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Centro Univerisitário de João Pessoa - Departamento de Ciências Exatas
Coordenação de Engenharia Civil
Apostila de Fı́sica Geral II
Professor: Ms. José Jacinto Cruz de Souza (UNIPÊ)
Fonte: Bechtold, Ivan Helmuth e Branco, Nilton da Silva. Fı́sica básica C-II.2.ed. Florianópolis: UFSC, 2011.
João Pessoa - PB
2014
Sumário
Apresentação ............................................................................. 9
1. Estática dos Fluidos............................................................ 11
1.1 Propriedades dos fluidos........................................................... 13
1.2 Pressão num fluido .................................................................... 15
1.3 Variação de pressão em um fluido em repouso..................... 19
1.4 Aplicações.................................................................................... 24
1.4.1 Princípio de Pascal ............................................................. 24
1.4.2 Vasos comunicantes........................................................... 27
1.4.3 Medidas de pressão ........................................................... 29
1.4.4 Empuxo: Princípio de Arquimedes ................................. 30
Resumo.............................................................................................. 35
Exercícios........................................................................................... 36
Bibliografia básica ............................................................................ 38
Bibliografia complementar comentada ......................................... 38
2. Dinâmica dos Fluidos........................................................ 41
2.1 Introdução ................................................................................... 43
2.2 Conservação da massa: equação de continuidade ................ 45
2.3 Conservação da energia: equação de Bernoulli ..................... 49
2.4 Viscosidade ................................................................................. 56
Resumo.............................................................................................. 60
Questões ............................................................................................ 60
Problemas...........................................................................................61
Bibliografia básica ............................................................................ 62
Bibliografia complementar comentada ......................................... 62
3. Temperatura e Calor........................................................... 63
3.1 Introdução ................................................................................... 65
3.2 Temperatura................................................................................ 66
3.2.1 Escalas de temperatura ..................................................... 67
3.3 Expansão térmica....................................................................... 68
3.4 Calor............................................................................................. 72
3.4.1 Capacidade térmica e calor específico............................. 72
3.4.2 Transição de fase e calor latente....................................... 77
3.5 Transferência de energia térmica............................................. 79
3.5.1 Condutividade térmica...................................................... 81
Resumo.............................................................................................. 85
Questões ............................................................................................ 87
Bibliografia básica ............................................................................ 89
Bibliografia complementar comentada ......................................... 90
4. Primeira Lei da Termodinâmica...................................... 91
4.1 Introdução ................................................................................... 93
4.2 Equivalente mecânico de caloria.............................................. 94
4.3 Trabalho adiabático.................................................................... 95
4.3.1 Análise gráfica.................................................................... 98
4.4 Transferência de calor.............................................................. 100
4.5 Primeira lei da termodinâmica .............................................. 100
4.6 Processos reversíveis ................................................................101
4.7 Aplicação em processos termodinâmicos............................. 104
4.7.1 Processo adiabático .......................................................... 104
4.7.2 Processo isocórico ............................................................ 104
4.7.3 Processo isobárico ............................................................ 105
4.7.4 Processo isotérmico.......................................................... 106
4.7.5 Processo cíclico ................................................................. 106
4.8 Gás ideal .................................................................................... 109
4.8.1 Energia interna de um gás ideal .....................................112
4.8.2 Capacidade térmica de um gás ideal .............................113
4.8.3 Processo adiabático de um gás ideal..............................116
Resumo............................................................................................ 122
Exercícios......................................................................................... 123
Bibliografia básica .......................................................................... 127
Bibliografia complementar comentada ....................................... 127
5. Teoria Cinética dos Gases............................................... 129
5.1 Introdução ..................................................................................131
5.2 Modelo de gás ideal ..................................................................131
5.3 Pressão ...................................................................................... 134
5.4 Temperatura: interpretação cinética ...................................... 138
5.5 Fluido de Van der Waals ......................................................... 139
Resumo............................................................................................ 144
Questões ...........................................................................................145
Problemas.........................................................................................145
Bibliografia básica ...........................................................................146
6. Segunda Lei da Termodinâmica e Entropia ................ 147
6.1 Introdução ..................................................................................149
6.2 Segunda Lei da Termodinâmica:
enunciados de Clausius e Kelvin ............................................151
6.3 Motor térmico e refrigerador.................................................. 155
6.3.1 Motor térmico ................................................................... 155
6.3.2 Refrigerador.......................................................................157
6.4 Equivalência dos enunciados de Kelvin e Clausius ............ 158
6.4.1 O enunciado de Kelvin leva ao de Clausius ................. 158
6.4.2 O enunciado de Clausius leva ao de Kelvin................. 159
6.5 Ciclo de Carnot..........................................................................160
6.6 A escala termodinâmica de temperatura ............................. 165
6.7 Exemplos de máquinas térmicas.............................................166
6.7.1 Refrigerador doméstico.....................................................166
6.7.2 Bomba de calor ..................................................................167
6.7.3 Ciclo Otto............................................................................167
6.7.4 Ciclo Diesel.........................................................................169
6.8 Teorema de Clausius................................................................ 171
6.9 Entropia ..................................................................................... 172
6.9.1 Entropia e processos reversíveis..................................... 172
6.9.2 Entropia e processos irreversíveis.................................. 175
6.9.3 O princípio do aumento da entropia ..............................178
Resumo............................................................................................ 183
Questões .......................................................................................... 183
Problemas........................................................................................ 184
Bibliografia básica .......................................................................... 186
Apresentação
Este livro contempla de forma simples e direta os conteúdos pertencentes às áreas de teoria dos fluidos e termodinâmica. Ao longo dos textos as discussões relacionam os fenômenos físicos a
situações práticas, com o intuito de facilitar o entendimento por
parte dos estudantes.
Iniciamos esta disciplina com o estudo da estática dos fluidos no
Capítulo 1: nesse contexto consideramos fluidos em equilíbrio,
onde propriedades como pressão e empuxo são discutidas em
detalhes.
No Capítulo 2 veremos uma introdução à dinâmica dos fluidos,
onde fluidos idealizados em movimentos simples serão estudados. Apesar da simplicidade dos modelos tratados, as aplicações
são várias, desde o escoamento de fluidos em encanamentos até a
sustentação de aviões.
Dando seqüência ao conteúdo, iniciamos o estudo das propriedades térmicas da matéria no Capítulo 3, que discute os fenômenos
relacionados com temperatura e calor e onde abordamos as escalas térmicas, os efeitos de dilatação térmica e os processos de
transferência de calor.
No Capítulo 4 é apresentada a primeira lei da termodinâmica, a
qual é baseada nos conceitos de conservação de energia, sendo o
calor e o trabalho as formas de energia transferidas entre os sistemas considerados. Essa lei é aplicada a diversos processos termodinâmicos e é dada uma ênfase à importância dos processos
reversíveis na determinação dos parâmetros citados acima. Nesse
Capítulo também é introduzido o conceito de gás ideal, bem como
as condições em que é observado.
No Capítulo 5 apresentamos a Teoria Cinética dos Gases, a qual se
propõe a dar uma interpretação microscópica às leis termodinâmicas estudadas nos Capítulos anteriores. Assim, estabelecemos
a pressão e a temperatura como médias de grandezas microscópicas. Veremos ainda um modelo de gás que vai além daquele de
gás ideal, o chamado gás de Van der Waals.
Finalmente, no Capítulo 6 será estudada a Segunda Lei da Termodinâmica, nos seus vários enunciados. Discutiremos máquinas
térmicas (motores e refrigeradores), ciclos termodinâmicos - especialmente o de Carnot, que permite a definição de uma escala
termodinâmica de temperatura - e um conceito importante e delicado em Termodinâmica, o de entropia.
Ivan Helmuth Bechtold
Nilton da Silva Branco
Capítulo 1
Estática dos Fluidos
Capítulo 1
Estática dos Fluidos
Neste Capítulo, iremos estudar as propriedades de fluidos
em equilíbrio. Vamos analisar conceitos básicos de densidade, pressão, empuxo e tensão superficial. Ao final deste estudo você deverá ser capaz de: aplicar os conceitos de
pressão, entender o Princípio de Pascal e o problema dos
vasos comunicantes; definir densidade e explicar o empuxo
sobre os corpos (por exemplo, sobre barcos e balões de ar
quente) mediante o princípio de Arquimedes; resolver problemas envolvendo variações de pressão e problemas com
forças de empuxo sobre corpos flutuantes e imersos.
1.1 Propriedades dos fluidos
Usualmente, costumamos classificar a matéria em sólidos, líquidos
e gases. Um corpo sólido tem geralmente volume e forma bem definidos, que só se alteram (geralmente pouco) em resposta a forças
externas. Uma das principais propriedades dos líquidos e gases é o
escoamento, por isso ambos são denominados fluidos. Os líquidos
têm volume bem definidos, mas não a forma, sendo que o volume
amolda ao recipiente que o contém. Já os gases não apresentam nem
forma nem volume bem definidos, expandindo até ocupar todo o
volume do recipiente que os contém. Em alguns casos, a separação
entre sólidos e fluidos não é bem definida; é o caso de fluidos como o
vidro quente e o piche: eles escoam tão lentamente que se comportam
como sólidos nos intervalos de tempo que trabalhamos com eles.
O plasma, caracterizado como um gás altamente ionizado, é frequentemente chamado de “o quarto estado da
matéria”, em meio às três classes de estado já existentes
14
(sólido, líquido e gasoso). Além disso, existem os materiais
que se enquadram na chamada “matéria condensada mole”,
os quais apresentam uma grande variedade de formas e
cujas principais características são: elasticidade, interações
fracas entre os elementos estruturais, grande variedade de
graus internos de liberdade etc. Alguns exemplos são: argila, sistemas granulares como a areia, polímeros como a
borracha e o plástico, espuma, sistemas coloidais e microemulsões (maionese), membranas e outros materiais biológicos, géis, cristais líquidos (para saber mais sobre matéria
condensada mole, consulte o artigo da Revista Brasileira de
Ensino de Física, que pode ser obtido no endereço: <http://
www.sbfisica.org.br/rbef/Vol27/Num3/>) etc. Os estudos
nessa área renderam o Prêmio Nobel de física de 1991 a
Pierre-Gilles de Gennes.
Para uma definição mais precisa de sólidos e fluidos, é preciso classificar os diferentes tipos de forças que atuam sobre eles. Essas forças
são geralmente proporcionais à área de um elemento de superfície
(que pode ser interna ou externa ao meio) sobre o qual estão sendo
aplicadas. A força por unidade de área é definida como tensão: as
tensões podem ser normais ou tangenciais às superfícies sobre as
quais atuam, veja a Figura 1.1 abaixo:
Cola
T
m
m
m
T
T1
A
B
T2
C
Figura 1.1 – (a) e (b) são exemplos de tensões normais sobre o teto e
sobre o solo, respectivamente, e (c) é um exemplo de tensões tangenciais
sobre as superfícies laterais adjacentes ao corpo de massa m.
15
No caso de um pneu de
automóvel ou bicicleta, a
pressão interna do pneu
está relacionada com as
colisões das moléculas de
ar com a superfície interna
(mais detalhes no Capítulo 5), mas existe ainda
a pressão atmosférica na
superfície externa do pneu
(que é igual a 1 atm quando
próximo ao nível do mar).
A pressão medida com
um calibrador equivale à
diferença entre as pressões
interna e externa, diferença
essa que é compensada pela
elasticidade do material de
que é feito o pneu.
Na Figura 1.1, (a) e (b) são exemplos de tensões normais. Em (a) um
G
bloco de massa m puxa o fio que exerce uma tensão T num elemento de superfície do teto, também chamada de tração. Em (b) o bloco
G
está sobre o chão e exerce diretamente uma tensão T sobre um elemento de superfície deste, chamada de pressão. Na Figura 1.1, em
(c), o bloco está colado
G
Gentre duas paredes e, como se pode notar,
exerce as tensões T1 e T2 sobre as superfícies de cola que aparecem
paralelas às paredes. Esse é um exemplo de tensões tangenciais,
também chamadas de tensões de cisalhamento.
A diferença fundamental entre sólidos e fluidos está na forma com
que estes respondem às tensões tangenciais sobre si. No caso de um
sólido, a força externa pode deformar um pouco a sua estrutura,
até que se atinja o equilíbrio com as tensões tangenciais internas
e o corpo permaneça em repouso. Se a força externa não for muito
grande e o sólido voltar à condição inicial depois dela ser retirada, a
deformação é dita elástica. Essas deformações, em geral, são muito
menores que as dimensões do corpo sólido.
Um fluido não consegue equilibrar uma força externa tangencial (por
menor que seja), o resultado disso é o escoamento. Fisicamente esse
fenômeno está relacionado com o deslizamento relativo entre as partículas constituintes do fluido. A resistência a esse deslizamento é chamada de viscosidade e será vista no Capítulo seguinte.
Lembrando de (c) na Figura 1.1, enquanto a cola estiver fluida ela escoa ao longo das paredes devido à ação da gravidade; apenas depois
de solidificada ela consegue equilibrar as forças tangenciais exercidas pelo bloco.
1.2 Pressão num fluido
Um fluido se comporta
como um meio contínuo
porque, na escala
macroscópica, suas
propriedades variam
continuamente de um
ponto para outro.
Comumente vamos nos referir a elementos de volume num fluido
'V 'x'y'z , onde suas dimensões 'x, 'y, 'z devem ser muito menores que as distâncias macroscópicas (ex.: a medida de uma caixa)
e ao mesmo tempo muito maiores que as distâncias interatômicas.
Essa proposição é necessária para que 'V contenha um grande número de átomos e as flutuações nas propriedades do fluido sejam
desprezíveis, resultando na condição de continuidade do fluido.
16
Vamos imaginar uma quantidade de fluido com massa 'm fechada
em um elemento de volume 'V . Podemos então definir a densidade
do fluido nessa região como:
rU
§ 'm ·
lim ¨
¸
'V o0 'V
©
¹
dm
.
dV
(1.1)
onde o limite 'V o 0 nessa expressão significa que 'V é um
infinitésimo físico, portanto a densidade pode variar continuamente
na escala macroscópica. A unidade de densidade no Sistema Internacional de medidas (SI) é Kg . Na Tabela 1.1, apresentamos alguns
m3
valores de densidades de algumas substâncias.
Substância
Densidade
Hidrogênio a 0°C e 1atm
9,0 × 10 -2
Ar: 0°C e 1atm
100°C e 1atm
0°C e 50atm
Isopor
Petróleo (valor médio)
1,29
0,95
6,50
1,0 × 102
8,0 × 102
Gelo
9,2 × 102
Água: 0°C e 1atm
100°C e 1atm
0°C e 50atm
Sangue
Glicerina
Alumínio
Ferro, Aço
Prata
Mercúrio
Ouro
Platina
1,000 × 103
0,958 × 103
1,002 × 103
1,06 × 103
1,26 × 103
2,7 × 103
7,8 × 103
1,05 × 104
1,36 × 104
1,93 × 104
2,14 × 104
Tabela 1.1 – Densidades de algumas substâncias
Um fluido está em equilíbrio quando o resultado da soma das forças que agem em cada porção do fluido é igual a zero. Essas forças
podem ser divididas em volumétricas e superficiais. Um exemplo de
forças volumétricas é a força gravitacional, a qual é de longo alcance
G
G
e atua em todos os elementos do fluido, sendo dada por 'F 'mg ,
Infinitésimo físico
Um elemento infinitesimal é
definido como sendo muito
pequeno, porém maior que
zero.
17
onde
mos então:
e representa a massa de um elemento de fluido. Te.
(1.2)
G
onde g é a aceleração da gravidade.
As forças superficiais
ocorrem em uma dada
porção do meio limitada
por uma superfície.
Por exemplo: a força que a
água exerce na superfície
interna de um copo.
Como discutimos anteriormente, os fluidos escoam quando submetidos a forças tangenciais à superfície, por isso a força superficial deve
ser sempre perpendicular à superfície para um fluido em repouso.
G
A força superficial 'F do fluido sobre um elemento de superfície
'S é proporcional à área desse elemento. É conveniente então definir a pressão P como o número que mede a força por unidade de
área. Na Figura 1.2 a seguir, n̂ representa um vetor unitário normal
a 'S , onde convencionamos que n̂ aponta sempre para fora de uma
superfície fechada. Dessa forma, podemos escrever:
G
'F
P'Snˆ .
(1.3)
G
onde 'F e n̂ têm a mesma direção e sentido, portanto a pressão
pode ser escrita como:
'F
.
(1.4)
P
'S
Tomando o limite onde o elemento de área tende a zero, obtemos a
seguinte equação diferencial para P:
P
'F
'S o0 'S
lim
∆S
dF
.
dS
n^
∆F
S
Figura 1.2 – Representação esquemática de um elemento de superfície ¨6
(parte de uma superfície S ), indicando o sentido da força sobre S, bem como
o vetor unitário n̂ normal à superfície em ¨6.
(1.5)
18
Em geral, a pressão pode variar de um ponto a outro da superfície,
o que vem do fato dela depender diretamente da força aplicada no
ponto em questão. Sendo A a área de uma superfície e F a força
resultante sobre ela, a pressão pode ser escrita como:
P
F
.
A
(1.6)
É importante notar que a pressão é uma grandeza escalar,
ou seja, não depende de . O que determina a direção da
força é a orientação da superfície, ou seja, .
A unidade de pressão no SI é o Pascal, abreviatura Pa, sendo que
1Pa 1N/m 2 . Há outras unidades bastante comuns como: atmosfera
( 1atm 1, 013 u105 Pa ) e mmHg ( 1atm 760 mmHg ).
Exemplo 1. Calcule a massa e o peso do ar no interior de uma
sala contendo 2,0 m de altura e um piso com área de 3,0 m u 4,0 m .
Quais seriam a massa e o peso do mesmo volume de água? Encontre ainda a força total sobre o piso dessa sala exercida de cima para
baixo pela pressão do ar.
Solução: Na tabela 1.1, encontramos os valores da densidade da água
e do ar (vamos considerar a densidade do ar igual a 1,2 Kg/m3 na
temperatura ambiente).
O volume da sala é V (2,0m)(3,0m)(4,0m) 24m3 , portanto a
massa do ar pode ser obtida pela equação abaixo, partindo da equação 1.1:
mar UarV (1, 2Kg/m3 )(24m3 ) 28,8Kg .
O peso do ar é dado em Newtons:
war mar g
(28,8Kg)(9,8N/Kg)
282,2N .
A princípio é surpreendente que o peso de um volume tão grande de ar seja igual ao de uma criança de aproximadamente 30Kg ,
mas agora faça as mesmas contas considerando a água no lugar do
ar e você vai encontrar que a massa do mesmo volume de água é
mágua 24 u103 Kg e consequentemente seu peso é wágua 23,5 u104 N .
Em homenagem ao cientista
e filósofo francês Blaise
Pascal (1623-1662).
19
A pressão de 1atm (quando próximo ao nível do mar) sobre o piso de
área A (3,0m)(4,0m) 12m 2 produz uma força total de cima para
baixo que é dada pela equação abaixo, a partir da equação 1.6:
F
PA (1, 013 u 105 N/m 2 )(12m 2 ) | 12 u105 N .
Essa força é equivalente ao peso de aproximadamente 120 toneladas de água. Assim, como o piso suporta um peso tão grande? A
resposta é que existe uma força de mesma magnitude apontando
de baixo pra cima sobre o piso, da mesma maneira como um livro
fica parado sobre uma mesa: seu peso está atuando para baixo, mas
existe uma força que atua de baixo para cima. E no caso de ser o piso
de um apartamento no segundo andar? Aí precisamos lembrar que
o apartamento de baixo também está preenchido de ar, e que esse ar
produz uma força igual de baixo para cima no piso.
1.3 Variação de pressão em um fluido
em repouso
Vamos considerar um pequeno elemento de um fluido, situado no
interior deste e, além disso, supor que esse elemento tem forma de
disco com pequena espessura e está situado a uma distância de referência z, como mostra a Figura 1.3.
P’
A
A
P
dz
z
z=0
Figura 1.3
20
A espessura do disco é dz e cada face tem uma área A . Partindo da
equação 1.1, podemos escrever a massa desse elemento como:
dm
UdV
UAdz .
(1.7)
As forças superficiais atuando no elemento de volume provêm do
fluido que a este rodeia e são perpendiculares a sua superfície em
todos os pontos. A resultante das forças nos eixos horizontais é
nula, pois o elemento não tem aceleração ao longo desses eixos. As
forças horizontais são devidas apenas às pressões do fluido e, por
simetria, a pressão deve ser a mesma em todos os pontos do plano
horizontal com altura z.
O elemento de fluido também não tem aceleração na direção vertical, logo a resultante das forças que agem nessa direção também
é nula; entretanto as forças verticais não provêm unicamente das
pressões nas faces do disco, mas existe também uma contribuição
do seu peso. Sendo P a pressão na face inferior e Pc P dP a pressão na face superior, a condição de equilíbrio é obtida observando
que a força sobre a face superior mais o peso do elemento de fluido
é igual à força sobre a face inferior do elemento, que é escrita a partir
da equação 1.6:
PA ( P dP) A dw .
onde dw
baixo.
(1.8)
UAgdz é o peso do elemento de volume, e aponta para
Desenvolvendo a equação 1.8, temos:
PA ( P dP) A UAgdz ,
AdP
A Ugdz ,
logo,
dP
dz
Ug .
(1.9)
A equação 1.9 mostra que a pressão no fluido varia com a altura em
relação a um certo referencial. Essa variação de pressão equivale ao
peso por unidade de volume do elemento de fluido compreendido
21
entre os pontos onde ocorre a variação de pressão (lado direito da
equação anterior).
Se P1 é a pressão na altura z1 e P2 é a pressão na altura z2 , acima de
um nível de referência, a integração da equação 1.9 fornece:
P2
³ dP
P1
z2
³ Ugdz
z1
ou
.
A densidade da água,
por exemplo, aumenta
aproximadamente 0,5%
quando a pressão varia
de 1atm a 100atm em
temperatura ambiente.
(1.10)
A equação 1.10 foi obtida considerando U e g constantes de z1 a z2.
Para líquidos, a densidade U varia muito pouco, portanto, com boa
aproximação, podemos tratar um líquido como incompressível na
estática dos fluidos, ou seja, U = constante. Em geral, as diferenças
de nível não são muito grandes para que seja necessário considerar
as variações de g, por isso a aproximação “g = constante” também é
consistente.
A superfície livre de um líquido em contato com a atmosfera é uma
superfície onde a pressão é constante, pois todos os seus pontos
estão submetidos à pressão atmosférica P0 . Esse valor é o mesmo
para todas as superfícies livres em líquidos na vizinhança numa
mesma altitude. Assim, é conveniente definir essa superfície livre
como sendo o nível natural de referência, e então podemos escrever
P2 cte P0 . Consideremos z1 um nível arbitrário e que a pressão
nessa altura é dada por P . Logo:
P0 P
Ug ( z2 z1 ) ,
mas z2 z1 representa uma profundidade h abaixo da superfície livre, onde a pressão é P (veja a Figura 1.4), então temos que:
P
P0 Ugh .
(1.11)
A equação 1.11 é conhecida como Lei de Stevin e diz que a pressão
no interior de um fluido aumenta linearmente com a profundidade.
Além disso, ela mostra claramente que a pressão é a mesma em todos os pontos de mesma profundidade. Uma consequência impor-
22
tante é que a pressão não depende do volume do fluido; a pressão
da água a 1m abaixo da superfície de uma piscina é igual à pressão
da água a 1m abaixo da superfície da Lagoa dos Patos (RS), considerando que ambas estão na mesma altitude e estão preenchidas com
o mesmo líquido.
z2 − z1 = h
z2
P1 = P
z1
Figura 1.4 – Líquido confinado num recipiente, onde a
superfície superior está aberta para a atmosfera.
Um exemplo da aplicação da equação 1.11 ocorre na construção de
represas ou barragens: a base é projetada mais larga que a parte superior e isso se deve ao fato que a pressão da água no fundo é maior
que na superfície.
