A influência de Bleuler no desenvolvimento de formas de intervenção psicológica na esquizofrenia e na psicose Elias Barreto Tópicos: 1. Sumário 2.A concepção de Esquizofrenia 2.1.A distinção entre sintomas primários e secundários 2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos 2.3 Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma intervenção psicológica na Esquizofrenia 3.A influência de Burgholzi 4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até há década de 50 4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50 5.1 O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50 5.2 A Intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50 5.2.1. Abordagens psicodinâmicas 5.2.2. Abordagens familiares 5.2.3.Abordagens cognitivo-comportamentais 5.2.4. Abordagens integradas 6. À guisa de conclusão 1. Sumário Este trabalho procura mostrar como devemos a Bleuler mais do que o termo de Esquizofrenia. Devemos simultaneamente uma visão complexa, que vê na Esquizofrenia uma doença do cérebro, sem cair num organicismo simples, e que valoriza a compreensão psicológica, sem cair numa visão psicogénica, providenciando um modelo de trabalho que permite integrar os vários dados da clínica, biológicos e psicológicos e nortear o raciocínio clínico no desenho das várias intervenções, farmacológicas e psicossociais. 1 Começando por expor as características essenciais do seu pensamento desenvolvido na sua obra “Dementia Praecox ou Grupo das Esquizofrenias” , de 1911, procura-se depois evidenciar como apresenta uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos e como incentivou a intervenção psicológica na Esquizofrenia e nas psicose. De sequida, esboça-se uma visão panorâmica da história dos modos de intervenção na esquizofrenia, nos últimos 100 anos, procurando com isso mostrar como a visão de Bleuler mantém actualidade e continua a ser inspiradora. 2. A concepção de Esquizofrenia Bleuler insere a sua obra de 1911 “Dementia Praecox ou Grupo das Esquizofrenias” na continuidade com a obra de Kraepelin, a quem presta tributo reconhecendo que “é quase exclusivamente a ele que devemos a classificação e o destaque dado aos diversos sintomas” (Bleuler, 1911, pg. 45). Kraepelin, nos finais do sec. XIX, deu uma decisiva contribuição à nosografia psiquiátrica, ao distinguir as perturbações afectivas, de melhor prognóstico como a psicose maníaco-depressiva, das psicoses nas formas catatónica, heberfrénica e paranóide, grupo que tendia a evoluir para uma demência precoce ou seja, uma diminuição crónica da capacidade mental. Sem pôr em causa a classificação Kraepeliniana, Bleuler sugere o novo conceito de Esquizofrenia, mais centrado na sintomatologia do que no curso e prognóstico, em alternativa ao conceito de Demência Precoce, “porque não se trata unicamente de doentes que se possa qualificar como dementes, nem exclusivamente de embrutecimentos precoces” (Bleuler, 1911, pg. 53). Opera assim uma disjunção conceptual que procura libertar o diagnóstico de um prognóstico pessimista da doença que, para Bleuler, pode ter evoluções diversas, ainda que admita que não exista uma restituo ad integrum completa. Ao mesmo tempo, a sua noção de “Grupo das esquizofrenias” veicula a concepção de um espectro na esquizofrenia, aumentando o conceito para 2 incluir o que agora se chama de traços esquizotípicos e esquizóides da personalidade (Beck, 2010). 2.1. A distinção entre sintomas primários e secundários Bleuler considera, tal como Kraepelin, que a Esquizofrenia é uma doença do cérebro, distinguindo como elemento primordial uma perturbação orgânica que conduz à cisão das funções psíquicas . Esta esquize da mente acarreta consigo alterações ao nível do pensamento (com perda da coerência das associações), da afectividade (eg: embotamento , ambivalência dos afectos e dos impulsos) e das relações com o mundo exterior (retirada autista). Estes sintomas de base que vieram a ser conhecidos como os “quatro A” (Associações, Afectividade, Ambivalência, Autismo) têm para Bleuler um carácter fundamental e primário, e indiciam a acção de um processo orgânico alterado como substrato da doença. A distinção entre sintomas primários e secundários remonta ao neurologista John Hugkings Jackson que na década de 1880 fez a seguinte formulação: “Diz-se que a “doença” causa sintomas de insanidade. Sugiro que a doença somente produz sintomas mentais negativos, em resposta à desagregação, e que todos os sintomas mentais positivos elaborados (ilusões, alucinações, delírios e conduta extravagante) resultam da actividade de elementos nervosos que não são afectados por nenhum processo patológico; que eles surgem durante a actividade no nível básico da evolução” (cit in Beck, 2010, pg.17). Segundo esta formulação, os sintomas negativos são entendidos como estados de défice e sugerem estruturas cerebrais comprometidas pela doença. Por outro lado, os sintomas positivos são compreendidos como elaborações daquilo que é normal, revelando a acção de processos psicológicos que não são apenas sinal da desorganização da vida psíquica, mas também da sua reorganização a nível inferior. É deste modo que Bleuler vai entender as alucinações e as ideias delirantes como sintomas secundários que constituem uma “reacção do espírito” à doença, “ … em parte as consequências de tentativas de adaptação às perturbações primárias” (Bleuler, 1911, pg. 503). E desde logo entende que 3 estes sintomas secundários, que constituem a parte mais visível dos quadros clínicos, não podem ser compreendidos totalmente sem ter em conta a vida psíquica e afectiva dos doentes. Ou seja, não são apenas resultado de lesões orgânicas de um modo directo e mecânico, mas dependem em grande medida de processos psicológicos, que desempenham um papel intermediário entre a neuropatologia vaga e a expressão de sintomas e sinais característicos da doença. Torna-se então compreensível o interesse de Bleuler por Freud e pela Psicanálise que, a par de Kraepelin, é referida com a sua outra grande influência. Dirá mesmo, no preâmbulo da sua obra, que “parte importante da tentativa para aprofundar mais esta patologia não é senão a aplicação à demência precoce das ideias de Freud”. (Bleuler, 1911, pg. 46). 2.2.Uma concepção que valoriza o pensar em termos psicológicos De facto, o interesse de Bleuler pela obra de Freud foi precoce. Já em 1896 tinha revisto favoravelmente os estudos de Breuer e Freud sobre histeria e louvou o aparecimento da obra de Freud “A interpretação dos sonhos”. O seu primeiro trabalho psicanalítico apareceu em 1906: “Mecanismos freudianos da sintomatologia da psicose” (Hoffman, 2008, pg. 46). A que se deveu este interesse de Bleuler? Nas suas palavras, “Freud é a primeira pessoa a quem devemos que a sintomatologia específica da esquizofrenia se tenha tornado explicável”( Bleuler, 1911, pg. 437). Assim, Bleuler reconhecia na interpretação dos sintomas esquizofrénicos no sentido da simbólica freudiana o mérito de “ explicar sem contradição interna uma quantidade ilimitada de factos, que continuariam a ser totalmente inesperados e incompreensíveis” (Bleuler, 1911, pg. 438). E prossegue dando inúmeros exemplos de como as comunicações esquizofrénicas poderão adquirir sentido à luz da teoria freudiana. Assim, tal como Freud procurou através do seu estudo dos mecanismos de formação do sonho restituir uma significação às produções oníricas, aparentemente destituídas de sentido, Bleuler crê encontrar na abordagem 4 psicanalítica uma