Como consequência, toda essa diversidade acaba dificultando o desenvolvimento de uma vacina que seja eficiente no combate a esse vírus. favorecido pela seleção natural a partir de outras doenças que afetaram essas populações no passado. O uso de drogas para o controle da doença Aula prática: PRÁTICA – SELEÇÃO NATURAL E O HIV Rogério F. de Souza complementar errada na nova fita de DNA que está sendo sintetizada. Além disso, o seu genoma compacto não codifica nenhuma enzima responsável pela correção dos erros introduzidos no cDNA. Como resultado, em média, metade dos transcritos desta enzima contém no mínimo uma mutação de ponto. Introdução Existem duas linhagens de HIV – chamadas de HIV-1 e HIV-2 – capazes de infectar os seres humanos. Embora apresentem semelhanças com relação ao ciclo de vida e composição gênica, o HIV-2 é muito mais benigno que o HIV-1. Análises filogenéticas indicam que ambas evoluíram na África a partir de um grupo de vírus chamado SIV, responsáveis pela imunodeficiência em outros primatas. O HIV-2 tem uma estreita relação com os SIVs que infectam pequenos macacos, tais como mangabei (Cercocebus sp). Essa linhagem tem sido encontrada na África Ocidental e, mais recentemente, na Índia. Já o HIV-1, responsável pela grande epidemia de AIDS, está mais correlacionado com o SIVcpz que infecta chimpanzés (Figura 1). O HIV-1 é subdividido em três diferentes grupos, denominados M, N e O. Dentro de cada um desses grupos existem diferentes cepas ou subgrupos. Como cada um desses subgrupos está mais relacionado filogeneticamente com uma cepa diferente do SIVcpz, isso indica que a transmissão do HIV-1 dos chimpanzés para os humanos aconteceu mais de uma vez. E isso poderá continuar acontecendo, tendo em vista que muitos africanos têm por hábito se alimentar de outros primatas. O HIV pertence a um grupo conhecido com retrovírus pelo fato da informação genética que estes carregam estar codificada em uma molécula de RNA, ao invés de DNA. Quando introduzida nas células hospedeiras, esse RNA serve de molde para a síntese de uma molécula de DNA que, por esse motivo, é conhecida como cDNA, ou DNA complementar. Tal cDNA acaba sendo incorporado ao genoma da célula hospedeira e servirá para codificar a síntese de novos retrovírus. Quem faz a transposição da informação de RNA para cDNA é uma enzima chamada de transcriptase reversa, codificada pelo próprio HIV. Os estudos com esse retrovírus têm mostrado que a sua transcriptase reversa é propensa a erros. Ou seja, muito frequentemente ela é capaz de incorporar uma base Figura 14. Filogenia do HIV-1. Como centenas de gerações de replicação do HIV ocorrem dentro de um paciente durante o curso de uma infecção, uma única cepa de HIV pode produzir centenas de variantes em um curto período de tempo. Só para se ter uma ideia, o sequenciamento dos genes do HIV-1 de uma amostra de sangue tirada de um congolês em 1959 (portanto, a infecção com o HIV não é uma condição recente na nossa espécie), mostrou que ele é incrivelmente diferente das cepas contemporâneas. 1/3 O AZT (3’azido-3’deoxi-timidina, ou azidotimidina) foi uma das primeiras drogas utilizadas no controle do HIV em indivíduos infectados. Num primeiro momento, ele se mostrou extremamente eficiente na redução da carga viral de pacientes com AIDS. Porém, esse efeito era temporário e, rapidamente a quantidade de vírions circulando pelo sangue alcançava níveis elevados. Estudos subsequentes revelaram que o aumento da resistência ao AZT acontecia por conta da alta taxa de mutação do HIV e da ação seleção natural sobre as variantes virais a ele resistentes. O uso de outros análogos de drogas, tais como ddI (2’-3’-dideoxinosina) ou o ddC (2’-3’dideoxicitidina), associados ao AZT, têm levado a evolução da resistência a múltiplas drogas. E, a resistência a uma outra classe de drogas chamada de inibidores de protease foi encontrada após dois anos da sua introdução. A terapia baseada no uso de múltiplas drogas, embora diminua a carga viral dos seus hospedeiros, não os livra da infecção. Além disso, de tempos em tempos, muitos têm que trocar os grupos de medicamentos utilizados devido ao surgimento de linhagens retrovirais resistentes. Figura 2. Representação esquemática da ancoragem do vírus HIV à um macrófago a partir das proteínas de membrana CD4 e CCR5. Se considerarmos que a frequência do alelo CCR5-∆32 (representado por “-”) em uma população caucasoide hipotética seja de 20%, então, a frequência do alelo CCR5 selvagem (“+”) será de 80%. E, se partirmos da premissa que esta população se encontra em equilíbrio de HardyWeinberg para