Para os gases, U é bem menor que para os líquidos (ver tabela 1.1),
por isso a diferença de pressão entre dois pontos nas proximidades
da superfície da Terra é desprezível. No entanto, se o resultado de
z2 z1 h for muito grande, poderá haver uma diferença de pressão
entre as duas extremidades do objeto (o que não ocorrerá quando o
h for muito pequeno): sabemos que a pressão do ar varia bastante
quando subimos a grandes altitudes na atmosfera terrestre. Nesses
casos, onde a densidade varia com a altitude, precisamos conhecer
a função que relaciona U com z , U( z ) , antes de fazermos a integral
que resultou na equação 1.10.
Exemplo 2. Achar a pressão a 10 m de profundidade, abaixo da superfície de um lago, quando a pressão na superfície for de 1atm .
A pressão atmosférica está
relacionada com o peso
da coluna de ar acima
da superfície da Terra. O
peso de uma coluna de
ar com área de 1cm 2 é
aproximadamente 10 N,
resultando numa pressão de
1, 013 u105 Pa .
23
Solução: Para resolver esse problema, vamos utilizar a equação 1.11,
p p0 Ugh .
Sendo: p0 1atm 1, 013 u105 N/m 2 , U 1000 Kg/m3 e
g 9,8 N/Kg , temos:
p 1, 013 u105 N/m 2 (1000 Kg/m3 )(9,8 N/Kg)(10 m)
p 199,3 u 103 N/m 2
1,97 atm .
Ou seja, a 10 m de profundidade, a pressão é quase o dobro da pressão na superfície do lago, por isso é dito que cada 10 m de diferença
de profundidade na água corresponde a 1atm de pressão.
Exemplo 3. Uma represa retangular, de 50 m de largura, suporta uma
massa de água com 20 m de profundidade (veja o esquema na Figura
1.5 abaixo). Calcule a força horizontal total que age sobre a represa.
H = 20 m
dA
=L
dh
L=
50
m
Figura 1.5 – Represa retangular indicada no exemplo 3.
Solução: Pelo fato da pressão variar com a profundidade, não podemos simplesmente multiplicar a pressão pela área da represa para
encontrar a força exercida pela água. Para resolver o problema, é
necessário integrar os elementos de força sobre os elementos de superfície em diferentes alturas dh , da base até o nível superior da
água, ou seja, de h 0 até h H 20 m . A pressão da água numa
determinada profundidade h é dada pela equação 1.11, mas, nesse
caso, não precisamos considerar a pressão atmosférica p0 , pois ela
age nos dois lados da parede da represa. O elemento de força é então
escrito como:
onde dA Ldh , sendo que L é a largura da represa. A força é obtida
através da integral:
24
h H
F
³
H
dF
h 0
³ UgLhdh
0
h2
UgL
2
H
0
1
UgLH 2.
2
Substituindo os valores, obtemos:
F
1
(1000 Kg/m3 )(9,8 N/Kg)(50 m)(20 m) 2
2
9,8 u107 N .
1.4 Aplicações
A seguir serão estudadas as aplicações dos fundamentos apresentados anteriormente.
1.4.1 Princípio de Pascal
Pela Lei de Stevin (equação 1.11), a diferença de pressão entre dois
pontos de um fluido em equilíbrio é constante, dependendo apenas
do desnível entre estes pontos. Assim, se produzirmos uma diferença de pressão num ponto de um fluido em equilíbrio, essa variação
se transmitirá a todos os pontos. O resultado prático disso é que
todos os pontos do fluido sofrem a mesma variação de pressão. Esse
princípio foi enunciado por Pascal em seu “Tratado sobre o equilíbrio dos líquidos” e é conhecido como Princípio de Pascal.
Uma aplicação prática disso é o macaco
hidráulico utilizado nas oficinas mecânicas para levantar carros (ver esquema da Figura 1.6). A ideia básica é que,
quando o pistão da esquerda é baixado
pela aplicação de uma força f , o aumento da pressão é transmitido para
todos os pontos do fluido (em geral
óleo), inclusive na outra extremidade
onde existe um pistão com área A bem
maior que a área a do primeiro. Como
a pressão nos dois pistões é a mesma,
pois estão no mesmo nível, a força para
cima no pistão da direita F será maior
que a força f .
a
f
d
A
F
Figura 1.6 – Esquema de um macaco hidráulico. Uma pequena
força aplicada num pistão pequeno produz uma grande força
para movimentar um pistão grande.
D
25
Para obtermos a relação entre as forças f e F , consideramos a
igualdade da pressão no pistão da esquerda ( Pe ) com a pressão no
pistão da direita ( Pd ), Pe Pd , logo:
f
a
F
A
então:
F
A
f.
a
(1.12)
Ou seja, a força f é aumentada pela razão entre as áreas. Sendo d e
D as distâncias de deslocamento dos pistões da esquerda e direita,
respectivamente, e considerando o fluido incompressível, o volume
deslocado pelo pistão da esquerda (Ve ad ) deve ser igual ao volume deslocado pelo pistão da direita (Vd AD) , então obtemos a
seguinte relação entre as distâncias: ad AD . Utilizando a equação
1.12, encontramos uma relação entre as forças e as distâncias nos
dois pistões:
(1.13)
fd FD.
A equação 1.13 parece indicar que o trabalho realizado pela força
externa no pistão da esquerda é igual ao trabalho realizado pelo
fluido no pistão da direita. No entanto é importante lembrar que a
equação 1.13 é obtida considerando a igualdade entre as pressões na
equação 1.12, ou seja, isso é válido apenas quando ambos os pistões
estão na mesma altura. Dessa forma, a equação 1.13 passa a ser uma
boa aproximação para deslocamentos infinitesimais dos pistões.
Para deslocamentos maiores, que produzem uma diferença
de altura entre o pistão da esquerda e o da direita, estando
este último mais elevado, é necessário considerar também a
pressão devido ao peso da coluna do fluido no pistão da direita, ou seja:
. O resultado prático disso é que a
força no pistão da esquerda tem que ser um pouco maior
que a dada pela equação 1.12, pois precisa empurrar a coluna do fluido, além disso essa força precisa ser maior com o
aumento da altura . Nesse caso, vemos que a equação 1.13
não é satisfeita, ou seja, o trabalho devido ao deslocamento
26
dos dois pistões não é o mesmo. Esse fato merece uma atenção especial, pois alguns livros de física básica não tratam
desse problema.
Exemplo 4. O pistão grande de um macaco hidráulico tem 40 cm de
diâmetro. Que força deve ser aplicada ao pistão pequeno, de 8 cm de
diâmetro, para elevar uma massa (m = 1.800 Kg), que inclui a massa
do carro mais a plataforma que o sustenta, a uma altura de 1,5 m?
Solução: Para visualizar a situação, observe a Figura 1.6. A fim de
resolver o problema, vamos inicialmente utilizar a equação 1.12, que
relaciona as forças nos dois pistões e as áreas destes. O objetivo é
determinar a força f a ser exercida no pistão pequeno para elevar o
carro no pistão grande, cuja força F mg . Inicialmente, precisamos
determinar as áreas dos pistões:
a
S(4 cm) 2
e
A
S(20 cm) 2
Então:
f
a
mg
A
S(4 cm) 2
(1.800 Kg)(9,8 N/Kg) 705, 6 N.
S(20 cm) 2
Uma força de 705, 6 N equivale ao peso de uma pessoa de 72 Kg .
Esse resultado é obtido considerando a igualdade das pressões entre
os dois pistões durante todo o processo, o que na prática não ocorre
porque o pistão da direita precisa subir para elevar o carro. Considerando que o pistão da esquerda permaneça no nível do solo e o da
direita se eleve a uma altura h 1,5 m , sabemos que será necessária
uma força f c ! f devido ao peso da coluna de fluido a ser elevada no pistão da direita. O valor de f c aumenta com o aumento da
altura, sendo máximo na altura máxima h 1,5 m . Nessa situação,
vamos calcular então o valor máximo dessa força, considerando que
os pistões estão preenchidos com óleo cuja densidade volumétrica é
3
aproximadamente 820 Kg/m . Nesse caso, a equação 1.12 se torna:
fc
a
ou seja,
fc
F
Ugh
A
a
mg a Ugh.
A
27
Assim:
f c 705, 6 N S(0, 04 m) 2 (820 Kg/m3 )(9,8 N/Kg)(1,5 m)
f c 705, 6 N 60, 6 N 766, 2 N.
Nessa situação, a força máxima (a ser aplicada no pistão da esquerda), para elevar o carro a uma altura de 1,5 m do solo, precisa ser
incrementada de 60, 6 N , que equivale a um aumento de 8,6% em
relação à situação de equilíbrio das pressões.
1.4.2 Vasos comunicantes
A equação 1.11 dá a relação entre as pressões em dois pontos quaisquer de um fluido, independentemente da forma do recipiente que o
contém. Portanto, se um recipiente é formado por diversos ramos que
comunicam entre si e possuem as superfícies livres (ver exemplo (a)
na Figura 1.7 a seguir), o líquido sobe à mesma altura h em todos os
ramos. Note que, nesse caso, o fluido também tem a mesma pressão
em quaisquer pontos dos diferentes ramos que estejam à mesma altura z. Esse é conhecido como o Princípio dos Vasos Comunicantes.
p0
p0
p0
p0
A
h2
h
A
A
p0
z
2
B
Superfície de
separação
C
1
h1
C’
z
A
B
Figura 1.7 – (a) Vasos comunicantes e (b) dois líquidos imiscíveis com
densidades diferentes em um vaso com forma de U.
Agora, se compararmos os dois vasos externos no exemplo (a) da Figura 1.7, à primeira vista, seríamos induzidos a pensar que a pressão
do líquido é maior na base do vaso da esquerda que na base do vaso
da direita (apesar de ambos possuírem a mesma área A). Essa intuição deve ao fato que, se os dois vasos fossem independentes e pesados em separado, o vaso da esquerda acusaria um peso maior, pois
existe um volume de água maior nesse vaso. Se isso fosse verdade, a
28
altura da coluna de água deveria ser maior no vaso da direita, o que
não é observado experimentalmente. Esse é conhecido como o paradoxo hidrostático. A explicação para essa situação resulta do fato
que no vaso da esquerda a resultante das forças provenientes das
pressões que atuam sobre as superfícies laterais têm uma componente para baixo, a qual gera uma reação das paredes do vaso com
uma componente para cima que tende a contrabalançar parte do
peso do líquido. No caso do vaso da direita, as forças de reação provenientes das pressões das paredes verticais são horizontais, logo
elas não têm componente vertical (observe as setas indicativas no
exemplo (a) da Figura 1.7). O mesmo raciocínio é válido para o tubo
do meio, com forma curvada, se a área da base for a mesma que a
dos tubos laterais.
Consideremos agora um tubo em forma de U que contém dois líquidos imiscíveis com densidades diferentes; por exemplo, um líquido
mais denso no ramo da direita ( U1 ) e um menos denso no ramo da
esquerda ( U2 ). A pressão pode ser diferente num mesmo nível dos
dois ramos do tubo. Essa situação está ilustrada pelo exemplo (b)
da Figura 1.7, onde se pode ver que a superfície do líquido é mais
alta no ramo da esquerda que no da direita. A pressão em C e C c
é a mesma em ambos os lados, os quais estão à mesma altura z .
No entanto, a pressão diminui menos de C para A que de C c para
B , porque a coluna do líquido do lado esquerdo pesa menos que
a coluna do líquido do lado direito. Assim, a pressão no ponto A
deve ser maior que no ponto B. Se P é a pressão em C e C c , da
equação 1.11 temos:
P
P0 U1 gh1
P0 U2 gh2 ,
de modo que:
h1
h2
U2
.
U1
(1.14)
Através da expressão 1.14 acima, podemos determinar a relação entre
as densidades de dois líquidos imiscíveis a partir da medida das alturas das colunas de cada líquido em relação à superfície de separação
entre eles.
29
1.4.3 Medidas de pressão
A pressão manométrica
é justamente aquela
pressão medida para o
pneu de seu automóvel
no posto de gasolina.
Podemos usar o fato de a diferença de pressão ser proporcional à
profundidade de um líquido para medir pressões desconhecidas. Na
Figura 1.8 a seguir, apresentamos um modelo simples de medidor
de pressão, chamado de manômetro de tubo aberto. Nesse dispositivo, um lado fica aberto à pressão atmosférica P0 , enquanto a outra
extremidade fica em contato com a pressão P a qual deseja medir
(essa extremidade pode estar conectada a qualquer sistema, como
exemplo estufas e cilindros de gás). A diferença P P0 é chamada de
pressão manométrica e, de acordo com a equação 1.11, é igual a Ugh,
onde U é a densidade do líquido no tubo. Dessa forma, conhecendo
a pressão atmosférica e a densidade do líquido, podemos determinar a pressão absoluta P .
P0
P
h
h2
h1
P
Figura 1.8 – Manômetro de tubo aberto para a medição de uma pressão desconhecida.
h
P
P
Figura 1.9 – Barômetro de
mercúrio, utilizado para medir a
pressão atmosférica P0 .
Outro tipo comum de manômetro é o barômetro de mercúrio, utilizado pela primeira vez em meados do século XVII para medir a
pressão atmosférica. Ele consiste de um longo tubo de vidro (aproximadamente 1m ), fechado em uma extremidade, previamente preenchido com mercúrio e posteriormente invertido em um recipiente
contendo a mesma substância (ver Figura 1.9 ao lado). O líquido que
está no tubo tende a descer, mas é impedido pela pressão atmosférica atuando na superfície do líquido que está no recipiente, mantendo
assim uma coluna de mercúrio dentro do tubo. O espaço que se forma acima da coluna contém apenas vapor de mercúrio, e sua pressão
é muito pequena, podendo ser desprezada, de modo que a pressão
nesse volume é considerada nula. Assim, o barômetro de mercúrio
30
mede a pressão atmosférica diretamente a partir da altura da coluna
de mercúrio. Ao nível do mar, a altura da coluna é de aproximadamente 76 cm, sendo essa uma outra unidade de medida de pressão:
76 cmHg = 1 atm; no alto de uma montanha, essa altura pode diminuir em até 8cm , indicando a diminuição da pressão externa.
1.4.4 Empuxo: Princípio de Arquimedes
Uma percepção familiar a todos nós é que um corpo imerso na água
parece apresentar um peso menor que quando está no ar. Além disso, sabemos que um corpo flutua quando sua densidade é menor
que a do líquido. Aparentemente, parece existir uma força que ajuda
a sustentar os corpos dentro de um líquido; essa força realmente
existe e é denominada de força de empuxo.
Vamos imaginar um corpo sólido cilíndrico, de área A na base e de
altura h , totalmente imerso e em equilíbrio dentro de um recipiente
contendo um fluido com densidade U. A condição de equilíbrio requer que a somatória de todas as forças sobre esse corpo seja nula.
Como ilustrado na Figura 1.10 a seguir, vemos por simetria que as
forças sobre a superfície lateral do cilindro se cancelam, pois num
mesmo eixo horizontal têm a mesma magnitude (que é o caso das
pressões P, P e Pc, Pc na figura), entretanto a pressão P2 exercida
pelo fluido sobre a base inferior é maior que a pressão P1 sobre a
base superior. Pela equação 1.11, temos:
P2 P1
Ugh .
(1.15)
Logo, a resultante das forças superficiais exercidas pelo fluido sobre
G
o cilindro será a força de empuxo E E.zˆ , que é dirigida para cima,
onde:
E
P2 A P1 A
UghA .
(1.16)
Como a altura multiplicada pela área dá o volume ( hA V ) e a densidade multiplicada pelo volume dá a massa ( UV m ), temos que o
empuxo é dado por:
G
G
(1.17)
E mgzˆ w fluido .
31
Ou seja, o empuxo é igual ao peso da porção de fluido deslocada
( w fluido ), com o sinal invertido.
A
P1
P
P
P
P
h
P2
Figura 1.10 – Pressões do líquido atuando sobre um cilindro sólido imerso num fluido.
Esse princípio foi enunciado
por Aquimedes no século
III a.C., quando, segundo a
lenda, ele teria comprovado
a falsificação da coroa
de ouro do rei Herão de
Siracusa, comparando
o volume de água
transbordado pela coroa
(quando imersa em um
recipiente cheio de água)
e um pedaço de ouro de
igual massa. Se a coroa
fosse mesmo de ouro,
esse volume deveria ser o
mesmo do volume de água
transbordado, pois, como
vimos, o volume deslocado
depende da densidade do
material. Para o azar do rei,
a coroa era falsa. Para mais
detalhes, visite o endereço:
<http://nautilus.fis.uc.pt/
softc/Read_c/gradiva1/
eureka.htm>.
Diante disso, como então o cilindro fica em equilíbrio no fluido se
existe uma resultante sobre ele de baixo para cima? Precisamos lembrar que, além do empuxo, atua sobre o sólido uma outra força voG
lumétrica que é a força peso ( w ), aplicada no centro de gravidade; é
essa força que contrabalança o empuxo. No entanto, o equilíbrio só
acontece se as densidades do sólido e do líquido forem as mesmas.
Quando a densidade média do sólido for menor que a do fluido, ele
G
G
não pode ficar totalmente submerso, pois E ! w . O sólido ficará
então flutuando, com o empuxo, devido à porção submersa equilibrando o seu peso. Como exemplo podemos citar os “icebergs” que
flutuam com apenas 11% do seu volume fora da água; isso ocorre
porque a densidade do gelo é aproximadamente 90% da densidade da água (ver Exemplo 6 no final desta Seção). Por outro lado, se
G
G
E w , o sólido afunda.
Essa observação representa o Princípio de Arquimedes, que pode
ser enunciado da seguinte forma: Um corpo total ou parcialmente imerso em um fluido recebe do fluido uma força (o empuxo), que é igual e contrária ao peso da porção de fluido deslocado e aplicado no centro de gravidade
do mesmo.
É importante enfatizar que, nesse enunciado, o resultado não depende da forma do corpo imerso, o qual, para simplificar, inicialmente,
consideramos como sendo um cilindro. O fato é que o empuxo atua
32
no centro de gravidade da porção de fluido deslocada pelo corpo,
que é chamada de centro de empuxo. Nesse sentido, a geometria
do casco de embarcações flutuantes torna importante para garantir
a estabilidade de navegação, ou seja, é importante saber os pontos
de apliacação dessas forças (peso e empuxo). O peso atua sempre no
Centro de Gravidade (CG), que é fixo, enquanto o empuxo é aplicado
no Centro de Empuxo (CE), que é variável e muda de acordo com a
forma do volume do líquido deslocado, conforme a figura:
G
E
C
A
P
G
E P
C
B
Figura 1.11 – O Peso sempre atua no Centro de Gravidade da embarcação, que não varia com
a inclinação, porém isso altera o Centro de Empuxo, pois a forma da água deslocada varia.
A lei do empuxo também explica o funcionamento de um submarino. Ele possui vários compartimentos que são preenchidos
G
G
com ar para flutuar na superfície da água, portanto E ! w ; para
afundar, bombeia água para o interior dos compartimentos até que
G
G
E w ; se a intenção é retornar à superfície, basta bombear a água
para fora novamente. Note que, através desse processo, o comandante pode controlar perfeitamente a profundidade de navegação
do submarino. Da mesma forma, você pode entender porque um
balão com ar quente ou hidrogênio sobe.
Existem outros fenômenos que muitas vezes são confundidos com
o empuxo: um clipe de alumínio (daqueles de prender papel) pode
flutuar sobre a superfície da água, embora sua densidade seja quase
3 vezes maior que a da água; alguns insetos e até mesmo certos répteis conseguem caminhar sobre a superfície da água sem afundar.
Essas situações não são explicadas pelo empuxo, mas pelo fenômeno da tensão superficial, no qual a superfície do líquido se comporta
como uma membrana submetida a uma tensão. As moléculas de
33
um líquido exercem forças de atração entre si, de modo que, se uma
molécula for deslocada de sua posição, aparecerá uma força restauradora que tende a recolocá-la na sua posição de origem. No caso do
clipe, quando este é colocado sobre a superfície, as moléculas superficiais são ligeiramente deslocadas para baixo, e as moléculas adjacentes exercem uma força restauradora para cima, o que o sustenta.
Exemplo 5: Uma estatueta de ouro de 15, 0 Kg está sendo elevada de
um navio submerso. Qual é a tensão no cabo de sustentação quando
a estatueta está em repouso: a) completamente submersa e b) fora
da água?
Solução:
a) Quando a estátua está submersa, ela sofre a ação de uma força
de empuxo com módulo igual ao peso da água deslocada. Para
encontrar essa força, inicialmente, precisamos calcular o volume
da estatueta utilizando a densidade do ouro da tabela 1.1.
m
Uouro
V
15, 0 Kg
19,3 u103 Kg/m3
7,8 u104 m3.
Com esse valor, encontramos o peso da água do mar referente a
esse volume deslocado (considere Uágua 1, 03 u103 Kg/m3 ):
wágua
mágua g
UáguaVg
(1, 03 u103 Kg/m3 )(7,8 u104 m3 )(9,8 N/Kg) 7,8 N .
Esse valor é igual ao módulo da força de empuxo E. Logo, para
achar a tensão no cabo T quando a estátua está em repouso, utilizamos o princípio de que nessa condição a somatória de todas as
forças que agem sobre ela é igual a zero, ou seja:
¦F
T
E T (mg ) 0 , logo:
mg E
T
(15, 0 Kg)(9,8 N/Kg) 7,8 N
147 N 7,8 N 139, 2 N .
A estatueta submersa parece ter uma massa de 14, 2 Kg , cerca de
5% a menos que sua massa real.
34
b) Refazendo as mesmas contas e utilizando a densidade do ar na
temperatura ambiente como Uar 1, 2 Kg/m3 para determinar o
empuxo do ar sobre a estatueta quando ela está fora da água,
obtemos que:
Ear UarVg 9,1u103 N.
Como esse valor é muito menor que o valor do peso real da
estatueta ( mg 147 N ), podemos considerar que a tensão no
cabo é igual ao seu peso real. Veja na Figura 1.12 a seguir um diagrama de forças sobre a estátua, referente aos itens (a) e (b) do
exemplo 5:
T
T
E
W
W
A Submersa
B Fora da água
Figura 1.12 – Figura citada no Exemplo 5.
Exemplo 6. Qual é a fração do volume total de um “iceberg” que fica
fora da água?
Solução. Da tabela 1.1 temos que a densidade do gelo é igual a
9, 2 u102 Kg/m3 , enquanto a da água do mar é aproximadamente
1, 03 u103 Kg/m3 . O peso do “iceberg” é dado por:
U geloVice g ,
wice
onde Vice é o volume do “iceberg”. O peso da água do mar deslocada,
de volume Vágua , é igual ao empuxo E :
E
mas observe que E
o meio, então:
UáguaVágua g ,
wice , porque o “iceberg” está em equilíbrio com
U geloVice g
UáguaVágua g
e
35
Vágua
U gelo
Vice
Uágua
0,92 u103 Kg/m3
1, 03 u103 Kg/m3
0,89 89% .
Ou seja, o volume de água deslocada equivale a 89% do volume do
“iceberg”, que representa a parte submersa, portanto apenas 11% do
“iceberg” fica do lado de fora da água. Veja a seguinte representação
conforme a Figura 1.13:
E
W
Figura 1.13 – Figura citada no Exemplo 6.
Resumo
A densidade de uma substância é dada pela razão entre a sua massa
e o seu volume. Quando a massa m está uniformemente distribuída
em um volume V , a densidade U é dada por:
U
m
.
V
A pressão P de um fluido é a razão entre a força F exercida pelo
fluido e a área A sobre a qual essa força está aplicada, logo:
P
F
.
A
Num líquido como a água, que pode ser tratado como incompressível, a pressão cresce linearmente com a profundidade. Tomando a
superfície da água como nível de referência e submetida à pressão
atmosférica P0 , a pressão P num ponto a uma profundidade h é
dada por:
P P0 Ugh .