forma de compreender o sentido das produções psicóticas e, desse modo, estabelecer comunicação com o doente. Significará isto que Bleuler adopta uma teoria de causalidade psicogénica? Não. Bleuler é claro ao longo da sua obra, quanto à sua concepção da doença como de base orgânica, sublinhando que os factores primários e negativos que destacou denunciam a acção de um processo mórbido que na sua opinião não terão uma etiologia psíquica. Mas não é possível compreender a génese da sintomatologia secundária, positiva, sem atender às vivências psíquicas. “ Os eventos psíquicos desencadeiam os sintomas mas não a doença…”( Bleuler, 1911, pg. 395). Observa Bleuler que os doentes nunca alucinam ou deliram por coisas insignificantes ou neutras do ponto vista afectivo. “É extremamente raro que um esquizofrénico tenha como alucinação um sermão inteiro, um drama, que encontre no seu café um pão alucinatório, que veja uma paisagem habitual…” (Bleuler, 1911, pg. 142). “O que é vulgar é que as vozes ameacem, invectivem, critiquem e consolem por meio de palavras entrecortadas ou curtas frases; que os doentes vejam perseguidores ou personagens celestes…” (Bleuler, 1911, pg.143) Por outras palavras, as suas alucinações e delírios exprimem os seus desejos e os seus medos, as suas aspirações e os obstáculos que encontram à sua realização. Assim, estes sintomas são portadores de um sentido, que se pode procurar compreender tomando em conta a influência dos estados afectivos e o modo peculiar de pensamento psicótico, autistítico e egocêntrico , onde as palavras e os símbolos são tratados de forma diferente, mas interpretável. E desse modo vai introduzir a importância do pensar em termos psicológicos a Esquizofrenia, considerando que a Psicanálise pode ter um papel na investigação da função e significado do factor psicológico na etiologia e no curso das psicoses. No prólogo da primeira edição do seu Tratado de Psiquiatria, de 1915, chegará mesmo a afirmar: “Uma Psiquiatria sem Psicologia é uma Patologia sem Fisiologia.” 5 2.3. Uma posição ambígua quanto às possibilidades de uma intervenção psicológica na Esquizofrenia Bleuler parece adoptar em relação à intervenção psicológica uma posição ambígua. Afirma por exemplo: “ A única terapia da esquizofrenia no seu conjunto que é necessário levar a sério é a terapia psíquica. Infelizmente, também neste caso, não ultrapassámos o simples empirismo. Como a sintomatologia da doença é dominada pelos complexos, e porque muitas vezes podemos penetrar no espírito do doente através deles, podemos esperar influenciá-lo a partir daí. É indubitável que também existem melhoras em resposta a influências psíquicas, mas não somos capazes de dizer o que é necessário fazer, em dado caso, para provocar a melhora, vendo-nos por isso reduzidos a tactear e, desejaria mesmo acrescentar, a oferecer possibilidades muito numerosas ao acaso, a fim de que se possa usar uma delas. Mas se assim fizermos, e no momento desejado, podemos obter realmente muito. “ (Bleuler, 1911, pg. 517) O cepticismo quanto às potencialidades do diálogo psicoterapêutico é corroborado pelo próprio Freud que, em 1911 (mesmo ano da publicação da obra de Bleuler) publica a sua análise do caso Schreber. Nesta obra Freud descreve a psicodinâmica da psicose em etapas: a primeira, de abandono do amor ao objecto e o seu redirecionamento para o eu (que Bleuler preferirá chamar de autismo em vez de autoerotismo); posteriormente, segue-se a formação de sintomas, que se pode interpretar como um esforço por recuperar os objectos perdidos, mas de um modo egocêntrico e megalomaníaco e, simultaneamente, isolado dos objectos reais . Observe-se aqui o paralelismo com a concepção de Bleuler e de Jackson dos delírios e alucinações como sintomas secundários: “O que vemos como a produção da doença, a formação delirante, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução.(Freud, 1911). Apesar de Freud descrever nesta obra diversos mecanismos psíquicos que aumentam as possibilidades de compreensão e descrição do funcionamento psicótico, considerará que os pacientes esquizofrénicos se encontram inacessíveis em termos terapêuticos, dado que não estabelecem a necessária transferência (ideia que aparece já em Abraham, 1908) . Em 1914, na sua obra 6 “Introdução ao narcisismo”, voltará a explicitar esta posição, opondo as neuroses de transferência às neuroses narcísicas, inacessíveis em virtude do retraimento da libido do mundo externo. No entanto, será excessivamente esquemático afirmar que para Bleuler a intervenção psicoterapêutica se reduz a um papel de investigação ou diagnóstico. Na 15ª edição do seu Tratado de Psiquiatria, revista pelo seu filho Manfred Bleuler (1985), podemos ler: “Que o doente consiga expressar em palavras a sua vida interior enigmática e sinistra, que encontre no médico um ouvinte interessado, pode significar um passo para sair do seu mundo autista e irreal (Bleuler, 1985;pg. 316). Ou ainda: “É muito útil quando for possível descobrir relações entre o sofrimento dos sintomas psicóticos e o verdadeiro mal, assim quando, por exemplo, se discute com que pesares e alterações de humor as ideias delirantes ou alucinações estão conectadas (Bleuler, 1985, pg. 317) A dificuldade reside no risco do doente incluir o terapeuta no seu sistema delirante, e na possibilidade de reacções de transferência que se podem converter facilmente em delírios amorosos ou persecutórios. Mas “ tais desenvolvimentos desfavoráveis podem ser evitados se o médico se mantiver seguro na sua posição terapêutica, quando nega satisfazer exigências irreais com uma determinação inabalável e natural, e quando o doente sente a simpatia e a disponibilidade para ajudar apesar destas negativas. (Bleuler, 1985, pg. 317.) Deste modo considerava que o diálogo é indispensável tanto para o diagnóstico como para o tratamento. 3. A influência de Burgholzi Quando em 1904 Bleuler estabelece contacto com Freud, este pôde constatar que aquele estudava os seus trabalhos desde há vários anos. E pode-se dizer que Burgholzi, naquela altura já o mais importante hospital-escola do mundo, funcionou como o principal ponto de difusão das ideias freudianas, à excepção de Viena. De tal modo que Zaretsky pôde observar que na primeira década do 7 séc. XX , com excepção de Ernest Jones, todos os médicos de fora de Viena que procuraram contacto com Freud provinham de Burgholzi: Eugene Bleuler, Carl Jung, Karl Abraham, Max Eitington, Sandor Ferenzi. A.A. Brill, Adolf Meyer ; Ludwig Bisnwanger, etc. (Zaretsky, 2006; pg. 74-75) Desta forma, Bleuler acabou por fomentar que em Burgholzi se iniciasse pela primeira vez no mundo a aplicação da terapia psicanalítica à psicose, influenciando uma série de colaboradores. A começar por Carl Jung que em 1907 e 1908, publicou “A Psicologia da Dementia Praecox” e “O Conteúdo da Psicose”, respectivamente, os quais resultaram de um trabalho de análise muito intensa e entusiasta de sujeitos esquizofrénicos, que não procurava tanto definir um método de tratamento mas antes desenvolver, através das experiências de associação, as bases essenciais da estrutura psicopatológica das esquizofrenias (Hoffman, 2008, pg 48-49). A influência destes trabalhos é patente na leitura da obra de Bleuler. Sabina Spilrein (1885-1941) sobre a qual muito se tem escrito sobre a sua relação com Jung, primeiro como paciente (com o diagnóstico de uma Histeria Psicótica) e depois como amante, merece também ser destacada pelo seu trabalho