PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE PROTEÍNAS DO INVÓLUCRO DO HIV-2 ALI: CONTRIBUIÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE UMA VACINA CONTRA O HIV2 Helena Barroso1,2, José Marcelino3, Carlos Novo3, Nuno Taveira1,2 1. Instituto Superior de Ciências da Saúde-Sul, Monte de Caparica; 2. URIA-CPM, Faculdade de Farmácia de Lisboa; 3. INETI-Departamento de Biotecnologia-UTPAM, Lisboa, Portugal O HIV-2, segundo agente etiológico de SIDA, é endémico na África ocidental, em alguns países da Europa ocidental com ligações históricas com África (como por exemplo Portugal e França) e na Índia [1]. Já foram identificados 7 subtipos genéticos de HIV-2 [2], sendo o subtipo A o mais prevalente em todo o mundo [1]. A entrada do HIV-2 na célula é mediada pelo complexo glicoproteico do invólucro viral que consiste na glicoproteína de superfície (SU), gp125, e na glicoproteína transmembranar (TM), gp41. O CD4 é o principal receptor celular para o HIV-2, ligando-se à gp125 [3]. O complexo gp125-CD4 liga-se em seguida a um receptor das quimiocinas. Os receptores das quimiocinas CCR5 e CXCR4 são os principais coreceptores para a entrada nas células de isolados primários de HIV-2 [4-6]. Alguns isolados primários de HIV-2 podem infectar células CD4+ mesmo na ausência de coreceptores, incluindo o CCR5 e o CXCR4 [6-8]. Infecções CD4-independente e CXCR4 ou CCR5-dependentes foram também observadas em HIV-2 passados em laboratório [9-11] e em isolados primários de HIV-2 [7-12]. As respostas imunitárias, especialmente na fase assintomática da infecção por HIV-2, são mais fortes e eficazes do que no HIV-1, resultando em níveis mais baixos de replicação viral [13]. Ao contrário da maioria dos indivíduos infectados com HIV-1, a maioria dos indivíduos infectados com HIV-2 têm respostas T-celulares proliferativas para as proteínas Env e Gag de HIV-2 e SIV. Uma resposta citotóxica forte é também comum na infecção por HIV-2. Na infecção por HIV-1 raramente se encontram anticorpos neutralizantes [14, 15], mas uma infecção por HIV-2 induz anticorpos neutralizantes contra vírus homólogos com extensa reactividade cruzada contra vírus HIV-2 heterólogos, HIV-1 e SIV [16-18]. Estes anticorpos neutralizantes são específicos para as glicoproteínas do invólucro. Usando péptidos sintéticos derivados de glicoproteínas do invólucro e soro de indivíduos infectados pelo HIV-2, foram identificadas cinco regiões altamente imunogénicas no HIV-2: três na glicoproteína de superfície, nas regiões C2 (aa 234248), V3 (aa 296-337) e C5 (aa 472-507), e duas nas regiões C6 (aa 573-595) e C7 (aa 634-649) da extremidade amino-terminal da glicoproteína transmembranar [19-23]. A imunogenicidade intrínseca da glicoproteína transmembranar gp36 nos humanos e a sua utilidade como reagente de diagnóstico têm também sido demonstradas em vários estudos [24-27]. Os alvos para os anticorpos neutralizantes para o HIV-2 foram apenas parcialmente identificados, e a caracterização da potencial actividade neutralizante dos anticorpos que reagem com a gp125 do HIV-2 tem originado resultados conflituosos. Por exemplo, a região V3 foi identificada como alvo neutralizante por alguns [28-33] mas não por todos os investigadores [18, 34, 35]. Outros epítopos neutralizantes foram identificados nas regiões V1, V2, V4, C5, C6 e região COOH-terminal da gp41 [30, 31, 33, 36]. A amplitude e potência de neutralização de isolados primários, de todos os anticorpos monoclonais neutralizantes descritos até hoje é bastante baixa. No modelo símio a imunização com um péptido sintético representando a região V3 do isolado HIV-2SBL6669 induziu uma resposta neutralizante e uma actividade citotóxica dependente dos anticorpos [30]. A imunização com a glicoproteína externa gp130 do HIV-2BEN, nativa e purificada, protegeu a maioria dos macacos Cynomolgus contra a infecção com o vírus homólogo HIV-2BEN, e conferiu também alguma protecção contra a infecção pelo vírus heterólogo HIV-2SBL6669 [37]. Mais recentemente, glicoproteínas do invólucro de HIV-2 expressas em vírus Vaccinia ou Canarypox foram usadas como imunogénios, sozinhas ou em combinação com péptidos sintéticos, em alguns ensaios em macacos Rhesus [38-41] e Cynomolgus [42]. Foram obtidas boas respostas imunológicas, mas apenas alguns animais ficaram protegidos contra a infecção