36
Pelo princípio de Pascal, a pressão aplicada a um fluido num vaso
fechado se transmite sem alteração a todos os pontos do fluido e às
paredes do vaso. Essa propriedade foi utilizada na elaboração de
macacos e prensas hidráulicas.
O princípio de Arquimedes afirma que um corpo total ou parcialmente imerso num fluido sofre uma força, o empuxo, que é igual em
módulo e sentido oposto ao peso do fluido deslocado.
G
E
mgzˆ
G
w fluido .
Exercícios
1) Você compra uma peça retangular de metal com massa de
0,0158 Kg e com dimensões 5,0 × 15,0 × 30,0 mm. O vendedor
diz que o metal é ouro. Para verificar se é verdade, você deve
calcular a densidade média da peça. Qual o valor obtido? Você
foi enganado?
Resposta: U 7,02 u103 Kg/m3 ; Sim, o metal não é ouro.
2) Um balão de vidro de 60 ml está cheio de mercúrio a 0°C.
Quando a temperatura sobe para 80°C, 1,47 g de mercúrio são
derramados para fora do frasco. Admitindo que o volume do
frasco é constante, calcule a densidade do mercúrio a 80°C,
sendo a sua densidade igual a 13.645 Kg/m3 na temperatura
de 0°C.
Resposta: U 13.620 Kg/m3 .
3) O líquido no manômetro de tubo aberto indicado na Figura 1.8
é mercúrio, com h1 3,0 cm e h2 7,0 cm. Sendo assim:
a) Qual é a pressão absoluta no fundo do tubo em forma de U?
b) Qual é a pressão absoluta no tubo aberto a uma profundidade de 4,0 cm abaixo da superfície livre?
c) Qual é a pressão absoluta do gás no tanque da esquerda?
37
Resposta:
a) P 11, 06 u104 Pa ;
b) P 10, 66 u104 Pa ;
c) P 10, 66 u104 Pa .
4) Um tanque aberto cheio de água possui as seguintes dimensões: 2,0 × 1,0 × 0,5 m. Dessa forma:
a) Determine a pressão num ponto situado no fundo do tanque;
b) Calcule a força total exercida pela água sobre o fundo do
tanque;
c) Calcule a pressão sobre as paredes laterais a uma profundidade h 0,25 m;
d) Determine o módulo da força total resultante que atua sobre a parede lateral do tanque, a qual possui largura de 1 m
e profundidade de 0,5 m.
Resposta:
a) P 10, 62 u104 Pa ;
b) F
2,12 u105 N ;
c) P 10,37 u104 Pa ;
d) F 1.225 N .
5) Muitas pessoas imaginam que, se fossem mergulhar com a
parte superior de um tubo snorkel flexível para fora da água,
elas seriam capazes de respirar através dele enquanto estivessem caminhando debaixo d’água, porém elas geralmente não
consideram a pressão da água que se opõe à expansão do tórax
e dos pulmões. Suponha que você pode respirar deitado no
chão com um peso de 400 N sobre seu tórax que equivale a
uma massa de 41 Kg. A que profundidade abaixo da superfície livre da água você conseguiria respirar, admitindo que seu
tórax tem uma área frontal de 0,009 m2?
Resposta: h
4,5 m .
38
6) Um pedaço grande de cortiça pesa 0,285 N no ar. Quando mergulhado em água e acoplado a um dinamômetro preso no fundo do tanque, a tensão na corda que impede a cortiça de subir
para a superfície da água é de 0,855 N. Calcule a densidade da
cortiça.
Resposta: U 250 Kg/m3 .
7) Um bloco de gelo flutua sobre um lago de água doce. Qual
deve ser o volume mínimo do bloco para que uma mulher de
45 Kg possa ficar em pé sobre o bloco sem que ela molhe seus
pés?
Resposta: V
56, 25 u102 m3 .
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica. São Paulo: Edgard
Blücher, 1997. 2 v.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D.; KRANE, K. S. Física. Rio de Janeiro:
LTC, 2006. 2 v.
SEARS, Z. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São Paulo:
Addison Wesley, 2003.
TIPLER, P. A.; MOSCA, G. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007. 1 v.
Bibliografia complementar comentada
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica. São Paulo: Edgard
Blücher, 1997. 2 v.
Para saber mais sobre propriedades dos fluidos, sugerimos a leitura da seção
1.1 Propriedade dos Fluidos.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D.; KRANE, K. S. Física. Rio de Janeiro:
LTC, 2006. 2 v.
Uma leitura mais aprofundada sobre pressão nos fluidos pode ser encontrada
nas seções 17.2 Pressão e Massa Específica e 17.3 Variação de Pressão em
um Fluido em Repouso.
39
TIPLER, P. A.; MOSCA, G. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007. 1 v.
Você encontrará mais detalhes sobre empuxo na seção 13.3 Empuxo e
Princípio de Arquimedes.
Capítulo 2
Dinâmica dos Fluidos
Capítulo 2
Dinâmica dos Fluidos
No final deste Capítulo, você deve ser capaz de tratar situações simples de escoamento de fluidos sem turbulência e sem viscosidade. Os conceitos físicos por trás dessas
situações idealizadas já são conhecidos do leitor: leis de
Newton, conservação de massa e conservação de energia. Ao final do Capítulo, trataremos de escoamentos
com viscosidade e, de forma qualitativa, de turbulência.
2.1 Introdução
Na verdade, quase todos os
estudos em Física Teórica
seguem este padrão:
modelos simplificados são
estudados, a princípio,
de tal forma que os
ingredientes fundamentais
das situações reais estejam
presentes nesses modelos
e que seu tratamento
matemático seja possível.
Posteriormente, modelos
mais complexos, que
estejam mais próximos
do sistema real, são
pesquisados.
Lembre-se que para falar de
densidade não podemos nos
concentrar em um ponto.
Na verdade, o que chamamos de ponto é uma região
do fluido grande o suficiente para termos muitas partículas, e assim ser possível
definir densidade, e pequena o suficiente para que as
grandezas físicas relevantes
(velocidade, pressão, altura
etc.) não variem consideravelmente dentro da região.
Neste Capítulo iremos estudar a física de fluidos em movimento.
Essa é uma das áreas mais interessantes da Física. Ela está por trás
de vários fenômenos em nosso dia-a-dia, como ondas no mar, movimentos na atmosfera (comportamento climático), escoamento da
água tratada que recebemos em casa e até mesmo na dinâmica do
tráfego de veículos em cidades.
Mas essa área pode ser de difícil tratamento matemático, devido às
equações que descrevem os fenômenos nela observados. Assim, iremos iniciar nosso estudo com sistemas simples e aos poucos vamos
introduzir efeitos mais realísticos.
Apesar de usarmos conceitos já vistos por você nas disciplinas anteriores (conservação de massa e da energia por exemplo), no tratamento de escoamento de fluidos, temos um procedimento diverso
do utilizado anteriormente. Não seguiremos mais cada partícula
(ou grupo de partículas) do fluido. Iremos agora nos concentrar
em pontos dele, especificando a densidade = ( x, y, z , t ), a velociG G
dade v v ( x, y, z , t ) das partículas e a pressão P P ( x, y, z , t ) em
diferentes pontos ( x, y, z ) e em diferentes instantes de tempo t .
Podemos classificar o escoamento de fluidos de acordo com as seguintes características:
44
a) Estacionário ou não-estacionário: no escoamento estacionário,
as grandezas físicas não dependem do tempo, apesar de poderem ainda depender da posição. Essa condição é satisfeita,
por exemplo, em escoamentos a baixas velocidades. O escoamento pode ser não-estacionário e, nesse caso, as grandezas
relevantes dependem do tempo. Um exemplo drástico desse
tipo de escoamento é o que acontece em cachoeiras ou próximo aos raios de uma roda de bicicleta a grandes velocidades: o
comportamento do fluido é aparentemente aleatório e temos o
fenômeno da turbulência;
b) Compressível ou incompressível: no caso da densidade do fluido variar, diz-se que o escoamento é compressível (nesse caso,
ele pode depender só da posição ( x, y, z ) , só do tempo t ou de
ambos). Se U for constante, então o escoamento é incompressível e, nesse caso, U não depende nem da posição nem do
tempo;
c) Viscoso ou não-viscoso: uma aproximação comum nas disciplinas de Física Básica A e B é a de desprezar o atrito. O análogo ao atrito no caso de fluidos chama-se viscosidade e ela tem
características bem diferentes daquelas do atrito entre corpos
sólidos. Em muitas situações, como para óleos lubrificantes, a
viscosidade é uma propriedade fundamental;
d) Rotacional ou irrotacional (ou não-rotacional): essa característica pode ser melhor definida de um ponto de vista matemático,
mas não iremos explorar esse caminho aqui. Fisicamente, um
escoamento irrotacional é tal que uma pequena roda com pás,
quando colocada a escoar junto com um fluido, deslocaria-se
junto com ele sem girar sobre um eixo que passa pelo seu
centro de massa. Uma analogia possível é a do movimento da
Terra em torno do Sol: ele seria considerado rotacional, caso a
Terra fosse um elemento de fluido, porque ela gira em torno de
um eixo interno. Caso a Terra apenas se transladasse em torno
do Sol, diríamos que seu movimento seria irrotacional. Nem
sempre a noção intuitiva de um escoamento não-rotacional é
correta. Assim, por exemplo, quando a água escoa pelo ralo de
uma pia, o fluido gira, mas a roda descrita acima não giraria
em torno de seu eixo, caracterizando assim um escoamento
não-rotacional.
45
Como discutido anteriormente, começaremos nosso estudo pela situação mais simples e aos poucos discutiremos como a introdução
de efeitos mais reais modificaria os resultados obtidos.
2.2 Conservação da massa:
equação de continuidade
G
Vamos supor um escoamento estacionário, isto é, a velocidade v
não depende do tempo. Imagine então um ponto P no fluido (veja
Figura 2.1 a seguir): qualquer partícula que passe por esse ponto
terá sempre a mesma velocidade e, portanto, seguirá sempre a mesma trajetória. Podemos então definir as linhas de corrente como
sendo coincidentes com as trajetórias das partículas nos fluidos e a
velocidade delas é sempre tangente às linhas em cada ponto (mas
lembre-se que o módulo da velocidade pode variar). É consequência direta dessa maneira de definir as linhas que, num escoamento
estacionário, duas linhas de corrente nunca se cruzam (ou seja, uma
situação como a desenhada em (b) na Figura 2.1 não é permitida).
vQ
R
Q
vP
P
A
B
Figura 2.1 – (a) Representação de uma única linha de corrente, construída de tal forma que
as partículas têm a trajetória especificada pela linha e, portanto, a velocidade em um dado
ponto seja tangente à linha naquele ponto. (b) Note que a situação desta parte da figura não
é permitida (veja também discussão na Figura 2.2 a seguir).
Podemos definir ainda o que se chama de tubo de corrente: esse
tubo imaginário, formado por linhas de corrente, limita a porção de
fluido em seu interior, de tal forma que o fluido nunca atravessa o
tubo, já que duas linhas de corrente não se cruzam (veja a Figura 2.2
a seguir). É como se, em um escoamento estacionário, houvesse realmente um “cano”, formado pelas linhas de corrente, que separasse o
fluido em porções interior e exterior ao tubo de corrente.
46
Uma maneira de representar o módulo da velocidade numa região
do fluido é através da densidade de linhas de corrente nessa região:
quanto mais densa, maior a velocidade.
Figura 2.2 – Representação de um tubo de corrente: o fluido no interior (ou no exterior)
desse tubo nunca cruzará sua fronteira, em um escoamento estacionário.
Vamos considerar agora um desses tubos de corrente, de tal forma
que o fluido atravesse um elemento de área (com área A1 ) no ponto
p1 de sua extremidade esquerda. Nesse ponto, o fluido tem densidade U1 (note que permitimos que o escoamento seja compressível)
G
e velocidade v1 (de módulo v1 e direção perpendicular àquela definida pela área A1 ). Assim, durante um intervalo de tempo 't , uma
massa 'm1 de fluido, dada por:
'm1
U1 A1v1't ,
(2.1)
atravessa a área A1 (veja a Figura 2.3 a seguir).
Essa expressão vem do fato da massa ser igual ao produto da
densidade pelo volume; deduza-a a partir dessa informação
(veja o Capítulo 1 do livro). A grandeza ∆m1 ∆t é o fluxo de
massa para fora do volume hachureado, através da área A1.
Durante esse mesmo intervalo de tempo 't , uma porção do fluido
G
atravessa a área A2 , no ponto p2 ; se a velocidade nesse ponto for v2 ,
de módulo v2 , e a densidade do fluido for U2 , a massa de fluido
atravessando a área A2 é:
'm2
U2 A2 v2 't.
(2.2)
47
Sorvedouro
Lugar no mar ou rio, onde há
redemoinho; o que leva para
o fundo o que nele cai.
Supondo que não haja fonte ou sorvedouro de massa entre p1 e p2 ,
a quantidade de massa que passa pela área A1 é a mesma que passa
pela área A2 . Assim, temos:
U1 A1v1
U2 A2 v2 ,
(2.3)
UAv constante,
(2.4)
ou, de forma mais geral:
ao longo de um tubo de corrente.
A
p
v t
p
v t
A
z
z
Figura 2.3 – Representação de um tubo de corrente: a mesma quantidade de fluido que
entra nesse tubo pela extremidade esquerda, em um intervalo de tempo 't , sai do tubo
na extremidade direita, no mesmo intervalo de tempo.
Se o fluido for incompressível, U também é constante e então a equação 2.4 se reduz a:
Av = constante.
(2.5)
Você já deve ter usado esta
propriedade: para aumentar
a velocidade de saída da
água em uma mangueira,
diminuímos a área de saída
no bico dela.
O produto Av nesse caso mede o volume de fluido que atravessa
a seção transversal do tubo por unidade de tempo e é a chamada
vazão do tubo.
Note, na equação 2.5, que a velocidade em um tubo é maior em partes onde sua seção reta é menor. Esse fenômeno é representado na
Figura 2.4: a densidade de linhas na região de seção reta menor é
maior que na região com seção reta maior.
Figura 2.4 – Representação do
escoamento em um cano com seção reta
variável. Note que a densidade de linhas
é maior na região de seção reta menor,
representando uma velocidade maior
nessa região.
48
Você pode fazer uma experiência em casa ou no trabalho:
abra uma torneira comum, deixando sair um fluxo nem
muito pequeno nem muito grande de água, ou seja, um fluxo estacionário. O que você percebe em relação à área do
filete de água à medida que ela diminui a altura? Explique
com o que discutimos nesta seção.
Exemplo 1. Um rio de 21m de largura e 4,5 m de profundidade
recebe a água de uma região de 8.500 km 2 8,500 u109 m 2 de área,
onde a precipitação pluviométrica média é de 48cm/ano . Suponha
que um quarto desse volume de água volte à atmosfera por evaporação. Qual a velocidade média da água nesse rio?
Solução: Usaremos as unidades do Sistema Internacional de unidades. Vamos supor que três quartos (3/4) do volume de água de chuva
que cai na região seja drenado para o rio e por ele seja escoado para
fora dela. Esse volume de água é dado por:
0, 48(m/ano) u 8,500 u 109 m 2
4,1u109 m3 /ano.
Três quartos desse volume anual têm o seguinte valor:
(3/4) u 4,1 u 109 m3 /ano 3,1 u 109 m3 /ano.
É esse o valor que escoa pelo rio em um ano, ou seja, supondo um ano
de 365 dias, em 1s temos uma vazão de:
3,1u109 (m3 /ano)
3,1536 u107 (s/ano)
97 (m3 /s) .
Essa vazão é igual ao produto da área da seção reta do rio pela velocidade média de escoamento da água:
A u v 97m3 /s ,
Com A (21m) u (4,5m) 94m 2 , temos que:
v
97 (m3 /s)
1, 0 (m/s) .
94 (m 2 )
49
2.3 Conservação da energia:
equação de Bernoulli
Iremos mais uma vez aplicar um conceito já visto nas disciplinas
anteriores, o da conservação de energia, a um fluido perfeito incompressível, no regime de escoamento estacionário e sem viscosidade. Suponha um tubo de corrente muito fino, de tal maneira que
as grandezas físicas relevantes não variem dentro de uma mesma
seção reta desse tubo, o qual chamaremos de filete de corrente (veja
para referência a Figura 2.3, na qual supomos que as seções retas
A1 e A2 sejam pequenas o suficiente para que pressão, densidade e
altura sejam aproximadamente constantes dentro da respectiva seção). As alturas dessas seções, em relação a um plano horizontal de
referência, são respectivamente z1 e z2 , e o fluido flui da esquerda
para a direita.
Lembramos a você, leitor, sobre a equação de conservação de energia,
a qual diz que a variação de energia cinética de uma massa 'm, entre dois pontos quaisquer, é dada pelo trabalho feito pela resultante
de todas as forças que atuam nessa massa, no caminho entre esses
pontos. Como estamos supondo que não há viscosidade, essas forças são conservativas e, especificamente em nosso caso, têm duas
origens: 1) forças derivadas da diferença de pressão entre os pontos
p1 e p2 , e 2) força da gravidade. Como por suposição as forças são
conservativas, o trabalho por elas realizado não depende do caminho percorrido pela massa 'm (esta é uma boa hora para você voltar ao material de disciplinas anteriores e recordar o porquê desse
resultado). Vamos juntar as informações: a diferença 'T de energia
cinética entre os pontos p1 e p2 da Figura 2.3 é dada por:
'T
1
1
'm2 v22 'm1v12 .
2
2
(2.6)
Como supomos não haver fontes ou sorvedouros de fluido entre os
pontos, 'm1 'm2 { 'm , e então:
'T
1
'm (v22 v12 ).
2
(2.7)
No ponto p1 , a pressão é feita pela porção de fluido à esquerda da
área hachurada na Figura 2.3 e, portanto, a força derivada dessa
50
pressão está no mesmo sentido do movimento, de modo que o trabalho é positivo e igual a F1'x1 P1 A1v1't , onde P1 A1 é a força atuando no ponto p1 e v1't é o deslocamento próximo a esse ponto. No
ponto p2 , a força de pressão é contrária ao movimento, e é devido à
porção de fluido à direita da área hachurada, atuando contrária ao
deslocamento. Portanto, o trabalho devido a ela é negativo e igual a
P2 A2 v2 't , onde P2 A2 é a força atuando no ponto p2 e v2 't é o deslocamento nesse ponto. Assim, o trabalho realizado pelas forças de
pressão é representado por:
P1 A1v1't P2 A2 v2 't
( P1 A1v1 P2 A2 v2 )'t.
(2.8)
Essa equação pode ser reescrita usando as equações 2.1 e 2.2 e lembrando que 'm1 'm2 { 'm . O trabalho realizado pela força de pressão (W p ) é então:
'm
(2.9)
W p ( P1 P2 )
,
U
onde U é a densidade do fluido (como este é suposto incompressível, a densidade é a mesma em qualquer ponto).
O trabalho devido à força da gravidade ( Wg ) depende apenas da
diferença de altura entre os pontos p1 e p2 e é dado por:
Wg
'mg ( z2 z1 ),
(2.10)
onde g é a aceleração da gravidade e z2 e z1 as alturas dos pontos
p1 e p2 , respectivamente. Se z2 for maior que z1 , o trabalho feito
pela força peso é negativo, como esperado, pois o peso tem sentido
contrário ao deslocamento vertical de 'm .
Como o trabalho total é a variação 'T da energia cinética, ou seja,
'T W p Wg , obtemos que:
'm
1
'm(v22 v12 ) ( P1 P2 )
'mg ( z2 z1 ).
U
2
Cancelando 'm e multiplicando todos os termos pela densidade U,
1
U(v22 v12 ) ( P1 P2 ) Ug ( z2 z1 ).
2
51
Finalmente, escrevendo todas as grandezas relativas ao ponto p1 em
um lado da equação e, do outro, as relativas ao ponto p2 , obtemos:
1 2
Uv2 P2 Ugz2
2
1 2
Uv1 P1 Ugz1.
2
(2.11)
Como os pontos p1 e p2 são quaisquer pontos de um filete, a igualdade na equação 2.11 acima vale para qualquer ponto do filete e
podemos então escrever:
1 2
Uv P Ugz
2
C,
(2.12)
onde C é uma constante ao longo de todo o filete. Essa é a equação de Bernoulli. A rigor, a constante C pode variar de filete a filete, mas é comum encontrar aplicações nas quais C é o mesmo
para todos os filetes. Se fazemos v 0 na equação 2.12 acima, reobtemos o resultado conhecido da Hidrostática, onde P Ugz C ,
estudado no Capítulo 1.
Note que a equação 2.12 pode ser interpretada como a soma de três
termos associados a densidades de energia (energia por unidade
de volume): o primeiro termo é a densidade de energia cinética, o
terceiro termo a densidade de energia potencial e o segundo termo uma densidade de energia associada à pressão. De fato, a força
exercida pela pressão é o produto desta pela área, de modo que o
trabalho feito por essa força (o qual é igual ao produto da força pelo
deslocamento) é o produto da pressão pelo volume. Para encontrar
a densidade de energia, dividimos a equação 2.2 pelo volume e encontramos a própria pressão.
Vamos agora estudar algumas situações onde a equação de Bernoulli é relevante.
Exemplo 2. Uma aplicação comum é a de um reservatório com uma
grande superfície livre, na qual a pressão é a atmosférica (P0), conforme esquematizado na Figura 2.5 a seguir. Suponha-se um escoamento estacionário, com o fluido saindo por um orifício a uma
determinada altura h1 , medida a partir da base do reservatório, de
tal forma que o volume de líquido que sai pelo orifício é muito pe-
52
queno, e a superfície livre do reservatório tem, para quaisquer fins
práticos, altura constante (ou seja, a velocidade do fluido nessa superfície é zero). Podemos aplicar a equação de Bernoulli a um dos
filetes representados na Figura 2.5 a seguir:
P0 Ugh2
P0 Ugh1 1 2
Uv ,
2
O lado esquerdo se refere à superfície livre e o lado direito à parte
externa B do furo. Assim:
v
2 g (h2 h1 ) { 2 gh ,
(2.13)
ou seja, o módulo da velocidade na saída do orifício é o mesmo que
teria um corpo material que caísse de uma altura h { h2 h1 sob ação
exclusiva da força da gravidade.
P0
v0
h2
A
B
v
h1
h h2 h1
P0
Figura 2.5 – Reservatório com superfície livre muito grande, de modo que o escoamento pelo
orifício A não modifica consideravelmente a altura h2 dessa superfície.
Entre o ponto A e o ponto B , onde a pressão é a atmosférica ( P0 ), a
seção reta do tubo de corrente sofre uma contração por um fator 0, 6.
Você pode justificar o porquê do fato da pressão em A ter de ser
maior que p0 (use as equações de continuidade e de Bernoulli em
seu argumento).
Exemplo 3. O medidor de Venturi é um dispositivo usado para
medir a velocidade de escoamento de um fluido em uma tubulação. Considere a situação da Figura 2.6 a seguir, onde um fluido de
densidade U escoa por um tubo com seções retas de áreas A e a ,
de tal forma que A ! a , e um tubo com um fluido de densidade U
em seu interior é acoplado ao encanamento.
Note que foi através desse
procedimento que Torricelli,
quando assistente de
Galileu, enunciou a fórmula
que leva seu nome.
53
A
a
2
1
h
Figura 2.6 – Medidor de Venturi: equipamento usado para medir a velocidade
de escoamento de um fluido em um encanamento. A densidade
do fluido no encanamento é U e no tubo é U .
Devido à equação de continuidade, temos que:
A
v1 ,
a
v2
(2.14)
onde v1 é a velocidade do fluido na parte da tubulação com seção
reta A (ponto 1 ) e v2 é a velocidade na parte com seção reta a (ponto 2 ). Desconsiderando a diferença de altura entre os pontos, podemos usar a equação de Bernoulli para escrever:
P2 1 2
Uv2
2
P1 1 2
Uv1 .