publicado em 1911, dissertação final do curso de medicina que completou após o seu tratamento, onde se observa um dos primeiros trabalhos a expor uma abordagem psicanalítica às psicoses. Segundo Lütkehaus (2002; cit in Hoffman, 2008), “ a sua doença foi a base dos seus conhecimentos, a base como empatia.” Em 1912 publica ainda um importante artigo “A destruição como causa do chegar a ser”, onde expõe novamente a história de uma mulher esquizofrénica e introduz de forma precursora a ideia de pulsão de morte, que Freud vai integrar no seu artigo de 1920 “Mais além do Princípio de Prazer. Também Ludwig Binswanger (1881-1966), conhece a psicanálise em Burghölzi, onde Jung supervisionou a sua dissertação, tendo colaborado com ele na realização de experiências de associação. Visita Freud pela primeira vez em 1907, acompanhado por Jung, e mantém com Freud uma amizade que perdurou toda a vida, mesmo depois da cisão do grupo de Zurich em 1914. É filho e neto de psiquiatras, os quais fundaram e dirigiram o famoso Sanatório Bellevue na Suiça, para onde, por exemplo, Joseph Breuer enviou a sua 8 paciente Berta Papenheim (Anna O.), para um tratamento de aversão à morfina. Em 1910, Ludwig assumiu a direccção do sanatório, após a morte de seu pai, e o sanatório de Bellevue tornou-se um dos poucos sanatórios psiquiátricos onde a psicanálise se converteu no principal método de tratamento das psicoses. Personalidades famosas como o bailarino russo Vaslav Nijinski ou o pintor Ernest Ludwig Kirchner receberam ali tratamento. (Hoffman, 2008, pg-52-54). Na sua Dasein Analyse , Bisnwanger realça a necessidade de tomar a sério a subjectividade individual, e de tentar aceder ao mundo de sentimentos e pensamentos do doente esquizofrénico, na procura de compreender a sua forma de estar no mundo. Na sua opinião a psicose manifesta-se no encontro interpessoal e deve procurar tratar-se também nesse encontro interpessoal, no qual o terapeuta deve estar disponível para se expor existencialmente, não se contentando em abordar o doente com “amável indiferença” nem só falar com ele para rever sistematicamente a história da sua vida. (Hoffman, 2008, pg. 129) É de referir também Karl Abraham (1877-1925) que trabalhou em Burgholzi entre 1904 e 1907, depois do qual abriu a primeira consulta psicanalítica em Berlim e fundou mais tarde o importante Instituto Psicanalítico de Berlim. Abraham descreveu os traumas libidinais como causas das doenças psicóticas, tanto nas formas esquizofrénicas como maníaco-depressivas. Deixando claro que as doenças psiquiátricas graves resultavam de uma combinação de factores constitucionais e experienciais, considerava que o tratamento psicanalítico pode conduzir a um fortalecimento do ego e, em consequência, a uma melhoria significativa (Hoffman, 2008, pg. 55-56). Finalmente, é de referir A.A.Brill, figura chave da psicanálise nos EUA, que conheceu os escritos de Freud em Burghlozi, em 1908, (Zaresky, 2006) e que trabalhou com Adolf Meyer, psiquiatra suiço que se formou em Burgholzi e que emigrou para os EUA em 1892, sendo considerado como o principal construtor de pontes intelectuais entre a psiquiatria europeia e americana . Adolf Meyer participou nas Conferências da Universidade de Clark em 1909, juntamente com Freud, Jung e William James, com a apresentação: “The dynamic 9 Interpretation of Dementia Preacox”. A partir do Hospital John Hopkins de Baltimore teve uma influência enorme na psiquiatria americana, formando duas gerações de psiquiatras e elevando os níveis de qualidade do diagnóstico e tratamento. Insistia que aqueles que se formavam aprendessem psicodinâmica. (Silver, 2008, pg. 67-71). 4.1.O tratamento biológico da esquizofrenia até à década de 50 Para se compreender o entusiasmo e as esperança depositadas numa intervenção psicológica nas psicoses, à época sob o signo da psicanálise, convém recordar que as primeiras décadas do sec. XX se caracterizaram por uma falta de métodos de tratamento específicos para as psicoses. A prioridade era que os doentes não causassem danos a si próprios ou aos outros. A hidroterapia e a ergoterapia estavam entre as forma de tratamentos mais diferenciadas. A medicação utilizada de forma mais frequente era à base de ópio, bartitúricos de longa duração e sedantes (Cullberg, 2006). O trabalho médico diário consistia no exame e correcta descrição dos pacientes, os relatórios, depois a injecção de soporíferos para as curas de sono, e a nutrição especial para os pacientes que recusavam comer. (Müller, 2006, pg. 24) Durante a década de 30 introduziram-se então uma série de tratamentos com o objectivo de influir directamente no cérebro (Cullberg, 2006 , pgs. 258-264): - A partir de 1927, com a descoberta por parte do médico austríaco Julius von Wagner Jauregg dos efeitos favoráveis que a indução de malária tinha sobre a paralisia geral, última fase da Sífilis, começou a empregar-se este método no tratamento de pacientes esquizofrénicos. Esta prática foi depois abandonada pelos seus resultados incertos e pelos riscos demasiado altos; - Nos começos dos anos 30, o médico vienense Manfred Sakel experimentou pela primeira vez um tratamento mediante o coma insulínico, descrevendo bons resultados, pelo que o coma insulínico se converteu na norma de tratamento dos doentes esquizofrénicos até à década de 60, altura em que foi substituído pela nova medicação psicótica; 10 - Em 1935, o português Egas Moniz , a partir de experiências com chimpanzés, descobriu que através das lobotomias pré-frontais se podia apaziguar a agitação crónica e a ansiedade. Em consequência, certos hospitais começaram a levar a cabo de forma rotineira cada vez mais operações deste tipo, ao princípio só em pacientes com esquizofrenia crónica, mas depois também em primeiros episódios que não melhoravam com suficiente rapidez. Consideravase que os efeitos positivos superavam os negativos. A complicação mais comum era uma mudança de personalidade caracterizada por indiferença e indolência. Mas muitos ficavam com incontinência permanente, epilepsia ou obesidade. E a morte podia ocorrer em consequência de hemorragias ou infecções. - Em 1937 o húngaro Ladislau von Meduna, que sustentava que a epilepsia reduzia o risco de esquizofrenia, introduziu o cardiozol de forma a induzir uma crise epiléptica de tipo grande mal. Em 1938, o italiano Ugo Cerletti começou a provocar as crises aplicando descargas eléctricas entre os ossos temporais, evitando assim que o paciente sofresse da ansiedade pré-epiléptica induzida quimicamente. A terapia electroconvulsiva tornou-se assim um tratamento muito difundido, e as suas aplicações eram amplas, desde a esquizofrenia aguda até à cleptomania. Na actualidade, ainda se utliza , mas com indicações mais restritas: depressão grave ou mania, resistentes ao tratamento com alto risco de suicídio, agressão, homicídio ou desidratação muito grave, e ainda em estados catatónicos ou psicoses pós-parto que não melhoram (Cullberg, 2006, pg. 263). 4.2 A intervenção psicológica na esquizofrenia até à década de 50 Müller (2006, pg. 2) observa que na Suiça eram sobretudo os psiquiatras com formação psicodinâmica que se interessavam por estes tratamentos, atrás descritos, o que entende como expressão de abertura a tudo o que pudesse ter interesse e contribuir para melhorar o destino trágico dos doentes esquizofrénicos reunidos nos hospitais psiquiátricos da altura. 