1 Departamento Acadêmico Curso de Psicanálise Módulo I Introdução a Psicanálise - 1ª TÓPICA JOÃO PAULO KOTZENT Psicanalista / Psicólogo APVP-00104.01-SP / CRP 06/90433 São José dos Campos 2014 2 SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO - APRESENTAÇÃO............................................................................. 03 - OBJETIVO GERAL........................................................................... 04 II – CONTEÚDO - INTRODUÇÃO A PSICANÁLISE..................................................... 06 -1ª TÓPICA......................................................................................... 37 - APARELHO PSÍQUICO.................................................................... 44 - ORIENTAÇÕES QUANTO AO TRABALHO...................................... 45 III – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 46 3 - APRESENTAÇÃO Na constante busca e diante às descobertas empíricas, Freud segue o engendramento do seu constructo teórico, aperfeiçoando-o, buscando dar conta do dinamismo psíquico, reconhecendo as limitações da 1º tópica, suas propriedades demasiadamente estáticas, expostas como um lugar, uma espécie de “geografia das funções psíquicas”; estes espaços eram substantivados como ICS – PCS – CS: era o psiquismo sendo visto como um território, algo descritivo, concebido como inato, era o inconsciente produzindo algo. Logo Freud percebeu sérias limitações desta teoria, tais como: imaginar que a instância crítica - aquela que decide do que podemos ter consciência era parte da mente consciente, assim, portanto, racional e oposto às exigências e desejos instintivos. Contudo, descobertas evidenciaram existir esta instância crítica inconsciente - não sabiam que estavam sofrendo críticas e punições do seu próprio interior – assim como este exemplo, existem muitos outros, mas, que não pretendo abordá-los nesta introdução. Ampliou-se, então, a concepção topográfica para uma concepção de estrutura mental: a 2º Tópica. Houve então, uma sensível evolução dos conceitos psicanalíticos, um marco na teoria Freudiana, datado de 1923, com a publicação O EGO e o ID, influenciado já por uma metapsicologia apresentada na publicação Além do Princípio do Prazer, onde Freud começa a demonstrar como os diversos elementos interagem entre si, não isoladamente. Desta forma como uma “estrutura” estes elementos são interdependentes. Assim, neste interjogo das funções, surge a dinâmica do pensar, sendo, os resultantes dos pensamentos, as ações e suas conseqüências. 4 - OBJETIVO GERAL Este texto tem como proposição, apresentar uma introdução a Psicanálise, tentando concentrar-se no eixo teórico da 1ª tópica Freudiana, de maneira resumida, baseando-se na pesquisa das bibliografias clássicas de autores reconhecidamente destacados do meio psicanalítico, buscando elucidar os pontos de relevância desta teoria, nunca esgotando o seu conteúdo, pois, é vasto e complexo à abrangência destes conceitos. A primeira tópica foi inspirada pela análise do sonho e da histeria, será sucedida, após 1920, por uma segunda tópica, elaborada em resposta aos experimentos clínicos, que abrange o id, o ego, e o superego. Da primeira, Freud dizia que tinha um valor descritivo, ao passo que na segunda reconhece um valor sistemático, ativo e dinâmico. “Daremos o nome de inconsciente”, escrevia ele em 1900, “ao sistema situado mais atrás; ele não poderia ter acesso à consciência, a não ser passando pelo pré-consciente, e durante essa passagem o processo de excitação deverá se submeter a certas modificações”. Insatisfeito com o “modelo topográfico” - 1º tópica - porquanto esse não conseguia explicar muitos fenômenos psíquicos, em especial aqueles que emergiam na prática clínica. Freud vinha gradativamente elaborando uma nova concepção, até que, em 1920, mais precisamente a partir do importante trabalho metapsicológico “Além do princípio do prazer”, ele estabeleceu de forma definitiva a sua clássica concepção do aparelho psíquico, conhecido como modelo estrutural (ou dinâmico), tendo em vista que a palavra “estrutura” significa um conjunto de elementos que separadamente tem funções específicas, porém que são indissociados entre si, interagem 5 permanentemente e influenciam-se reciprocamente. Ou seja, diferentemente da Primeira Tópica, que sugere uma passividade, a Segunda Tópica é eminentemente ativa, dinâmica. Essa concepção estruturalista ficou cristalizada em “O ego e o id” de 1923 e consiste em uma divisão tripartite da mente em três instâncias: o id, o ego e o superego. Acredito que todo trabalho como este, que hora apresento, tentando resumir, sintetizar, algo tão rico em conteúdo como são as teorias psicanalíticas, invariavelmente incorre em um reducionismo, sendo assim, em sérios riscos, podendo, desde uma interpretação distorcida, indo até a uma compreensão errônea dos conceitos fundamentais. Creio que se conseguirmos marcar um pouco da história, os conceitos fundamentais da 1ª tópica, suas funções e algumas atualizações conceptuais, por hora, devemos nos satisfazer. De modo algum este trabalho substitui a leitura obrigatória dos livros clássicos, entre eles as Obras Freudianas às pós Freudianas e às de outros autores contemporâneos da psicanálise, entendam este trabalho como um suplemento do encontro em que teremos e um embrião do qual o colega deverá nutri-lo porquanto mantenedor do seu conhecimento. É sabido que no decorrer de sua leitura, duvidas irão surgir, procure anotá-las para que possibilite a sua manifestação em sala de aula ou por outros meios de esclarecimentos que a Associação poderá dispor. 6 Introdução a Psicanálise Sigmund Freud (1856-1939), médico vienense, se especializou no tratamento das doenças do sistema nervoso e em particular sobre as desordens neuróticas, criando uma teoria a que denominou de “Psicanálise”. Assim esta surge no cenário mundial com a proposta de trabalhar as questões subjetivas e relativas aos conflitos mentais. Essas desordens mentais de que trata o autor são as ansiedades excessivas, depressão, fadiga, insônia, paralisia e outros sintomas relacionados com conflitos e tensões. Impactado pela força de suas descobertas na clínica, Freud questionava se as mesmas teriam alcance além daquele paciente específico ou daquele grupo de pessoas. Durante seus estudos e proposições, já na maturidade, procurou analisar alguns problemas da civilização, apresentando em seus grandes textos, afirmando nestes que só depois de uma longa experiência de vida e trabalho e após ter enfrentado perdas fundamentais e a doença, pode retomar o pensamento, alguns escritos e elaborações, com interrogantes sobre a extensão dos problemas do homem e sua cultura. No século XVII o estudo da loucura e da histeria, era visto como uma ciência com um vasto processo de apropriação das prerrogativas divinas, portanto, como doenças incuráveis. O homem na idade Média percebia que as doenças eram desejadas por Deus e como tal não tinham cura. A histeria e a loucura adquirem uma dimensão humana a partir das descobertas de Sigmund Freud. A formação de Freud o preparava para suas descobertas. Durante o curso de medicina, sua inquietação, inquirições e indagações o levaram para o campo da investigação. Um médico judeu apaixonado pela pesquisa esperava que um dia algum sucesso lhe colocasse numa posição que valesse renome e reconhecimento na sociedade médica de Viena. No entanto não esperava que entrasse em conflito violento com esse meio devido à sua descoberta do inconsciente. Falando sobre si mesmo, o autor da “Interpretação dos sonhos” diz ter “ousado tomar partido da antiguidade e da superstição popular contra o ostracismo da ciência positiva”. 7 As formas de desordens observadas por Freud não possuem um padrão humano apesar de apresentarem sintomatologia específica. Os sintomas iguais em suas manifestações no adoecimento, porém suas causas são sempre diferentes. A neurose manifesta por uma pessoa possui “causa” ou “origem” diferente, não objetiva e que possa ser compartilhada com a de outra pessoa, ou mais de um indivíduo, porque é subjetiva, pertencem unicamente a cada pessoa, acontece de forma singular a um sujeito... logo, os métodos são subjetivos também, embora a orientação seja de ordem técnica com parâmetros determinados. A lógica segue na contramão de tudo o que for da ordem do consciente, seguir a contracorrente faz parte da essência da psicanálise o que ocorre até nossos dias. A magnitude e o volume da obra de Freud pela sua importância histórica e humanística na civilização do homem moderno passou a ser um verdadeiro marco cultural e um tempo de exercício teórico e de pratica, estagio na evolução dos conhecimentos sobre a psique humana. A descrição de fenômenos psicológicos nas mais diversas teorias dinâmicas do relacionamento, sobre a interpretação sobre os processos mentais como conscientes e inconscientes e estes como parte do id, do ego e do superego, os aspectos sociais, familiares e individuais da dinâmica psíquica e que surjam os sintomas de ordem psicopatológicos, nos diversos modelos ou formas teóricas, em escolas doutrinárias todos são, e sem exceção, de caráter observacional, e estão agrupados em processos descritivos das reações e respostas observadas nos seres humanos. A posição de abertura aos novos acontecimentos e às surpresas de seu tempo, a capacidade de renovação e o rigor de Freud permitem afirmar que a psicanálise está incorporada à cultura contemporânea. Isto implica na responsabilidade da psicanálise, e mais ainda do profissional de psicanálise, o “psicanalista” em sustentar a “atenção flutuante”, essa “escuta” singular introduzida por Freud. Ele descobre o inconsciente e inventa a psicanálise na separação com a medicina e a psiquiatria de sua época, abandonado a neurologia, a hipnose e a técnica da sugestão para avançar “por mares nunca dantes navegados” o que possibilitou que elaborasse completamente novo para a condição e o sofrimento humano. um estatuto 8 Sobre os primórdios da Psicanálise A jovem ciência, a “Psicanálise”, recebeu de seu criador influência de princípios da biologia materialística da época, avançando para o campo das doenças mentais. Para alguns teóricos isto fez com que Freud se limitasse ao campo biológico, deixando de lado determinantes sociais, culturais e fenômenos mentais. O pai da psicanálise, nesse período em que as ciências naturais estavam em seu apogeu, voltou-se ao contrário dos tempos, e forçou a reconhecer o irracional e o psicogênico, e assim desafia a superstição que se fazia do racionalismo. A Psicanálise não se localiza num lugar cartesiano, cuja ação se caracteriza por deveres ou interesses no exercício de suas atividades. Se a Psicanálise ofender a razão e bons costumes, ela está apontando para a consciência como um lugar de mentira e não de verdade, de ocultação e distorção, ou seja, um lugar da ilusão. Isso por considerar que a consciência é essencialmente farsante, pois a consciência em sua pureza