2
Aqui P2 é a pressão no ponto 2 e P1 a pressão no ponto 1. Usando a equação 2.14 e o fato da diferença de pressão ser dada por
P1 P2 Ugh , onde h é a diferença entre as alturas do líquido de
densidade U nos dois lados do tubo, podemos mostrar (faça os cálculos como exercício) que:
v
Usado para medir a
velocidade de um fluido
em relação a um avião ou,
de forma equivalente, a
velocidade de um avião se
movendo em um fluido.
a
2 Ugh
.
U( A2 a 2 )
(2.14.1)
Exemplo 4. Uma outra aplicação importante, usada na medição de
velocidade de aviões (quando acoplada às extremidades das asas),
é o chamado tubo de Pitot (este equipamento pode ter apresentado
defeito no vôo da Air France que caiu, em 2009, quando ia do Rio de
Janeiro para Paris). Nessa montagem (veja Figura 2.7 a seguir), uma
abertura (ponto A) está em um ponto de acumulação, tal que a velocidade nesse ponto seja zero, ou seja, a pressão é a pressão estática,
PA Pe . Na outra abertura no tubo (ponto B), a pressão é a dinâmica
54
e a velocidade do fluido é supostamente não perturbável pela presença do aparato, o que é, formalmente, uma aproximação.
Tomando v A 0 e supondo como desprezível a diferença de altura entre os pontos A e B , a equação de Bernoulli pode ser escrita
como:
Pe
PB 1 2
Uv Ÿ Pe PB
2
1 2
Uv ,
2
onde U é a densidade do fluido externo ao tubo.
B
B
A
h
0
Figura 2.7 – Esquema do tubo de Pitot, usado para medir a velocidade de um fluido
em relação a um avião ou, de forma equivalente, a velocidade de um avião
em relação ao fluido. O ponto A é um ponto de acumulação, no qual o fluido
encontra-se em repouso; no ponto B , por outro lado, supõe-se que
o fluido não tem sua velocidade modificada pelo aparato.
Podemos também relacionar a diferença entre as pressões Pe e PB
com a diferença de altura no tubo, Pe PB U0 gh, onde U0 é a densidade do fluido no interior do tubo. Assim:
B
U0 gh
1 2
Uv Ÿ v
2
U
2 0 gh .
U
Exemplo 5. Um procedimento feito com certa frequência no passado, para remover combustível de um carro,
está desenhado na Figura 2.8. O líquido do reservatório,
de densidade U , é aspirado através da mangueira ABC ,
para que saia pela abertura C .
Vamos calcular a velocidade de escoamento do fluido na
abertura C da mangueira, em função das alturas h1 e h2
e da pressão P0 na superfície O do reservatório (se essa
h1
O
A
h2
C
Figura 2.8 – Um fluido de densidade U é aspirado por uma mangueira delgada e sai pela
sua abertura C . Esse esquema é utilizado
(mas não é recomendado), por exemplo, para
extrair combustível do tanque de um veículo.
55
superfície estiver aberta, essa pressão é a atmosférica; vamos supor
isso aqui). Suponha ainda que a superfície O tenha uma área muito
maior que a da seção reta da mangueira, de modo que a velocidade
com que a superfície O diminui sua altura, à medida que o fluido escoa, seja desprezível. A pressão em C também é a atmosférica e podemos então aplicar a equação de Bernoulli ao longo de um filete (como
indicado em cor azul escuro na Figura 2.8) para os pontos O e C :
p0 Ugh2
p0 1 2
Uvc Ÿ vc
2
2 gh2 ,
(2.15)
onde vc é a velocidade do fluido na abertura C e as alturas são sempre medidas em relação à abertura C .
Note que, se h2 tende a zero, a velocidade vc também vai a zero. Se
o valor de h2 se torna negativo, ou seja, a superfície O fica abaixo da
saída C , o fluido não escoa (pois o valor de vc2 seria negativo).
Sabendo a velocidade em C , podemos usar a equação 2.15 de continuidade (lembre-se que o fluido é suposto incompressível) para
calcular as velocidades em A e em B . Como a área é a mesma ao
longo de toda a mangueira:
vB
vA
vC
2 gh2 .
Com a ajuda desse último resultado, podemos calcular a pressão
PB no ponto B e a pressão PA no ponto A . Aplicando a equação de
Bernoulli aos pontos A e C , obtemos:
PA Ugh2 1 2
Uv A
2
P0 1 2
UvC ,
2
onde supomos que a diferença de altura entre A e O seja desprezível. Lembrando que as velocidades em A e em C são iguais, chegamos ao seguinte resultado:
PA
P0 Ugh2 .
O mesmo procedimento pode ser aplicado aos pontos B e C :
PB Ug (h1 h2 ) 1 2
UvB
2
P0 1 2
UvC .
2
56
Mais uma vez usando a igualdade entre as velocidades em B e em
C , obtemos:
P0 Ug (h1 h2 ).
PB
(2.16)
Note que a pressão em B é menor que a pressão atmosférica. Se h1
for grande o suficiente, PB pode inclusive ir a zero. Dessa maneira,
existe um valor máximo para h1 para que o fluido escoe pela mangueira, dado pela condição de PB ser igual a zero:
h1
p0
h2 .
Uh
2.4 Viscosidade
Vamos discutir alguns aspectos simples de viscosidade. Essa é uma
força de atrito entre camadas do fluido. Como toda força de atrito,
ela é uma descrição fenomenológica dos efeitos de forças fundamentais (como também o é na descrição do atrito entre superfícies
sólidas, visto por você nas disciplinas anteriores).
Consideremos então uma porção de fluido entre duas placas planas
paralelas, conforme mostrado na Figura 2.9 a seguir: é observado
experimentalmente que, se a placa superior é puxada de modo a
G
escorregar com velocidade constante v , lâminas inferiores do fluido
são arrastadas, de tal forma que a lâmina imediatamente abaixo da
placa tem a mesma velocidade desta e a lâmina em contato com a
placa inferior está em repouso. Também é observado que a velocidade dessas placas diminui linearmente com a altura y e, eventualmente, vai a zero em alguma altura (que definimos como y 0 ).
Esse escoamento é chamado de laminar, pois o fluido se move em
lâminas, as quais deslizam umas sobre as outras. A força por unidade de área, chamada de tensão tangencial, necessária para arrastar a
placa superior com velocidade constante é dada, em módulo, por:
(2.17)
onde A é a área da placa e K o coeficiente de viscosidade, o qual é
uma característica do fluido. Essa é a força que a lâmina de fluido
imediatamente inferior à placa faz nesta e também a força que ela
sofre da lâmina de fluido inferior. A unidade de K no MKS é N.s / m 2 .
Descrição fenomenológica
Descrição feita a partir de
informações experimentais
do sistema, buscando-se
enunciar uma lei que descreva aquele sistema em especial e sistemas análogos a
ele. Esse procedimento é alternativo ao usado em descrições a partir de princípios
fundamentais da Física.
57
Uma unidade mais comum na prática é o centipoise (cp), dado por
1 cp 102 poise = 103 N.s / m 2 .
y
A
v
dy
x
G
Figura 2.9 – Nesse processo, a placa superior é puxada com velocidade v e a placa inferior
está em repouso. O fluido entre as placas é “arrastado” devido à viscosidade.
Quanto mais viscoso o líquido, maior será K, e valores típicos desse coeficiente para alguns fluidos são, em N.s / m 2 : K 0,11 para
o óleo lubrificante a 0qC , hK 0, 03 para o óleo lubrificante a 20qC ,
K 1u103 para a água a 20qC e K 1,8 u105 para o ar a 20qC .
Considere agora um escoamento viscoso ao longo de um cano cilíndrico de raio a, de tal modo que a velocidade de escoamento não
seja grande e este seja laminar. A porção do fluido em contato com o
encanamento (r = a) está em repouso, e a velocidade aumenta no sentido do centro da tubulação. A força necessária para manter o escoamento com velocidade constante vem de uma diferença de pressão
entre as extremidades do encanamento (veja Figura 2.10 a seguir);
para manter constante a velocidade de todas as lâminas, a força total
sobre cada uma delas tem que ser nula. Sendo P1 e P2 as pressões
nas extremidades esquerda e direita do tubo de comprimento l, respectivamente, a força por unidade de área na superfície externa de
um tubo cilíndrico do raio r é dada por:
F
A
( P1 P2 ) Sr 2
2 Srl
P1 P2
r.
2l
2
1
Figura 2.10 – Escoamento viscoso em um cano de seção reta cilíndrica.
(2.18)
58
Como essa é a força de viscosidade, a qual é dada pela equação 2.17,
temos:
F
dv P1 P2
K
r,
A
dr
2l
onde usamos a equação 2.18, e o sinal negativo vem do fato que a
velocidade diminui à medida que r aumenta. Podemos isolar dv dr
na equação anterior, obtendo:
dv
dr
( P1 P2 )
r.
2l K
Podemos resolver essa equação diferencial da seguinte forma: passando a diferencial dr para o lado direito da equação e integrando
ambos os lados, obtemos:
a
0
³
dv
v(r )
'
³
r
( P1 P2 )
rdr ,
2l K
onde usamos a condição de contorno da velocidade ser zero no contato com o cano, isto é, v(a ) 0 . Obtemos então:
v(r )
P1 P2 2 2
(a r ).
4l K
Assim, o perfil de velocidades dentro da tubulação é parabólico, sendo, como esperado, máximo para r 0 e mínimo, e igual a 0, para
r a.
A partir da equação anterior, podemos calcular a vazão total, isto é,
o volume de fluido que escoa por unidade de tempo através da seção reta circular do cano. Como a velocidade varia com a distância
ao eixo r do cano, devemos dividir o volume total do cilindro em
pequenos volumes elementares, associados a uma porção compreendida entre dois raios r e r dr (veja a Figura 2.11 a seguir), com
dr pequeno o suficiente para que a velocidade seja aproximadamente constante entre r e r dr . A contribuição dessa porção para a
vazão I, ou seja, o volume escoado por unidade de tempo, é:
dI
dV
dt
v(r )dA v(r )2 Srdr
S( p1 p2 ) 2 2
(a r )rdr.
2l K
59
r
r + dr
a
Figura 2.11 – Divisão do cano representado na Figura 2.10 em pequenas
porções cilíndricas, de raio r e espessura dr.
Essa, porém, é apenas a contribuição da porção cilíndrica entre os
raios r e r dr ; para obtermos a vazão de todo o cano, temos que
integrar desde r 0 até r a :
S( p1 p2 )
2
2
³0 (a r )rdr.
2l K
a
³dI
I
Essa integral pode ser resolvida da seguinte forma:
a
ª a2r 2 r 4 º
»
«
4 ¼0
¬ 2
a
³ (a
2
r )r dr
2
0
a4 a4
2
4
a4
,
4
Assim o resultado final para a vazão é:
I
Sa 4 ( P1 P2 )
.
8 Kl
Essa é a lei de Hagen-Poiseuille, a qual diz que a vazão em um encanamento é proporcional à queda de pressão por unidade de comprimento e inversamente proporcional ao coeficiente de viscosidade. Ela
diz também que a vazão é maior para tubos de raios maiores (mantidas constantes as outras características do escoamento e do fluido).
A definição de viscosidade, representada pela equação 2.17, é válida
para fluidos chamados de newtonianos. Para estes, um gráfico entre
a força por unidade de área ( F A ) e o gradiente da velocidade em
uma direção perpendicular à área ( dv dy ) é uma reta que passa
pela origem. Os fluidos que não seguem esse comportamento são
chamados de fluidos não-newtonianos. Em alguns desses fluidos,
a viscosidade depende do gradiente de velocidade, de modo que
60
o fluido se comporta como um sólido se tentarmos, por exemplo,
esticá-lo com movimentos bruscos, e se comporta como um líquido se o perturbarmos de forma mais suave. Em um fluido desse
tipo, uma pessoa pode ser capaz de caminhar sobre ele, caso o faça
com passos rápidos; por outro lado, se a pessoa parar em pé sobre
o fluido, irá afundar, de forma parecida com o que aconteceria em
um fluido newtoniano. Um fluido não-newtoniano pode ser feito
em casa, adicionando-se maizena, aos poucos, a um copo de água
e misturando. Se você tentar enfiar seu dedo rapidamente na mistura, sentirá uma forte reação contrária; o fluido se comporta como
um sólido deformável. Por outro lado, se você lentamente tentar introduzir qualquer objeto no fluido, este se comportará como um
líquido e a reação contrária será bem menor que no caso anterior.
Resumo
Foi apresentado neste Capítulo um breve estudo dos fluidos em movimento. Utilizando conceitos básicos como a conservação da massa
e conservação de energia, foi deduzida a fórmula da continuidade
para fluidos e a equação de Bernoulli. Essa última implica que, se
um fluido estiver escoando em um estado de fluxo contínuo, então
a pressão depende da velocidade do fluido. Quanto mais rápido o
fluido estiver se movimentando, tanto menor será a pressão à mesma
altura no fluido.
Questões
1) Por que o jato de água em uma torneira, quando o escoamento
é estacionário, fica mais estreito à medida que a altura diminui? Essa questão já foi levantada no texto anterior sobre viscosidade. Talvez seja uma boa hora de voltar a pensar nela.
2) Um recipiente, com um fluido em seu interior, está em repouso
sobre uma mesa. Você caminha em relação à ela. Você usaria
estática ou dinâmica dos fluidos para estudar o fluido no recipiente? Por quê?
Esse interessante e divertido
efeito pode ser visto no
endereço <http://www.
youtube.com> realizandose uma busca com a
expressão “non-newtonian
fluid”.
61
3) Em um escoamento estacionário, a velocidade em cada ponto do
fluido é constante. Como pode então a partícula ser acelerada?
Uma simulação
interessante desse
fenômeno pode ser
encontrada no endereço
<http://www.grc.nasa.gov/
WWW/K-12/airplane/
foil2.html>
4) Seria possível o grande Zico bater uma daquelas faltas de efeito, que em geral terminavam com a bola dentro do gol do Fluminense ou do Vasco, se o jogo se realizasse na Lua?
5) Explique qualitativamente como se dá o empuxo dinâmico
responsável pela sustentação de aviões.
6) Em 2002, durante uma ventania muito forte (semelhante aos
tornados, tão comuns em algumas regiões dos EUA), ocorrida
no bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, o telhado de uma
casa de alvenaria foi levantado e posteriormente caiu na rua,
em frente à casa. Tente explicar como isso pôde acontecer, utilizando os conceitos estudados neste Capítulo.
7) Explique o funcionamento de um canudo para tomar líquidos.
Problemas
1) Uma mangueira de jardim tem 1,9 cm de diâmetro interno e
está ligada a um irrigador que consiste de um recipiente cilíndrico com 24 furos, cada um com 0,12 cm de diâmetro. Se
a velocidade da água no interior da mangueira é de 1,05 m/s,
com que velocidade ela sai dos orifícios do irrigador?
2) Um grande reservatório de paredes verticais e construído
sobre um terreno horizontal contém água até uma altura h .
Suponha que um pequeno orifício seja feito em uma de suas
paredes. A que distância máxima dessa parede o jato de água
que sai do reservatório irá atingir o chão do terreno? Em que
altura deve estar esse orifício, acima do terreno, para que essa
distância seja atingida?
3) Explique qualitativamente por que, quando está ventando e
uma janela está aberta, as cortinas tendem a “sair” do apartamento, isto é, elas são puxadas para fora da janela. Suponha
agora que a janela meça 4,26 m por 5,26 m, que o vento esteja
soprando a 28,0 m/s fora do apartamento, em uma direção paralela à janela, e que dentro do apartamento o ar esteja parado
62
(em média). Qual a força resultante sobre as cortinas citadas
acima considerando que a densidade do ar = 1,3 Kg/m3?
4) Um avião tem uma massa total de 2000 Kg e a área total coberta pelas duas asas é de 30 m2. A velocidade de escoamento
acima das asas é 1,25 vezes maior que abaixo delas, quando o
avião está decolando. A densidade da atmosfera é aproximadamente 1,3 Kg/m3. Que velocidade mínima de escoamento
acima das asas é necessária para que o avião decole? Proponha
uma forma de o avião baixar de altura, no pouso, usando apenas a diferença de pressão nas asas.
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica. São Paulo: Edgard
Blücher, 1997. 2 v.
SEARS, Z. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São Paulo:
Addison Wesley, 2003.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D. Física. Rio de Janeiro: LTC, 2006. 2 v.
TIPLER, P. A.; MOSCA, G. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007. 1 v.
Bibliografia complementar comentada
AGUIAR, C. E.; RUBINI, G. A aerodinâmica da bola de futebol.
Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 26, n. 4, p. 297-306,
dez. 2004. Disponível em: <http://www.sbfisica.org.br/rbef/
pdf/040701.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2011.
Uma aplicação prática dos conceitos vistos neste Capítulo pode ser
encontrada nesse artigo, o qual também pode ser localizado no endereço
<http://www.fsc.ufsc.br/~canzian>, no link “Física do futebol”. Essa página
foi construída pelo professor Nelson Canzian, do Departamento de Física
da UFSC.
Capítulo 3
Temperatura e Calor
Capítulo 3
Temperatura e Calor
Ao final do Capítulo estaremos aptos a entender e diferenciar os conceitos de temperatura e calor, bem como definir a Lei Zero da Termodinâmica; conhecer e relacionar
matematicamente as escalas de temperatura e conceituar
capacidade térmica e calor específico relacionando-os com
processos de transferência de energia térmica.
3.1 Introdução
Daqui em diante (neste e nos próximos Capítulos) iremos estudar
os fenômenos termodinâmicos, ou seja, os fenômenos relacionados
com a temperatura, o calor e as trocas de calor. Entre outras coisas,
será possível explicar processos cotidianos como a condução de calor
em um ferro elétrico ou o fato dos cabos de madeira de uma panela
evitarem que você queime a sua mão. Além disso, você entenderá
o funcionamento de máquinas térmicas como uma geladeira, um
aparelho de ar condicionado e um motor de automóvel.
A partir da observação
experimental.
Historicamente, a termodinâmica foi elaborada baseando-se em observações empíricas. A descrição termodinâmica é sempre uma descrição macroscópica (que se aplica a um número muito grande de partículas, considerando médias entre as grandezas envolvidas), o que é
compatível com uma descrição estatística. Somente mais tarde, com a
formulação da teoria cinética dos gases, precursora da teoria atômica
da matéria, é que se procurou dar uma explicação microscópica (ao nível atômico ou molecular) para alguns resultados da termodinâmica.
As variáveis macroscópicas
são, por exemplo: pressão,
volume e temperatura.
A termodinâmica clássica trata de sistemas em equilíbrio termodinâmico, ou seja, quando as variáveis macroscópicas que caracterizam o sistema não variam com o decorrer do tempo. No entanto, o
fato de essas variáveis serem constantes no tempo não quer dizer
que o sistema é estático do ponto de vista microscópico, ou seja, as
partículas que formam o sistema estão em constante movimento e
mudam constantemente de velocidade.
66
Neste Capítulo iremos abordar os conceitos de temperatura, de calor
e as propriedades térmicas da matéria, para nos Capítulos seguintes
estudarmos as leis da termodinâmica, as quais acreditamos que regulam os fenômenos térmicos na natureza.
3.2 Temperatura
O conceito de temperatura está associado a uma propriedade comum
de sistemas em equilíbrio térmico. No entanto, a sensação subjetiva
de temperatura não fornece um método confiável de medição. Por
exemplo: num dia frio, tocar um pedaço de metal e um pedaço de
madeira, que estejam no mesmo ambiente, dá a falsa impressão de
que o metal está mais frio. Como você explica esse fato? Mais adiante isso ficará claro.
Desse problema trata a chamada Lei Zero da Termodinâminca (em
alguns livros chamada de Anteprimeira Lei da Termodinâmica), que
pode ser enunciada da seguinte forma:
Quando dois sistemas ( e ) estão em equilíbrio térmico
com um terceiro (C), então e estão em equilíbrio térmico
entre si (ver figura 3.1).
C
A
B
Figura 3.1 – Ilustração da Lei Zero da Termodinâmica. Se A e B estão em equilíbrio
térmico com C , então A e B estão em equilíbrio térmico entre si.
A Lei Zero a princípio parece óbvia, mas é preciso entender que ela
só se aplica para sistemas em equilíbrio térmico, ou seja, quando
a temperatura não varia com o decorrer do tempo. Essa lei trouxe
grandes contribuições para a ciência: graças a ela é que podemos utilizar termômetros para medir a temperatura de corpos diferentes.
67
3.2.1 Escalas de temperatura
Sabemos que no alto de
uma montanha a água entra
em ebulição abaixo de
100°C. Isso está relacionado
com a pressão atmosférica,
que é menor no alto da
montanha (como vimos no
Capítulo 1).
A escala Celsius (°C) é a mais conhecida para nós, pois é a escala adotada nos termômetros que usamos aqui no Brasil. Em outros
países outras escalas são mais comuns. A escala Celsius foi definida como sendo 0°C o ponto de congelamento da água e 100°C o
ponto de ebulição da água, ambos considerados próximos ao nível
do mar. Dessa forma, um termômetro é calibrado a partir desses
parâmetros, sendo dividido em 100 partes iguais, onde cada divisão
equivale a 1°C. Com isso pode-se medir a temperatura desconhecida de outros corpos.
A escala Fahrenheit (°F) é de uso corrente em países de cultura inglesa e foi definida como sendo 32°F o ponto de congelamento da
água e 212°F o ponto de ebulição da água, quando próximo ao nível
do mar.Portanto, a diferença ente os pontos de congelamento e de
ebulição é de 100° para a escala Celsius e de 180° para a escala Fahrenheit. Com isso, pode-se estabelecer uma relação geral entre essas
duas escalas de temperatura para realizar conversões entre elas:
(3.1)
em que TC é a temperatura em graus Celsius e TF a temperatura em
graus Fahrenheit.
Para mais informações
sobre o Zero Absoluto,
verifique a bibliografia
comentada ao final deste
Capítulo.
A escala Kelvin (K) é denominada de escala de temperatura absoluta, pois o ponto de 0 K, que é igual a 273,15°C, é a temperatura de
pressão nula de qualquer gás. Esse valor é obtido através da extrapolação da curva de pressão em função da temperatura, medida por
um termômetro a gás de volume constante; para atingir a pressão
zero o gráfico intercepta o eixo da temperatura em 273,15°C, que é
conhecido como Zero Absoluto. Como a variação de 1 K é igual a
1°C, a relação entre as duas escalas é dada por:
TK
TC 273,15K
(3.2)
em que TK é a temperatura em Kelvin.
Assim, a temperatura de ebulição da água na escala Kelvin é 373,15 K.
Para a maioria dos propósitos práticos pode-se arredondar para 273
K a temperatura de congelamento da água.
68
Exemplo 1. Faça as seguintes conversões entre as escalas de temperatura: a) de 37°C para o equivalente em Fahrenheit; b) de 310 K para o
equivalente em Celsius; e c) de 68°F para o equivalente em Kelvin.
Solução:
a) Para essa conversão vamos utilizar a equação 3.1, então:
ou seja,
9
(37q) 32q 98, 6qF .
5
TF
b) Para essa conversão vamos utilizar a equação 3.2, então:
310K TC 273,15K,
ou seja,
TC
310K 273,15K
36,85qC.
c) Para essa conversão precisamos primeiro transformar os 68°F em
Celsius pela equação 3.1 para depois transformar esse valor para
Kelvin através da equação 3.2, então:
TC
portanto
TK
5
68q 32q 20qC,
9
TC 273,15K
20q 273,15K
293,15K.
3.3 Expansão térmica
Quando a temperatura de um corpo aumenta, em geral observa-se
uma expansão de suas dimensões. Isso ocorre devido ao aumento da energia interna do material, fazendo com que as moléculas
ou átomos constituintes se afastem um pouco mais uns dos outros,
em média. Consideremos uma barra comprida de comprimento L
mantida à temperatura T : se sua temperatura for alterada ( 'T ), observa-se uma variação 'L , no seu comprimento, proporcional a 'T
e ao comprimento original L :
69
'L
DL'T
(3.3)
Aqui D é o coeficiente de expansão linear e suas unidades são 1/°C
ou 1/K . Esse coeficiente não varia sensivelmente com a pressão, mas
pode variar com a temperatura, portanto a equação 3.3 fornece o
valor médio de D num intervalo 'T . O valor correto numa dada
temperatura é obtido tomando-se o limite de D para 'T o 0 .