11 A psicoterapia com estes doentes era um trabalho verdadeiramente heróico. A tentativa de estabelecer contacto com um paciente autista a todo o custo era frequentemente feita em condições horríveis, acompanhada de gritos, actos de violência, estereotipias, rejeição, etc. No entanto, sublinha,” ás vezes estes esforços terminavam em melhoras espectaculares dos pacientes” (Müller, 2006, pg.25) Em todo o caso, a atmosfera geral nas instituições psiquiátricas tendia a considerar a psicoterapia das psicoses como tendo pouco impacto em termos práticos. Seriam esforços intelectuais para compreender, explicar, interpretar, sem grande significado para o destino dos pacientes. É de referir também que, por razões históricas, a psicanálise foi entretanto condenada a uma existência clandestina e quase subversiva, fora das instituições psiquiátricas. (Bleuler que chegou a aderir à Associação Psicanalítica Internacional em Janeiro de 1911, e convidado para ser seu presidente, demitiu-se em Novembro do mesmo ano; em 1914 consuma-se a ruptura com Jung). Müller (2006, pag. 24) dirá a propósito da sua geração de jovens psiquiatras na Suiça nos anos 50, que a formação em psicanálise tinha de ser feita em segredo e sem o conhecimento do chefe, pertencendo quase a um registo de oposição aos pais. Não é por isso de estranhar que as publicações psicanalíticas sobre o tratamento com psicoses surgissem frequentemente no contexto da prática privada. Destaca-se nesta altura os trabalhos de duas psicanalistas suíças, Gertrud Schwing e Marguerite Sechehaye, ambas trabalhando com esquizofrénicos em prática privada, em Viena e Geneva, respectivamente. O trabalho de Sechehaye foi especialmente influente, publicado em 1947 sob o título “A realização simbólica”, seguido de “Diário de uma esquizofrénica”, a partir dos quais foi feito um filme em 1968 (Gaudillière e Davoine, 2008, pg.160). Sechehaye descreve um tratamento complexo que prossegue enfrentando uma impressionante regressão e actividade delirante, obrigando a uma actuação do terapeuta muito próxima de cada momento importante da transferência 12 psicótica, onde os factores paraverbais assumiam uma extrema importância. Por meio destes conseguia-se um primeiro objectivo, o de mover o paciente do seu estado autístico para um estado simbiótico com o analista. (Gaudillière e Davoine, 2008, pg. 160; Benedetti, 2006, pg. 33). Müller (2006, pg. 25) dirá que estes trabalhos desafiavam a uma postura mais activa com pacientes, a não desmoralizar se as interpretações não tivessem ressonância e a dedicar muito tempo aos pacientes. Importante foi também a obra de John Rosen, em 1953, intitulada “Análise directa”, onde se promovia uma atitude activa por parte do terapeuta, o qual participava no drama da psicose, identificando-se o terapeuta com o que o paciente projectava nele, imago materna, imago paterna e por aí fora. Apesar de posteriormente esta abordagem ter caído em descrédito, porque demasiado agressiva, quando apareceu causou uma forte impressão, suficiente para Manfred Bleuler enviar G. Benedetti para os EUA fazer formação com Rosen (Müller, 2006, pg.25). Entretanto, em Inglaterra, o desenvolvimento das ideias psicanalíticas na óptica Kleiniana, operou-se a partir de um novo olhar sobre os estágios mais precoces da primeira infância e sobre os estados psicóticos. Klein, que fizera a sua análise com Karl Abraham foi fortemente influenciada pelos pontos de vista deste sobre a psicose. Nos artigos “Uma contribuição à psicogénese dos estados maníaco-depressivos” (Klein, 1935) e “O luto e a sua contribuição para os estados maníaco-depressivos” ((Klein, 1940), Melanie Klein formula o seu importante conceito de Posição Depressiva. No artigo “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides” (Klein, 1946), introduz o seu importante conceito de Identificação Projectiva, e quando conhece mais tarde a obra de Fairbain, passa a usar o conceito de Posição Esquizo-Paranóide. Estes trabalhos constituem a base de muitos trabalhos psicanalíticos sobre a psicose da chamada escola britânica das relações de objecto que, depois de ter descoberto o potencial do mecanismo de identificação projectiva como ferramenta para conhecer os mecanismos de defesa primitivos e os estados psicóticos da mente, produziu um abundante literatura. As obras de Hanna 13 Segal, Herbert Rosenfeld, Donald Meltzer, Wiinicott e Bion contam-se entre as mais influentes. Diga-se, no entanto, que os autores Kelinianos têm sido criticados por basearem as suas observações e terapias mais em perturbações Borderline do que em psicoses “verdadeiras”. Apesar de poder haver justiça nessa crítica, não se pode aplicar à obra de Hanna Segal e Herbert Rosenfeld, que descreveram a sua experiência com doentes hospitalizados e com psicoses graves (Jackson, M., 2008, pg.98). Já no outro lado do oceano, nos EUA, o tratamento de doentes psicóticos hospitalizados com recurso à psicoterapia psicodinâmica foi defendido e incentivado por figuras como Harry Stack Sullivan e Fromm-Reichman cuja influência se faz sentir até aos nossos dias. Sullivan, que foi chamado por um biógrafo “O psiquiatra da América”( cit, in Ann Silver, 2008, pg.79), desenvolveu uma teoria interpessoal da personalidade, que enfatiza o interpessoal para além do intrapsiquíco, contribuindo para a popularidade das teorias de relações de objecto, da teoria do Self e, actualmente, da psicanálise relacional. A sua obra influenciou também o desenvolvimento das teorias das perturbações de personalidade, da psicoterapia breve, da terapia familiar e psicoterapia de grupo sistémicas (Ann Silver, 2008, pg.79). Mas Sullivan adquiriu a sua reputação pelo seu trabalho no Hospital Sheppard Pratt, nos anos 20, onde dirigiu uma unidade para esquizofrénicos homens, dando especial atenção ao pessoal, formando-os de modo a que fossem empáticos e não críticos e pondo ênfase na validação e necessidade de segurança pessoal. Segundo consta, com resultados impressionantes. Um dos seus livros publicados postumamente chama-se “Esquizofrenia como um processo humano” (1962). A sua teoria de que a contratransferência é o método mais importante para compreender o doente influenciou, entre outros, Winnicott e Searles. Frieda Fromm-Reichman, psiquiatra e esposa de Eric Fromm, chegou ao EUA em 1935, e foi trabalhar para o Hospital Chestnut Lodge, contribuindo para que 14 o hospital tivesse uma orientação dinâmica, e se convertesse em pouco tempo numa espécie de farol para o mundo do tratamento psicodinâmico de pacientes graves. Os seus seminários semanais e simpósios anuais, que contaram com diversas participações de Sullivan converteram-se em algo parecido a retiros religiosos para a comunidade de saúde mental (Ann-Silver, 2008, pg.82). Em 1964, Hanna Green documentou em forma de novela o seu tratamento com Frieda Fromm- Reichman em “I never promised you a rosen garden”, que se tornou um bestseller e inspirou um filme. Em estudos posteriores com base no seu diário, um conjunto de investigadores deduziu que o seu diagnóstico original era de esquizofrenia, embora com características pouco habituais e de tipo afectivo. (Cullberg, 2007, pg. 340). Harold Searles, que trabalhou em Chesnut Lodge a partir de 1949, durante 15 anos, merece também uma menção especial, não só pelo seu talento especial como terapeuta (as suas entrevistas clínicas em reuniões com colegas atraiam multidões que ficavam em pé, segundo Ann-Silver, 2008, pg. 84), como pelo seus escritos sobre o uso da contratransferêcia e a psicoterapia com psicóticos, reunidos nos Collected papers on Schizophrenia and Related subjects”(1965). 