por HIV-2 heterólogos. Estes estudos foram baseados em isolados de HIV-2 que foram passados múltiplas vezes em linhas celulares T. É hoje bem conhecido que a adaptação ao crescimento em células imortalizadas altera as características estruturais e funcionais do invólucro do HIV-1, com implicações importantes na sua imunogenicidade e propriedades neutralizantes [43]. Assim, é importante definir os determinantes funcionais, estruturais e moleculares da antigenicidade e imunogenicidade das glicoproteínas do invólucro de isolados primários de HIV-2. O isolado primário HIV-2ALI foi obtido de um paciente da Guiné-Bissau com complexo relacionado com SIDA, não induz a formação de sincícios em células mononucleadas do sangue periférico (PBMCs), e utiliza o CCR5 para entrar nas células [7]. O HIV-2ALI pertence ao subtipo genético A [44], e o seu genoma já foi completamente sequenciado [2]. Neste estudo, foram investigadas a antigenicidade e imunogenicidade das glicoproteínas do invólucro do isolado primário HIV-2ALI. Foram utilizados três tipos de preparações antigénicas: vírus da vacina recombinantes expressando o gene env do HIV-2ALI, o complexo glicoproteico oligomérico expresso à superfície celular e um polipéptido correspondente à região C2-C3 que foi expresso em Escherichia coli. Mostrou-se que a glicoproteína SU do HIV-2ALI permanece fortemente associada à glicoproteína TM na superfície da célula, contrariamente ao que se verifica para o HIV2ROD. Uma vez que a associação SU-TM requer uma estrutura terciária complexa que é dependente da interacção de várias regiões conservadas [45, 46], os resultados sugerem que as glicoproteínas do invólucro do HIV-2ALI e do HIV-2ROD têm conformações estruturais diferentes. Como os isolados adaptados HIV-2ISY e HIV-2ST também libertam a maior parte da sua gp125 [47, 48], parece que o crescimento de HIV-2 em linhas celulares altera a conformação das glicoproteínas do invólucro afectando, portanto, a associação SU-TM. Resultados idênticos foram descritos para o HIV-1 [49]. Observou-se uma menor eficiência de processamento do precursor gp140 no HIV2ROD quando comparado com o HIV-2ALI. No HIV-2ROD, isto foi correlacionado com a expressão de quantidades crescentes de gp140 na membrana celular, enquanto no HIV-2ALI a gp140 não processada ficou retida no citoplasma, talvez associada com o retículo endoplasmático [49, 50]. Estas diferenças estruturais entre as glicoproteínas do invólucro destes dois vírus podem estar relacionadas com a adaptação do HIV-2ROD ao crescimento em linhas celulares. O processamento eficiente das glicoproteínas do invólucro do HIV-2ALI, a forte associação das subunidades SU e TM e a falta de expressão da proteína precursora gp140 na superfície celular, e presumivelmente na partícula viral, podem ser importantes em termos de vacinas uma vez que, para o HIV1, a gp160 não processada e a gp120 excretada induzem uma resposta imunitária humoral não neutralizante que pode impedir o desenvolvimento de anticorpos neutralizantes contra o complexo oligomérico expresso na partícula viral [43, 51, 52]. Demonstrou-se que os anticorpos presentes no soro de todos os indivíduos infectados por HIV-2 que foram testados, se ligam à glicoproteína gp125 e ao polipéptido C2-C3 do isolado primário HIV-2ALI, confirmando-se assim a imunogenicidade natural desta região [27]. Estão em curso estudos adicionais para determinar se esta reactividade é dirigida contra a V3 loop. Deve, contudo, salientar-se que no HIV-2ROD [25] e no HIV-2NIH-Z [26] esta região tem sido descrita como fracamente antigénica. O diagnóstico de uma infecção por HIV-2 baseia-se na detecção de anticorpos produzidos especificamente contra antigénios de HIV-2, a maior parte das vezes usando técnicas de imunoensaio enzimático (ELISA). A maioria dos testes serológicos disponíveis comercialmente são testes mistos que detectam simultaneamente anticorpos contra o HIV-1 e HIV-2. Os antigénios HIV-2 utilizados nestes ensaios são normalmente antigénios recombinantes derivados da glicoproteína transmembranar gp36 de isolados HIV-2 de referência. Contudo, num estudo recente que avaliou a sensibilidade clínica de 7 testes combinados de Ag e Ac de HIV-1 e HIV-2, nenhum conseguiu detectar todas as amostras diluídas positivas para HIV-2 que foram testadas [53]. Dois dos pacientes