racional, ou a razão estando num lugar de suspeita pela dúvida cartesiana, a psicanálise pode ser vista como um “filho natural”. Às voltas com seus descobrimentos Freud viveu uma solidão teórica, pois ás vezes às voltas com seus descobrimentos, pela sua importância e alcance se sentia na marginalidade. Desejava que sua teoria psicanalítica se transformasse numa prestigiosa prática e de conhecimento de um grande público, não apenas no meio científico. Em pouco tempo a Psicanálise se transformou numa das mais prestigiosas práticas, tão ameaçada em seu surgimento, rapidamente conquista o lugar de objeto de disputa. A fenomenologia, as filosofias da existência, a antropologia, o culturalismo americano, a biologia, a linguística, e a psicologia foram alguns dos saberes oficiais que desejavam adotar o conhecimento que surgia com a psicanálise. Desde muito, por séculos e séculos a psicologia foi considerada como campo especial da filosofia especulativa, considerando questões mais ou menos metafísicas, importantes e cujos problemas discutidos continuavam a refletir nas antíteses: “corpo e alma”; “humano e divino”; “natural e sobrenatural”. O século XIX se caracteriza por avanços nas ciências naturais e a ideia de natureza propagou as ciências da vida, evolução das espécies com 9 os teóricos evolucionistas e avanços na medicina, e assim vencendo gradativamente o pensamento mágico. A magia, no entanto não foi superada em seu processo contínuo, pois se observou recuos e avanços na história das ideias. A psicanálise foi influenciada pela história dos gregos e história bíblica, mas nessa luta o pensamento pré-psicanalítico já se apresentava no campo das manifestações mentais sobre o ponto de vista cientifico natural. Às vezes Freud era como que um arqueólogo a cavar a “psique humana” para poder entender os mitos e mistérios da cultura na maioria, escondidos na superfície desta. Alguns acontecimentos marcaram o ser humano de forma tal que foram consideradas como “feridas narcísicas” da humanidade. O matemático e astrônomo Nicolau Copérnico com sua teoria heliocêntrica do sistema solar veio afirmar que o “Sol” era o centro do Sistema Solar contrariando a teoria geocêntrica. Com esta descoberta desferiu o primeiro grande golpe, ao afirmar que o homem era apenas coadjuvante que “brincava no carrossel” do sol, abrindo a primeira ferida narcísica. O homem gozava ainda, nesta época, da condição de ser “Filho de Deus”. Ao fazer suas descobertas e criar a teoria do evolucionismo Charles Darwin traz à humanidade a má notícia de que o “homem não é uma criatura saída das mãos de Deus”, mas sim ocupa a condição de ser o mero “resultado da evolução natural dos seres”, ou seja “descendente de primatas” melhorados, provocando a abertura de uma segunda ferida narcísica para o homem. A última esperança que restava ao “ser humano” era “racionalidade exclusiva da espécie”, quando então, Freud com suas descobertas e propostas teóricas dá o golpe derradeiro e que faz sangrar até hoje, no amago do ser humano: “a consciência é a menor parcela da vida psíquica” dos humanos. Assim diz ele que o “homem não é rei em sua própria casa” escancarando o quanto o comportamento humano é guiado mais pelos impulsos inconscientes e pulsões biológicas do que por princípios racionais. Desta forma a psicanálise freudiana abriu a terceira grande ferida narcísica, provocando um padecimento no saber ocidental com o des-centramento da razão e da consciência. Tal qual o homem, a vida do ser humano – de modo individual – a cada momento faz sofrer feridas que abalam sua estrutura e o faz repensar “o que é” e “o que 10 quer” a cada instante. O ser humano ao descobrir em seu meio um mundo natural e hostil provavelmente sentirá angústias que podem gerar tormentos psíquicos e crises de valor, segundo Freud (1927), que assim aponta: “A autoestima do homem, seriamente ameaçada, exige consolação; a vida e o universo devem ser despidos de seus terrores; ademais, sua curiosidade pede uma resposta.” Freud segue lembrando a primeira ferida narcísica que sofreu foi aos sete anos. Relata que quando pequeno pensava que seu pai era o homem mais alto do mundo. Por ele e por meio de sua altura aspirava às coisas do alto. Foi quando diz ter conhecido outro maior do que ele… Além disso, aponta que restava ainda a condição de “super-herói” inerente a todo pai. Foi aos treze anos que viu seu pai chorar pela primeira vez. Percebeu que o “homem” inatingível também sentia medo, também sentida dor, também chorava. O “super-herói” tinha lá as suas fraquezas, e após, quando homem feito, pensou ele que nada mais o abalaria, aí bate à sua porta a “morte”. Esse foi o momento em que Freud se “deu conta de que ninguém é eterno” e que mesmo as pessoas mais queridas têm prazo definido para estar na Terra. Diz ele: “eis a ferida que sangra até hoje”, e continua afirmando que é uma “ferida que nunca vai cicatrizar”. Eis então uma questão: “onde situar a psicanálise?” A Psicanálise se situa em nenhum lugar preexistente. Ela produziu o seu “próprio lugar” por provocar uma ruptura com o saber existente. Arqueologicamente ela está ligada a um conjunto de saberes sobre o “homem” que se formou a partir do século XIX, porém epistemologicamente ela não se encontra em continuidade com saber algum. O caminho empreendido por Freud, não pode ser dito como “original”. No começo é uma produção do conceito de “inconsciente”. É um momento em que a subjetividade deixa de ser entendida como um todo unitário, identificado com a consciência e sob o domínio da razão para ser uma realidade dividida em dois grandes sistemas – o Inconsciente e o Consciente – sob o domínio de uma luta interna, cuja razão é apenas um efeito de superfície. Muitos avanços revolucionários surgiram a partir da ciência positivista do homem, e Freud seguiu esta tradição determinista e mecanicista. A 11 contribuição que ele encontrou, para a construção de sua teoria, foi através de alguns elementos de base encontrados em: Biologia: a revolução na biologia provocada pela construção de Teoria de Darwin contagiou outras ciências. Freud foi muito influenciado, principalmente no que diz respeito à noção de desenvolvimento biológico, a ideia de estágios sucessivos, ao determinismo biológico e aos conceitos de regressão e fixação. A importância que Freud dá ao evolucionismo e à biologia é típica do século XIX. Positivismo: a ciência só pode liderar com entidades observáveis, ao alcance direto da experiência, segundo o positivismo. A necessidade de elaboração de leis gerais que descrevam as relações entre os fenômenos. A filosofia tomou emprestada esta abordagem das ciências naturais e ela passou a influenciar quase todo o tipo de pensamento. Freud tentou aplicá-la à mente, procurando determinar com precisão algo que era abstrato. Psicologia: é uma área bastante ampla, e as suas ideias são muito antigas. A psicologia da associação (ideia que esta ligada a outras ideias e forças) já havia sido desenvolvida na filosofia por Berkeley, Hume e outros filósofos. A psicologia estudava o funcionamento da mente influenciada pelo positivismo, procurando comprovar descobertas através de experiências e buscava o determinismo. Wilhelm Wundt ( 1832-1920) publicou Princípios de Psicologia Fisiológica, chamando a atenção para a importância do determinismo biológico e da experimentação. Psiquiatria: desenvolveu-se no final do século XIX. Estava interessada numa nova visão da mente. Tratava de algumas doenças que a medicina oficial não levava em consideração: a histeria, a letargia e a catalepsia. Ao estudar as doenças nervosas, a psiquiatria chegou à concepção das doenças e dos distúrbios nervosos, chegando assim à ideia de energia mental. Kraeplin (1856-1926) publica um compendio com a síntese da psiquiatria moderna, e tentou encontrar uma definição para as doenças mentais. A genialidade de Freud de aventurar-se por um caminho tão espinhoso, o de correlacionar cientificamente os fenômenos mente-cérebro, que o mesmo, ainda hoje e com todos os recursos das neurociências contemporâneas não conseguiu clarificar a contento o problema genético dos distúrbios psicológicos. Todo um excepcional arsenal científico e toda uma 12 possibilidade de comunicação, informações, registros e processamento de dados espalhados pelos laboratórios nos mais variados ramos da neurociência e da biologia, o cientista moderno sente e carrega a mesma ansiedade de Freud desde os primórdios de sua construção do “Projeto”. A teoria freudiana tem como objeto de estudo os fenômenos inconscientes colocando em cena uma problematização sobre o sujeito na medida em que questiona várias categorias - tais como autonomia, liberdade, determinação -, categorias que definem a noção de sujeito segundo a tradição filosófica do pensamento moderno. Reconhecendo que a psicanálise promove a terceira ferida narcísica quando preconiza que "o homem não é senhor de sua própria morada", Freud vai propor uma metapsicologia dos mecanismos psíquicos normais e patológicos, visando um entendimento do humano que abala esta concepção. A fisiologia é usada por Freud no início de seus estudos para explicar as doenças mentais, o que permitiu que criasse a “cura pela fala” a partir da escuta de suas histéricas, e desta forma encontrou o inconsciente com a descoberta do funcionamento complexo da psique humana. Este autor foi um descobridor da mente e das doenças que afetam o comportamento humano. Sofreu muito pela sua ousadia, mas livrou-se de ser queimado nas fogueiras, costume da época, pelo menos os nazistas só queimaram seus livros. A proposição Freudiana, segundo a qual a civilização se baseia na permanente subjugação dos instintos humanos, foi aceita como axiomática. Seu interrogante sobre os benefícios da cultura em relação a terem compensado o sofrimento assim infligido aos indivíduos, não foi levado muito a sério — ainda menos quando o próprio Freud considerou o processo inevitável e irreversível. A livre gratificação das necessidades instintivas do homem é incompatível com a sociedade civilizada: renúncia e dilação na satisfação constituem pré-requisitos do progresso. Disse Freud: “A felicidade não é um valor cultural”. A felicidade deve estar subordinada à disciplina do trabalho como ocupação integral, à disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido, sua sujeição rigidamente imposta às atividades e expressões socialmente úteis, é cultura. Freud, de inegável talento poético, que por problemas de tradução muitas vezes ficou reduzido a um disciplinado homem de ciência (uma verdade 13 parcial), tinha preferência pelo uso de palavras simples e populares, como se pode verificar a partir dos originais em alemão. Lançou mão da palavra “alma”, atribuindo-lhe um novo sentido. Antes do advento da psicanálise, a “alma” era entidade pertencente ao campo religioso ou místico; a ciência da época, por sua vez, religiosamente, elegia a razão como recurso para o domínio das forças da natureza, o que incluía