D
lim
'T o 0
'L L
'T
1 dL
L dT
(3.4)
No entanto, para fins práticos, podemos considerar a constante para
valores de temperatura não muito próximos da temperatura de fusão dos sólidos. Valores típicos de a para sólidos são da ordem de
105 por qC .
É importante destacar que em se tratando de sólidos anisotrópicos, isto é, aqueles em que as propriedades variam de
acordo com a direção a ser tomada, assume valores diferentes, dependendo da direção considerada.
Vamos considerar agora uma lâmina delgada (muito fina), com estrutura isotrópica (igual em todas as direções) e lados L1 e L2 , cuja
área A é dada por L1 u L2 . Nesse caso, uma variação na temperatura
dT produzirá uma mudança na área dA dada por:
dA
dT
d ( L1 u L2 )
dT
L1
dL2
dL
L2 1
dT
dT
Logo, se dividirmos ambos os lados da igualdade por A
obtemos:
1 dA 1 dL2 1 dL1
2D
A dT L2 dT L1 dT
(3.5)
L1 u L2 ,
portanto
'A
2 DA'T
(3.6)
70
Ou seja, o coeficiente de dilatação superficial é igual a duas vezes o
coeficiente linear D . Analogamente, para o caso de um paralelepípedo teremos uma variação no volume 'V , devida a uma variação
de temperatura 'T , que é dada por:
'V
EV 'T
(3.7)
onde E 3D é definido como o coeficiente de dilatação volumétrico.
Em geral, o valor de E para líquidos (da ordem de 103 por qC ) é
bem maior que para os sólidos (da ordem de 105 por qC ). A definição de um coeficiente de dilatação volumétrico é conveniente no caso
de líquidos e gases, os quais ocupam todo o ambiente em que estão
confinados, onde se busca saber apenas a variação volumétrica.
Para a maioria dos materiais E > 0, mas existe uma exceção para a
água, onde E 0 no intervalo de temperatura de 0qC a 4qC . Isso quer
dizer que a água apresenta um volume mínimo a 4qC e, portanto, a
densidade da água é máxima nessa temperatura; diminuindo-se a
temperatura abaixo desse valor, a água expande-se até congelar.
Uma consequência direta desse efeito é o fato da superfície de um
lago (numa cidade de inverno rigoroso) congelar, sem que as águas
mais profundas congelem. O gelo formado na superfície funciona como um isolante térmico, mantendo as águas mais profundas
numa temperatura mais elevada, com densidade maior, permitindo
que o gelo flutue. Perceba que isso é essencial para a manutenção
da vida marinha abaixo da superfície congelada, pois se a água na
superfície descesse para o fundo ao se congelar, o lago se congelaria
como um todo. Esse comportamento da água deve-se às propriedades específicas das ligações de hidrogênio entre suas moléculas.
Exemplo 2. Uma ponte de aço tem comprimento de 1000m . Qual a
expansão no seu comprimento quando a temperatura sobe de 0qC
para 30qC ? Considere Daço 11u106 K 1 .
Solução: Como a unidade do coeficiente linear é dada em K 1 , precisamos determinar a variação da temperatura em Kelvin. Vimos que a
variação de 1K 1qC , ou seja, a variação de temperatura é a mesma
em graus Celsius ou graus Kelvin (o mesmo não é válido para a escala
Fahrenheit). Assim:
É importante perceber
que o coeficiente b não
precisa estar vinculado à
dilatação linear na direção
dos três eixos cartesianos
do espaço tridimensional,
ele está relacionado com
uma variação de volume.
Por exemplo, no caso
de líquidos e gases (que
assumem a forma do
recipiente que os contém),
em geral interessa saber
apenas a variação 'V.
Isso explica o rompimento
de canos cheios de água
quando congelam em
uma cidade muito fria no
inverno. O mesmo acontece
se você colocar uma garrafa
cheia de água (tampada)
para congelar no freezer.
71
'T
logo, 'L
DL'T
30qC 0qC 30qC 30K
(11u106 K 1 )(1000m)(30K) 0,33m ,
ou seja, a ponte expande 33cm . É por isso que é necessário deixar
folgas ao longo de uma ponte para que essa expansão seja possível,
caso contrário a ponte poderia romper. Essa folga também é necessária ao longo dos trilhos de trem, ou estes poderiam se curvar.
Exemplo 3. Um recipiente de vidro de 1 litro está cheio de álcool até
a boca em temperatura de 10qC . Se a temperatura for aumentada
para 30qC , qual a quantidade de álcool que transbordará do recipiente? Dados: Dvidro 9 u106 K 1 e E álcool 1,1u103 K 1.
Solução: Para determinarmos a quantidade de álcool que transborda,
precisamos calcular separadamente a variação no volume do vidro e
a variação no volume do álcool. Para isso utilizaremos a equação 3.7,
e depois subtrair os valores. Temos que a variação de temperatura é
'T 20qC 20K . Além disso:
a) A variação do volume do vidro é dada por:
'Vvidro
3DvidroV 'T
'Vvidro
3(9 u106 K 1 )(1 litro)(20K)
5, 4 u104 litros
0,54ml
b) A variação do volume do álcool é dada por:
'Válcool
E álcool V 'T
'Válcool
(1,1u103 K 1 )(1 litro)(20K)
2, 2 u102 litros
22, 0 ml
c) Assim, a quantidade que transborda será:
'V
'Válcool 'Vvidro
'V
22, 0ml 0,54ml
21, 46ml
Vale lembrar que existem materiais como o plástico e a borracha, que apresentam um efeito chamado entrópico, ou
seja, eles contraem com o aumento da temperatura.
72
3.4 Calor
A primeira tentativa de definir “calor” foi dada por Lavoisier no século XVIII, com a hipótese do calórico, uma substância que escoaria
entre os corpos, transferindo calor de um corpo para outro, sendo
que a quantidade total de calórico era conservada. A hipótese rival foi dada por Francis Bacon e Thomas Hooke e enunciada por
Newton, atribuindo o calor ao movimento de vibração das partículas dos corpos (ver sugestão de leitura no final deste Capítulo).
A definição mais correta para o calor, considerada atualmente, é que
o calor é uma forma de energia, que é transferida de um corpo para
outro em virtude de diferença de temperatura, portanto o calor é uma
energia em transição. Nesse contexto, não faz sentido dizer que um
corpo possui mais calor que outro; na verdade, os corpos podem
possuir temperaturas diferentes, mas o calor (como veremos mais
adiante) está sempre associado a um gradiente de temperatura.
3.4.1 Capacidade térmica e calor específico
Quando se adiciona energia térmica a uma substância, ou seja,
quando é transferido calor para uma substância, a temperatura geralmente se eleva1. Nesse caso, a quantidade de energia térmica 'Q
necessária para elevar a temperatura da substância em 'T é proporcional à variação de temperatura 'T e à sua massa m . Podemos
escrever então:
'Q
mc'T
C 'T
(3.8)
onde C mc é chamada de capacidade térmica2 e c é chamado de
calor específico3. A unidade para a quantidade de calor é a caloria
e foi definida inicialmente como a quantidade de energia térmica
para elevar a temperatura de 1 grama de água de 14,5qC até 15,5qC .
No Sistema Internacional de medidas 1cal 4,186J .
Analogamente, pode-se então definir uma capacidade térmica molar, CM Mc C / n , como sendo a capacidade térmica de 1mol da
substância, onde M é a massa molecular. Nesse sentido, a capacidade térmica de n moles é dada por Cn nCM .
Como veremos mais
adiante, uma exceção
ocorre nas transições de
fase, onde a quantidade de
calor absorvida é utilizada
para alterar propriedades
físicas da substância.
1
A capacidade térmica
está relacionada com
a capacidade que uma
substância ou corpo tem
de absorver calor e variar
a temperatura. Vemos que
quanto maior a massa de
um corpo, maior é a sua
capacidade térmica.
2
O calor específico é
uma propriedade de cada
substância e representa a
medida da capacidade que
uma substância tem de
absorver calor.
3
73
A massa molecular
(em alguns livros chamada equivocadamente de peso molecular) é definida como a massa por mol da substância e, portanto, a sua massa total
é dada por
. O valor de
para todos os elementos
existentes na natureza pode ser determinado utilizandose a massa atômica
(muitas vezes chamada de número de massa) de cada elemento da tabela periódica, que é
expressa em gramas por mol. Por exemplo: para o Oxigênio ma | 16, 0g / mol e para o Hidrogênio ma | 1, 0g / mol ,
então uma molécula de água ( H 2 O ) possui M | 18g / mol .
A capacidade térmica de um sistema com mais de uma substância,
cujas massas são m1 , m2 , m3 ,... , mn , e seus respectivos calores específicos c1 , c2 , c3 ,... , cn é dada pela soma da capacidade térmica de cada
substância, ou seja:
C
m1c1 m2 c2 m3c3 ... mn cn
Nesse caso, a quantidade de energia térmica necessária para introduzir uma variação 'T na temperatura do sistema é dada por:
'Q
(m1c1 m2 c2 m3c3 ...)'T .
(3.9)
O calor específico varia com a temperatura e com as condições em
que a variação de temperatura ocorre: a pressão constante ou a volume
constante. Por isso define-se o calor específico a pressão constante
como cP e o calor específico a volume constante como cV . Para líquidos e sólidos a diferença entre cP e cV é pequena e pode ser
desprezada, pois o volume varia muito pouco com a pressão. Em
geral, o calor específico é determinado nas condições de pressão atmosférica (que é constante), por isso a maioria dos valores de calor
específico refere-se a cP . Entretanto, para gases cP e cV são bastante diferentes, como veremos no Capítulo seguinte. Na tabela 3.1
a seguir apresentamos os valores de calor específico e capacidades
térmicas molares de alguns sólidos e líquidos, juntamente com seu
valor de massa molecular; esses valores foram obtidos em condições
de pressão atmosférica ( 1atm ).
74
Quando a variação da temperatura é grande, é preciso considerar
a dependência de c com a temperatura: c c(T ) . Assim, o correto
seria integrar a equação 3.8 da temperatura inicial Ti até a temperatura final T f :
(3.10)
Para pequenas variações de temperatura, porém, onde o calor específico não varia apreciavelmente, a equação 3.8 pode ser utilizada
com boa aproximação. Nesse caso, o calor específico pode ser considerado como o valor médio entre Ti e T f .
No próximo Capítulo veremos que a linha em
que se trata de uma diferencial inexata.
Substância
indica
c (J / Kg K) M (Kg / mol) CM (J / mol K)
Alumínio
910
0,0270
24,6
Cobre
390
0,0636
24,8
Ouro
126
0,203
25,6
Chumbo
128
0,207
26,5
Prata
234
0,108
25,3
2.428
0,0461
111,9
Mercúrio
138
0,201
27,7
Sal (NaCl)
879
0,0585
51,4
Água
4.186
0,0180
75,4
Gelo (10°C)
2.050
0,0180
36,9
Álcool etílico
Tabela 3.1 – Calores específicos e capacidades térmicas molares de
algumas substâncias (a pressão constante de 1 atm).
Através da tabela 3.1 é interessante observar que as capacidades
térmicas molares de todos os metais são praticamente as mesmas,
apesar de terem calores específicos bem diferentes. Os calores específicos dos líquidos são bem maiores, especialmente o da água,
75
O fato é que grandes
massas de água como
lagos e o oceano tendem
a moderar as variações
de temperatura nas suas
vizinhanças, ou seja, no
inverno, quando a noite
cai, a água começa a
liberar o calor absorvido
do sol durante o dia, não
deixando a temperatura
cair bruscamente. Já numa
região desértica, onde
praticamente não existe
água, durante o dia, com
sol as temperaturas chegam
facilmente a 40°C, baixando
rapidamente para valores
negativos com o pôr do sol.
Recipiente termicamente
isolado
Chamado de calorímetro,
tem a propriedade de não
permitir a troca de calor
com o meio externo.
que é consideravelmente maior que o das outras substâncias: é, por
exemplo, aproximadamente 10 vezes maior que o do cobre. Assim,
devido a sua grande capacidade térmica, a água é uma excelente
substância para armazenar energia térmica. Além disso, o calor
específico da água varia muito pouco num amplo intervalo de temperaturas; medidas precisas mostraram uma variação de aproximadamente 1% no intervalo de 0qC a 100qC . Dessa forma, ela pode
ser utilizada para determinar o valor do calor específico de uma
substância desconhecida.
Sabendo-se a temperatura inicial de uma substância qualquer TS
com massa mS e calor específico cS (desconhecido), se ela for mergulhada num recipiente termicamente isolado, de massa mR e calor
específico cR e contendo uma massa de água mA cujo calor específico é dado por c A , ambos numa temperatura inicial conhecida Ti ,
ocorre uma troca de calor entre a substância, a água e o recipiente
contendo a água, até que o equilíbrio térmico seja atingido e todo o
sistema assuma a mesma temperatura final T f . No caso de também
ocorrerem transições de fase, é necessário considerar a quantidade
de calor utilizada nesse processo.
Nessas condições, a quantidade de calor trocada pela substância é
dada por:
(3.11)
'Qs ms cs (T f Ts ) ,
em que 'T T f TS é a variação de temperatura da substância. A
quantidade de calor trocada pelo recipiente e a água é dada por:
'QRA
mR cR (T f Ti ) mAc A (T f Ti ) ,
(3.12)
onde 'T T f Ti é a variação de temperatura do conjunto recipiente
+ água. Como o sistema substância + recipiente + água está termicamente isolado, pela conservação de energia todo calor que sai da
substância é absorvido pelo conjunto recipiente + água, e vice-versa.
Portanto, a soma das equações 3.11 e 3.12 tem que ser igual a zero.
Assim:
'QS 'QRA
0,
ou seja,
ms cs (T f Ts ) (mR cR mAc A )(T f Ti )
0.
(3.13)
76
Através da equação 3.13, conhecendo-se as massas e medindo-se as
temperaturas, pode-se determinar o calor específico de uma substância desconhecida.
Como nesses cálculos utilizam-se variações de temperatura
e essa variação é igual nas escalas Celsius e Kelvin, ambas
as escalas podem ser utilizadas.
'Q
, obtemos uma exC
pressão para a variação da temperatura 'T de um sistema com capacidade térmica C pela transferência de uma quantidade de calor
'Q . Como C é proporcional à massa, vemos que 'T o 0 quando a
massa for muito grande. Nesse caso limite, o sistema permite uma
transferência de calor 'Q sem que a temperatura se altere significativamente. Tal sistema é chamado de reservatório térmico. Exemplos
de reservatórios térmicos ideais são a atmosfera terrestre e o oceano,
mas na prática pode-se considerar qualquer recipiente de tamanho
adequado e contendo um fluido em equilíbrio térmico como sendo
um reservatório térmico.
Reescrevendo a equação 3.8 na forma 'T
Exemplo 5. Um pedaço de chumbo com massa de 600g é aquecido
a 100qC e colocado num recipiente de alumínio de 200g contendo
500g de água, ambos a 17,3qC . Sabendo-se que a temperatura final
de equilíbrio é 20qC , determine o calor específico do chumbo. Dados: c Al 0,9 u103 J / Kg K e cH2O 4,18 u103 J / Kg K .
Solução: Vemos que a variação de temperatura do recipiente com
a água é 'TRA 20qC 17,3qC 2, 7qC 2, 7K e do chumbo é
'Tch 20qC 100qC 80qC 80K . Lembre-se que, nas unidades
dos calores específicos, a massa aparece em quilogramas (Kg), assim
as massas do problema precisam ser transformadas para essa unidade. Usando a equação 3.13 temos:
(0, 6Kg)(80) cch [(0, 2Kg)(0,9 u103 J / Kg K)
u
(0,5Kg)(4,18 u103 J / Kg K)](2, 7K) 0,
77
onde, isolando-se cch , obtemos:
cch
(0, 486 u103 J 5, 643 u103 J)
128J / Kg K .
48Kg K
3.4.2 Transição de fase e calor latente
A transição de fase é
identificada pela alteração
do estado físico da
substância. Quando o gelo
derrete, por exemplo, ocorre
a passagem do estado
sólido para o estado
líquido da água.
Como dito anteriormente, quando se fornece uma quantidade de
calor a uma substância, a pressão constante, usualmente se observa um aumento da sua temperatura. Entretanto, numa transição de
fase uma substância pode absorver grandes quantidades de calor
sem variar a temperatura. Nesse caso, a energia transferida à substância é utilizada para alterar o seu estado físico. As transições de
fase mais conhecidas são:
a) Fusão: do estado sólido para o líquido;
b) Vaporização: do estado líquido para o gasoso;
c) Sublimação: passagem direta do estado sólido para gasoso (ex:
gelo seco (CO2 solidificado), naftalina etc.) e vice-versa;
d) Condensação: do estado gasoso para o líquido;
e) Solidificação: do estado líquido para o sólido.
No caso de uma substância pura como a água, as transições ocorrem em uma dada temperatura, que, nas proximidades do nível do
mar, são: 0qC para a fusão e 100qC para a vaporização.
Observou-se experimentalmente que a quantidade de calor necessária para ocorrer uma transição é proporcional à massa m, e então definiu-se a constante de proporcionalidade como sendo o calor latente
L . Para um processo de fusão existe o calor latente de fusão LF :
'QF
mLF ,
(3.14)
Para um processo de vaporização existe o calor latente de vaporização LV :
'Qv mLv ,
(3.15)
onde, para a água, a pressão de 1atm,
78
LF
LV
333,5 u103 J / Kg
79, 7 u103 cal / Kg e
2, 26 u106 J / Kg
540 u103 cal / Kg .
Percebe-se que o calor latente de vaporização é bem maior que o de
fusão, isso indica que é necessária uma quantidade de calor maior
para realizar a transição do estado líquido para o gasoso.
É importante destacar que o valor do calor latente para a
solidificação é o mesmo que o valor para a fusão, a diferença é que para ocorrer a fusão uma quantidade de calor tem que ser transferida para a substância, enquanto
que para a solidificação essa mesma quantidade de calor
deve ser removida. Portanto, convencionou-se que para
a fusão
e para a solidificação
. O mesmo raciocínio é válido para a vaporização e condensação.
Exemplo 6. Qual a quantidade de calor necessária para vaporizar
1, 0Kg de gelo a 20qC e mantido a uma pressão de 1atm?
Solução: Para encontrarmos a quantidade de calor necessária para
vaporizar o gelo, precisamos inicialmente determinar a quantidade de
calor gasta para levá-lo de 20qC a 0qC , depois aquela para fundilo nessa temperatura, em seguida a quantidade de calor para levá-lo
de 0qC a 100qC e por fim aquela para vaporizá-lo a 100qC . Assim,
calcula-se a quantidade de calor gasta em cada um dos processos
para somar todas as quantidades ao final.
a) Levar o gelo de 20qC a 0qC :
O calor específico do gelo é cgelo 2, 05 u103 J / Kg K e temos que
'T 0 (20) 20qC 20K . Utilizando a equação 3.8:
'Qgelo
mcgelo 'T
'Qgelo
41u103 J.
(1, 0 Kg)(2, 05 u103 J / Kg K)(20K)
b) Fundir o gelo a 0qC (a temperatura permanece constante), para
isso vamos utilizar a equação 3.14:
'QF
mLF
(1, 0Kg)(333,5 u103 J / Kg)
333,5 u103 J
79
c) Levar a água de 0qC a 100qC : o calor específico da água é
cH2O 4,18 u103 J / Kg K e temos que 'T 100qC 100K . Utilizando a equação 3.8:
'QH2O
mcH2O 'T
'QH2O
418 u103 J.
(1, 0Kg)(4,18 u103 J / Kg K)(100K)
d) Vaporizar a água a 100qC (a temperatura permanece constante),
para isso vamos utilizar a equação 3.15:
'QV
mLV
(1, 0 Kg )(2, 26 u106 J / Kg)
2, 26 u106 J.
Dessa forma, a quantidade total de calor necessária para realizar
esse processo é a soma das quantidades de calor de todas as etapas,
logo:
'Qtotal
'Qgelo 'QF 'QH 2O 'QV
'Qtotal
3052,5 u103 J.
3.5 Transferência de energia térmica
De modo geral, sabemos que sempre que existir uma diferença de
temperatura entre dois corpos ou dois meios, esse gradiente de temperatura faz com que haja um fluxo de energia térmica da temperatura maior para a menor. Existem três métodos pelos quais a energia
térmica pode ser transferida: condução, convecção e radiação.
Condução
Através da condução, o calor é transferido pelas interações entre os
átomos e moléculas que constituem o material, mas sem transferência direta de matéria. A condução ocorre pela vibração e colisão das
partículas constituintes. Lembrando que a vibração é maior onde a
temperatura for mais elevada, na colisão parte da sua energia cinética é transferida para as partículas com vibração menor, que também
passam a vibrar mais. O resultado é um processo em cadeia que se
propaga para longe da região mais aquecida. No caso de um metal,
o transporte também é feito pelos elétrons livres; no caso de um gás,
apenas pelas colisões diretas entre as partículas.
Certamente você já queimou a mão ao tirar uma panela do fogo porque o cabo estava quente, esse é um exemplo típico de condução de
80
calor através do material do cabo. Para evitar isso, em geral os cabos
são constituídos ou revestidos de materiais que não conduzem muito
bem o calor (ex.: madeira, borracha); os metais são exemplos de bons
condutores de calor. Agora você consegue responder à pergunta no
início da seção 3.1; a sensação de que o metal é mais frio deve-se ao
fato de que ele é melhor condutor de calor do que a madeira, assim
ele absorve a energia térmica da sua mão com maior eficiência.
Convecção
A convecção é caracterizada pelo transporte de matéria no processo
de transferência de calor, que ocorre pelo movimento coletivo das
moléculas de um fluido (líquido ou gás). É um processo contínuo,
ativado pela diferença de temperatura entre duas regiões do fluido,
a qual altera a densidade do meio. Dessa forma ocorre um movimento do fluido no sentido de homogeneizar a densidade. Quando você coloca uma panela com água no fogo para ferver, durante
um certo tempo é possível notar que a temperatura da superfície da
água aumenta lentamente. Durante esse período a transferência de
calor para a superfície ocorre pela condução através da vibração das
moléculas. Obviamente, a temperatura no fundo da panela aumenta
mais depressa, e quando a diferença entre a temperatura da água da
superfície e a do fundo atinge um valor crítico, a água começa a se
mover. A partir desse ponto, o processo de convecção é dominante na transferência de calor, fazendo com que rapidamente a água
atinja o equilíbrio térmico. Portanto, a convecção é uma forma muito
eficiente de transferir calor.
A convecção é um processo muito comum na natureza. As chamadas correntes de convecção podem ser observadas na atmosfera terrestre e nos oceanos, em um copo com gelo percebe-se o movimento
da água, num dia de verão o ar próximo ao asfalto parece trêmulo,
ao abrir a porta de um freezer percebemos que o ar frio desce etc.
Radiação
Imagine-se entrando em casa num dia frio de inverno em que você
encontra a lareira acesa, de imediato você sente o calor na pele. No
entanto, como o calor é transportado do fogo até a sua pele? Não
pode ser por condução, pois o ar é um péssimo condutor de calor.
Também não pode ser por convecção, pois o ar da sala está qua-
81
se parado. Nesse exemplo você está experimentando a transmissão
por radiação, onde a energia é transmitida através de ondas eletromagnéticas. Essas ondas viajam do fogo até a sua pele, da mesma
forma que a luz, onde então são absorvidas e convertidas em energia interna. Todos os corpos do universo irradiam calor, e ao mesmo
tempo que um corpo irradia também recebe energia irradiada por
outros corpos.