5.1. O tratamento psicofarmacológico a partir da década de 50 O tratamento da esquizofrenia transformou-se a partir dos trabalhos do médico francês Henrit Laborit, 1951, e logo depois pelo estudo de Delay, Denker e Harl (1952), segundo os quais a clorpromazina (Lagarctil) reduzia os sintomas psicóticos, nomeadamente os sintomas de excitação e agitação, bem como a actividade delirante e alucinatória, e que além disso contribuía para reduzir o risco de novos episódios psicóticos durante a esquizofrenia. (Hietala, 2008, pa. 341). A clopromazina (Largactil) foi introduzida nos EUA em 1954, com a introdução de compostos semelhantes (da família fenotiazina) como o haloperidol e a perfazina . Estudos posteriores mostraram que o seu mecanismo de acção se relacionava com o bloqueio dos receptores pós-sinápticos da dopamina. 15 A introdução da clozapina na década de 1980 trouxe a segunda geração de medicamentos antipsicóticos, com um perfil de efeitos colaterais mais favorável, com agentes como a risperidona e a olanzapina, que apresentam um mecanismo de acção diferente, que implica uma acção simultanea sobre múltiplos sistemas de neurotransmissores, como o do glutamato e do GABA, antagonizando a serotonina, além da dopamina. No entanto, a investigação parece apontar para uma diferença pouca signitificativa em termos de eficácia entre os medicamentos de primeira e segunda geração. (Beck, 2010, pg. 28; Hietala, 2008, pg. 344). A introdução destes medicamentos gerou um grande optimismo entre os profissionais, substituindo as formas de tratamentos mais antigas, agora consideradas obsoletas. No entanto, não foi sem cepticismo que foram recebidos os primeiros relatos acerca da eficácia dos medicametos neurolépticos. Manfred Bleuler, na edição revista por si do Tratado de Psiquiatria de seu pai, (15º edição, 1985), duvidava da pertinência de empregar o rótulo de antipsicóticos a estes medicamentos, cuja acção interpretava em função de “um relaxamento e tranquilização das excitações emocionais, com manutenção da vigília.” Transmitiriam uma sensação de calma e de libertação da tensão, possibilitando que a actividade delirante e alucinatória tivesse menos impacto sobre o doente, ainda que permanecesse ( M.Bleuler, 1985, pg. 116 e 318). Segundo Cullberg (2007, pg.323) os efeitos farmacológicos imediatos de uma dose mínima de antipsicóticos, em poucas horas, são uma diminuição da actividade emocional, alterações da coordenação muscular extrapiramidal e alterações hormonais que os clínicos consideraram efeitos secundários indesejáveis. O efeito antipsicótico aparece muito mais tarde, levando dias ou semanas , contribuindo para o alívio dos sintomas psicóticos produtivos. Considerando que a psicose pode contemplar-se como um estado de hiperactividade mental que abarca o domínio de processos como as fantasias e recordações, e que o sistema dopaminérgico é o sistema de recompensa que atribui uma validade motivacional aos estímulos externos ou às representações internas, os antipsicóticos ao inibir a libertação de dopamina, reduzem a 16 importância atribuída aos pensamentos psicóticos preocupantes, produzindo uma espécie de “respiração” psicológica que oferece um potencial para a recuperação de uma forma normal de pensamento. Do ponto de vista fenomenológico, produzem uma espécie de indiferença, em que a pessoa deixa de estar tão implicada face aos estímulos emocionais, quer do meio, quer das fantasias internas. Não desaparecem por completo, mas na medida em que não incomodam tanto, a capacidade egóica, crítica e de verificação da realidade aumenta. Se os pacientes abandonam a medicação antipsicótica é provável que as alucinações reapareçam exactamente como eram antes do tratamento. (Cullberg, 2007, pg 333; Hietala, 2008, pg.345). Culberg (2007, pg.332) salienta ainda que até 50% daqueles que apresentam um primeiro episódio psicótico, não requerem imediatamente os neurolépticos se se cumprirem os requisitos psicossociais óptimos. Há uma tendência natural à recuperação da psicose que pode, não obstante, facilitar-se mediante uma prescrição cuidadosa de antipsicóticos. Também Manfred Bleuler (1985, pg. 318) salientava que até um quarto dos esquizofrénicos recuperam sem medicação. Estas asserções tornam-se mais compreensíveis se tivermos em conta que durante muito tempo o conceito de esquizofrenia teve um significado muito lato, identificando-se com o conceito de psicose. E que um primeiro episódio psicótico pode corresponder a formas clínicas muito distintas (Cullberg, 2007, pg-132-133): - Desde o episódio único, que progride rapidamente de um estado mental normal, no prazo de uma ou duas semanas, sendo em geral possível identificar desencadeantes de tipo psicossocial; pelo que com um tratamento psicossocial adequado, a psicose pode remitir em poucas semanas ou meses (a medicação antipsicótica pode servir de apoio mas nem sempre é necessária, especialmente se o meio é favorável e o tratamento psicossocial satisfatório); - Passando por episódios psicóticos recorrentes, geralmente no contexto de uma prévia perturbação da personalidade, limite ou esquizotípica, ou então de um psicose afectiva. Os eventos desencadeadores podem ser difíceis de 17 identificar, especialmente em surtos posteriores; com frequência estão associados aos consumos; pode existir uma vulnerabilidade genética e uma infância perturbada, assim como antecedentes familiares de perturbação mental em vários familiares. Também aqui a psicose remite e não se produzem mudanças perceptíveis na personalidade. Mas requerem na sua maioria medicação antipsicótica por intervalos ou a longo prazo, de forma preventiva (as psicoses recorrentes com estabilizadores do humor), e traços afectivos carecem também podem beneficiar de uma de abordagem psicoterapêutica. - Até à psicose com incapacidade crónica, o que só se torna evidente depois de vários anos de episódios recorrentes. Com frequência estas pessoas sofrem alterações profundas na personalidade, geralmente com embotamento afectivo. A recuperação tende a ser incompleta, tendo a medicação um efeito favorável ainda que não curativo. É importante reforçar as redes de apoio social, que tendem a ser pobres, e podem ser úteis abordagens psicoterapêuticas que ajudem a combater os delírios e alucinações. Segundo Hietala (2008, pg.343-344), a investigação sugere que uma resposta mais favorável aos antipsicóticos se associa a uma duração média menor da psicose (o que reforça a importância dos paradigmas da detecção e intervenção precoces). E que além disso, a acção dos antipsicóticos parece incidir sobretudo nos sintomas positivos, deixando menos modificados os relevantes sintomas negativos e cognitivos que já Bleuler tinha destacado como sintomas primários da esquizofrenia. Assim, apesar do avanço que o desenvolvimento dos tratamentos farmacológicos antipsicóticos permitiu permanecem os seguintes problemas clínicos (Hietala, 2008. pg- 342-346): 1. A uma pequena proporção de pacientes esquizofrénicos os antipsicóticos apenas facultam um benefício marginal (estimou-se que cerca de 10-20% dos pacientes não responde ou só responde marginalmente aos antipsicóticos convencionais; cerca de 30-60% dos pacientes refractários aos antipsicóticos convencionais respondem à clozapina) 18 2. Entre os pacientes que respondem, a resposta pode ser só parcial e nem todos os domínios psicopatológicos melhoram da mesma forma (subsistindo frequentemente os sintomas residuais, alterações da função e vocação sociais, com um maior risco de recaídas) 3. A eficácia de todos os antipsicóticos está limitada pelos efeitos secundários e pelo grau de cumprimento por parte do paciente (segundo um estudo citado em Hietala, 2008, pg. 344, até 74% dos pacientes esquizofrénicos deixaram a medicação ao fim de 18 meses). 