as manifestações intempestivas, inerentes à natureza humana, entre as quais, a sexualidade. Não obstante, a racionalidade contida no ideário iluminista contribuía para as descobertas psicanalíticas, pois representava, no plano da organização política e social, a flexibilização progressiva da cultura ocidental em favor da lei, dos direitos universais do cidadão e de um estatuto para a individualidade. O que hoje se entende por “vida psíquica” ou “anímica”, e nesta uma nova concepção de alma, na qual o desejo e a demanda por prazer figuram como elementos naturais do psiquismo, foi postulação sustentada pela psicanálise, que a moral racionalista da ciência tinha por inspiração recusar. A inclusão da “sexualidade” e da “primazia do desejo” ensejava uma representação de alma formada por forças contrastantes, o que levou a pesquisa freudiana à conclusão de que, a todas as formas de absolutismo, singular ou coletivo, corresponde um universo paralelo que o subverte. Na verdade, em todos os tempos encontramos infindáveis testemunhos culturais do secreto pulsar da alma humana, sobretudo na literatura: no mundo mitológico dos gregos, no romantismo germânico do século XIX, em Shakespeare, em Sade e outros. Freud, homem de seu tempo, fez surgir a psicanálise no centro da modernidade vienense, período conhecido pelo contraste cultural. Ao lado do progresso, da expansão metropolitana e dos avanços da ciência, o seu avesso: desemprego, prostituição e produções da contracultura, que denunciavam um mundo em decadência. Era um tempo de fragmentações políticas e geográficas, marcado por movimentos nacionalistas de independência contra a unidade imperial. A literatura romântica de Viena apresentava os dilemas do homem dividido e incendiado por paixões, num paralelo claro com a produção freudiana, ambas centradas na tensão entre amor e morte. É instigante na obra de Freud sua automática capacidade de atualização. Ainda que pese o contexto histórico em que nasce a psicanálise, o 14 autor parece transcender seu próprio tempo; universalizou-se, por assim dizer, ao construir a ponte entre mundos frequentemente isolados, o místico e o científico, o clássico e o romântico, situando a alma num quase indizível espaço volátil entre luzes e sombras – realidades co-habitantes de um todo anímico. Do saber sobre a loucura à hipnose e histeria No século XIX, mesmo com todo o esforço da Psiquiatria, esta seguia na procura de um critério seguro para fazer a distinção entre “loucura” e “simulação”. O psiquiatra era capaz de identificar a loucura, porém não sabia o que a mesma era, tornando-se assim uma relação de exclusão: “Sei quem é louco e sei que não sou louco, mas não sei o que é a loucura”. Os experimentos com “ópio” eram feitos com pacientes loucos para determinar a “verdade” ou “falsidade” de sua loucura. Com o uso do “haxixe” Moreau de Tours inverte o procedimento e aplica a droga em si mesmo com o objetivo de produzir os sintomas da loucura e poder voltar ao normal. Dessa forma ele adquire um saber sobre a loucura produzido pela experimentação. Moreau foi mais longe com seu pensar sobre a loucura, percebendo que o fundo homogêneo entre o normal e o patológico não precisava ser produzido artificialmente. Entendeu que o sonho reproduz as mesmas características da loucura em cada indivíduo adormecido, enquanto os loucos são sonhadores acordados. Assim, mais do que qualquer outro acontecimento é o que mais se aproxima da loucura e favorece a sua compreensão, vindo quebrar a heterogeneidade entre o normal e o patológico. Freud tomou esse fato como um princípio de análise. Historicamente a hipnose e estados hipnóticos estiveram presentes em toda a história da humanidade. Os sacerdotes nas culturas mais antigas usavam processos e procedimentos hipnóticos para a cura de dores e doenças. O sacerdote trabalhava simbolicamente sobre as imagens que irrompiam automaticamente à consciência do doente, fornecendo “sugestões hipnóticas” de cura. Paracelso médico e alquimista, o pai da “medicina hermética” confeccionava talismãs com inscrições planetárias e zodiacais, pois acreditava 15 que a influência das estrelas curava as pessoas doentes. Assim a hipnose deste período era impregnada de misticismo, magia e religiosidade, utilizando cantos, danças, orações, rituais e palavras. Com a experimentação cientifica nos séculos XVIII e XIX, surge Franz Anton Mesmer, médico austríaco que se estabeleceu em Paris. Ele acreditava na influência dos fluidos dos astros e corpos celestes na cura das doenças, pela presença de um fluido universal ligado aos mesmos, para mais tarde falar em “magnetismo humano”, de forma a realizar cirurgias e anestesias sobre o “sono mesmérico”. Apesar de cair em descrédito seus experimentos após análise no meio cientifico, suas teorias e métodos ao que foi denominado de “psiqueísmo” continuaram a ser empregados por seus seguidores. Mesmer com suas descobertas tem importância indireta na história da histeria, pois embora não se dedicando ao estudo deste estado patológico, quase todos os seus pacientes sofriam de histeria. Com seus experimentos ele deu o primeiro passo para as descobertas da hipnose, o que levaria posteriormente à psicanálise. Foi com a popularidade do “fluidismo” que levou o governo e a comunidade cientifica à condenação de Mesmer por charlatanismo, concluindo que em seus experimentos não existia fluido magnético e que a cura se dava pela sugestão. Freud inicialmente vai empregar exatamente esse mesmo efeito da sugestão como princípio da técnica hipnótica que emprega com suas histéricas. Mais tarde James Braid assistindo a uma cirurgia efetuada por Mesmer, cuja anestesia foi provocada pelo uso da hipnose, passou a estudar esse processo, reformulando a teoria do mesmo. Braid definiu o estado hipnótico como sendo um “sono do sistema nervoso”, partindo da mitologia grega com o termo “Hypnus” que simbolizava o “Deus do Sono”, inventando uma nova técnica, para mais tarde perceber cientificamente que a hipnose era não um estado de sono, mas um estado de intensa “atividade psíquica e mental”. Por longo tempo a hipnose foi conhecida como “braidismo” com o abandono do “mesmerismo”. A técnica hipnótica não faz nenhum apelo a fluidos magnéticos como também a nenhum poder especial do hipnotizador, pois o efeito obtido depende apenas do estado físico e psíquico do paciente. Após muitos anos a hipnose é resgatada na França, pelas escolas: de La Salpêtrière em Paris, liderada por Jean-Martin Charcot (1835-1893), médico 16 neurologista e mestre muito conceituado e o mais importante da época. Ele estudava a hipnose e seus “estados hipnóticos” com uma perspectiva de transformar os “estados sonambúlicos” em terapêutica, aplicando no tratamento de pacientes histéricos; e a Escola de Nancy sob o comando dos médicos August Liebeault (1823-1904) e Hipolyte Bernheim (1840-1919) que estudavam a hipnose e seus fenômenos, pensados estes como um “estado normal de consciência”, normal e natural do ser humano. Assim as duas escolas tinham pontos de vista distintos e discutiam o uso da hipnose como alvo de interesses no meio acadêmico e cientifico. Charcot em 1889 organizou o “I Congresso Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico” contando com a presença do psicólogo americano William James, do criminalista italiano Lombroso e do jovem médico neurologista Sigmund Freud. Muitos livros e revistas científicas foram escritos e publicados sobre hipnose. Esse reconhecimento profissional sobre a hipnose se deve ao trabalho de Charcot na clínica com mulheres com doenças mentais. A sua dedicação e o tratamento de pacientes histéricas por meio da hipnose lhe renderam o sucesso e êxito profissional no circulo médico. O início do século XIX foi funesto para a evolução do conceito cientifico de histeria. A publicação em 1816, do “Tratado das enfermidades nervosas e vaporosas e particularmente da histeria e da hipocondria” pelo conde de Maxime de Puységur, cuja influência foi nefasta entre os médicos. Ele cai no mesmo erro de Galeno e Hipocrates quando admitem a existência de esperma na mulher e sustentam como causa etiológica da histeria o deslocamento do útero e as sufocações. A histeria é apresentada como uma afecção vergonhosa, por Loyer-Willermay, apontando as mulheres vítimas desse mal como objeto de piedade ou desagrado, negando e combatendo ao mesmo tempo a existência da histeria masculina. A descrição dos sintomas da histeria e do uso da hipnose com abordagem de aspectos neurológicos e ênfase nos aspectos físicos, como a paralisia foi uma das mais importantes contribuições de Charcot. médica, o que facilitou Adotou uma terminologia a aceitação da técnica proposta e utilizada, pela academia de Ciências. No entanto a maioria dos médicos continuou a atribuir à histeria, causas somáticas ou físicas até Pierre Janet tornar-se diretor do laboratório de psicologia da Salpêtrière. Janet que fora aluno de Charcot, 17 entendia a histeria como um distúrbio mental, por ideias fixas e forças inconscientes. Freud ao iniciar sua carreira na sociedade medica prestava muita atenção à hipnose e às causas psicológicas da doença mental. Era o inverno de 1885, Freud vai a Paris para fazer um curso com Charcot. Entusiasmado com as aulas do mestre adere entusiasticamente ao modelo fisiológico oferecido por ele para o tratamento da histeria. Tanto Charcot como Freud a partir de suas observações e estudos salientaram nesse período, que a histeria era uma doença funcional cujo conjunto de sintomas seria bem definido, enquanto que na simulação os sintomas desempenhavam um papel desprezível. Ambos concluíram que a histeria era uma doença tanto feminina quanto masculina, desfazendo a ideia de que apenas as mulheres padeciam de histeria. A “histeria” como sugere o termo, deriva da palavra grega “hystéra” que significa “útero”. Porém a sintomatologia regular da histeria constituía um problema, considerando o diagnóstico diferencial versus diagnóstico absoluto. Em Paris, na Salpêtrière, Freud aprendera que um sintoma histérico poderia ser produzido em estado hipnótico, este usado como um método de pesquisa e tratamento. Ao voltar à França, em Nancy, ele comprovou que apenas por meio de persuasão e insistência, sem o hipnotismo seria possível trazer de volta o sintoma às representações e afetos que o causavam. O vocábulo “hipnose” deriva do termo grego hipnos que significa “sono”, portanto, “hipnose” designa um estado alterado de consciência provocado pela sugestão de uma pessoa em outra. Com o uso da hipnose, Freud estava mais interessado em obter subsídios sobre os mistérios do psiquismo inconsciente que os experimentos hipnóticos poderiam lhe propiciar. Isto fazia com que a aplicação desse recurso em sua prática clínica na época, o deixasse frustrado, e o fizesse reconhecer-se como um mau hipnotizador. Ao regressar a Viena, Freud lembrou um caso de uma jovem histérica atendida por Josef Breuer, um famoso médico da sociedade vienense, a