A radiação é a única maneira de transmitir energia sem a necessidade
de um meio para isso, ou seja, a radiação pode atravessar o espaço
vazio, caso contrário não sentiríamos o calor do Sol aqui na Terra.
3.5.1 Condutividade térmica
Vamos considerar dois reservatórios térmicos (sendo que um possui
maior temperatura que o outro) ligados por uma barra condutora de
calor, permitindo o fluxo contínuo de calor da temperatura maior
( T1 ) para a menor ( T2 ), como mostra o exemplo a na figura 3.2 a seguir. Nesta, o exemplo (b) representa um segmento da barra condutora com área de seção reta A e comprimento 'x , através do qual
existe um gradiente de temperatura 'T / 'x , onde 'T é a diferença
entre as temperaturas nas duas extremidades do segmento.
∆T
T1
Fluxo de calor
A
T2
∆x
A
B
Figura 3.2 – (a) Esquema de uma barra condutora de calor ligando dois reservatórios térmicos
com temperaturas diferentes ( T1 ! T2 ) e (b) detalhe de um segmento da barra condutora.
Sendo 'Q a quantidade de calor conduzida num intervalo de tempo
't , então existe uma taxa de condução dada por 'Q / 't I , que é definida como a corrente térmica ( I ). Experimentalmente, verificou-se
que a corrente térmica é proporcional à área da seção reta e ao gradiente de temperatura, ou seja, I v A.'T / 'x (o símbolo v representa proporcionalidade). Juntando as duas expressões para I , temos:
82
I
'Q
't
kA
'T
.
'x
(3.16)
onde k é uma constante de proporcionalidade característica do meio
condutor, definida como a condutividade térmica. A unidade de I é
J
W e a de k é W / m.K . Se isolarmos a variação de temperatura
s
na equação 3.16, encontramos:
'T
'x
I
kA
ƒI ,
(3.17)
'x
é a resistência térmica.
kA
onde ƒ
Vamos analisar agora como ocorre a condução térmica entre duas
barras condutoras (com propriedades condutoras diferentes) ligadas
entre si, como mostra a figura 3.3, onde T1 e T3 são as temperaturas
nas duas extremidades externas e T2 é a temperatura na junção das
barras ( T1 ! T2 ! T3 ); supomos que elas têm a mesma área transversal
A , e k1 e k2 são as condutividades térmicas em cada barra.
T2
T1
k1
k2
L1
T3
L2
Figura 3.3: Sistema constituído de duas barras condutoras diferentes, de
comprimento L1 e L2 , unidas numa extremidade e submetidas a um
gradiente de temperatura, em que T1 ! T2 ! T3 .
Pela lei de conservação de energia, o fluxo térmico – e, consequentemente, a corrente térmica – deve ser o mesmo através das duas barras.
Pela equação 3.17 a variação de temperatura nas placas é dada por:
T1 T2
L1
k1 A
ƒ1 I
T2 T3
L2
k2 A
ƒ2 I
83
Somando os lados da igualdade das duas equações resulta que:
T1 T3
(ƒ1 ƒ2 ) I o 'T
ƒeq I ,
(3.18)
onde ƒeq ƒ1 ƒ2 é a resistência equivalente para dois condutores
ligados em série. Note que o resultado seria o mesmo se houvessem
outros condutores a mais ligados da mesma forma, em que 'T é a
variação total de temperatura (nos dois extremos) e ƒeq a soma de
todas as resistências.
Uma situação um pouco mais complexa é a determinação da quantidade de calor perdida numa sala em certo intervalo de tempo 't ;
isso equivale a encontrar o fluxo de calor 'Q / 't I . Nesse caso,
precisamos encontrar a corrente térmica através do teto, das paredes
laterais, portas e janelas. Como os materiais que constituem essas
partes são diferentes, então a corrente térmica deve ser diferente em
cada uma delas. Considerando que 'T (que é a diferença entre a
temperatura interna e externa da sala) é o mesmo em cada caminho,
o fluxo total é dado pela soma das correntes térmicas em cada meio,
ou seja, I total I1 I 2 I 3 ... + I n , e como 'T ƒI temos:
'T
ƒeq
'T 'T 'T
'T
...
ƒ1 ƒ2 ƒ3
ƒn
1
ƒeq
1
1
1
1
...
ƒ1 ƒ2 ƒ3
ƒn
(3.19)
Nesse caso, ƒeq representa a resistência térmica equivalente através
de condutores ligados em paralelo.
Mais adiante, na disciplina de Física III (que trata de fenômenos elétricos), você verá que os conceitos abordados aqui
são perfeitamente equivalentes ao caso elétrico. Aqui vimos
que uma diferença de temperatura produz uma corrente
térmica em um corpo que depende da sua resistência térmica pela relação 'T ƒI . No caso elétrico, a corrente elétrica é produzida por uma diferença de potencial elétrico
( ) que depende da resistência elétrica pela relação conhecida como Lei de Ohm, 'V ƒeletr I . Note que as duas relações são idênticas. O mesmo acontece com a relação para
84
resistências elétricas equivalentes, em série e em paralelo.
Lembramos que a corrente térmica está relacionada com o
fluxo de calor num intervalo de tempo, enquanto a corrente
elétrica relaciona-se com o fluxo de cargas elétricas num intervalo de tempo.
Certamente você já percebeu que num dia frio de inverno os pássaros enchem suas plumas, parecendo mais gordos; isso é um exemplo de que os pássaros conhecem a condutividade dos materiais! O
fato é que a condutividade térmica do ar é muito pequena, ou seja,
o ar é um bom isolante térmico, então a camada de ar que preenche
as plumas ajuda a evitar a fuga de calor do corpo. Pela mesma razão
os casacos de lã e as cobertas de pena mantêm o nosso corpo aquecido. Quem já andou de avião deve ter percebido que as janelas são
duplas ou triplas, o motivo disso é confinar ar entre as lâminas de
vidro para obter isolamento térmico. No entanto, se o espaçamento
entre as lâminas for grande, a eficiência diminui por efeito de convecção. A distância otimizada de isolamento do ar é de 1cm a 2cm .
Na tabela 3.2 estão apresentados valores de condutividade térmica
de algumas substâncias.
Substância
k (W/mK)
Substância
k (W/mK)
Alumínio
205,0
Vidro
0,8
Cobre
385,0
Gelo
1,6
Aço
50,2
Madeira
0,04 a 0,12
Concreto
0,8
Ar
0,024
Tabela 3.2 – Condutividade térmica de algumas substâncias.
Exemplo 7. Considere dois cubos metálicos (chumbo e prata) com
2, 0cm de aresta, ligados em série, onde as extremidades externas
estão entre dois reservatórios térmicos, um com T1 100qC (em contato com o chumbo) e o outro com T3 0qC (em contato com a prata),
semelhante ao sistema da figura 3.3. Assim:
a) Encontre a corrente térmica total que atravessa os dois cubos;
b) Determine a temperatura T2 na interface entre os dois cubos.
Dados: kchumbo 353W / m K e k prata 429W / m K .
Quando um avião voa
aproximadamente a
10.000 m de altitute a
temperatura externa fica
em torno de -40°C; se
não houvesse isolamento
térmico as pessoas
congelariam dentro
do avião.
85
Solução:
a) Inicialmente precisamos encontrar a resistência total ƒtotal . Como
os dois cubos estão ligados em série, vamos utilizar a equação 3.18:
ƒtotal ƒch ƒ pr . A área da seção reta é a mesma para os dois:
A (0, 02m)(0, 02m) 0, 0004m 2 4 u104 m 2,
onde 'x 0, 02m , portanto:
ƒch
'x
kA
0, 02m
(353W / mK)(4 u104 m 2 )
0,142K / W ,
ƒ pr
'x
kA
0, 02m
(429W / mK)(4 u104 m 2 )
0,117K / W ,
logo: ƒtotal (0,142 0,117)K / W
corrente total é dada por:
I total
'T
ƒtotal
0, 259K / W. Dessa forma a
100K
0, 259K / W
386W.
b) A temperatura na interface dos dois metais (T2 ) pode ser determinada com os dados existentes tanto para o chumbo como para
a prata. Vamos calcular aqui a temperatura para o chumbo e fica
a sugestão para você realizar o mesmo cálculo com os dados da
prata, lembrando que a corrente que passa pelos dois é a mesma
( I total ). Através da equação 3.18 temos:
T1 T2
ƒch I total , vamos considerar 100qC 373K ,
373K T2
T2
(0,142K / W)(386W),
373K 54,8K
318, 2K
45, 2qC.
Resumo
O conceito de temperatura dos corpos é tratado pela Lei Zero da
Termodinâmica: quando dois sistemas (A e B) estão em equilíbrio
térmico com um terceiro (C), então A e B estão em equilíbrio térmico
entre si (ver figura 3.1).
Para realizar conversões entre as escalas de temperatura Celsius ( TC ),
Fahrenheit ( TF ) e Kelvin ( TK ) são utilizadas as seguintes equações:
86
TC
5
TF 32q e TK
9
TC 273,15K
Com relação à dilatação dos materiais, vimos que ela depende das
dimensões do material, da variação de temperatura e principalmente da sua estrutura química. No caso de uma dilatação linear temos
que a variação no comprimento L é dada por:
'L
DL'T ,
onde D é o coeficiente de expansão linear. Se a dilatação for superficial,
a variação da área da superfície é dada por:
'A
2 DA'T ,
Se a dilatação for volumétrica, temos:
'V
EV 'T ,
onde E 3D é definido como o coeficiente de dilatação volumétrica.
O calor é uma energia de transição transmitida entre corpos submetidos a diferentes temperaturas. A capacidade térmica de uma
substância ( C mc ) é definida como a capacidade que esta tem de
absorver calor, onde c é o calor específico de cada substância. A
quantidade de energia térmica 'Q necessária para elevar a temperatura de uma substância de 'T é dada por:
'Q
mc'T
C 'T .
Em situações onde ocorrem transições de fase, a quantidade de calor
absorvida ou cedida pelo sistema é utilizada na sua totalidade para
alterar o estado físico da substância, sem produzir uma variação da
temperatura. Nesse caso:
'Q mL ,
em que L é definido como calor latente, que pode ser de fusão ou
vaporização.
Existem três formas pelas quais a energia térmica pode ser transferida entre os corpos: condução, convecção e radiação.
87
A condutividade térmica ( k ) é definida em termos de uma corrente
térmica ( I ), que representa a taxa temporal de condução de calor:
'Q / 't I , onde:
I
'Q
'T
kA
'T
.
'x
Ao isolarmos a variação da temperatura, encontramos uma definição para a resistência térmica ( ƒ ):
'x
I
kA
'T
ƒ
ƒI ,
'x
.
kA
Para situações em que existem vários condutores conectados em
série, a resistência equivalente é dada por ƒeq ƒ1 ƒ2 ƒ3 ...ƒn ,
porém se eles estiverem conectados em paralelo a resistência equi1
1
1
1
1
valente se torna
. Como será visto mais
...
ƒeq ƒ1 ƒ2 ƒ3
ƒn
adiante no curso, esses conceitos são idênticos aos de corrente e resistência elétrica.
Questões
1) Um tanque subterrâneo com capacidade igual a 1700 litros é preenchido com etanol a uma temperatura inicial de 19qC . Quando o etanol se esfria até atingir a temperatura de 10qC do solo
(a qual está em equilíbrio com a do tanque), qual é o volume
de etanol no interior do tanque? Suponha que o volume do tanque permaneça constante e considere Ee tan ol (0, 75 u103 )0 C 1 .
Resposta: V = 1688,5 litros.
2) Um pedaço de gelo de 200g e a 0qC foi colocado em 500g de
água a 20qC . O sistema está em um calorímetro de capacidade
térmica desprezível. Sendo assim:
a) Qual a temperatura final de equilíbrio do sistema?
b) Qual a quantidade de gelo que fundiu?
88
Resposta:
a) T f
0qC ;
b) m 125g .
3) Um projétil de chumbo, inicialmente a 30qC , é lançado por
uma arma e se funde ao colidir com um alvo. Admitindo-se
que toda a energia cinética inicial se transforma em energia interna que eleva a temperatura do projétil até atingir a temperatura necessária para provocar a sua fusão, calcule a velocidade
do projétil no impacto com o alvo. Considere: calor latente de
fusão do chumbo como L 24, 7 u103 J / Kg e ponto de fusão
do chumbo como 600K .
Resposta: v 354m/s .
4) Um pedaço de cobre de 100 g a temperatura T é lançado num
calorímetro de cobre com 150 g contendo 200 g de água. A temperatura inicial da água e do calorímetro é 16°C, e a temperatura final, depois de atingido o equilíbrio térmico, é de 38°C.
Depois da experiência, pesando-se o calorímetro com a água,
verificou-se que 1,2 g de água evaporaram. Determine a temperatura T. É necessário considerar que o calorímetro não está
isolado e, portanto, que a quantidade de água evaporada não
ficou no seu interior.
Resposta: T
625, 7qC .
5) Um cubo de alumínio e um cubo de cobre, ambos com aresta de 3,0 cm, estão dispostos entre dois reservatórios térmicos mantidos a 100°C e 20°C, conforme mostra a figura 3.4 a
seguir. Considere: kalum. 237W / m.K e kcobre 401W / m.K .
Sendo assim:
a) Encontre a corrente térmica conduzida por cada um dos
cubos de um lado a outro;
b) Qual a corrente térmica total?
c) Qual é a resistência térmica equivalente?
89
cobre
100°C
20°C
alumínio
Figura 3.4 – Figura referente ao exercício 5.
Resposta:
a) I alum.
568,8W e I cobre
b) I total
1531, 2W ;
c) ƒeq
52 u103 K / W .
962, 4W ;
6) Uma panela com fundo de cobre contém 0,8 litro de água em
ebulição, sendo que essa água seca em 10 minutos. Assumindo que todo o calor passa pelo fundo plano de cobre com 15,0
cm de diâmetro e 3,0 mm de espessura, calcule a temperatura
da face externa do fundo (em contato com o fogo) no instante
em que a panela seca. Considere o calor latente de vaporização
da água como LV 2, 26 u106 J / Kg .
Resposta: T 101,3qC .
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de física básica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1997. v. 2.
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10 ed. São
Paulo: Addison Wesley, 2003.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D. Física. Rio de Janeiro: LTC, 2006. v. 2.
TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2007. v. 1.
90
Bibliografia complementar comentada
TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2007. v. 1.
Para mais detalhes sobre a obtenção da escala absoluta, sugere-se a leitura
da seção 17.3 Termômetro a gás e escala de temperatura absoluta.
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de física básica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1997. v. 2.
Uma leitura interessante sobre a natureza do calor pode ser encontrada na
seção 8.1 A natureza do calor.
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São
Paulo: Editora Addison Wesley, 2003.
Mais detalhes sobre transições de fase, com vários exemplos resolvidos,
podem ser encontrados na seção 15.7 Calorimetria e transições de fases.
Uma discussão mais aprofundada sobre as fases da matéria pode ser
encontrada na seção 16.7 Fases da matéria.
Para saber mais sobre os mecanismos de trocas de calor, com vários exemplos
resolvidos, ver seção 15.8 Mecanismos de transferência de calor.
Capítulo 4
Primeira Lei da
Termodinâmica
Capítulo 4
Primeira Lei da Termodinâmica
Ao final deste Capítulo você deverá compreender os conceitos relacionados à primeira lei da termodinâmica, assim
como identificar e caracterizar os processos termodinâmicos. Também deverá interpretar e representar diagramas
termodinâmicos e aplicar a definição de gases ideais na
resolução de problemas e questões.
4.1 Introdução
A energia interna de
um sistema pode ser
entendida como a soma
da energia cinética de
todas as partículas que
constituem o sistema
somada com a sua energia
potencial total, devido
à interação entre elas.
A primeira lei da termodinâmica trata de um princípio fundamental em física: a conservação de energia. No entanto, como os processos termodinâmicos, além do trabalho mecânico, também envolvem trocas de calor, esse princípio foi ampliado e foi introduzido o
conceito de energia interna de um sistema. A energia interna será
representada pela letra U .
Essa lei de conservação de energia é considerada como o
exemplo mais claro de descoberta simultânea, sendo anunciada por quatro cientistas europeus entre 1842 e 1847:
Mayer, Joule, Colding e Helmholtz. Além desses, muitos
outros, norteados pelos estudos de motores térmicos, contribuíram para que as ideias de conversão entre energia mecânica e térmica fossem amadurecidas. O fato é que esses
cientistas, aparentemente, sem terem conhecimento uns dos
outros, apresentaram ideias com o mesmo eixo unificador
centrado na conservação de energia. Para mais detalhes, ver
sugestão de leitura no final deste Capítulo.
Da mesma forma como acontece para a energia potencial gravitacional
de um corpo, a variação da energia interna ('U U f U i ) depende
apenas dos estados inicial e final dessa energia. Como veremos neste
Capítulo, a primeira lei da termodinâmica nos dá uma relação para en-
94
contrar 'U a partir do calor transferido e do trabalho realizado. Com
isso é possível definir um valor específico de U para um estado de referência e dessa forma encontrar a energia em qualquer outro estado.
O estado termodinâmico de um fluido homogêneo (líquido ou gás) é
descrito pela sua pressão ( P ) , volume (V ) e temperatura (T ) , sendo
que ele fica inteiramente determinado por um par dessas variáveis:
( PV ) , ( PT ) ou (VT ) , ficando assim determinada a temperatura, volume e pressão, respectivamente.
Um sistema termodinâmico é caracterizado por ser capaz de realizar trocas de energia com sua vizinhança, ou seja, ele interage com
o meio ambiente em sua volta. Isso pode ocorrer através de transferência de calor ou realização de trabalho.
Neste Capítulo, iremos abordar a primeira lei da termodinâmica, discutir alguns processos termodinâmicos a partir da primeira lei e aplicar isso em situações práticas. Esse estudo é importantíssimo para o
entendimento de máquinas térmicas, como será visto mais adiante.
4.2 Equivalente mecânico de caloria
A relação entre energia mecânica e calor foi estabelecida por Joule
em meados do século XIX, estudando o aquecimento da água quando a mesma era mexida por um agitador, como ilustrado na figura
4.1 a seguir. Ele utilizou um recipiente contendo água e constituído
de paredes adiabáticas, e o movimento das pás era controlado pelo
trabalho de subida e descida das massas conectadas ao eixo de giro,
permitindo dessa forma calcular o trabalho realizado pelas pás.
m1
m2
Figura 4.1 – Esboço do esquema utilizado por Joule para determinar o equivalente
mecânico de caloria. Consiste de um recipiente com paredes adiabáticas
contendo água, constituído de pás giratórias para agitar a água.
As paredes adiabáticas
não permitem troca de
calor com o meio externo,
constituindo um sistema
termicamente isolado.
95
Joule verificou que o aumento da temperatura era proporcional ao
trabalho realizado, sendo que eram necessários 4,186 Joules para aumentar a temperatura de 1,0 grama de água de 14,5°C para 15,5°C ,
o que equivale a 1,0 caloria , então estabeleceu-se a relação:
1,0 cal 4,186 J.
(4.1)
Além disso, Joule mostrou por métodos diferentes que a mesma
quantidade de trabalho era necessária para ter o mesmo efeito na
temperatura. Um outro método foi utilizar uma resistência elétrica para aquecer a água (é isso que acontece num chuveiro elétrico).
Nesse caso, o gerador de corrente que alimenta a resistência é que
realiza o trabalho sobre o sistema.
No Sistema Internacional de medidas (SI) adota-se o Joule como unidade básica de energia, inclusive para o calor.
Vamos estudar agora algumas formas de transferência de energia
entre um sistema e sua vizinhança, e como isso interfere na energia
interna desse sistema.
4.3 Trabalho adiabático
Vamos considerar um gás em equilíbrio termodinâmico num recipiente de paredes adiabáticas com um pistão móvel. Esse gás é descrito pela sua pressão inicial ( Pi ) e seu volume inicial (Vi ) . Quando
é realizado um trabalho sobre o sistema, que pode ser através da
colocação de um corpo de massa m sobre o pistão, o sistema tende
para uma nova posição final de equilíbrio com Pf e V f (ver figura
4.2 a seguir).
É importante lembrar que as leis da termodinâmica podem
ser aplicadas apenas nas situações de equilíbrio termodinâmico, portanto os parâmetros do estado final podem ser
considerados apenas após esse estado ter atingido o equilíbrio. Sabemos que isso não ocorre durante o deslocamento
do pistão pela ação da força de contato do corpo com o pistão, onde ocorrem movimentos turbulentos no gás, portanto
esses estados intermediários não são de equilíbrio.
96
Mais adiante veremos que a condição de equilíbrio dos estados intermediários é necessária para que se possa obter uma
curva num diagrama
, tornando o processo reversível.
Paredes
adiabáticas
m
Pi ,Vi
Pf ,Vf
A
B
Figura 4.2 – Ilustração de uma compressão adiabática de um gás através da
colocação de um corpo de massa m sobre um pistão móvel:
(a) estado de equilíbrio inicial, antes de colocar a massa, descrito por Pi e Vi , e
(b) estado de equilíbrio final, depois de colocada a massa, descrito por Pf e V f .
Na nova configuração de equilíbrio ( Pf , V f ), percebemos que o volume foi reduzido e com isso a pressão interna deve ter aumentado.
Diz-se que nesse processo foi realizado um trabalho adiabático sobre o sistema, pois não houve troca de calor. Esse trabalho, por sua
vez, produz um aumento da energia interna do sistema, que reflete
num aumento da temperatura do gás, pelo fato de as paredes não
permitirem fuga de calor (como no caso do experimento de Joule).
Da mesma forma, se o corpo de massa m fosse removido no exemplo (b) da figura 4.2, o gás iria expandir-se até uma nova posição de
equilíbrio, realizando trabalho sobre o pistão e resultando no seu
movimento. Nesse caso, diria-se que o sistema realizou trabalho,
causando uma diminuição da energia interna do gás. A partir dessas considerações, podemos definir:
'U
Wi o f ,
(4.2)
ou seja, em um sistema termicamente isolado a variação da energia
interna 'U é igual ao trabalho realizado do estado inicial ao estado
final ( Wi o f ). O sinal negativo aparece por definição histórica do es-
97
tudo de máquinas térmicas onde padronizou-se que o trabalho é positivo ( W ! 0 ) quando o mesmo é realizado pelo sistema, e negativo
( W 0 ) quando é realizado sobre o sistema. Assim, como o trabalho
realizado pelo sistema diminui a energia interna, coloca-se o sinal
negativo na equação 4.2.
Essa padronização histórica está associada à ideia de trabalho útil (que pode ser aproveitado) no estudo de máquinas
térmicas. Por exemplo, numa máquina a vapor, como uma
locomotiva, quando a água é transformada em vapor pela
absorção de calor da caldeira o volume aumenta e, com isso,
empurra o pistão realizando o trabalho necessário para mover a alavanca que faz girar as rodas. Ou seja, a expansão
do sistema gerou trabalho, e esse trabalho então foi considerado positivo. Mais adiante veremos que a mesma ideia
é utilizada para definir como positiva uma quantidade de
calor que é transferida a um sistema termodinâmico, pois
essa energia transferida também pode ser convertida em
trabalho útil.
A força que as moléculas do gás exercem sobre as paredes de um recipiente está relacionada com as colisões momentâneas das moléculas com a parede. O trabalho na mecânica, por sua vez, está associado com um deslocamento durante a aplicação de uma força. Assim,
o trabalho é identificado apenas quando ocorre um deslocamento
da parede, que é observado no caso do pistão do exemplo anterior.