5.2 A intervenção psicológica nas psicoses a partir da década de 50 A descoberta da eficácia clínica dos neurolépticos teve um importante impacto na forma de conceber a doença e o tratamento da Esquizofrenia. Reforçou a concepção da esquizofrenia como uma doença do cérebro e para muitos, doravante, tratar a esquizofrenia passaria a ser sinónimo de medicar. No entanto, o esforço para desenvolver formas de intervenção psicológica adequadas às psicoses não se extingiu. Pelo contrário assistiu-se a uma proliferação de novas formas de abordagem para além da psicanálise, desde uma valorização das abordagens familiares, às abordagens cognitivocomportamental, psicoeducacional, psicossocial, reabilitativa, etc, as quais são apresentadas cada vez mais como abordagens que não competem com a abordagem farmacológica mas que podem ser usadas em combinação. Voltando novamente à Suiça de Bleuler, vale a pena referir Christian Müller e Gaetano Benedetti que na década de 50 fundaram o que é hoje a ISPS (International Society for the Psychological Treatments of Schizophrenia and other Psychosis), com o objectivo de investigar os métodos de tratamento psicológico, contra a ideia de que ”a psicoterapia da esquizofrenia não é nada mais do que uma intensificação do contacto habitual entre o médico e o paciente, ainda que feita de compaixão, benevolência e responsabilidade consciente, e não um comprometimento que requer do terapeuta uma preparação séria e complexa” (Müller, 2006, pg. 26). Os seus simpósios 19 reúnem profissionais de todo o mundo que investigam e trabalham em formas de intervenção psicológica na Esquizofrenia e outras psicoses. 5.2.1 Abordagens psicodinâmicas No campo das psicoterapias de inspiração analíticas, a tese freudiana de que os psicóticos não desenvolviam uma relação de transferência foi entretanto abandonada, com o reconhecimento crescente da especial sensitividade destes doentes ao terapeuta, em que a transferência se pode estabelecer de forma precoce e intensa, com poderosos sentimentos de dependência de potencial simbiótico em virtude da fragilidade dos limites egóicos. Esta relação não deixa o terapeuta incólume, podendo gerar nele também poderosos processos emocionais, pelo que o desenvolvimento das ideias psicanalíticas sobre a abordagem psicoterapêutica às psicoses cresceu a par de um interesse e valorização do papel da contratransferência. O trabalho com psicóticos obrigou também frequentemente a alterações da técnica e do setting (ex. cara-a-cara em vez de divã), dando origem a formas diversas de abordagem, desde as que privilegiam uma abordagem mais de apoio e de procura de estabelecer uma melhor relação com a realidade, até às abordagens estritamente analíticas que repousam na interpretação e resolução da relação de transferência. Benedetti (1995), por exemplo, adverte, na psicose, contra uma interpretação em termos puramente motivacionais, centrada apenas nas pulsões e afectos. Na sua opinião é necessário tomar em linha de conta as necessidades estruturais do Eu e atender à perturbação do pensamento e da relação da realidade. As interpretações devem ter uma função de clarificação, ajudando o paciente a distinguir o que vem dele e o que vem dos outros, a aperceber-se das fronteiras do seu Eu e a alcançar uma maior coerência intra-psíquica. Segundo este autor, na psicose, a sexualidade e a agressividade terão um lugar menos central do que a fragmentação da identidade, o colapso da segurança existencial e a dificuldade de se experimentar como uma pessoa unitária. 20 Um estudo de 1984, dirigido por Thomas McGlashan, de follow up 15 anos após alta, de pacientes que tinham sido tratados no Hospital Chestnut Lodge com psicoterapia psicanalítica intensiva, revelou que dos 163 pacientes esquizofrénicos crónicos tratados, apenas 14% se poderiam considerar completamente restabelecidos. Os restantes viviam com graus variáveis de incapacidade e dependência, ainda que tenham melhorado e tivessem uma melhor qualidade de vida. (in Cullberg, 2007, pg. 341; Reilly, 1997, pg. 21) Se bem que este estudo incidisse sobre um grupo de esquizofrénicos crónicos, que não foram alvo de reabilitação social nem de esforços para integrar medicação neuroléptica, ele contribuiu para a ideia de que, apesar da publicação de elegantes relatos de psicoterapias intensivas bem sucedidas com casos de indíviduos esquizofrénicos, numa perspectiva de larga escala os tratamentos psicodinâmicos não correspondiam às expectativas elevadas que foram nelas depositadas. E este pessimismo tendeu a alastrar-se a todas as formas de abordagem psicológica. No entanto, se este tipo de terapia se adapta bem a alguns pacientes mas não é adequada para outros, não se pode concluir que esta modalidade terapêutica seja ineficaz do facto de que os resultados bons e maus se anulem entre si numa análise estatística de larga escala. Pelo contrário, é um incentivo para que se investigue em que tipo de pacientes é que este tratamento se encontra indicado. Por exemplo, Cullberg (2007, pg 344), afirma que a sua experiência de muitos anos de trabalho com paciente psicóticos lhe diz que a terapia de orientação psicodinâmica, combinada frequentemente com intervenções de tipo familiar e medicação, resulta de grande utilidade para o extenso grupo de psicóticos com traços afectivos, ou seja, psicoses esquizofreniformes agudas, depressivas e episódios psicóticos breves. No entanto, para a esquizofrenia “kraepeliniana”, caracterizada por isolamento psíquico, alucinações auditivas permanentes ou conduta desorganizada, nunca observou progressos por meio das técnicas psicodinâmicas. 21 5.2.2.Abordagens familiares Outro movimento importante dos últimos 50 anos do sec. XX consistiu na valorização da importância de incluir a família no tratamento dos pacientes. Começa com um conjunto de autores cujas investigações puseram em relevo que uma característica saliente das famílias do esquizofrénico era uma forma de comunicar-se pouco clara, excêntrica, confusa ou estranha. Autores como Gregory Bateson (1972) e o seu conceito de comunicação em “double-bind”; Ronald Laing e o seu conceito de “mistificação” induzida pelos pais (Laing, Esterson, 1964; Theodore Lidz e os seus estudos sobre a “transmissão da irracionalidade” nas famílias (Lidz, Fleck, Cornelison, 1965); Mara Selvini Palazzolli e os seus estudos sobre as famílias de transacção esquizofrénca (Selvini, Boscolo, Cechin e Prata, 1978); Lyman Wynne e Margaret Singer e as suas investigações sobre os desvios da comunicação nas famílias de esquizofréncios (Wynne e Singer, 1963 e 1965); todos eles (cit in Stierlin, 2008, pg. 273-274) contribuíram para a ideia de que o tratamento não devia ser dirigido exclusivamente à dinâmica intrapsíquica do esquizofrénico mas que devia prestar atenção aos jogos de linguagem e à comunicação que acontece aqui e agora na família Mas também contribuíram para um ponto de vista problemático, no fundo pouco sistémico, que tendia a reflectir um pensamento linear com uma atribuição linear de causas e efeitos, e em muitos casos com uma atribuição linear de intenção e culpa sobre os pais, que tornou cada vez mais difícil ver e trabalhar com os pais como colaboradores e recurso no processo terapêutico. Este ponto de vista foi de certa maneira corrigido com um conjunto de abordagens familiares que têm em comum uma adesão ao modelo de vulnerabilidade ao stress que admite uma predisposição ou vulnerabilidade de base biológica para desenvolver episódios psicóticos mas que entende que são necessários acontecimentos ou situações stressantes para despoletar o episódio. A família não é implicada na etiologia da doença mas pode ser ajudada de modo a tornar o risco de recaída menos provável. 