esses dois alelos, a proporção esperada de indivíduos susceptíveis e resistentes ao HIV-1 nesse grupo étnico será: Existiriam pessoas naturalmente resistentes ao HIV? Em 1996, pesquisadores descobriram que existe ao menos uma condição geneticamente herdável para a resistência ao HIV. O gene responsável por esta característica codifica uma proteína de superfície de membrana chamada CCR5. Tal proteína é explorada pela maioria das cepas de HIV-1 como forma de infiltração nos linfócitos (Figura 2). Contudo, há um alelo mutante desse gene que perdeu 32 pares de bases nitrogenadas, sendo por isso conhecido por CCR5∆32. O resultado dessa deleção é que esse alelo codifica uma variante proteica não funcional. Indivíduos que herdam duas cópias desse alelo não apresentam essa proteína na superfície dos linfócitos, sendo então bastante resistentes ao HIV1. Estudos de genética de populações têm mostrado que a frequência do alelo CCR5-∆32 é maior em algumas populações caucasianas europeias, situando-se entre 10% e 20%. Não existe um consenso sobre o motivo desse alelo ser mais frequente nesses grupos, mas alguns pesquisadores acreditam que ele pode ter sido Susceptíveis: • f(+/+): p2 = (0,8)2 = 0,64 ou 64% • f(+/-): 2pq = 2x0,8x0,2 = 0,32 ou 32% Resistentes: • f(-/-): q2 = (0,2)2 = 0,04 ou 4% ou seja, espera-se que apenas 4% dos caucasoides europeus sejam naturalmente resistentes ao HIV-1. Os 96% restantes, compreendendo os homozigotos (+/+) e heterozigotos (+/-) para o alelo CCR5 selvagem, serão susceptíveis a esse tipo de vírus. Objetivo desta prática O objetivo desta prática é mostrar como a seleção natural pode atuar sobre doenças que afetam a espécie humana. E quais devem ser os resultados esperados para esse tipo de atuação. Atividade proposta 1. Esta atividade exige a utilização da planilha eletrônica “selecao_natural.ods” para o 2/3 programa Libreoffice, uma suíte de aplicativos gratuita, disponível no sítio http://www.libreoffice.org/. Esta planilha permite a colocação das frequências alélicas iniciais, bem como o coeficiente de seleção de cada um dos genótipos. Feito isso, automaticamente serão exibidos gráficos que mostram os resultados da simulação da seleção natural em 100 e em 1.000 gerações. Existem também gráficos específicos para as frequências alélicas, genotípicas e o valor adaptativo médio ao longo das gerações. 2. Simulação 1: partindo das frequências alélicas iniciais de p = f(+) = 0,8 e q = f(-) = 0,2, considere uma situação hipotética em que a incidência do HIV-1 nessa população seja extremamente alta, a ponto de 25% dos indivíduos (+/+) e 25% dos (+/-) morrerem de AIDS antes deles poderem se reproduzir. Já, os indivíduos (-/-) terão 100% de sobrevivência. Portanto, os valores adaptativos e os coeficientes de seleção neste exemplo serão: Genótipo +/+ +/-/- Valor adaptativo (W) 0,75 0,75 1 Genótipo +/+ +/-/- Valor adaptativo Coeficiente de (W) seleção (s) 0,995 0,005 0,995 0,005 1 0 4. Os estudantes deverão proceder as duas simulações na planilha para obtenção dos gráficos com as frequências alélicas, genotípicas e de valor adaptativo médio das populações. 5. Os três gráficos de cada simulação deverão ser copiados em um editor de texto para que possam ser impressos em uma mesma transparência. 6. O grupo utilizará estas informações para apresentação e discussão dos resultados em sala de aula. Questões a serem trabalhadas 1. Quais diferenças foram encontradas entre as simulações rodadas com os dois coeficientes de seleção? 2. Por que, nas situação atual não se espera um aumento muito grande da frequência do alelo que confere resistência ao HIV na população europeia? 3. Se a AIDS atingisse apenas adultos depois que esses passassem da idade reprodutiva, a seleção natural teria como eliminar o alelo que confere susceptibilidade ao HIV? Coeficiente de seleção (s) 0,25 0,25 0 3. Simulação 2: partindo das frequências alélicas iniciais de p = f(+) = 0,8 e q = f(-) = 0,2, considere uma situação mais próxima da realidade, onde a taxa de infecção do HIV na população caucasoide europeia gira em torno de 1%. Sendo assim, nesta simulação, considere que 0,5% dos indivíduos (+/+) e 0,5% dos indivíduos (+/-) contraiam a AIDS e morram sem se reproduzir. Portanto, os valores adaptativos e os coeficientes de seleção neste exemplo serão: Bibliografia recomendada • FREEMAN S, HERRON JC (2009). Análise evolutiva. 4ª Ed. Ed. Artmed. 848p. • RIDLEY M (2006). Evolução. Porto Alegre: Artmed. 752 p. • BEIGUELMAN B (2008). Genética de populações humanas. Ribeirão Preto: SBG, http://www.sbg.org.br/ebooks.html 293p. (acessado em 22/02/2010). 3/3