qual tinha reagido diante de uma determinada técnica. Este caso entrou ara a historia com o nome de “Anna O.” por ser a primeira paciente tratada com o acesso a regiões do inconsciente. Os sintomas histéricos desta paciente despareciam após a sessão hipnótica, porém reapareciam sob a forma de outros sintomas corporais. Ele solicitou a Breuer que ampliasse os dados 18 sobre esta jovem de educação e dotes pouco comuns e que adoeceu quando cuidava do pai enfermo, por quem sentia grande afeto. Em sua doença, a jovem apresentava um quadro de contraturas variadas, inibição e um estado de confusão mental, saindo de seu “estado nebuloso de consciência” quando induzida a expressar verbalmente o estado afetivo ou emocional que a dominava. Breuer submetia a paciente a um estado de hipnose profundo determinando que relatasse tudo sobre o que a perturbava. Ao estudar o caso Freud diz tratar-se de pensamentos e impulsos que a jovem tivera que “reprimir” enquanto se achava ao lado do pai enfermo. Mais tarde os sintomas de que se queixava haviam se apresentado como substitutos destes. Quando a paciente recordava uma cena traumática de forma alucinatória, no estado de hipnose, expressava livremente o ato que originariamente reprimia, o sintoma desaparecia e não voltava a se apresentar. Dessa forma, após longo tempo, para Breuer a hipnose passou a consistir em “sugestionar o doente contra seus sintomas”, com uma finalidade terapêutica. Esta sugestão provocava uma descarga de afetos ligados a fantasias, desejos proibidos e lembranças penosas de fatos traumáticos reprimidos no inconsciente trazidos ao consciente pela “fala”, ao que chamou de “ab-reação”. A partir desse processo ele propõe o método “catártico” (de Kátharsis = purgação) para designar essa descarga emocional que ocorria durante o tratamento, usando a hipnose para descobrir os eventos que tinham causado o sintoma, assim como a relação entre o incidente provocador e o fenômeno patológico. Desta forma Breuer tem seu caso mais famoso ao atender a jovem “Anna O.” sua primeira e única paciente atendida por este método. A partir das interessantes observações de Breuer, Freud passou a pesquisar entre seus pacientes para constatar se estes apresentavam as mesmas situações e a sintomatologia se modificava com o método ao qual se dedicou durante quatro anos, período em que publicou seus “Estudos sobre a histeria”. Esta obra não teve a pretensão de esclarecer sobre a natureza da histeria, mas o objetivo de demonstrar a origem dos sintomas e assinalar a importância fundamental da vida emocional, bem como, a necessidade de considerar, no âmbito do psiquismo, a existência de duas zonas, uma consciente e outra inconsciente. 19 O que é psicanálise? Hoje, quando definimos psicanálise, valemo-nos do que disse Freud que aqui vai adaptado: Um método de investigação do significado inconsciente de palavras, atos e produções imaginárias, baseado nas associações livres que hão de servir para fundamentar as interpretações. Posta a psicanálise em tais termos, convém que voltemos ao inteiro teor do conceito para destrinçá-lo e para tirar das palavras que o compõem o que quis Freud dizer quando delas se valeu. Começando pelo termo método, tem-se uma expressão grega que significa caminho para se chegar a um fim, que no caso há de ser alcançado por meio de um processo investigatório. Ora, investigar implica em observar-se um acontecimento, um fenômeno qualquer, a partir dos vestígios que se saiba levantar sem, contudo, deixar-se, o investigador, envolver com os componentes da situação – emocionar-se, reprovar, desfrutar – e sim trabalhar nos termos de quem pesquisa, vale dizer, de quem age com total isenção. Quanto ao significado inconsciente, quis Freud se referir ao essencial em psicanálise: “o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos “conteúdos” só se tornam acessíveis depois de superadas certas resistências.”, um conceito que ele mesmo aditou a um outro, dizendo que a vida psíquica é “(...) cheia de pensamentos eficientes embora inconscientes e que era destes que emanavam os sintomas.”” (Laplanche e Pontalis). Segue-se o destaque de três expressões: palavra, atos e produções imaginárias. Comecemos por palavra para se ressaltar a importância do discurso verbal, por causa de um detalhe fundamental: o ser humano se vale das palavras não para se explicar, mas para ocultar desejos: “eis que toda palavra é uma metáfora.”1. 1 A frase é de Nietzsche. 20 Em segundo lugar se tem atos, outro ente capital na avaliação do analista, já que na psicanálise se toma o ato como o conceitua a filosofia: é o que se realizou ou se vai realizando. Depois se tem produções imaginárias, por se querer dizer de sonhos, de devaneios e de fantasias. Começando-se pelo sonho, tem a psicanálise neste ente um fenômeno que “(...) não é um mero processo somático... não é sem sentido... não é absurdo... é um fenômeno psíquico do mais alto valor, algo que preenche os desejos: algo que pode ser inserido na seqüência dos atos mentais inteligíveis quando da vigília, vez que é construído a partir de uma atividade altamente complicada da mente. (Freud in A Interpretação dos Sonhos, 1900). Do devaneio nos diz a psicanálise que se trata de um “(...) enredo imaginado no estado de vigília. (...) Os sonhos diurnos (outro nome para devaneio), constituem, como o sonho noturno, realizações de desejo (...).” Na continuidade vem o vocábulo fantasia, que conforme a síntese apresentada por Laplanche e Pontalis, pode assim ser conceituada: Roteiro imaginário em que o sujeito está presente e que representa, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e em última análise, de um desejo inconsciente. Neste ponto chega-se ao próprio método psicanalítico, chega-se à associação livre, que entrou para a psicanálise quando Freud analisava uma paciente a quem ele chamava de Emmy Von N, que ante as insistências dele no buscar das origens de um determinado sintoma, ouviu dela que não devia “(...) ficar sempre a perguntar de onde vem isto ou aquilo, mas deixá-la contar o que quer que ela tivesse para contar.” Pois isto foi o que se tornou o que realmente importa no consultório, que é atentar para o que, não obstante todo o processo defensivo usado para assegurar coerência aos discursos verbais consiga “passar disfarçado” em 21 meio ao dito conscientemente, pondo a descoberto uma verdade intra-psíquica que o paciente, conscientemente, jamais apresentaria. Na verdade o termo que Freud usou foi Einfall (invasão) e não a expressão associação livre que não retrata com precisão a desejável a “ordem determinada do inconsciente” (Laplanche e Pontalis.). Terminando a conceituação de psicanálise se tem o verbete interpretação que corresponde à intervenção do analista que durante a escuta, considera os signos, as resistências e a simbologia de que o paciente se valha para falar de si e da constelação social em que encontre inserido. Da interpretação se diz também que resume o ofício do analista que a apresenta para levar o paciente à compreensão dos fenômenos psíquicos que vivencie no setting analítico e naquilo que experiencie na sua vida de relação. Tudo começou com os trabalhos de Breuer e Freud quando do tratamento de um paciente reminiscências portador de relacionadas sintomas com histéricos, experiências sugerindo esquecidas traumáticas arcaicas rememoradas sob hipnose, fazendo com que afetos estrangulados com elas associados fossem descarregados, desaparecendo os sintomas neuróticos. Mais tarde vai Freud descartar2 a hipnose, passando a usar a sugestão e exigência do lembrar: era o tempo do método catártico de terapia e de outros até chegar à associação livre, que até hoje define o que seja fazer psicanálise. Dos trabalhos de Freud se tem que ele foi o primeiro a dizer que as comunicações feitas pelo paciente, conquanto aparentemente sem sentido, deveriam ser tratadas como um código formulado com elementos derivados do inconsciente, vendo-se, na continuidade de suas observações, o destaque da importância dos conflitos internos resultantes dos efeitos das expressões da instintualidade, independentemente dos eventos externos traumáticos. Quanto ao objetivo do tratamento, em um primeiro momento, vai Freud dizer: “Tornar o inconsciente consciente”, a exigir do analista uma postura ativa, fosse para interpretar diretamente a natureza das várias pulsões inconscientes, fosse para reconstruir o material dito reprimido. 2 Freud in Fluctuat nec Mergitur: “O emprego da hipnose ocultava essa resistência, por conseguinte, a história da psicanálise, propriamente dita, só vai começar com a nova técnica que dispensou a hipnose.” 22 Para tanto se queria o paciente em um “estado marcado por uma transferência positiva” e por isso mesmo apto para aceitar as interpretações, sendo que eventuais manifestações de repúdio (às interpretações) definiriam um “estado de resistência”, ante o qual o analista deveria suspender as interpretações até que as resistências fossem eliminadas. Observações posteriores acabaram por exigir revisões da teoria vigente, passando-se a considerar em primeiro plano a função do ego, fazendo com que novos conceitos fossem adotados, todos tomados da nova doutrina sintetizada no “Onde houver id há de haver ego.” Assim, as interpretações passaram a ser apresentadas não somente em função do conteúdo das pulsões instintuais, mas ante o comportamento manifesto produzido pelas funções superegóicas inconscientes, bem como por causa das defesas inconscientes e das resistências egóicas. Com isso a ênfase foi posta sobre: (i) o desenvolvimento e a resolução da neurose de transferência e (ii) as trocas psíquicas estruturais internas, por sinalizarem progressos terapêuticos. A par de tudo, a análise dos traços de caráter foi intensificada e do mesmo modo o relacionamento do indivíduo com a realidade vigente no seu meio ambiente. Instalava-se assim a fase das descobertas: (i) dos processos mentais inconscientes e o dinamismo dos processos de relacionamento da vida consciente e afetiva3; (ii) dos fatores etiológicos de alguns estados psicopatológicos como a existência da compulsão à repetição e do processo transferencial e da fenomenologia do desenvolvimento psicossocial e agressivo. Neste ponto Freud definia a psicanálise como “uma terapia que reconhecia o significado da resistência inconsciente, da transferência e das raízes genéticas infantis da neurose.” A vida mental e o comportamento podem ser vistos como o resultado final de uma interação contínua entre várias forças complexas que são integradas pelo 3 Afeto (e derivados do termo) nada tem a ver com o significado de carinho, de boa vontade e sim de penoso e de tensão. De Freud, sintetizado por Laplanche e Pontalis, se tem que afeto “é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações.” De maneira simples, se pode dizer que afeto é tudo que afete. 