que participaram no nosso estudo têm títulos muito baixos ou mesmo não detectáveis de anticorpos contra a glicoproteína gp36. Observações idênticas foram feitas por outros grupos com outros pacientes infectados por HIV-2 [54]. Conjuntamente com a detecção recente de infecções HIV-2 seronegativas na Índia [55], estes resultados questionam a sensibilidade dos testes actuais de diagnóstico para detectar a infecção por HIV-2, em particular para detectar seroconversões recentes. Estes resultados sugerem também a necessidade de testar novos antigénios que permitam detectar simultaneamente anticorpos IgM e IgG anti-HIV-2. Neste contexto, o polipéptido C2-C3 é um bom candidato pois reage com todos os soros de indivíduos infectados com HIV-2 que analisámos até agora. Nas áreas endémicas de HIV-2 é importante a capacidade de diferenciação entre infecções só com HIV-1, só com HIV-2, ou infecções duplas. As glicoproteínas transmembranares do invólucro do HIV-1 e HIV-2 induzem uma resposta humoral específica que permite descriminar entre as infecções pelos dois vírus [24, 56]. Assim, nos kits comerciais para dignóstico serológico, a reactividade com antigénios derivados das gp36/41 é também usada para destinguir entre infecções HIV-1 e HIV-2 [54]. Contudo, tem sido observado um certo grau de reactividade cruzada que pode complicar o diagnóstico final [57, 58]. O péptido C2-C3 do HIV-2ALI não reagiu com soros HIV1, confirmando os resultados de Huang e colaboradores [27] com um polipéptido C2-C3 derivado do HIV-2ST. Este polipéptido pode, portanto, ser útil para distinguir serologicamente as infecções HIV-1 e HIV-2. A infecção por HIV-2 induz uma resposta em termos de anticorpos neutralizantes mais potente e mais ampla do que a infecção por HIV-1 [59]. Perceber as bases desta resposta imunitária protectora é crucial para o desenvolvimento de uma vacina eficaz. Vários estudos demonstraram que a infecção natural com HIV-2 induz a formação de anticorpos neutralizantes anti-V3 [29, 31]. O soro de porquinhos-da-Índia imunizados com péptidos da região V3 pode neutralizar isolados primários de HIV-2 [31]. Foram já produzidos anticorpos monoclonais anti-V3 com capacidade neutralizante do HIV-2 [32, 33]. Outros estudos, contudo, não confirmam o papel neutralizante da região V3 do HIV-2 [18, 34, 35]. Neste estudo, verificámos que os anticorpos produzidos pelos indivíduos infectados com HIV-2 são direccionados contra o complexo oligomérico do invólucro do isolado primário HIV-2ALI. Demonstrámos ainda que este complexo oligomérico é altamente imunogénico em ratos Balb/c, induzindo a produção de anticorpos contra a gp41 e gp125 de várias estirpes de HIV-2, e contra a região imunodominante do invólucro do HIV-2, a região C2-C3. Adicionalmente, demonstrouse que a região C2-C3 do HIV-2ALI expressa em E. coli é fortemente imunogénica em ratos. Estudos da actividade neutralizante dos anticorpos produzidos em rato contra a região C2-C3 e contra o complexo glicoproteico do invólucro do HIV-2ALI estão em curso. A hipótese que pretendemos confirmar com os estudos de neutralização é a de que as proteínas recombinantes do invólucro do HIV-2ALI são boas candidatas a antigénios vacinais, justificando estudos adicionais de imunogenicidade no modelo símio. CONCLUSÃO: As glicoproteínas do invólucro do HIV-2ALI são fortemente antigénicas e imunogénicas e podem ser úteis como reagentes de diagnóstico e como candidatas a uma vacina para a infecção por HIV-2. Este trabalho foi financiado pelo projecto CRIA-CR4626 da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA. BIBLIOGRAFIA: [1] [2] [3] [4] Schim van der Loeff, M.F., and Aaby, P. Towards a better understanding of the epidemiology of HIV-2. AIDS. 1999; 13 Suppl A:S69-84. HIV Sequence Compendium. Eds. Kuiken, C., Foley, B., Hahn, B, Marx, P., McCutchan, F., Mellors, J., Mullins, J., Wolinsky, S., and Korber, B. Los Alamos National Laboratory, Published by Theoretical Biology and Biophysics Group, 2000. Sattentau, Q.J., Clapham, P.R., Weiss, R.A., Beverley, P.C.L., Montagnier, L., Alhalabi, M.F., Gluckman, J.-C., and Klatzmann, D. The human and simian immunodeficiency viruses HIV-1, HIV-2 and SIV interact with similar epitopes on their cellular receptor, the CD4 molecule. AIDS. 1988; 2: 101-105. 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