A Macroeconomia do Choque de Energia1 Márcio G. P. Garcia2 Departamento de Economia – PUC-Rio Quais os efeitos macroeconômicos da crise energética? No jargão macroeconômico, a crise energética é um “choque negativo de oferta”, ou seja, um evento inesperado que afeta negativamente os custos de produção do sistema produtivo, como, por exemplo, uma quebra de safra agrícola ou, mais dramaticamente, um terremoto. Choques negativos de oferta, ensinam os modelos macroeconômicos, causam queda no PIB e aumento de inflação. A estagflação dos anos 70, deflagrada pelo choque do petróleo, é um bom exemplo de tal combinação perversa. Não se deve confundir os efeitos de choques negativos de oferta com os efeitos de choques negativos de demanda (política monetária ou fiscal contracionistas, por exemplo), que são também a queda do PIB, mas acompanhados de queda da inflação. Ou seja, ambos os choques negativos causam queda no PIB, mas a inflação cai num caso (demanda) e sobe no outro (oferta). Alguns analistas, entretanto, têm emitido opiniões ao arrepio desta análise padrão, alegando que a queda do PIB oriunda do choque de energia fará a inflação baixar, não subir. Trata-se, nesse caso, de uma confusão entre choque negativo de demanda e de oferta, como já foi explicado. Uma versão menos primitiva da opinião heterodoxa acima reconhece o efeito negativo da crise energética sobre a capacidade produtiva da economia, mas argumenta que os efeitos sobre a demanda agregada de tal choque seriam ainda maiores, de forma a produzir uma queda da inflação. Será que é razoável supor que isso virá a ocorrer? De fato, os consumidores, temerosos dos efeitos recessivos da crise energética (perder o emprego, ou ter alguma redução em suas rendas), devem arrefecer suas compras, embora aparelhos que possibilitem economizar energia devam vender como pão quente. Os empresários, também antevendo o menor crescimento do PIB, devem diminuir seus investimentos, embora investimentos em uso eficiente de energia devam estar em alta. Também deve crescer substancialmente os investimentos em geração e transmissão de energia elétrica. Em suma, é difícil acreditar que a crise energética possa gerar um decréscimo tal da demanda agregada que acabe reduzindo a inflação. O mais provável é que a redução “espontânea” da demanda seja insuficiente para evitar a elevação da inflação para muito além da meta à qual o Banco Central (BC) está submetido, sobretudo quando se consideram choques inflacionários adicionais que vem ocorrendo, com destaque para a continuada alta do dólar. Um outro preceito macroeconômico é que a inflação que vai se verificar no futuro depende diretamente da expectativa quanto a essa inflação, ou seja, o que os agentes econômicos esperam que vá ocorrer acaba por influir fundamentalmente no que de fato ocorrerá. Uma boa indicação da expectativa sobre a inflação brasileira é provida semanalmente pelo BC, que consulta mais de 70 instituições especializadas. Através dessa pesquisa, vemos que a inflação esperada para 2001 (IPCA) deteriorou-se marcadamente desde março, subindo de 4,2% para 5,02% na última sexta-feira. O BC também publica a expectativa mediana das cinco instituições mais eficientes em prever a inflação. Essa deteriorou-se mais ainda, de 4% para 5,31%, sendo que subiu 0,30% só na última semana. Ocorreu também uma deterioração da expectativa para a inflação de 2002, que passou de 3,5% para 3,7%. As 5 melhores instituições também reviram suas expectativas de crescimento para baixo: de 3,8% para 3,0% em 2001, e de 4,5% para 4,1% em 2002. Ou seja, o choque de energia alterou negativamente as expectativas de PIB e inflação para um período bastante longo. As expectativas quanto à taxa Selic mostram também que se espera uma taxa real de juros acima de 10% para ambos os anos, ou seja, espera-se a manutenção de uma política monetária muito restritiva. Mesmo assim, observa-se o aumento das expectativas inflacionárias. Portanto, dado o aumento das expectativas inflacionárias, o BC enfrenta hoje uma tarefa mais difícil para cumprir as meta para as inflações de 2001 (4%) e 2002 (3,5%). Claro que o BC não é obrigado a referendar sempre as expectativas do mercado, mas deve certamente levá-las em conta, sobretudo quando as mesmas deterioram-se apesar dos aumentos sucessivos de juros. Caso decidisse afrouxar a política monetária confiando na improvável grande redução “espontânea” da demanda face à crise energética, é certo que tais expectativas de inflação aumentariam significativamente. Isso tornaria a tarefa futura do BC de reduzir a inflação ainda mais difícil, pois o sistema de metas de inflação perderia credibilidade. 1 Artigo para o jornal Valor Econômico, edição de 31/5/2001. Márcio Garcia, PhD por Stanford, é diretor do departamento de Economia da PUC-Rio (http://www.econ.pucrio.br/mgarcia/). 2