23 indivíduo a partir de poderosas influências internas e externas descritas por meio de seis conceitos: o genético, o dinâmico, o econômico, o estrutural, o topográfico e o adaptativo. O conceito genético busca explicar o comportamento do indivíduo em termos de estágios do desenvolvimento e dos modos de adaptação, ou seja, uma ampla compreensão do comportamento atual a requerer também uma compreensão dos seus antecedentes incluindo o passado remoto. Na teoria psicanalítica o desenvolvimento do indivíduo na primeira e segunda infâncias, a solução da neurose infantil, bem como a solução dos conflitos acerca da sexualidade infantil tornaram-se os três itens que assumiram particular importância por serem prototípicos enquanto experiências que repercutem na escalada do desenvolvimento subseqüente. No conceito dinâmico se considera o comportamento atual do indivíduo, compreendendo-o como o resultado do interjogo de todas as forças mentais internas geneticamente determinadas que, continuadamente, exercem influência sobre o seu desempenho determinado por impulsos instintuais, defesas, interesses do ego e conflitos. Assim observam-se no comportamento dos indivíduos interações e contraposições de forças internas, pelo que interessa ao observador não apenas os fenômenos em si, mas principalmente as forças atuantes, considerando-se o sensível nos processos de desenvolvimento e de regressão. O conceito econômico, que se refere à hipótese acerca da distribuição, transformações e investimentos da energia psíquica, é explicado pela concepção do que seja a dita energia psíquica, bem como suas contínuas variações na intensidade de suas expressões no âmbito do aparelho mental, já que ali coexistem forças em contraposição, cujo somatório dos efeitos reflete intensidades e mútuas interações observáveis nas respostas comportamentais denotando prejuízos nas percepções e nos relacionamentos em geral. O uso do termo econômico se justifica em Freud quando dele se vale para descrever situações em que o indivíduo, por toda 24 uma vida ou eventualmente, age visando algo com especial interesse, por investir sua atenção, dedicação, preocupação, interesse, etc. em alguma coisa. O conceito estrutural se explica considerando-se uma divisão tripartite do psiquismo: id, ego e superego, estando o ego sob os influxos da instintualidade (o id), das demandas ideais (o superego) e da observação permanente do mundo exterior (a realidade). O conceito topográfico (ou tópico), na leitura de Laplanche e Pontalis, supõe “(...) uma diferenciação do aparelho psíquico em certo número de sistemas dotados de características ou funções diferentes e dispostos e, uma certa ordem, uns em relação aos outros, o que permite considerá-los metaforicamente como lugares psíquicos de que podemos fornecer uma representação figurada espacialmente.” O conceito adaptativo enfatiza o papel central e crucial do ego para organizar, sintetizar e integrar as condições e influências (externas e internas) incidentes sobre o organismo (mente e corpo).pelo fato de existirem incidindo sobre o indivíduo constantes flutuações e dinamismo nas forças psicológicas e sociais do meio ambiente a exigir um grande esforço para a manutenção de um estado de equilíbrio ótimo ou mesmo próximo do ótimo para ser alcançada a adaptação. 25 Desde o tempo de Freud caracterizou o consultório do analista a presença de um divã4, um equipamento que hoje em dia já não é muito encontradiço, pois vem sendo substituído por uma poltrona. Como método conta-se com a associação livre, um fenômeno definido por Laplanche e Pontalis como a expressão indiscriminada de “(...) todos os pensamentos que ocorram ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea.” Tal visão ditada pelos dois grandes nomes citados, para muitos, sugere uma correlação com associação de idéias, um erro que ambos nunca admitiram, já que o termo que Freud usou para descrever o fenômeno foi Einfall (invasão) para preconizar a valorização do que, sem discriminação, i. e., sem censura da parte do paciente, venha em meio de qualquer manifestação verbal. Com isso se tem que na análise se buscam nos discursos os elementos que, à revelia do indivíduo, invadam suas produções, elementos estes considerados como valiosos por conseguirem ultrapassar as barreiras interpostas pelo ego no esforço para manter o que quer que ele entenda por coerência nas expressões além de buscar neutralizar as possibilidades de desprazer e de rejeição. Por causa disso a importância do que se chamou de representação, um ente, que na filosofia fica estritamente referido à subjetividade, enquanto Freud, sem negar o filosófico, agrega um toque psicanalítico, propondo, a par da subjetividade, a consideração do inconsciente quando fala das “representações inconscientes”, assim tornando a representação próxima do que Saussure em 1916 vai chamar de significante – o fator desencadeador. Resumindo-se o que se tem por representação na psicanálise, será o “como o que de algum objeto venha a se inscrever nos sistemas mnésicos”, destacando-se aí a idéia de haver uma experiência anterior que resulte em investimento em uma lembrança. Quanto a sessão em si, esta exige do analista uma postura definida como atenção uniformemente flutuante, por ser indispensável, como o diz Freud (1912): 4 Em havendo o divã, o analista se coloca fora da visão direta do analisando. 26 (...) a suspensão tão completa quanto possível de tudo aquilo que a atenção habitualmente focaliza: tendências pessoais, preconceitos, pressupostos teóricos, mesmo os mais bem fundamentados. A par da postura citada, fazem parte ainda da postura do analista a regra de abstinência e a frustração. A regra de abstinência refere-se a um modo de tratar marcado pela suspensão da possibilidade de vir o paciente a desfrutar satisfações substitutivas para os seus sintomas. Assim há de o analista se recusar a atender aos requerimentos do paciente, bem como recusar o desempenho de papéis que ele tente impor. Por isso mesmo, o analista não se permitirá em elogiar melhoras, interessar-se por situações pessoais extra-analíticas tais como cumprimentar pela passagem de aniversários, de festas como Natal, Páscoa, etc., tudo feito com o fim precípuo de evitar comportamentos repetitivos (porque socialmente usuais) que dificultem o trabalho de rememoração e de elaboração. Quanto a frustração, esta se refere às pulsões de autopreservação por exigirem um objeto sobre quem recaia uma exigência, uma demanda. A palavra portuguesa frustração inclui o sentido de haver alguém passivamente frustrado, não o sendo assim em alemão, a língua do Freud, que usava a expressão (verbo) versagen, correspondendo, em português, a falhar, fracassar. Veja-se que tal compreensão no nível psicanalítico, coloca a frustração no próprio paciente – como uma autofrustração – por sentir-se como alguém que, por um motivo com o qual não atina, não consegue passar o desejado para o analista, que na verdade está impondo a condição, mas de uma maneira tal que não deixa no analisando senão a impressão de incapacidade. No frustrar tem-se então a intenção de se por o paciente a externalizar várias abordagens e requerimentos que sirvam de subsídios para formulação de hipóteses e interpretações. Com isso se tem que analista há de manter-se firme no papel de um observador-participante, preservando o estado de abstinência. Sobre o tema, de Freud (1918) se tem um texto exemplar: 27 O tratamento analítico deve ser efetuado, na medida do possível, sob privação, em um estado de abstinência. (...) Lembrar-se-ão os senhores de que foi uma frustração que tornou o paciente doente e que seus sintomas servem-lhe de satisfações substitutivas. (...) Cruel como possa parecer, devemos cuidar para que o sofrimento do paciente, em grau, de um modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente. Mas há a questão da interpretação, em que o analista demonstra ao paciente os seus sintomas neuróticos e os seus traços de caráter (representados nas suas frustrações e nas gratificações parciais obtidas das suas tendências infantis) que o protegem de se tornarem conscientes as ameaças infantis mantidas não resolvidas não obstante o seu desenvolvimento. Na verdade, acerca do trabalho psicanalítico, resumidamente, se pode dizer que se desenvolve em duas partes: com o analista todo o tempo e o paciente, às vezes, tentando examinar e isolar os problemas que parecem sem sentido, o que é relativamente simples no referido às neuroses, mas bastante complexo quando referido aos traços de caráter, vez que estes, instalados, se tornam egosintônicos; com o analista valendo-se do material trazido, expondo os significados subjacentes, com o fim de tornar significativo o que quer que pareça sem sentido, levantando com habilidade o que na atualidade ainda mantêm as mesmas condições vigentes nas diversas fases infantis e da adolescência. Tal trabalho só será válido se levar o paciente ao processo de elaboração que, por sua vez, desembocará no processo de insight, i. e., na instalação da compreensão interna, tendo-se o paciente articulando idéias, sentindo-se e comportando-se de forma amadurecida por terem se tornado obsoletos as necessidades infantis, os sentimentos de culpa, os déficits de auto-estima e de autoconfiança, os sentimentos de inferioridade, a necessidade de punição e de autopunição, tudo isso por ter passado a vigorar independência moral e intelectual. 28 1. A energia psíquica e o funcionamento mental Freud ao introduzir o conceito de energia psíquica propõe os termos opostos de energia livre e energia ligada a partir do princípio da termodinâmica. A essa energia ele denominou de “libido” e propões uma ligação, ou conexão à pulsão sexual. É um conceito que aparece de modo geral em toda a literatura psicanalítica. O termo “libido” vem do latim e quer dizer “desejo”, “vontade”, energia própria da pulsão e que se manifesta na vida psíquica. O autor parte da postulação de que toda a pulsão, assim como a sexual, situa-se no limite entre o soma e o psiquismo. Inicialmente Freud considerou que todo o prazer derivado da satisfação das necessidades básicas como a fome, sede, e necessidades excretórias tinham a finalidade de auto-conservação, e o prazer que provém de necessidades que não são devidas à satisfação foram consideradas por ele como sexuais ou eróticas. Enfatizou assim, que a libido podia ser investida tanto no próprio corpo e no ego como no caso do “auto-erotismo” e do “narcisismo primário”, como nos objetos da realidade exterior. Mais tarde com a introdução da teoria da “pulsão de morte” (1920), a libido é então dita como a energia própria de Eros, e como tal, a “pulsão de vida” em oposição à Tânatos, tal como o significado, a “pulsão de morte”. A partir de então, Freud reafirmado a essa concepção (1921) de libido diz que: “todas as pulsões responsáveis por tudo o que compreendemos sob o nome de amor”. O inconsciente é constituído por uma “energia psíquica” proveniente das pulsões, segundo Freud, as quais operam em conjunto com as “representações” que se forma no ego, caracterizando