22 Um exemplo encontra-se na linha de trabalhos sobre a “emoção expressa” que demonstrou que em famílias com um envolvimento emocional excessivo e uma taxa elevada de comentários críticos as taxas de recaídas são maiores, pelo que desenvolveu uma metodologia de intervenção com vista a reduzir os níveis de emoção expressa nas famílias. Um conjunto de estudos a partir dos anos 80 nos EUA e Inglaterra, demonstraram de modo consistente que as taxas de recaída podem ser reduzidas para menos de 10%, 9 meses após a intervenção familiar, comparadas com taxas de 40-50% para pessoas que foram mantidas sob medicação mas cujas famílias não foram alvo de nenhuma atenção especial (Faloon, et al, 1982; Leff et al, 1982; Tarrier e tal, 1989; Hogarty et al, 1991; cit in Fadden, 1997, pg.181). Na mesma senda encontram-se abordagens que privilegiam uma estratégia psicoeducativa na qual os membros da família recebem informação sobre a esquizofrenia, sobre as medidas que podem tomar para reduzir ou evitar o stress, sobre a necessidade de utilizar neurolépticos, sobre o reconhecimento de possíveis sintomas prodrómicos da doença, como intervir em situações de crise, etc. (Faloon e tal , 1984; Macfarlane e tal, 2000; cit in Stierlin, 2008, pg. 278) Um terceiro ponto vista vislumbra-se em abordagens familiares que evitando descrições de causalidade linear que imputem a culpa aos pais ou à família, como nas abordagens psicoeducativas, não deixam de dar importância á qualidade da comunicação e diálogo nas famílias, bem como aos temas de conflito e, em particular aos conflitos de lealdades e delegações que podem ocorrer dentro da família, como os pioneiros das abordagens familiares chamaram a atenção. Exemplos encontram-se nas intervenções desenvolvidas por Jaakko Seikkula (1996) na Finlândia, ou por Helm Stierlin (2003) em Heidelberg, Alemanha (cit in Stierlin, 2008) para quem uma comunicação pouco clara e confusa pode ter um sentido e ser funcional à luz dos conflitos e temores das famílias (muitas vezes encobertos), influenciando o prognóstico e evolução dos casos. Por exemplo, uma família com conflitos importantes e duradouros, e com dificuldades em discuti-los abertamente, tem mais dificuldade em ajudar o seu familliar esquizofrénico do que outra, onde o bloqueio do diálogo não é tão patente. 23 Um estudo de follow-up com 70 famílias, 3 anos após o término da intervenção familiar por parte da equipa de Stierlin revelou uma redução significativa das taxas de recaída em 75% dos casos, comparando o número de hospitalizações antes e depois da terapia familiar (Arnold Retzer, 1991; cit in Stierlin, 2007). 5.2.3. Abordagens cognitivo-comportamentais Na 2ª metade do sex. XX surgiu também a importante corrente cognitivocomportamental que, pela sua ênfase na investigação empírica e em estudos controlados sobre os resultados das suas intervenções, logrou uma maior aceitação na psiquiatria. As primeiras tentativas de intervenção na psicose surgiram de uma perspectiva mais estritamente comportamental. Nas décadas de 60 e 70 foram utilizados os princípios do condicionamento operante para reduzir a verbalização dos delírios através de recompensas sociais e foram experimentadas estratégias comportamentais recorrendo à economia de fichas ou à terapia de aversão para reduzir a expressão de sintomas psicóticos. O uso destas estratégias foi declinando por não funcionarem como se esperava, por insuficiente generalização dos resultados para outros contextos. (Dudley, Braban, Turkington, 2008, pg. 316). Foram então desenvolvidas estratégias para ajudar a pessoa a lidar com as suas próprias experiências e sintomas, como as alucinações, crenças delirantes, visão do self, etc, ganhando corpo um modelo de intervenção cognitivo-comportamental de intervenção na psicose. Este, inspirando-se predominantemente no modelo de Beck, começou por ser desenvolvido sobretudo em Inglaterra, dando origem a diversos manuais de intervenção cognitivo-comportamental na psicose (ex. Birchood & Tarrier, 1995; Fowler & Kuipers, 1995) Os resultados positivos deste tipo intervenção evidenciados pela investigação empírica incentivaram, por sua vez, que nos EUA ganhasse impulso a investigação e desenvolvimento de modelos de intervenção cognitivocomportamental na psicose. 24 Em 2010, o próprio Beck publica um manual de intervenção cognitivocomportamental para a esquizofrenia, o qual curiosamente, invoca a sua filiação no paradigma inaugurado por Bleuler: “Teóricos de todas as linhas colocam-se sob o manto Bleuleriano. Desse modo, os teóricos da neuropsicologia, os psicodinâmicos e cognitivo-comportamentais trabalham todos dentro do modelo bleuleriano.” (Beck, 2010, pg.21). A abordagem cognitivo-comportamental à psicose procura envolver a pessoa numa relação de confiança e de colaboração, dando especial atenção à observação e descrição meticulosa da fenomenologia das experiências psicóticas onde, mediante um diálogo gentil e sensível de tipo socrático e partindo do ponto de vista do paciente, procura proporcionar um melhor entendimento dessas experiências á luz do modelo de vulnerabilidade ao stress, tentando encontrar hipóteses alternativas e, desse modo, alargar e flexibilizar o sistema de crenças do paciente (Fowler e al, 1995; Birchwood & Tarrier 1995). Trata-se de um modelo que também enfatiza as diferentes fases da psicose. Nas pessoas que não apresentam uma psicose activa mas correm risco de desenvolver a doença, o objectivo de trabalho é ajudá-las a manejar melhor os sintomas depressivos ou ansiosos, ou a compreender e manejar qualquer experiência pouco habitual que apareça. Nas fases agudas, o objectivo será ajudar as pessoas a lidar melhor com as suas alucinações e crenças delirantes. Uma vez superada a fase aguda, será ajudar as pessoas quando começam a recair. Nas pessoas com sintomas de longa duração e resistentes ao tratamento, a intervenção dirige-se não apenas aos sintomas psicóticos como as alucinações ou delírios mas também aos sintomas negativos, depressivos e de ansiedade. O que este modelo põe em evidência é que uma relação de apoio consistente pode ter valor para muitas pessoas com psicose e pode reduzir os sintomas positivos. 