nesta fase, as larvas
apresentavam comprimento médio de 4,1 mm
(3,9–4,3), olhos com evidente pigmentação de cor azul
metálico e corpo parcialmente pigmentado,
principalmente na região da cabeça (Figura 4f). Nesse
período, as nadadeiras estavam em plena formação.
No 12o dia de vida foram observados os primeiros
pigmentos vermelhos na base da nadadeira anal e,
logo após, nas regiões do abdome e do pedúnculo
caudal. A pigmentação azul metálica, até então
restrita aos olhos, iniciou um lento processo de expansão até a base da nadadeira adiposa (Figura 4g).
O crescimento larval do cardinal tetra pode ser
considerado lento, quando comparado ao de outras
espécies de peixes teleósteos, principalmente os
reofílicos, como o matrinxã (Brycon cephalus), que
adquire forma igual à dos adultos 48 horas após a
fertilização (ROMAGOSA et al., 2001; MONTEIRO,
2002). Em Brycon insignis, os indivíduos apresentam
forma semelhante à dos adultos 94 h após a
fertilização, quando atingem comprimento total de,
aproximadamente, 1,2 ± 0,24 cm (ANDRADETALMELLI et al., 2001)
B. Inst. Pesca, São Paulo, 32(2): 151-160, 2006
Fase juvenil
Os juvenis de cardinal tetra apresentaram
estruturas semelhantes à de espécimes adultos, 22
dias após a eclosão, quando todas as nadadeiras estavam formadas e o comprimento total médio era de
11,0 ± 1,0 milímetros. CHAPMAN et al . (1998),
estudando a reprodução do neon tetra (Paracheirodon
innesi), constataram que as larvas começaram a exibir
a coloração dos adultos a partir de 28 a 32 dias de
idade. Porém, é importante ressaltar que o crescimento (desenvolvimento) de larvas e juvenis está
intimamente ligado ao tipo de alimento oferecido e à
temperatura da água. Segundo HUET (1978), as transformações ocorridas no desenvolvimento inicial das
larvas variaram de acordo com a espécie, sendo este
desenvolvimento influenciado por vários fatores,
dentre eles, e principalmente, a disponibilidade de
alimento e a temperatura da água. Neste trabalho, a
temperatura da água se manteve estável: 26 ± 1 ºC; a
partir do 6 o dia, os cardinais receberam alimento vivo,
principalmente náuplios de artêmia com tamanho
de 250 a 350 micrômetros, sendo a taxa média de
sobrevivência das larvas considerada moderada, com
valor de 37,5 ± 5,5% após um período de 60 dias.
LOPES et al. (1995), utilizando diferentes tratamentos,
registraram taxas de sobrevivência de Brycon cephalus
de 38,0% a 51,5%, após um período de 60 horas.
ANDRADE-TALMELLI et al. (2001) observaram taxa
de sobrevivência de Brycon insignis igual a 2%, após
um período de 15 dias. No presente estudo, os juvenis
iniciaram o processo de maturação sexual aos 6 meses
de idade e com comprimento total médio de: os
machos, 22 mm, e as fêmeas, 26 mm (Figura 4h).
CONCLUSÕES
A manipulação do nível da água (chuva artificial),
pH e condutividade elétrica favoreceram a desova de
cardinal tetra, Paracheirodon axelrodi . A espécie
apresenta desova do tipo parcelada e ovos adesivos.
A estimativa da fecundidade variou de 154 a 562
ovócitos. A distribuição dos diâmetros dos ovócitos é
trimodal, com valores de 0,06 a 0,66 milímetro. O
desenvolvimento embrionário é rápido, a fase larval
é considerada longa, e os juvenis apresentam semelhança com os adultos a partir do 22o dia de vida.
O desenvolvimento de técnicas de reprodução de
Paracheirodon axelrodi poderia propiciar o
aproveitamento da produção de estoques de juvenis
para formar a base do cultivo da espécie em escala
industrial. Entretanto, há muito a ser estudado em
larvicultura, principalmente de espécies de peixes
ornamentais.
Biologia reprodutiva e desenvolvimento embrionário e larval ...
AGRADECIMENTOS
Aos pesquisadores, Dr. Jansen Zuanon, Dra. M.
Gercília M. Soares e Dra. Marle A. Villacorta-Correa,
pela leitura crítica das versões preliminares deste
manuscrito e valiosos comentários. Ao Laboratório
de Ecologia de Peixes INPA/Max Planck, que cedeu
os aparelhos limnológicos para a pesquisa.
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