especificamente dois tipos de processamento psíquico. Estes dois modos de funcionamento do aparelho psíquico ele definiu como processos: primário e secundário. Freud emprega a palavra “pulsão” cujo termo original vem do alemão “trieb” que alude às necessidades biológicas, psicológicas que precisam ser descarregadas. Essas precisam ser distinguidas do termo “instinto” derivado de “instinkt”, que surge na obra do autor, designando os padrões hereditários de comportamento tipicamente da espécie animal. Pulsão, portanto, é o “processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator da 29 motricidade) que faz o organismo tender a um objetivo” (LAPLANCHE & PONTALIS, 1998, PG. 394). A pulsão é conceituada por Freud como “o representante psíquico dos estímulos somáticos” e seus componentes são: fonte – diz respeito ao órgão, partes do corpo de onde procedem os estímulos; força – refere-se a uma quantificação da energia que busca descarga motora (aspecto econômico); finalidade – consiste na necessidade de satisfação imediata, por meio de uma descarga motora ou pela eliminação de um estímulo que procede de uma fonte; objeto – aquilo em relação ao qual, ou pelo qual a pulsão finalidade. O investimento pulsional, também denominado de catexis, que significa “ocupação” é outra característica da pulsão. Exemplificando pode ser tomada a “fome”, cuja finalidade é a satisfação desta e o objeto é o alimento. As pulsões apresentam ainda as características: deslocamento pulsional; intercâmbio das pulsões; compulsão à repetição; e transformações pulsionais. A pulsão pode sofrer resistência que a tornam inoperante e que sob certas condições pode passar para o estado de “recalque”. Para que ocorra o recalque é necessário que a força do desprazer adquira uma força superior ao prazer obtido na satisfação. Freud afirma que existe um recalcamento primitivo a que denominou de repressão primária, por ser uma primeira fase do recalque, pois consiste no fato de que o representante psíquico da pulsão tenha barrado desde o inicio sua entrada no consciente. O recalque, termo do alemão “Verdrängung”, também entendido como “recalcamento” ou “repressão”, assim conceituado: “o recalque que está ligado a um processo pelo qual o sujeito procura repelir ou manter oculto no inconsciente, as representações de pensamentos, imagens, fantasias e recordações que estejam ligadas a algum desejo pulsional proibido de surgir no inconsciente”. Uma confusão semântica ocorre entre os termos “recalque” e “repressão”, pois muitos tradutores e autores consideram ambos sinônimos, enquanto que outros teóricos da escola francesa fazem distinção entre recalque e repressão. A distinção mais entre estes conceitos, recalque é repressão, é feita pelos autores Laplanche & Pontalis (1982) que assim expressam: “O “recalque” é um processo que consiste essencialmente na participação do inconsciente, enquanto a “repressão” estaria ligada a um mecanismo de exclusão da consciência, atuando no nível da segunda censura”. A censura para Freud 30 ocorre entre o consciente e o pré-consciente, portanto, não como acontece no recalcamento, ou seja, a passagem de um sistema para outro sistema => consciente-pré-consciente-inconsciente. Freud (1897) inicialmente tentou explicar as neuroses através de sua teoria que denominou “sedução” devido às reminiscências de traumas infantis realmente acontecidos. O relato de suas histéricas o impressionava, pois estas responsabilizavam os adultos, principalmente os pais, por abusos ocorridos passivamente na infância. A partir desta descoberta passa a considerar que as “fantasias” tem o mesmo valor da patogenia destas reminiscências infantis, atribuindo ao inconsciente o primado do aparelho psíquico. O autor afirma que “as fantasias possuem uma realidade psíquica oposta á realidade material (...) o mundo das neuroses é a realidade psíquica que desempenha o papel dominante”. O recalque em sentido próprio, seguindo Laplanche e Pontalis (1998): “(...) operação pela qual o sujeito procura repelir da ou manter fora do consciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão. O recalque produz nos caso em que a satisfação de uma pulsão – suscetível de proporcionar prazer por si mesma – ameaçaria provocar desprazer relativamente em outras exigências. (...) processo psíquico universal, na medida em que estaria na constituição do inconsciente como campo separado do resto do psiquismo. (...) termo ‘recalque’ é tomado por Freud numa acepção que aproxima de ‘defesa’ (...)” (pg. 430) Considerando a energia psíquica, a qual constitui um “substrato energético postulado como um fator quantitativo de operações do aparelho psíquico” são encontrados dois tipos de processamento psíquicos: o “processo primário” que é caracterizado por um deslocamento fácil e uma descarga da libido com escoamento livre da energia; e o “processo secundário” onde a energia passa a estar “ligada” antes de iniciar um escoamento de forma controlado. Na energia livre, a do processo primário, as várias cadeias de representações com seus respectivos significados inconscientes produzem uma condensação, portanto, a energia circula de forma liberada o que favorece a uma tendência de descarga imediata tal como acontece no princípio de prazer. Essa noção é elaborada com maior consistência a partir da Interpretação dos sonhos, e Freud propõe a noção de processo primário com 31 energia livre, deslocável e condensada, com inscrições de significações às quais conceituou como “representação coisa”. Essas significações seguem as leis do inconsciente, as quais não apresentam uma lógica, não tem noção de tempo, espaço, relações de causa e efeito ou contradição. No “processo secundário”, a energia psíquica que está presa, ligada, e circula de maneira mais compacta, as representações são investidas de maneira mais estável, onde a satisfação é adiada, permitindo assim experiências mentais que põem a prova os diferentes momentos e caminhos da satisfação. É uma energia sempre ligada a uma representação psíquica, mais precisamente ligada ao sistema pré-consciente e consciente. A este tipo de energia Freud denominou de “representação palavra”. Estes processos foram descritos de forma linear e temporal, sendo o primário precedido pelo secundário, segundo Freud. A oposição entre o processo primário e o processo secundário, é o correlato da oposição entre o principio de prazer e o principio de realidade. “Representação” é um termo empregado por Freud que tem origem no vocabulário clássico da filosofia alemã e designa “aquilo que se representa como sendo o conteúdo de um ato de pensamento”. Freud concebe este termo “representação” de forma distinta devido às suas descobertas referentes ao “Projeto” e sobre as “afasias” o qual passou a ocupar um lugar de relevância na literatura psicanalítica. Com representação, portanto no dizer do autor “aquilo que se representa” e que “forma o conteúdo concreto de um ato de pensamento” e que pode ser dito como que especialmente é uma “reprodução de uma percepção anterior”. O termo “afasia” pode designar um transtorno de memória (sentido amplo), como também, pode aludir a uma perturbação da linguagem (sentido mais restrito). Freud propõe uma oposição entre a representação e o afeto por entender que cada um destes dois elementos tem destinos diferentes nos processos psíquicos. O que o que é recalcado é a representação originária a qual se inscreve no inconsciente sob a forma de traços mnésicos, distinguido assim, entre a “representação de coisa” e a “representação de palavra”. O “afeto” consiste em tudo o que “me afeta”, pois exprime “qualquer estado afetivo, penoso ou desagradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma descarga maciça, quer como totalidade geral”. Toda a pulsão é expressa pelo registro do afeto e pelo 32 registro de representação. Em termos de energia psíquica, o afeto consiste na expressão da “qualidade” da quantidade da energia. O afeto não necessariamente estará ligado às representações e sua separação - se afeto sem representação, ou se representação sem afeto - é que ira garantir seu destino. Freud aponta possibilidades diversas de transformações de afeto: - a conversão do afeto na histeria; o deslocamento do afeto na obsessão; - e a transformação do afeto na melancolia e na neurose de angústia. As “representações-coisa” consistem em um investimento de energia (quantidade) direto da coisa, ou nos restos mnêmicos mais distanciados e derivados da mesma em si, ou seja, essencialmente “visual”. Portanto as representações- coisa são próprias do inconsciente e não pode ser equiparada a alguma forma de copia de um objeto ou de uma imagem deste. Assim a representação-coisa não é a representação de um objeto que seria representado, mas designa a matéria, a qualidade do texto da representação. Freud fala do funcionamento do psicótico a coisa é tomada como uma representação em si mesma, onde a palavra é tratada como uma “coisa”, prescindindo de significado. As “representações-palavra” é uma representação que deriva da palavra, e por isso, essencialmente “acústica”. A representação é entendida pelo autor como um “traço mnésico” que têm como sede o sistema préconsciente e está vinculada à verbalização, e como tal, a uma possível tomada de consciência. Freud (1915) afirma que “a representação consciente engloba a representação-coisa mais a representação-palavra correspondente, enquanto a representação inconsciente é a representação-coisa só”. Em 1896, no capítulo VI de seus escritos sobre as “Afasias” ele afirma que para a “psicologia, a palavra é uma unidade de base da função da linguagem, que evidencia ser uma representação complexa, composta de elementos acústicos, visuais e cenestésicos (...) geralmente são mencionados quatro componentes da representação-palavra: a imagem acústica; a imagem visual da letra; e a imagem motora da escritura”. As perturbações a linguagem segundo Freud podem ocorrer com qualquer pessoa em estado de perturbação emocional mais forte ou em situações de cansaço ou estresse. 