Considerando A como sendo a área do pistão, a força F sobre ele
pode ser expressa por:
(4.3)
F PA
No próximo Capítulo, sobre
a teoria cinética dos gases,
veremos como a pressão é
definida do ponto de vista
microscópico.
onde P é a pressão que o gás exerce sobre o pistão. Dessa forma,
para um deslocamento infinitesimal dx, o trabalho relativo a essa
força é:
,
mas Adx
tão:
dV , que representa uma pequena variação de volume, en(4.4)
98
A notação
é utilizada para identificar que
representa
apenas uma quantidade infinitesimal de trabalho, não sendo uma diferencial exata, ou seja, a partir da integração da
equação 4.4 obtemos apenas uma quantidade de trabalho
realizado entre o estado inicial e final, definido como
na equação 4.5, mas jamais poderemos determinar quanto
é o trabalho inicial ( ) ou o trabalho final ( ). Na verdade,
assim como o calor, o trabalho não é uma propriedade do
sistema. Como veremos mais adiante, isso está relacionado
com o fato que o trabalho não é uma função de estado termodinâmico e, portanto, o trabalho realizado depende do
tipo de processo (se adiabático, se isotérmico etc.).
Dessa forma, para uma variação finita de Vi até V f , o trabalho é
dado pela integral da equação 4.4 nestes limites:
Vf
Wi o f
³ P(V )dV .
(4.5)
Vi
Em geral, a pressão do sistema pode variar durante a variação do
volume, portanto para calcular o trabalho a partir da equação 4.5
é necessário conhecer o caminho entre os estados Vi e V f , ou seja,
conhecer a função
.
Veremos mais adiante que
essa função só pode ser
obtida se o processo de
compressão e expansão
realizado pelo gás for
reversível.
4.3.1 Análise gráfica
Vamos considerar um processo termodinâmico descrito
num diagrama PV, que ocorre de um estado inicial (1) para
um estado final (2). No gráfico da figura 4.3 a seguir estão
ilustrados três caminhos em que o sistema pode evoluir de
1 para 2. Como a temperatura fica definida por cada ponto
do par ( PV ) do diagrama, cada caminho define como a
temperatura varia ao longo do processo.
O caminho ao longo da curva b (1b2) pode representar
uma isoterma (onde a temperatura é constante); os caminhos 1a 2 e 1c 2 são compostos de trechos isocóricos (volume constante) e isobáricos (pressão constante). A partir do
gráfico da figura 4.3, fica claro que o trabalho realizado nes-
P
P1
c
1
b
P2
a
V1
2
V2
V
Figura 4.3 – Representação de um processo termodinâmico num diagrama PV,
onde estão ilustrados três caminhos
para ir do estado 1 para o estado 2.
99
se processo depende do caminho apresentado no gráfico e é obtido
pela equação 4.5, representando a área compreendida entre a curva
P P (V ) e o eixo V , de V1 até V2 . Por exemplo: a área hachurada na
figura 4.3 representa o trabalho para ir de 1 até 2 pelo caminho 1b2 .
Podemos ver que nos trechos 1c e a 2 , onde a pressão é constante,
da equação 4.5 temos:
W1oc
P1 (V2 V1 )
Wa o2
P2 (V2 V1 ),
Essas equações também representam as áreas abaixo das curvas para
P1 e P2 constantes, entre V1 e V2 , respectivamente. Como P1 ! P2 , vemos que W1oc ! Wa o2 , confirmando que o trabalho é diferente de acordo com o caminho tomado por quem estiver analisando o processo.
Nos trechos 1a e c 2 o trabalho é nulo, pois o volume é constante.
No caso de um processo cíclico, onde o sistema volta ao estado inicial, o trabalho total é descrito pela área contida dentro da curva
fechada, como mostra a figura 4.4 a seguir. Num processo cíclico, a
variação total da energia interna é nula ( 'U 0 ). Isso vem do fato
de que a energia interna depende apenas dos estados inicial e final, e não do caminho descrito no gráfico, portanto o trabalho total
(quando diferente de zero) está relacionado com uma quantidade de
calor transferida no processo.
P
P1
1
P2
2
V1
V2
V
Figura 4.4 – Representação de um processo termodinâmico cíclico num diagrama PV.
A área hachurada dentro da curva indica o trabalho total realizado nesse processo.
De acordo com a ilustração da figura 4.4, podemos ver que o trabalho total será negativo se o ciclo ocorrer no sentido anti-horário, pois
no trecho ( 2 o 1 ) da parte superior do ciclo o trabalho é maior em
módulo que no trecho (1 o 2 ), porém negativo porque o volume di-
100
minui. Se o ciclo ocorrer no sentido horário, o trabalho total será positivo. Nesses processos é correto escrever a equação 4.5 na forma:
Wciclo
onde o símbolo
v³ P(V )dV ,
(4.6)
representa uma integral num circuito fechado.
4.4 Transferência de calor
Vamos considerar agora que a passagem do estado de equilíbrio
inicial para o final de um recipiente contendo gás não ocorre pela
realização de trabalho adiabático, mas pela transferência de calor.
Nesse caso, uma das paredes do recipiente necessariamente precisa
ser diatérmica (que permite a troca de calor) e estar em contato com
um reservatório térmico. Assim, se não houver realização de trabalho, a variação da energia interna depende apenas da quantidade de
calor transferida:
'U
Q.
(4.7)
Por definição, padronizou-se que a quantidade de calor é positiva
( Q ! 0 ) quando é fornecido calor ao sistema (aumentando a energia interna) e negativa ( Q 0 ) quando é retirado calor do sistema.
Como vimos anteriormente, isso se deve ao estudo com máquinas
térmicas, onde uma quantidade de calor fornecida ao sistema pode
ser convertida em trabalho útil.
4.5 Primeira lei da termodinâmica
No caso mais geral, em que ocorrem transferência de calor e realização de trabalho, a variação da energia interna depende desses dois
processos e é dada por:
'U
Q Wi o f .
(4.8)
A equação 4.8 representa a forma analítica da primeira lei da termodinâmica, que atribui a variação da energia interna 'U , a qual não provém do trabalho realizado, ao calor transferido ao sistema ou retirado
do sistema. A primeira lei pode ser enunciada da seguinte forma:
101
“A variação da energia interna de um sistema termodinâmico é igual ao calor transferido menos o trabalho realizado
entre o sistema e sua vizinhança”.
4.6 Processos reversíveis
Como dito anteriormente, para determinar o trabalho através da
equação 4.5 é necessário conhecer a função P P (V ) . Isso só é possível se o processo para levar o sistema do estado inicial ao estado
final for reversível, nesse caso ele deve necessariamente ocorrer de
forma quase estática. Para um processo ser quase estático, ele deve
obedecer duas condições:
1) Ocorrer muito lentamente: essa condição é necessária para se
ter uma sucessão infinitesimal de estados de equilíbrio termodinâmico, com P e V bem definidos.
2) O atrito entre as partes envolvidas no processo ser desprezível: essa condição é necessária para não haver dissipação de
energia por atrito.
Podemos imaginar uma situação prática desse panorama considerando o caso da figura 4.2 apresentada anteriormente, se substituirmos o corpo de massa m por uma quantidade de areia de igual
massa. Se colocarmos apenas um grão de areia, o sistema tende a
buscar uma nova condição de equilíbrio, e após o equilíbrio ser atingido podemos determinar P e V . Após isso, colocamos outro grão
de areia e assim por diante, lembrando que entre a colocação de
um grão de areia e outro esperamos o sistema atingir o equilíbrio
termodinâmico para termos P e V bem definidos. Se a cada grão
colocado medirmos a pressão e o volume, conheceremos os pontos
que ligam os estados inicial e final, e seremos capazes de desenhar a
curva P P (V ) . Esse procedimento permite determinar o caminho
que leva do estado inicial ao estado final, tornando assim possível a
utilização da equação 4.5 para cálculo do trabalho realizado.
Nos processos irreversíveis apenas os estados de equilíbrio inicial e
final são conhecidos (como no exemplo da figura 4.2, quando o corpo
de massa m é colocado sobre o pistão). Nesse caso, os estados intermediários são turbulentos e estão fora do equilíbrio termodinâmico.
102
Então não é possível determinar as variáveis termodinâmicas P e V ,
o que não nos permite conhecer o caminho que leva do estado inicial
ao estado final. Sabemos apenas que o trabalho realizado equivale à
variação da energia interna, mas não podemos calculá-lo diretamente com a equação 4.5 porque a função P P (V ) não é conhecida.
A transferência de calor num processo reversível obedece às mesmas condições descritas anteriormente para os processos irreversíveis, mas agora é a quantidade de calor que deve ser transferida
lentamente, em que a transformação do estado inicial ao final deve
passar por uma sucessão densa de estados de equilíbrio termodinâmico intermediários, permitindo a determinação das variáveis
termodinâmicas durante o processo. Nesse caso, podemos utilizar
a expressão estudada no Capítulo anterior para determinação da
quantidade de calor:
(4.9)
onde integrando temos:
Tf
Q
³ C (T )dT ,
(4.10)
Ti
em que C mc é a capacidade térmica. Lembramos que o calor específico c varia de acordo com o processo: cV para volume constante e cP para pressão constante, portanto a quantidade de calor transferida Q (necessária para levar o sistema do estado inicial ao estado
final) também depende do caminho do processo escolhido, sendo
necessário conhecer a função C C (T ) para fazer a integração. Da
mesma forma como discutido para o trabalho infinitesimal
,
também representa apenas uma quantidade infinitesimal de calor
transferida, não constituindo uma diferencial exata, ou seja, através
da equação 4.10 não é possível determinar o calor inicial ou final de
um sistema, apenas a quantidade de calor transferida.
É interessante notar que a energia interna de um determinado estado termodinâmico de equilíbrio não pode ser
identificada nem com , nem com . É impossível dizer
qual proporção de representa trabalho ou calor. Isso vem
do fato que e não são funções de estado termodinâmico.
Os termos calor e trabalho referem-se sempre a trocas ou
fluxos de energia entre um sistema e sua vizinhança.
103
A forma infinitesimal da primeira lei da termodinâmica para um
número de moles fixo é dada por:
(4.11)
Exemplo 1. Um sistema termodinâmico é constituído de 3,0 Kg de
água a 80°C . Mediante agitação da água, realiza-se 25 u103 J de trabalho sobre o sistema e ao mesmo tempo removem-se 15 u103 cal de
calor. Sendo assim, determine:
a) A variação da energia interna 'U ;
b) A temperatura final do sistema.
Solução:
a) Inicialmente precisamos converter a unidade de calor para Joule
através da relação apresentada na equação 4.1:
Q
(15 u103 )(4,186 J) 62,8 u103 J.
฀ Agora utilizamos a equação 4.8 para determinar 'U , lembrando
da convenção de sinais: trabalho realizado sobre o sistema ( W 0 )
e calor retirado do sistema ( Q 0 ), então:
'U
Q W
62,8 u103 J 25 u103 J
37,8 u103 J.
฀ Percebemos que a variação da energia interna é negativa, isso quer
dizer que foi removida mais energia em forma de calor que adicionada em forma de trabalho.
b) Para encontrar a temperatura final T f precisamos saber a variação
de temperatura 'T T f Ti , visto que a temperatura inicial do
sistema é conhecida ( Ti 80qC ). Para isso, utilizamos a equação
4.9, que relaciona uma quantidade de calor transferida com uma
variação de temperatura: 'Q mc'T , sendo que o calor específico da água é igual a 4,186 u103 J/Kg ˜qC , então:
'T
Como T f
'Q
mc
(37,8 u103 J)
(3, 0 Kg)(4,186 u103 J/Kg ˜qC)
'T Ti , temos que:
Tf
3qC 80qC 77qC.
3, 0qC.
104
4.7 Aplicação em processos
termodinâmicos
Nesta Seção, vamos estudar alguns casos específicos de processos
termodinâmicos que ocorrem em várias situações práticas. A identificação do processo envolvido é o primeiro passo na resolução de
problemas que envolvem a primeira lei da termodinâmica.
4.7.1 Processo adiabático
Nesse processo não existe troca de calor com o meio externo, ou
seja, Q 0 . Isso usualmente é conseguido isolando-se termicamente
o sistema num recipiente de paredes adiabáticas. Então a equação
4.8 fica assim redefinida:
'U
Wi o f .
(4.12)
A variação da energia interna está relacionada apenas com a realização de trabalho (nesse caso, chamado de trabalho adiabático).
Como vimos na Seção 4.2, no caso de um gás confinado num recipiente com paredes adiabáticas e um pistão móvel, quando é realizado trabalho sobre o sistema tem-se que 'U ! 0 e a energia interna
aumenta. Quando o sistema realiza trabalho, tem-se que 'U 0 e a
energia interna diminui. Geralmente esse processo resulta também
na variação da temperatura.
Processos termodinâmicos suficientemente rápidos, em que não há
tempo para ocorrer uma troca significativa de calor, também podem
ser considerados adiabáticos. Por exemplo: a expansão de vapor
numa máquina térmica, o aquecimento do ar quando bombeamos
um pneu de bicicleta etc.
4.7.2 Processo isocórico
Nesse processo o volume não varia. Em geral, isso significa que o sistema não realizou trabalho com a sua vizinhança, ou seja, Wi o f 0 .
Logo, pela primeira lei temos:
'U
Q.
(4.13)
105
Temos então que a variação da energia interna depende apenas da
transferência de calor, sendo que U aumenta ( 'U ! 0 ) quando é fornecido calor ao sistema e U diminui ( 'U 0 ) quando é retirado
calor do sistema. Um exemplo disso é o aquecimento de água em
um recipiente cujo volume é mantido fixo.
É importante notar que a realização de trabalho não está vinculada
apenas à variação de volume. É possível realizar trabalho num sistema por agitação, como foi demonstrado no experimento de Joule,
na Seção 4.1 deste livro. Nesse exemplo, apesar de se tratar de um
processo isocórico, temos que Wi o f z 0 .
Uma outra situação interessante de análise é a expansão livre de
um gás. A expansão livre de um gás é um experimento em que um
recipiente contendo gás está ligado por uma válvula com outro recipiente mantido a vácuo. Quando a válvula é aberta, o gás se expande livremente para o recipiente com vácuo e, como o ar não empurra
nenhuma parede no seu movimento, o trabalho realizado pelo gás é
nulo, apesar de variar o volume. Esse não é um processo isocórico,
pois o volume do gás aumenta, entretanto o gás não realiza trabalho
porque não empurra uma parede.
4.7.3 Processo isobárico
A pressão é mantida constante nesse processo. Nesse caso, em geral
nenhuma das grandezas 'U , Q e Wi o f é nula, entretanto o cálculo
do trabalho é simples, pois a pressão sai da integral na equação 4.5,
resultando na relação:
Wi o f
P(V f Vi ) .
(4.14)
Isso ocorre, por exemplo, no processo de ebulição da água numa panela aberta, onde a pressão atmosférica é constante ( Patm 1, 0 atm ).
Nesse exemplo, a variação da energia interna é dada por:
'U
mLV Patm (Vvapor Vágua ),
onde m é a massa de água e LV o calor latente de vaporização da
água. Essa variação de energia interna é interpretada como a energia necessária para romper as forças de atração das moléculas no
106
estado líquido, na transição para o estado gasoso. Para assimilar esses princípios, sugerimos que você resolva o problema 2 da lista no
final deste Capítulo.
4.7.4 Processo isotérmico
Nesse processo a temperatura é que permanece constante. Para isso,
é necessário que a transferência de energia ocorra muito lentamente,
permitindo que o sistema permaneça em equilíbrio térmico. Num
processo isotérmico, em geral 'U , Q e Wi o f não são nulos.
Um caso especial ocorre com um gás ideal, para o qual a energia
interna depende apenas da temperatura, sem ser influenciada pelo
volume e pela pressão. Dessa forma, 'U 0 num processo isotérmico com um gás ideal, logo Q Wi o f . Ou seja, qualquer energia que
entra no sistema em forma de calor sai novamente em virtude do
trabalho realizado por ele.
4.7.5 Processo cíclico
Num processo cíclico o sistema volta sempre para o seu estado inicial. Como a variação da energia interna depende apenas dos estados inicial e final, então 'U 0 num ciclo completo, logo:
Q Wi o f ,
(4.15)
ou seja, a transferência de calor é igual ao trabalho realizado. Esse resultado se aplica no estudo de máquinas térmicas que operam em ciclos
repetidos. Esse é o objeto de estudo da segunda lei da termodinâmica.
Uma outra situação bem particular, em que 'U 0 , ocorre para um
sistema isolado, que não permite nem troca de calor nem realização
de trabalho, ou seja, Q Wi o f 0 , resultando que a energia interna
de um sistema isolado permanece constante.
Exemplo 2. Um recipiente termicamente isolado, cheio de água, cai
de uma altura h do solo. Considerando que a colisão seja perfeitamente inelástica, onde toda a energia mecânica se transforma em
energia interna da água, qual deve ser a altura para que a temperatura da água aumente em 1,0°C ?
Os gases ideais serão
estudados na próxima
Seção.
107
Solução: A variação da energia mecânica quando um corpo cai de
uma altura h é dada por mgh , em que g é a aceleração da gravidade
e m a massa do corpo. Se a energia mecânica for totalmente convertida em energia interna e sendo o sistema termicamente isolado, essa
queda acarretará num aumento de temperatura da água equivalente
a uma transferência de energia térmica Q mc'T , então:
mgh
mc'T .
Para se obter um aumento de temperatura 'T
mos que a altura é:
h
c'T
g
(4,18 u103 J/Kg ˜ K) (1,0 K)
9,8 N/Kg
1,0°C 1,0K , te-
426,5 metros.
É interessante notar que a altura não depende da quantidade de água,
ou seja, da massa m .
Exemplo 3. A partir do diagrama PV da figura 4.5 a seguir, preencha as lacunas da tabela 4.1.
P (N/m2)
2×105
1×105
c
b
a
−3
5×10
−3
10×10
V (m3)
Figura 4.5 – Figura indicada no exemplo 3.
Etapa
ab
800
bc
ca
-100
abca
Tabela 4.1
108
Solução: Nesta resolução utilizaremos a primeira lei da termodinâmica, conforme a equação 4.8. A sugestão é inicialmente acrescentar na tabela os valores das grandezas a partir do conhecimento dos
processos termodinâmicos envolvidos em cada etapa, depois realizar
os cálculos das etapas conhecidas. É importante sempre acrescentar
os valores na tabela, porque ao final o trabalho resume-se a somar
linhas e colunas.
É fácil perceber que, na etapa ca , o trabalho Wc oa 0 porque se trata de um processo isocórico. Isso quer dizer que Qca 'U ca 100 J .
Além disso, sabemos que num ciclo completo a variação de energia
interna é nula, portanto 'U abca 0 .
Para determinar o trabalho na etapa ab utilizamos a equação 4.14,
pois se trata de um processo isobárico, então:
Pa (Vb Va ) (1u 105 ) (5 u103 ) 500 J ,
Wa ob
Lembre-se que esse valor representa a área debaixo da curva ab, entre Va e Vb . Logo, pela primeira lei encontramos:
'U ab
Qab Wa ob
800 J 500 J 300 J.
Observando agora, para a última coluna da tabela, que
'U abca 'U ab 'U bc 'U ca , substituímos os valores conhecidos e
obtemos que 'U bc 200 J.
O trabalho para o sistema ir de b para c pode ser calculado pela área
debaixo da curva entre esses pontos. Percebe-se de antemão que este
trabalho deve ser negativo porque o volume diminui, o que representa que o trabalho é realizado sobre o sistema.
Wboc
Pb (Vb Vc ) ( Pc Pb ) (Vb Vc )
2
500 J 250 J
750 J.
Assim, utilizando novamente a primeira lei podemos encontrar Qbc :
Qbc
'U bc Wboc
200 J 750 J
950 J.
Bom, agora basta somar as colunas para encontrar os valores de:
Wabca
250 J,
Qabca
250 J.
Dessa maneira, podemos completar a tabela 4.1 com os seguintes
valores:
109
Etapa
ab
bc
ca
abca
800
-950
-100
-250
500
-750
0
-250
300
-200
-100
0
Tabela 4.1
4.8 Gás ideal
As condições físicas ou o estado termodinâmico de um dado material são descritos por sua pressão ( P ), seu volume (V ), sua temperatura ( T ) e sua quantidade (relacionada à massa m ), sendo que,
em geral, não podemos introduzir variações em nenhuma dessas
grandezas sem afetar as outras. Existem casos em que a relação entre essas variáveis é bastante simples, o que torna possível explicitála em termos de uma equação matemática, chamada de equação de
estado. Quando essa relação é complicada, usualmente utilizam-se
gráficos ou tabelas numéricas para facilitar a visualização, mas de
qualquer forma a relação entre as variáveis existe. A seguir vamos
discutir a equação de estado de um gás ideal, que é muito utilizada
para explicar o comportamento termodinâmico dos gases.
O conceito de gás ideal traz a ideia de que esses gases tendem a
apresentar a mesma relação entre as variáveis P , V , T e m , em
qualquer condição. Esse é um conceito idealizado, que na verdade
não existe, mas experimentalmente observou-se que os gases reais
seguem uma mesma relação nas seguintes condições:
a) Quando a densidade é baixa, ou seja, quando a distância média entre as moléculas do gás é muito grande, nesse caso a energia potencial pode ser desprezada, pois praticamente não existe interação entre as
moléculas.
b) Quando a média do quadrado da velocidade das moléculas que constituem o gás é suficientemente alta.
Isso ocorre quando a pressão é baixa e a temperatura
elevada.
110
O modelo de gás ideal que descreveremos aqui, portanto, é na verdade uma boa aproximação para o comportamento de gases reais
sob as condições a e b apresentadas acima.
No caso dos gases, é geralmente mais fácil descrevê-los em termos
do número de moles n ao invés da massa. Por definição, um mol de
qualquer substância pura equivale à quantidade de substância tal
que sua massa (em gramas) seja igual à massa molecular M. Nas
Condições Normais de Temperatura e Pressão (CNTP), que correspondem a T 273,15 K 0qC e P 1, 0 atm 1, 013 u105 Pa , a Lei de
Avogadro leva ao resultado importante que 1,0 mol de qualquer
gás ocupa sempre o mesmo volume V 22, 415 litros ; além disso, 1,0 mol de qualquer substância tem sempre o mesmo número
de moléculas, dado pelo chamado Número de Avogadro, ou seja,
N 0 6, 023 u1023 moléculas/mol .
Através de experimentos com vários gases diferentes, que foram
inseridos em cilindros onde era possível controlar P , V e T , mantendo-se fixo o número de moles n para uma densidade suficientemente baixa de moléculas, observou-se que:
a) Quando a temperatura era mantida constante, a pressão variava inversamente com o volume
. Daí tiramos que
P.V cte ( cte quer dizer constante), conhecida como Lei de
Boyle.
b) Quando a pressão era mantida constante, o volume variava diretamente com a temperatura (V v T ) . Daí tiramos que
V / T cte , conhecida como Lei de Charles e Gay-Lussac.
Juntando-se as observações a e b anteriores podemos escrever uma
única relação entre P , V e T , para o caso de n fixo:
PV
T
cte o
PV
i i
Ti
Pf V f
Tf
,
(4.16)
Aqui os índices i e f referem-se aos estados inicial e final do gás.
Como o volume ocupado por um gás, com P e T , é proporcional
a sua massa (que está relacionada com o número de moles), então a
constante cte na equação 4.16 deve ser proporcional a n , ou seja:
PV
nRT .
(4.17)
A principal contribuição
de Avogadro foi perceber
que volumes iguais de
todos os gases, nas mesmas
condições de temperatura
e pressão, contêm o mesmo
número de moléculas.
111
A princípio R é uma constante a ser determinada para cada gás, mas
na condição de densidade baixa observou-se que ela tem o mesmo
valor para todos os gases. Dessa maneira a equação 4.17 é chamada
de equação de estado dos gases ideais, em que R é a constante universal dos gases ideais, dada por R 8,314 J/mol ˜ K .
Na resolução de problemas através da equação 4.17 é necessário utilizar as unidades do Sistema Internacional de medidas (SI), para o qual foi obtido o valor de R 8,314 J/mol ˜ K .
No SI a temperatura é dada na escala Kelvin, o volume é
dado em m3 (lembrando que 1, 0 m3 1000 litros ) e a pressão é dada em Pascal, 1, 0 Pa 1, 0 N/m 2 (lembrando que
1, 0 atm 1, 013 u105 Pa ).