5.2.4. Abordagens integradas 25 Um movimento importante da segunda metade do sec. XX tem sido o desenvolvimento de abordagens integradas que combinam estratégias de tratamento farmacológico, psicoterapêutico, familiar, reabilitivo, etc, de um modo adaptado às necessidades específicas dos doentes. Nos países sido especialmente conceptualizadas e investigadas em projectos de larga escala como o Nordic Investigation nórdicos, of estas abordagens Psychotherapeutically têm Oriented Treatment for New Schizophrenics- NIPS, Alanen e tal, 1994; The Turku Project - Alanen e tal, 1991; e o Finniss National Schizophrenia Project, FNSP-Alanen, 1990 (cit in Reilly, 1997, pg 20). Vale a pena fazer referência à classificação desenvolvida por Räkköläinen e Aaltonen (2008, pg. 351-355) para orientar o tratamento de pacientes com um primeiro episódio psicótico no projecto piloto Kuppittaa, que compreende um hospital psiquiátrico municipal com uma zona de captação de 80.000 habitantes, a oeste da Finlândia: Esquizofrenia I: aquisições psicossociais prémorbidas quase adequadas ou adequadas Estes pacientes caracterizam-se por terem alcançado um bom capital psicossocial prévio à psicose, tendo evidenciado o desenvolvimento de capacidades de separação e individualização adequadas (por exemplo, ao nível da escola, formação vocacional e relações extrafamiliares). Além disso, o clima de interacção na família tende a ser aberto, não sendo o paciente incluído pelos pais nas suas discussões. Segundos os autores estes pacientes têm bom prognóstico e podem tirar proveito de um tratamento mais orientado para a psicoterapia, ajudados pela família e a terapia familiar. A medicação pode ser mínima e incidir mais no alívio da ansiedade. Esquizofrenia II: Atraso relativo nas aquisições psicossociais prémorbidas, especialmente no desenvolvimento da separação 26 Este grupo de pacientes apresenta maiores dificuldades de separação e um atraso em várias fases e aquisições do desenvolvimento psicossocial. Inclusivamente, os temas que na mente do paciente se associam à separação podem provocar uma aceleração da desintegração psicótica. O clima de interacção na família não é tão aberto, tendendo os pais a incluir o paciente nas suas discussões. Neste grupo, os autores observaram uma maior eficácia em abordagens que combinavam uma terapia familiar intensiva, especialmente no início do processo de tratamento, com psicoterapia individual na continuação. A medicação com neurolépticos era indicada, ainda que em doses baixas. Esquizofrenia III: funcionamento claramente defeituoso do eu desde as primeiras fases de desenvolvimento psicossocial. Neste grupo de pacientes uma simbiose prolongada com a família tende a manifestar-se sob a forma de um afecto plano, pensamento autista, regressão psicossocial, sem nenhuma delimitação clara do início da psicose. O clima de interacção familiar tende a caracterizar-se pelo predomínio de comunicações escassas e limitadas, para além de uma cultura intrafamiliar de duplo vínculo. Os pacientes permanecem na sua família de origem, sem fazer nenhum esforço para separar-se, configurando um quadro de psicose de longa duração, crónico e de mau prognóstico. Os autores encontraram ser benéfica uma intervenção que privilegiasse a reabilitação desde cedo no tratamento, porque existe o risco de um apego infrutuoso, agora em relação aos técnicos. Além disso, consideram importante uma terapia orientada para a estrutura da família. Os pacientes beneficiam de medicação neuroléptica mas com especial atenção para que esta não agrave a passividade, os sintomas negativos e a deterioração. O interesse deste tipo de abordagem reside na combinação e doseamento de diferentes tipos de tratamento, de acordo com uma avaliação específica e adaptada às necessidades de cada caso. Trata-se de uma abordagem que procura evitar o uso rotineiro quer da medicação, quer das intervenções psicossociais, procurando antes a melhor combinação destes recursos para 27 cada caso. Finalmente, resultam de um ponto de vista que evita o debate apaixonado mas estéril sobre qual é a intervenção mais importante, se a intervenção farmacológica, se a psicoterapêutica, deslocando antes a questão para a investigação de quais são as intervenções mais indicadas em cada momento e em determinado contexto, ao mesmo que tempo que se avaliam os seus riscos e a vantagens. 6. À guiza de conclusão Quando em 1911 Bleuler escreveu a obra cujos 100 anos estamos agora a assinalar iniciou um paradigma de investigação que simultaneamente diferencia e integra a influência de factores orgânicos e factores psicológicos, escapando assim a uma visão redutora dicotómica a favor de uma organogénese ou psicogénese. Nestes últimos 100 anos esta visão muitas vezes se perdeu, com o pêndulo a pender ora para um psicologismo ora para um biologismo redutores. Apesar das concepções psicodinâmicas considerarem a influência de factores constitucionais e orgânicos, não era difícil que estes fossem rápida e superficialmente tratados para passar logo para a discussão da compreensão psicodinâmica dos casos. Inversamente, com o aumento da influência duma psiquiatria cada vez mais biológica, a tendência foi para arrumar rapidamente os factores psicológicos como meros epifenómenos de factores mais fundamentais como os neurotransmissores ou a genética. Ora, os factores psicológicos não estão fora da biologia, nem contra a biologia. São antes processos biológicos de outra ordem, que derivam e são influenciados por processos orgânicos, mas que são uma realidade emergente com características próprias , com uma autopoesis capaz de influenciar o comportamento e os estados emocionais, e inclusivamente processos que ocorrem a nível orgânico. Talvez agora, decorridos 100 anos sobre a obra de Bleuler, se possa fazer jus à sua intuição fundamental de que a Esquizofrenia necessita de uma visão integradora que tenha em conta a totalidade dos factores e que não se adapta 28 a um pensamento simples de causa única. Já lá vai o tempo de psicoterapias temerárias sem medicação, assim como também do tratamento com base exclusivamente na medicação. É fácil esquecer que a psicose, assim como a esquizofrenia, é um conceito fenomenológico, definido em termos comportamentais e de mudanças subjectivas na esfera experiencial (Cullberg, 2007, pg. xvii ). Apesar de toda a investigação nunca se descobriram estruturas anatómicas e bioquímicas específicas da esquizofrenia. Além disso, a psicopatologia da esquizofrenia apresenta uma estrutura altamente simbólica, o que sugere que a esquizofrenia se desenvolve em níveis estruturalmente elevados, onde os sintomas se entrelaçam com os símbolos e a experiência de vida, pelo que não pode ser totalmente explicada em termos de hipóteses biológicas elementares (Benedetti, 1995). Assim, permanece actual a intuição de Bleuler de que a abordagem à Esquizofrenia deve evitar visões unilaterais e fatalistas ( o que com frequência conduz a baixos níveis de ajuda aos pacientes psicóticos e ás suas famílias) e que se pode oferecer uma melhor qualidade de tratamento abrindo-se á possibilidade de integrar outras formas de intervenção que se baseiem na compreensão psicológica do paciente e do seu meio interpessoal. E que o trabalho psicoterapêutico, não sendo fácil, nem simples, pode ser um instrumento valioso no objectivo de ajudar estes pacientes a alcançarem um maior nível de integração e de coerência no seu funcionamento psicológico. “A indicação de que as terapias verbais de sintomas psicóticos são eficazes e satisfatórias para o paciente deveriam fazer reflectir aqueles só vêm no pensamento psicótico uma actividade quase epiléptica (Birchwood, 1999)” Bibliografia: - Abraham, Karl (1908). The Psychosexual Differences between Hysteria and Dementia Pracecox. In Selected Papers of Karl Abraham. The International Psychoanalitical Library edited by Ernest Jones. Hogarth Press. 1927. 29 - Alanen, Yrjö O; Chávez, Manuel Gonzalez; Silver, Ann-Louise S; Martindale; Y Brian (2008). Abordajes psicoterapêuticos de las psicosis esquizofrénicas- História, desarrollo y perspectivas. Madrid. 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