33 2. O funcionamento mental e seus princípios O termo “princípio” é muito empregado pelas ciências em geral, e designa um ponto de partida para a construção de teorias, sistemas e construções lógico-dedutivas. Muitos são os princípios que existem e de forma as mais distintas, agindo e reagindo de forma distinta, embora cada um possa manter autonomia conceitual com regras especificas e com leis também específicas. Freud ao conceber o funcionamento mental do incipiente aparelho psíquico que irá se formando, a partir do desenvolvimento do ser humano, percebe estímulos carregados de energia que provocam uma movimentação interna, o que determinará o surgimento de um processo ao qual denominou de “princípio do prazer-desprazer”. A atividade psíquica no seu conjunto em por objetivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer. Pelo fato deste principio ter que desfazer-se, livrar-se ou descarregar todo e qualquer estímulo que provoque desprazer é um principio econômico na medida em que o desprazer está ligado ao aumento das quantidades de excitações e o prazer à sua redução. Com isto todo o estímulo provocaria uma redução e ao mínimo da tensão provocada pelo acúmulo de energia psíquica, para manter em estado constante (princípio de constância). A partir de suas observações e com a experiência ele percebe e descreve que os aumentos da tensão psíquica poderiam ser prazerosos no acúmulo de energia e com uma retenção temporária da excitação sexual. A “catexia pulsional” que demanda uma gratificação imediata corresponde ao que Freud denominou de “principio de prazer”, pois esta não leva em conta a realidade externa. A palavra “catexia” foi traduzida do alemão “besetzung” a qual tem vários sentidos: investimento, ocupação, e que na tradução para o português, chama-se também de “cateixa”. Portanto, “catexia” ou “investimento” é um conceito econômico, pelo fato de determinada energia psíquica pode estar ligada a uma representação, ou grupo de representações, ou a uma parte do corpo, ou a um objeto. Este princípio pode ser exemplificado com o bebê, que ao sentir a fome, ou a necessidade prazerosa do “seio” real, não tendo este sente prazer e se alivia com a sucção do próprio polegar. No adulto podem ser citados os devaneios, as crenças ilusórias e as produções 34 delirantes. Essa satisfação mágica em ambas as situações produzem uma frustração e se tornar decepcionante, pois as exigências e necessidades da realidade não serão satisfeitas, como no caso da fome física e real, a sucção do dedo não satisfaz a fome, pois não produz o leite, a fantasia não torna realidade o objeto imaginado e alucinado. Isto vem determinar o “principio da realidade”. O princípio de realidade pode ser olhado a partir dos pontos de vista: econômico, considerando a relação da energia ligada e a energia livre; topográfico, pela conexão entre os sistemas consciente-pré-consciente (CsPcs); dinâmico, estrutural, considerando o destino das pulsões a partir do ego. Ambos os princípios de prazer e de realidade foram valorizados por Freud e pelos pós-freudianos a partir de seus opostos: satisfação – frustração e necessidades-desejos. O bebê na vigência do “princípio de prazer” e diante da ausência da mãe busca uma “satisfação alucinatória” para seu desejo, a fome. Na medida em que a mãe não vem com “seio-leite” para saciar sua fome, o bebê vai desenvolvendo a capacidade de espera e com isso aprendendo a postergar a “satisfação” de seus desejo: de satisfação, saciar a fome. Freud (1911) em “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” faz estas afirmações e acrescenta que os surgimentos posteriores da mãe, não só o bebê deixa para trás, faz progressos na utilização de seus órgãos sensoriais, progredindo em sua maturidade e vai desenvolvendo uma aproximação com a realidade, cedendo espaço no imaginário. Assim, vai surgindo o “princípio da realidade” proposto pelo autor. Freud foi descrevendo estes princípios a partir do surgimento dos mesmos em sua teorização, e por isso de maneira sequencial e sucessiva, porém os mesmos vão se constituindo e se desenvolvendo a partir do psiquismo e do crescimento do bebê de forma simultânea, e ainda com a interação ao longo da vida mesmo nos adultos, mesmo que as demandas sejam ocultas e o prazer possa estar oculto de acordo com esse princípio. O deslocamento fácil da energia psíquica e descarga da libido caracteriza o “processo primário”. Neste processo as várias cadeias de representações com seus significados inconscientes correspondentes irão produzir as condensações. A condensação é uma operação psíquica que reúne 35 imagens e representações em quantidade e que se funde em uma só imagem ligada a um único símbolo. Esse processo caracteriza-se pela facilidade de deslocamento e descarga da libido. A noção de processo primário decorre da descrição primitiva do aparelho neurônico, cuja energia psíquica circula de forma livre e tende a descarregar imediata e totalmente, como ocorre no principio de prazer. Portanto o principio de prazer esta ligado ao processo primário, a energia é livre e as representações são de coisas. Estas significações todas seguem as leis do inconsciente onde não há lógica com referencia a tempo, espaço, contradições, relações de causa e efeito, entre outras. A energia psíquica que fica ligada, esta presa e circula de forma mais compacta, assim está ligada a uma representação psíquica situada nos sistema consciente e pré-consciente. Essa energia ligada a uma representação é característica de um processo que freud denominou se “secundário”, quer dizer, vem se formar após a energia livre, pois seu movimento para a descarga é controlado e retardado pelo ego. Este processo vai se desenvolvendo e se estrutura com o desenvolvimento do sujeito num nível mais estruturado do aparelho mental e psíquico. O processo secundário caracteriza-se pelas representações de palavras, pertinente à parte neurótica da personalidade do individuo. Os fenômenos psíquicos repetitivos de natureza não-prazerosa observados com frequência nos sonhos de angústia, nos atos-sintomas masoquistas entre outros intrigavam Freud. De outro lado percebeu que as crianças também repetiam jogos, brincadeiras e relatos de histórias de maneira a elaborar ativamente o que tinham sofrido passivamente, como susto traumático, perda de pessoa querida ou importante entre outros. Essa compulsão à repetição constatada por Freud (1920) era oriunda de uma força intensa provinda do interior do indivíduo, percebendo que a mesma estava situada na pulsão, e ligada a uma forma de destruição, e por isso mesmo uma “pulsão de morte”. A afirmação de Freud em a publicação de “A interpretação dos sonhos” vem publicar um novo princípio em relação ao psiquismo, onde afirma que “nada acontece ao acaso ou de modo fortuito na mente”, pois “cada acontecimento psíquico é determinado por outros acontecimentos que o 36 precederam” e assim afirma que “há uma descontinuidade na vida mental”. Ele postula ideia de causalidade, dizendo que tudo o que possa parecer uma “causalidade” é sempre fortemente determinado por múltiplas “causalidade”. A múltipla causalidade esta ligada ao fato de que varias causas podem produzir o mesmo efeito, e uma causa pode produzir vários efeitos, e estas podem ser responsáveis pela determinação e produção dos sintomas. A psicanalise desde seu início se viu confrontada com os fenômenos da repetição. As manifestações dessas repetições aparecem nos sintomas e rituais obsessivos, por exemplo, pois o que produz o sintoma é justamente o fato de reproduzir de maneira disfarçada certos elementos de um fato passado. De modo geral o recalcado procura retornar ao presente na forma de sonhos, atuações, sintomas “que permaneceu incompreendido retorna (...) até que seja encontrada a solução ou alívio”. 37 SOBRE A PRIMEIRA TÓPICA OU TEORIA TOPOGRÁFICA Na verdade, o que prepondera na visão da primeira tópica é um substantivo: o inconsciente. Vejamos como isto aconteceu. Em 1885, Freud embarcou para a França para estudar hipnose com Charcot e lá observou um aspecto que para muitos poderia ser secundário: o fato de pessoas executarem ordens que lhes houvessem sido ditadas quando submetidas aos transes. Pois foi isto que levou Freud a pensar que ações se desencadeavam a partir de causas reais não conscientes, i. e., inconscientes. Tomando este detalhe Freud concluiu que: I. os determinantes de muitos atos nem sempre são conscientes; II. há processos psíquicos ocultos; III. há um liame entre o não-consciente (o inconsciente, ou seja, o não sabido) e os sintomas, pelo que a terapia deve se haver com a inconsciência e não com as idéias fixas e IV. seria possível mapear-se o psiquismo delineando regiões virtuais em que estivessem sendo operados os processos psíquicos. Dessas conclusões vai, ele, compor suas primeiras concepções, que vão resumidas na seguinte frase: Foi em Nancy que eu recebia as mais fortes impressões, relativas às possibilidades de poderem os processos psíquicos permanecer ocultos à consciência dos homens. Na frase que acima vai destacada se tem Freud sublinhando a importância da atividade inconsciente como causal e por isso mesmo atuando poderosamente 38 sobre a consciência, com aquele se impondo como realidade conquanto mantido sob ocultação, condição que ele explica como decorrente de um outro fator: a repressão, o que o levou a compreender o inconsciente como o reprimido. É desta visão que ele fala quando escreveu para Ernest Jones: O inconsciente representa a região do espírito, cujos elementos se acham no estado de repressão. Pois com a frase acima Freud, resumiu até a técnica psicanalítica que ele veio a propor fundada na nascente Teoria Topográfica, tendo como pedra angular a eliminação da repressão e a recuperação-elaboração dos traumas da infância. Partindo desta conceptualização, competia, então, ao analista, ao interpretar, revelar ao seu paciente o que quer que houvesse de reprimido no seu inconsciente. Assim, em 1912 (in Recomendações aos Médicos que Exercem Psicanálise), Freud preconizava: (...) o paciente deve relatar tudo o que sua auto-observação possa detectar, mas impedindo todas as objeções lógicas e afetivas que procurem induzi-lo a fazer uma seleção entre elas. Também o médico deve se colocar em posição de fazer uso de tudo o que lhe seja dito para os fins de interpretação e de identificação do material oculto sem substituir sua própria censura pela seleção do que vier o paciente a abrir mão. Para melhor formulá-lo, deve voltar o seu próprio inconsciente, como um órgão receptor na direção do inconsciente transmissor do paciente. Deve ajustar-se ao paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone transmissor. Lendo-se com atenção o excerto acima, vê-se com bastante clareza Freud colocando o paciente em um papel ativo na clínica, o analista atento ao material produzido e 39 ambos dedicados à auto-observação com um fim específico: o de neutralizar influências diversionistas que pudessem interferir tanto na emissão como na recepção do exposto como material inconsciente, este provindo do psiquismo do paciente, sendo que o analista age como um encarregado de superar as resistências. A comparação com o aparelho telefônico dá uma boa idéia acerca da necessidade de manter-se o profissional descomprometido com a lógica (já que não há lógica no inconsciente!) e com o dito emocional, ambos fatores geradores do que hoje chamamos de processos resistenciais geradores dos mecanismos de defesa, sendo que, ao tempo dos ensinamentos aqui cogitados, só se sabia de um mecanismo de defesa: a repressão. Sim, a psicanálise ao tempo da Primeira Tópica esteve empenhada na superação das resistências conduzindo o paciente a uma confrontação pontual ante a sua fenomenologia intrapsíquica inconsciente, principalmente quando destacava, nas interpretações, aspectos tipológicos simplistas ao interpretar, por exemplo, o movimento intenso e repetido da perna como desejo de masturbação, ou o nunca comer bananas explicado por uma eventual experiência forçada de felação, etc. Na verdade o tipo de interpretação referido acima vinha de um ensino de Freud que escreveu (Etiologia da Histeria. Volume III): (...) formar uma opinião sobre a causação de um estado patológico como a histeria, começamos por adotar o método de investigação anamnésica, interrogando o paciente ou aqueles que o cercam, com o fim de descobrir a que influências danosas ele próprios atribuem seu adoecimento e o desenvolvimento desses sintomas neuróticos. Ora, assim o sendo, na Primeira Tópica tinha-se o analista como uma espécie de autoridade em sentimentos conscientes e inconscientes, em costumes, em ética, por serem as suas interpretações ditadas a partir de suas reações e julgamentos formulados a partir das características da natureza humana por ele mesmo consideradas boas e/ou pervertidas. 