Diretor Técnico Responsável: Dr. Thomaz Rodrigues Porto da Cruz CRM 1.869 Junho de 2016 BOLETIM MÉDICO DOENÇA CELÍACA: REVISÃO DE EXAMES SOROLÓGICOS A Doença Celíaca (DC) é uma doença autoimune, caracterizada por uma intolerância a alimentos que possuem glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis. A idade de apresentação mais comum é entre os 6 meses e 2 anos de idade - geralmente, quando a amamentação é suspensa e alimentos derivados do trigo são introduzidos. Porém, cada vez mais adultos estão sendo diagnosticados com a doença celíaca oligossintomática. Há uma predisposição genética: a doença está associada ao complexo de histocompatibilidade principal da classe II (HLA-DQ2). A fração tóxica do glúten é chamada de gliadina (fração álcool-insolúvel do glúten). É a proteína responsável pela indução da enteropatia da doença celíaca, caracterizada por atrofia vilosa, aumento de linfócitos intra-epiteliais e hiperplasia críptica da mucosa do intestino delgado. A gliadina é o substrato específico sobre o qual a enzima transglutaminase tecidual (TG2) atua. A mucosa intestinal, composta por criptas e vilosidades, fica alterada, com atrofia das vilosidades (responsáveis pela absorção dos conteúdos luminais), associada à hiperplasia das criptas (responsáveis pela secreção luminal). Estas alterações podem determinar a instalação de uma síndrome de má absorção clássica, com diarreia volumosa crônica, esteatorreia, emagrecimento e desnutrição, apatia ou irritabilidade, vômitos e, muitas vezes, edema periférico e desidratação. No nível da mucosa intestinal, a interação entre a TG2 e a gliadina resulta na formação de novos epítopos antigênicos, que são capazes de induzir resposta imunológica específica. A TG2 catalisa a deaminação, conversão de resíduos de glutamina 1 Junho de 2016 em ácido glutâmico por meio da remoção de grupos amino, seletiva de epítopos da molécula da gliadina, o que resulta na formação de peptídeos deaminados de gliadina. Por sua vez, esses peptídeos se ligam com elevada afinidade aos antígenos leucocitários humanos DQ2 ou DQ8 das células apresentadoras de antígenos da mucosa intestinal dos pacientes com DC, estimulando uma potente resposta inflamatória de células T, o que resulta em uma resposta humoral mais específica para os peptídeos deaminados de gliadina do que para a gliadina nativa. Quando os pacientes celíacos ingerem a proteína do glúten, ela se liga à mucosa intestinal (em sítios que não estão presentes em indivíduos normais), formando um complexo que resultará numa reação de hipersensibilidade. A maioria dos pacientes celíacos é assintomática ou oligossintomática, sendo identificada durante investigação de anemia ferropriva ou osteopenia imotivada. Algumas condições foram estatisticamente relacionadas com a doença celíaca, como é o caso do diabetes mellitus, deficiência de IgA, tireoidite autoimune, cirrose biliar primária, alterações neuropsiquiátricas, infertilidade e dermatite herpetiforme. O diagnóstico de doença celíaca é feito a partir da combinação de achados clínicos, testes sorológicos e histológicos. A biópsia duodenal é considerada o exame padrão ouro para o diagnóstico. Alguns auto-anticorpos podem ser utilizados para fortalecer a hipótese diagnóstica. Eles também são úteis no rastreio de parentes de primeiro grau de portadores de doença celíaca e no acompanhamento da resposta terapêutica (monitoram a adesão do paciente à dieta). Testes Sorológicos Anticorpo Anti-endomíseo (anti-EMA) Anticorpo Anti-transglutaminase tecidual (anti-TG2) IgA e IgG Anticorpo anti-gliadina nativa (anti-AGA) IgA e IgG Anticorpo Anti-endomíseo (anti-EMA) 2 São considerados os exames de escolha para a triagem de pacientes sob suspeita de DC. Têm desempenho diagnóstico comparável e geralmente apresentam concordância. Isso ocorre porque o antígeno reconhecido no teste EMA é a própria transglutaminase, enzima em que o endomísio é rico. No entanto, algumas amostras podem ser reagentes em apenas um desses dois testes devido à peculiaridades de exposição de epítopos em cada um desses ensaios. Nos pacientes com deficiência de IgA, anticorpos da classe IgG devem ser pesquisados. Possui baixa sensibilidade e especificidade diagnóstica. Apresenta sensibilidade diagnóstica inferior à dos anticorpos anti-EMA e anti-TG2, porém são úteis nas seguintes situações clínicas: 1. Pacientes com deficiência de IgA. A prevalência de deficiência seletiva de IgA é maior nos pacientes com DC do que na população geral. Por sua vez, a prevalência de DC em pacientes com deficiência seletiva de IgA varia entre 10% a 30%, dependendo da população estudada. A pesquisa de anticorpos anti-DGP IgG é particularmente atrativa visto que a sua acurácia diagnóstica em pacientes com deficiência de IgA é semelhante à dos anticorpos anti-TG2 IgG. 2. Crianças com menos de 2 anos de idade. De acordo com alguns estudos, a sensibilidade dos anticorpos anti-EMA (89%) e anti-TG2 (83% a 90%) para detecção de DC é menor nessa faixa etária, inferior até mesmo a dos anticorpos anti-AGA (82% a 97%). Os anticorpos anti-DGP IgG apresentaram sensibilidade diagnóstica semelhante ou até mesmo supeiror à do anti-EMA e anti-TG2 IgA em crianças com idade abaixo de 2 anos. 3. Indivíduos com DC soronegativos para anti-TG2. Apesar da alta sensibilidade diagnóstica, existem pacientes com DC que apresentam resultados persistentemente negativos para anticorpos anti-EMA e anti-TG2. Uma proporção significativa destes pacientes (26,3% a 50,0%) possuem apenas anticorpos anti-DGP circulantes. BOLETIM MÉDICO A solicitação conjunta de anticorpos anti-TG2 IgA e anti-DGP IgG aumenta a eficiência diagnóstica quando comparada com a pesquisa isolada destes anticorpos. Dessa forma, a condução do paciente celíaco pode ser feita a partir do algoritmo: 1. Quadro clínico sugestivo. 2. Pesquisa de autoanticorpos positiva. 3. Biópsia do intestino delgado compatível. 4. Dieta sem glúten. 5. Reversão do quadro clínico. 6. Diagnóstico de Doença Celíaca confirmado. 7. Manter dieta sem glúten por tempo indeterminado. O tratamento é predominantemente dietético, devendo ser evitado alimentos à base de trigo, aveia, cevada, centeio e malte. A principal complicação da doença celíaca é o desenvolvimento, no decorrer dos anos, de linfoma intestinal. É um linfoma T chamado EATL (enteropathy associated T lymphoma), tendo um prognóstico bastante reservado. Devemos considerar a presença desta neoplasia nos pacientes que vinham evoluindo bem em uma dieta isenta de glúten e passam a não responder mais, com surgimento de má absorção e perda ponderal. Outros cânceres com incidência aumentada na doença celíaca são o adenocarcinoma do esôfago, do duodeno e o carcinoma escamoso da orofaringe. Referências 1. Cecil Medicina Interna, 23ª edição 2. ACG clinical guidelines: diagnosis and management of celiac disease. 2013 May 3. Hermes Pardini Dra. Mª Betânia Moura Senna – Cremeb 9684 – 30.05.2016 3 4 SAC: 71 3338-8555 www.laboratorioleme.com.br 3