40 Freud, em 19155, desenvolvendo suas primeiras descobertas no âmbito do psiquismo humano adotou, para descrevê-lo, o que veio a ser chamado de o ponto de vista topográfico. Para tanto, valeu-se, de uma palavra que nos vem do grego: topoi (local) com isso formulando algo que se poderia chamar de teoria dos lugares, fazendo-o influenciado pela neurofisiologia da época que falava das localizações cerebrais das personalidades múltiplas, dos estados crepusculares nas mulheres ditas histéricas. Considerando-se sua proposta, o temos expressamente caracterizando os fenômenos mentais partindo da consciência e por isso mesmo postulando três regiões (inconsciente, pré-consciente e consciente) não anatômicas e não espaciais, antes postas nos termos de uma metáfora descritiva por formular um dito aparelho psíquico composto por um eixo vertical que partindo da superfície afundava nas profundezas do espaço intra-psíquico. Quanto às regiões, para denominá-las, Freud, de saída, levou em conta o nível em que se encontrassem lembranças, idéias, desejos, fantasias, sentimentos, etc. Assim, tudo o que estivesse disponível, estaria na tona, ou numa dita superfície e por isso mesmo de fácil rememoração, uma condição que ele chamou de o consciente (cs). O logo abaixo da dita superfície, também com condições de ser recuperado, mas por meio de esforços mais ou menos intensos, território que ele denominou pré-consciente6 (pcs) e abaixo deste aquele que é total, absoluta e definitivamente inalcançável: o inconsciente (ics). Sobre o último, há que se considerar que o termo inconsciente em alemão, a língua de Freud, é das Unbewusste 7, literalmente, o não sabido, uma expressão a sugerir um adjetivo, sendo que o temos, também, com o formato de um substantivo. A Primeira Tópica ou Teoria Topográfica trata da compreensão do funcionamento dos conteúdos mentais e eventos quando se considera os relacionamentos com a consciência, quais sejam as lembranças, os fatos, os 5 In O Inconsciente. Os seguidores de Jung chamam o preconsciente de subconsciente. Freud disse que o preconsciente é muito importante para carregar consigo o prefixo “sub”. A propósito: são freudianos os seguidores de Jacques Lacan e de Melanie Klein. 7 Pronuncia-se “dáçumbevusste.” 6 41 sentimentos, os pensamentos, os julgamentos, os desejos, as idéias, estes ditos... Inconscientes: porque fora da percepção consciente, por isso mesmo não podendo se tornar consciente por meio da atenção focal; Pré-conscientes: porque mediante atenção focal podem ser levados à consciência; Conscientes: porque facilmente disponíveis na memória. Com a teoria topográfica se tem o primeiro e importante esforço de Freud ao propor uma sistematização da psicanálise de então para assim se compreender melhor os fenômenos psíquicos. Para tanto, vamos tê-lo concebendo uma perspectiva até as profundezas do psiquismo. Resumindo: um modelo topográfico da mente com os seus conteúdos distribuídos em três sistemas: O Inconsciente contendo desejos de vida operando via processo primário que é baseado no princípio do prazer e separado de tudo o mais pela repressão e pela censura; O Consciente buscando funcionar de acordo com a razão e com as normas e regras familiares, mantendo a conexão com o mundo exterior; O Pré-consciente referido aos conteúdos mentais possíveis de se tornarem conscientes não no momento da percepção, mas com amplas possibilidades posteriores de acesso. Destacando-se o inconsciente dele se pode dizer que contém os desejos dos primeiros anos de vida e operando via processo primário que se baseia no princípio do prazer, separado dos demais pela repressão e pela censura. 42 Por repressão se tem que é um mecanismo que faz desaparecer da consciência um conteúdo desagradável, inoportuno como o são algumas idéias, afetos, vergonha, culpa, etc. Quanto à censura esta é uma atividade defensiva dirigida contra a admissão na consciência de estímulos perturbadores provindas do mundo exterior e/ou de pulsões proibidas derivadas do inconsciente. Assim sendo, se pode dizer que o ponto de vista topográfico organizou os dados psicológicos estando associado ao primeiro objetivo (inteiramente superado em 1923) da psicanálise de então, a que chamou de ponto de vista topográfico. Sendo, na verdade uma composição de três regiões não-anatômicas e nãoespaciais dispostas no aparelho psíquico, indo da superfície até às profundezas do inconsciente de que se vêem derivados com os mais diversos formatos e expressões. “A psicanálise visa tornar consciente o inconsciente”. A par do posto acima há que se considerar que Freud, ao seu tempo, já considerava o analisando a partir de três outros pontos de vista, por visar a compreensão da fenomenologia psíquica: 1. O topográfico que aparece no capítulo sete do A Interpretação dos Sonhos, quando ele descreve os tipos de funcionamento regentes da fenomenologia consciente e inconsciente, dizendo que é o processo primário o que controla o material inconsciente ao lado do processo secundário, este o controlador dos fenômenos conscientes, com o material inconsciente objetivando apenas a descarga. 43 2. O dinâmico (pulsões) quando tratava da existência de forças psicológicas atuantes na mente, cada uma delas com uma fonte, uma magnitude e um objeto. Assim, há a fonte: um estado de tensão (uma tensão corporal), uma meta (objetivo): a supressão do estado de tensão e o objeto em que a pulsão atinge sua meta; 3. O econômico quando tratava da energia (a questão da intensidade) no aparelho psíquico gerando excitações, importando os seus formatos e a natureza das descargas. Assim, com a teoria topográfica Freud demonstrou: como os comportamentos e os sentimentos são influenciados por idéias, pensamentos e sentimentos inconscientes conflitantes entre si, bem como pelos desejos e pensamentos conscientes; que tais influências podem resultar em confusão mental, sintomas e mesmo doenças como as classificadas como somáticas que são aquelas que se valem do corpo como expressão das condições psicológicas. Pois com este modo de observar a problemática humana no nível psicológico, propôs Freud aquilo a que chamou de metapsicologia psicanalítica referida à algumas hipóteses que usou para basear a sua Teoria Psicanalítica que continuamos a estudar. - APARELHO PSÍQUICO. Freud conceituou que a função do aparelho psíquico consistiria em: 1. O trabalho de transformar uma determinada energia pulsional. 44 2. Promover inscrições e traduções das primitivas impressões psíquicas, com as respectivas e distintas significações de cada uma delas, porém todas entrelaçadas entre si numa rede de significantes. 3. Manter no mesmo nível possível a energia interno psiquismo, conforme o princípio da constância. 4. Efetuar uma diferenciação em sistemas ou instâncias psíquicas, obedecendo a uma organização estrutural, ou seja, uma disposição de elementos psicológicos que ocupam um lugar definido na mente, com uma certa ordem e com recíprocas influências. Freud pretendeu deixar claro que sua concepção de uma coexistência de sistemas ocupando lugares na mente não deve ser entendida no sentido anatômico, de localizações cerebrais, mas sim como uma forma de definir que as excitações pulsionais transitam em lugares, vias ICS – PCS – ICS o que mais tarde deu nova dimensão elaborando a teoria estrutural ID – EGO – SUPEREGO. O termo aparelho foi utilizado por Freud porque na época pioneira da psicanálise ele estava impregnado pela visão mecanicista da medicina. Estas observações indicam que o aparelho psíquico tem para Freud um valor de modelo, ou, como ele próprio dizia, de “ficção”, assim a expressão nos remete para uma apreciação de conjunto da metapsicologia Freudiana e das metáforas que põe em jogo. 45 Trabalho referente a este módulo: Com tudo que compartilhamos neste módulo, segue minha orientação para a elaboração do trabalho, a ser entregue até o próximo módulo em julho de 2014. Solicito que você descreva, com suas palavras, resumidamente, sua compreensão da 1ª tópica. Como complemento, saliento que, nas suas citações quando você mencionar qualquer conceito visto em nosso módulo, como mecanismos de defesa, consciente, inconsciente, repressão ou recalque, em fim qualquer um citado, você deve buscar descrever no final do trabalho o conceito “formal”, que pode estar na apostila ou em qualquer pesquisa que você se põe a fazer, indicando a fonte e autores. Sempre nomeie seu trabalho, a que módulo ele se refere e data de entrega, deverá ser entregue impresso, não apenas por arquivo digital, salvo aqueles alunos impossibilitados por qualquer motivo, estes deverão responsabilizar alguém pela impressão e conferência do conteúdo do trabalho. Lembrando que a avaliação dos trabalhos se dará no âmbito do seu conhecimento sobre o assunto e não sobre você! fique a vontade, escreva despretensiosamente, caso qualquer dificuldade compreensão entraremos em contato para esclarecimentos. Boas inspirações e estudos! João Paulo Kotzent minha de 46 BIBLIOGRAFIA. FREUD, SIGMUND Obras Psicológicas Completas Vol. XIX, XXII – Imago EditoraRJ-1982. ROUDINESCO, ELISABETH - Dicionário de Psicanálise - Jorge Zahar Editor, RJ-1997. LAPLANCHE E PONTALIS – Vocabulário da Psicanálise - Martins Fontes, SP2000. ZIMERMAN, DAVID E. – Fundamentos Psicanalíticos - Artmed, RS-1999. NICOLA ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia – Martins Fontes, SP-2000 HANNS, LUIZ – Dicionário Comentado do Alemão de Freud - Imago, RJ-1996. FENICHEL, OTTO, Teoria Psicanalítica das Neuroses - Atheneu, SP-2000 ZIMERMAN, DAVID E. – Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise - Artmed, RS-2001. TALLAFERRO, ALBERTO – Curso Básico de Psicanálise – Martins Fontes, SP-2001. MANNONI, OCTAVE – Freud Uma Biografia Ilustrada - Jorge Zahar Editor, RJ1994. Filmes indicados: Freud Além da Alma, é um filme norte-americano de 1962 dirigido por John Huston, Elenco principal: Montgomery Clift ... Sigmund Freud Susannah York ... Cecily Koertner Larry Parks ... Dr. Josef Breuer Susan Kohner ... Martha Freud