Exemplo 4. Uma amostra de 100 g de CO 2 ocupa o volume de
55 litros a 1,0 atm de pressão. Sendo assim:
a) Qual a temperatura da amostra?
b) Se o volume for aumentado para 80 litros e a temperatura for
mantida constante, qual a nova pressão? Dados: a massa molecular do CO 2 é M | 44 g/mol .
Solução:
a) Inicialmente precisamos encontrar o número de moles n da amostra, que pode ser determinado a partir da massa m da amostra e
da sua massa molecular M através da relação:
n
m
M
100 g
44 g/mol
2, 27 moles.
Agora podemos determinar a temperatura através da equação 4.17, onde precisamos lembrar de transformar o volume em m3 ( 55 litros 55 u103 m3 ) e a pressão em Pascal
( 1, 0 atm 1, 013 u105 Pa ), portanto:
T
PV
nR
(1, 013 u105 Pa) (55 u103 m3 )
(2, 27 moles) (8,314 J/mol ˜ K)
295, 2 K | 22qC.
112
b) Para encontrar a nova pressão pelo aumento do volume de 55 litros
para 80 litros com a temperatura permanecendo constante, podemos usar a relação PV cte :
Pi Vi
Pf
Pf V f
(1, 0 atm) (55 litros)
Pf ˜ (80 litros)
0, 688atm.
4.8.1 Energia interna de um gás ideal
Vamos realizar aqui uma discussão qualitativa para chegar a conclusões sobre a energia interna de um gás ideal. Para isso, consideremos a expansão livre de um gás. Nesse processo o gás é mantido
num recipiente com um determinado volume conectado por uma
válvula a outro recipiente no qual foi produzido vácuo. Consideremos ainda que esse sistema está isolado termicamente através de
paredes adiabáticas. Quando a válvula é aberta, o gás se expande
livremente, ocupando assim um volume maior, portanto percebe-se
uma variação do volume e da pressão do gás. Como o gás não realiza trabalho porque não empurra nenhuma parede e como não há
troca de calor com o meio externo, pela primeira lei da termodinâmica a variação da energia total do gás é nula ( 'U 0 ). Se supusermos que a temperatura do gás se manteve constante nesse processo,
é possível afirmar que a energia interna depende unicamente de T ,
e não tem dependência alguma com P e V . Mas isso é verdade?
É importante perceber que as considerações acima são válidas para
qualquer gás, seja ele ideal ou não, pois se baseiam unicamente na primeira lei da termodinâmica. Medidas realizadas com o experimento de expansão livre de um gás trouxeram a resposta para a questão
acima e comprovaram que, para gases reais, ocorre uma pequena
diminuição da temperatura, apesar de a energia interna permanecer
constante. Nesse caso, a energia interna depende também de P e V ,
entretanto a variação da temperatura cai para zero quando a densidade do gás for pequena, ou seja, para um gás ideal. Assim, para
gases ideais, a energia interna depende unicamente da temperatura
( U U (T ) ). A combinação dessa propriedade com a equação 4.17 de
estado dos gases ideais constitui o modelo de um gás ideal.
No Capítulo seguinte, que
trata da Teoria Cinética dos
Gases, será apresentada
uma dedução um pouco
mais rigorosa.
113
4.8.2 Capacidade térmica de um gás ideal
No Capítulo anterior discutimos que as capacidades térmicas para
gases podem ser bem diferentes, dependendo de como a variação
de temperatura ocorre, a pressão constante ou a volume constante, o
que está relacionado com os calores específicos cP e cV . Vamos discutir essas diferenças através dos dois caminhos ( a e b ) pelos quais
é possível passar da isoterma T1 para a isoterma T2 , onde T2 ! T1 ,
como ilustrado na figura 4.6 a seguir. O caminho a representa um
processo isocórico (V constante) enquanto o caminho b representa
um processo isobárico ( P constante).
As isotermas são obtidas considerando-se a temperatura
constante na equação 4.17, de onde obtemos que
É fácil ver que as curvas
e
na figura 4.6 representam
temperaturas constantes, onde
representamos a função
P
T1
.
, e são obtidas quando
num diagrama
.
T2
P2
a
P1
b
V1
V2
V
Figura 4.6 – Representação esquemática de duas isotermas (T1 e T2 ) num diagrama PV,
onde a passagem de T1 para T2 pode ocorrer por processo isocórico ( a) ou isobárico (b).
Sendo CM Mc a capacidade térmica molar de um gás ideal, temos
que a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de n
moles do gás de T1 para T2 é dada por:
(4.18)
Como
depende do caminho pelo qual se faz a transferência de
calor, o qual está relacionado com o fato das capacidades térmicas
114
serem diferentes se o processo ocorre a volume constante ou a pressão constante, então definimos:
(volume constante), e
(pressão constante).
Agora vamos aplicar a primeira lei da termodinâmica aos caminhos
a e b da figura 4.6:
r O caminho a ocorre a volume constante, isso significa que não
existe realização de trabalho, então pela primeira lei temos:
(4.19)
r O caminho b ocorre a pressão constante, percebemos então
que além da transferência de calor existe também realização
de trabalho, que é dado pela equação 4.4:
, logo:
(4.20)
sendo que através da equação 4.14 de estado dos gases ideais obtemos: PdV nRdT , pois a pressão é constante. Como
discutido anteriormente, a variação da energia interna de um
gás ideal depende apenas da variação da temperatura, portanto podemos igualar as equações (4.19) e (4.20), pois em ambos os caminhos a variação de temperatura é a mesma, logo
dU a dU b :
nCMV dT
nCMP dT nRdT ,
Dividindo ambos os lados por ndT , resulta que:
CMP
CMV R.
(4.21)
A equação 4.21 mostra que para gases ideais a capacidade térmica
molar a pressão constante é sempre maior que a capacidade térmica a volume constante. Isso vem do fato que no processo isobárico
existe também realização de trabalho. Além disso, a diferença entre
as duas capacidades térmicas é dada pela constante universal dos
gases ideais ( R ).
115
Na tabela 4.2 a seguir apresentamos os valores de CMP e CMV medidos para alguns gases à baixa densidade. De acordo com o modelo
cinético teórico (o qual será visto em detalhes no próximo Capítulo)
3
5
temos que CMV
R , resultando que CMP
R e, por conseguinte,
2
2
CMP 5
que J
1, 67 . Esse modelo considera que as moléculas do
CMV 3
gás possuem apenas energia cinética de translação, o que é satisfeito muito bem para gases monoatômicos. Para gases constituídos
de moléculas com mais de um átomo, outros efeitos precisam ser
considerados, como a rotação e vibração das moléculas, resultando
num aumento da energia interna do gás. Para gases diatômicos te5
7
mos que: CMV
1, 40 , o que também concorda com os
RoJ
2
5
valores medidos. Portanto, vemos que o modelo de gás ideal apresenta boa concordância para gases monoatômicos e diatômicos, mas
começa a falhar para gases mais complexos.
Tipo de gás
Monoatômico
Diatômico
Poliatômico
Gás
(
)
(
)
=R
)
(
He
20,78
12,47
8,31
1,67
Ar
20,78
12,47
8,31
1,67
H2
28,74
20,42
8,32
1,40
N2
29,07
20,76
8,31
1,40
O2
29,17
20,85
8,31
1,40
CO2
36,94
28,46
8,48
1,30
SO2
40,37
31,39
8,98
1,29
H2S
34,60
25,95
8,65
1,33
Tabela 4.2 – Valores experimentais de CMP e CMV para alguns gases com densidade pequena.
CMP
é sempre maior que 1 para gaCMV
ses; essa grandeza desempenha um papel importante no processo
adiabático de um gás ideal, o que será visto na seção 4.7.3 a seguir.
A constante adimensional J
Vamos analisar uma expansão isotérmica de um gás ideal, por exemplo: de V1 até V2 ao longo da curva T1 na figura 4.6 apresentada an-
116
teriormente. Como a temperatura não varia ao longo da isoterma, a
energia interna permanece constante ( 'U 0 ), pois U U (T ) , então
pela primeira lei temos que Q Wi o f , ou seja, a quantidade de calor
transferida é igual ao trabalho realizado, que é determinado por:
V2
W1o2
³ PdV
V1
W1o2
V2
1
dV ,
V
V1
nRT ³
§V ·
nRT [ln V2 ln V1 ] nRT ln ¨ 2 ¸ .
© V1 ¹
(4.22)
Pela equação 4.22 vemos que, quando V2 ! V1 , o logaritmo neperiaV
no de 2 é positivo, o que significa que o sistema realiza trabalho
V1
( W1o2 ! 0 ) e quando V2 V1 o trabalho é negativo, como era de se
esperar.
4.8.3 Processo adiabático de um gás ideal
Num processo adiabático sabemos que não há troca de calor, portanto
. Assim, a primeira lei nos dá que:
mas vimos pela equação 4.19 que a variação da energia interna de
um gás ideal pode ser escrita como:
dU
nCMV dT ,
(4.23)
É importante lembrar que a energia interna depende apenas
da temperatura, então a variação da energia interna depende unicamente da variação da temperatura em qualquer tipo
de processo. Dessa forma, se a equação 4.19 for válida para
um gás ideal em um determinado processo (nesse caso, isocórico), ela será válida para um gás ideal em qualquer outro
tipo de processo com o mesmo .
logo,
nCMV dT
PdV .
(4.24)
117
Através da diferenciação da equação 4.14 de estado dos gases ideais,
obtemos que:
PdV VdP
nRdT ,
substituindo na equação 4.24:
VdP
PdV nRdT
VdP
nCMV dT nRdT ,
n (CMV R ) dT
nCMP dT .
(4.25)
Isolando-se dT na equação 4.24 e substituindo-a na equação 4.25,
tem-se:
VdP
CMP
PdV
CMV
JPdV ,
Podemos reescrever essa equação da seguinte forma:
dP
P
J
dV
.
V
(4.26)
Integrando-se ambos os lados da equação 4.26 entre os estados iniciais ( Pi , Vi ) e os estados finais ( Pf , V f ), temos:
§ Pf ·
ln ¨ ¸
© Pi ¹
J
§ Vf ·
§ Vf ·
J ln ¨ ¸ ln ¨ ¸ ,
© Vi ¹
© Vi ¹
logo, aplicando-se a operação exponencial em ambos os lados, obtemos:
Pf
Pi
Lembrando que, para
temperatura constante,
a equação de estado dos
gases ideais pode ser escrita
, o que
como
equivale a ter
.
§ Vi
¨¨
© Vf
J
·
J
¸¸ o Pf V f
¹
J
PV
i i .
(4.27)
A equação 4.27 nos diz que PV J cte numa transformação adiabática de um gás ideal. Uma consequência do fato que J ! 1 para gases
ideais é que, num diagrama PV , as curvas adiabáticas são sempre
mais inclinadas que as isotermas, portanto uma expansão adiabática de um gás ideal é sempre acompanhada por uma redução da
temperatura, por causa da diminuição da energia interna provocada
pelo trabalho realizado pelo sistema. Já numa compressão adiabática observa-se um aumento da temperatura do gás, devido ao trabalho realizado sobre ele, aumentando assim a sua energia interna.
118
Para obtermos uma relação entre a temperatura e o volume num
processo adiabático de um gás ideal, basta substituirmos a pressão
na equação 4.27, utilizando-se a equação de estado dos gases ideais:
nRT
. Baseado nisso, faça as contas e mostre que:
P
V
T f V f J 1
J 1
TV
o TV J 1
i i
(4.28)
cte.
Vamos determinar agora o trabalho realizado por um gás num processo adiabático, para variar a temperatura de um estado inicial até
um estado final. Como
, temos que
. Como podemos utilizar a equação 4.23 para dU , temos que:
Integrando essa equação temos: W f oi
Wi o f
nCMV T f Ti , ou seja,
nCMV Ti T f .
(4.29)
Dessa forma, sabendo-se o número de moles e as temperaturas inicial e final pode-se calcular o trabalho a partir da equação 4.29. Essa
equação pode ser reescrita utilizando-se a equação de estado dos
gases ideais, para torná-la dependente da pressão e do volume:
T
PV
, ou seja, Ti
nR
Wi o f
PV
i i
e Tf
nR
Pf V f
nR
, logo:
CMV
(PPViVi PPVf Vf ),
R
CMV
1
(essa expressão pode ser obtida
R
J 1
CMP
através da equação 4.21 e a relação J
, faça essa demonstração
CMV
como exercício). Dessa maneira:
Observe, porém, que
Wi o f
1
(PPVV PPVf Vf ).
J 1 i i
(4.30)
Analisando-se as equações (4.29) e (4.30), vemos que se o processo adiabático for uma expansão a temperatura do gás diminui
( T f Ti o Pf V f PV
i i ), resultando num trabalho positivo, que por
sua vez diminui a energia interna do gás. No caso de uma compres-
119
são ocorre o inverso e o trabalho é negativo. Vemos, portanto, que
esses resultados condizem com as definições iniciais dos sinais do
trabalho a partir da primeira lei da termodinâmica.
3
R , inicialmente a
2
10 atm e 0°C , sofre uma expansão adiabática reversível, como primeiro estágio num processo de liquefação do gás, até atingir a pressão atmosférica. Vamos considerá-lo como sendo um gás ideal. A
partir daí:
Exemplo 5. Um mol de gás Hélio, com CMV
a) Calcule a temperatura final do gás.
b) Calcule o trabalho realizado na expansão.
Solução:
a) Nesse processo, todas as três variáveis termodinâmicas variam
(P, V e T). Assim, para determinar a temperatura final precisamos inicialmente calcular os volumes inicial e final. Para isso, vamos recorrer à equação de estado dos gases ideais (PV nRT )
lembrando que 10 atm 1, 013 u106 N/m 2 e 0°C 273K , logo:
nRTi
Pi
Vi
(1mol) (8,31 J/mol ˜ K) (273K)
1, 013 u106 N/m 2
2,2 u103 m3
2, 2 litros.
3
Sendo CMV
R e usando a equação 4.21, obtemos que
2
5
CMP 5
. Dessa forma, podemos
CMP
R e, portanto, que J
2
CMV 3
utilizar a equação 4.27 para encontrar o volume final:
Pf V f J
J
5
2
5/3
PV
i i o (1, 013 u 10 N/m ) V f
Vf
(1, 013 u106 N/m 2 ) (2, 2 u103 m3 )5/3
(10)3/5 (2, 2 u103 m3 ) 8, 75 u103 m3
8, 75 litros.
Agora podemos utilizar novamente a equação de estado dos gases
ideais para achar a temperatura do estado final,
Tf
Pf V f
nR
(1, 013 u105 N / m 2 )(8, 75 u103 m3 )
107 K
(1mol )(8,31J / mol.K )
b) Numa expansão adiabática temos que
Usando a equação 4.29 temos que:
1660 C.
, ou seja,
.
120
(1, 013 u105 N/m 2 ) (8, 75 u103 m3 )
107 K
(1mol) (8,31 J/mol ˜ K)
Pf V f
Tf
nR
Wi o f
166°C.
2.069 J .
7
, à pressão de 1,0 atm
5
e temperatura de 27°C , é comprimido adiabaticamente até o volume de 0,5 litro e depois resfriado a volume constante até voltar à
pressão inicial. Finalmente, por expansão isobárica, volta ao estado
inicial. Considere como sendo um gás ideal. A partir daí:
Exemplo 6. 1,0 litro de H 2 , para o qual J
a) Represente o processo no plano PV , indicando P (atm) ,
V (litro) e T (K) para cada vértice do diagrama.
b) Calcule o trabalho total realizado.
Solução:
a) Inicialmente, precisamos identificar os vértices A , B e C do diagrama a partir dos dados que já constam no problema. Assim:
฀ Em A : VA 1,0 litro , PA 1,0 atm e TA
฀ Em B : VB
0,5 litro , PB
? e TB
฀ Em C : VC
0,5 litro , PC
1,0 atm e TC
27°C 300 K ;
?;
?.
Além disso, é importante identificar os processos que levam os valores de um vértice para outro:
฀ A o B : compressão adiabática;
฀ B o C : resfriamento a volume constante (isocórico);
฀ C o A : expansão a pressão constante (isobárico).
Agora podemos começar a calcular os valores que faltam.
No processo A o B usamos a equação 4.27 para encontrar PB :
PBVB J
PB
PAVA J o PB (0,5 u103 m3 )7/5
(2)7/5 (1, 013 u105 N/m 2 )
(1, 013 u105 N/m 2 ) (1, 0 u103 m3 )7/5
2, 67 u105 N/m 2
2, 64 atm.
Para encontrar TB , podemos utilizar a equação 4.16:
121
PBVB
TB
TB
PAVA
o TB
TA
(300 K)
TA
PBVB
PAVA
(0,5 litro) (2,64 atm)
(1,0 litro) (1,0 atm)
396 K.
A única variável que ainda falta calcular é TC e, como o processo
B o C ocorre a volume constante, então podemos utilizar a seguinte relação:
P
T
TC
TB
PC
PB
cte o
PC
TC
PB
TB
§ 1,0 atm ·
(396 K) ¨
¸ 150 K.
© 2,64 atm ¹
O diagrama PV desse processo está representado na figura 4.7:
P (atm)
2,64
1,0
B
TB = 396 K
C
A
TA = 300 K
TC = 150 K
0,5
1,0
V (litros)
Figura 4.7 – Figura relativa ao exemplo 6.
b) O trabalho total é igual à soma dos trabalhos em cada uma das
etapas: Wtotal WAo B WB oC WC o A .
Na etapa A o B , trata-se de um trabalho adiabático, portanto podemos utilizar tanto a equação 4.29 como a equação 4.30. Vamos
usar aqui a primeira opção e fica a sugestão para você conferir o
resultado com a outra equação. Assim:
W Ao B
nCMV (TA TB )
O número de moles pode ser determinado através da equação de esPAVA
tado dos gases ideais, em que n
. Além disso, vimos que para
RTA
122
J
7
o CMV
5
W Ao B
5
R . Logo:
2
5 § PAVA ·
¨
¸ (TA TB )
2 © TA ¹
5 § (1, 013 u105 N/m 2 ) (1, 0 u103 m3 ) ·
¨
¸ (96 K)
2©
300 K
¹
O trabalho na etapa B o C é nulo, WB oC
varia.
0 , porque o volume não
Na etapa C o A , a pressão é constante, então utilizamos simplesmente a equação:
WC o A
P (VA VC )
(1, 013 u105 N/m 2 ) (0,5 u103 m3 ) 50, 6 J.
Finalmente, o trabalho total é dado por:
Wtotal
WAo B WC o A
81J 50, 6 J
30, 4 J.
Observe que o trabalho total é negativo, isso condiz com o fato de
ser um processo cíclico no sentido anti-horário, como discutido anteriormente.
Resumo
A primeira lei da termodinâmica está relacionada com o princípio
de conservação da energia interna de um sistema, e pode ser enunciada da seguinte forma: “A variação da energia interna de um sistema termodinâmico depende da realização de trabalho e da transferência de calor entre o sistema e sua vizinhança”.
A expressão matemática que identifica a primeira lei é:
'U
Q Wi o f ,
onde se adota a seguinte convenção de sinais:
r Q ! 0 , quando for transferido calor ao sistema, contribuindo
para o aumento de U ;
r Q 0 , quando for retirado calor do sistema, contribuindo para
a diminuição de U ;
r Wi o f ! 0, quando o sistema realiza trabalho, contribuindo para
a diminuição de U ;
81J.
123
r Wi o f 0 , quando é realizado trabalho sobre o sistema, contribuindo para o aumento de U .
O caminho percorrido pelo sistema entre um estado inicial e final só
é conhecido se o processo termodinâmico for reversível, para isso,
ele deve necessariamente ocorrer de forma quase estática. Essa condição é essencial para permitir o cálculo do trabalho realizado e o
calor transferido em um sistema.
Processos termodinâmicos:
a) Adiabático: o sistema não troca calor com o ambiente, Q 0 ;
b) Isocórico: o volume permanece constante e, em geral, Wi o f
0;
c) Isobárico: a pressão permanece constante;
d) Isotérmico: a temperatura permanece constante;
e) Cíclico: o sistema retorna ao estado inicial, 'U ciclo
0.
A equação de estado dos gases ideais é dada por:
PV
nRT ,
onde R 8,314 J/mol ˜ K é a constante universal dos gases ideais e n
é o número de moles.
A energia interna de um gás ideal depende apenas da temperatura:
U U (T ) .
Exercícios
1) Considere uma expansão isobárica de um gás com P1 3,0 atm ,
de V1 1,0 litro até V2 3,0 litros . Na sequência, considere o
gás sendo resfriado a volume constante até P1 2, 0 atm . A
variação da energia interna total é de 456 J . Utilize a relação
1 atm ˜ litro 101,3 J . A partir daí:
a) Ilustre o diagrama PV destes processos.
b) Qual o calor transferido durante o processo total?
Resposta: b) Q 1064 J .
124
2) Um litro de água, ao vaporizar-se a 100°C numa panela aberta, produz 1, 671m3 de vapor d’água. O calor latente de vaporização da água é igual a 2, 26 u106 J/Kg . Lembre-se que
1,0 atm 1, 013 u105 Pa . Sendo assim:
a) Determine o trabalho realizado no processo de vaporização.
b) Qual a variação da energia interna nesse processo?
Resposta: a) Wvapor
b) 'U
1, 69 u105 J ;
20,9 u105 J .
3) De acordo com o diagrama da figura 4.7 a seguir, um fluido pode passar do estado inicial ( i ) ao estado final ( f ) por
dois caminhos: ( iaf ) e ( ibf ). A diferença de energia interna é
'U U f U i 50 J . O trabalho realizado pelo sistema ao ir de
i o f pelo caminho ibf é de 100 J , e o trabalho realizado pelo
sistema no ciclo completo ( iafbi ) é de 200 J .
P
Pf
a
f
c
Pi
b
i
Vi
Vf
V
Figura 4.8 – Diagrama do Problema 3.
A partir desses dados, determine:
a) Qibf ;
b) Wa o f ;
c) Qiaf ; e
d) se o sistema regressar de f o i seguindo a diagonal pelo
caminho fci , encontre W fci e Q fci .
Resposta: a) 150 J ;
b) 300 J ;
125
c) 350 J ; e
d) W fci
200 J e Q fci
250 J .
4) O diagrama PV da figura 4.8 a seguir indica uma série de processos termodinâmicos. No processo ab, 150 J de calor são fornecidos ao sistema; no processo bd, 600 J de calor são fornecidos ao sistema e no processo ac a energia interna do sistema
não variou. A partir desses dados, complete a tabela 4.3.
P (Pa)
8,0.104
b
d
3,0.104
a
c
2,0.10−3
5,0.10−3 V (m−3)
Figura 4.9 – Diagrama do Problema 4.
Etapa
Q(J)
W(J)
Etapa
Q(J)
W(J)
ab
150
0
150
bd
600
240
360
abd
750
240
510
ac
90
90
0
cd
510
0
510
acd
600
90
510
ab
bd
abd
ac
cd
acd
Resposta:
126
5) Um litro de nitrogênio gasoso a 40°C e sob pressão de 3,0 cmHg
expande-se até atingir um volume de 2,0 litros sob pressão de
4,0 cmHg . Considere o sistema como sendo um gás ideal e determine:
a) A quantidade de nitrogênio expressa em moles;
b) A temperatura final do sistema.
Resposta:
a) n 1,5 u103 moles ;
b) T f
834, 7 K .
6) Um cilindro com um pistão submetido à pressão atmosférica
contém 1,0 litro de ar a 27°C . Considere o ar como um gás ideal com CMV 20,8 J/mol ˜ K e J 1, 40 . Dessa maneira, calcule:
a) Qual a pressão e a temperatura final do ar se ele sofrer uma
1
compressão adiabática e seu volume for reduzido a
do
15
volume inicial?
b) Qual é o trabalho realizado pelo ar nesse processo?
Resposta:
a) Pf
b) Wi o f
44 atm e T f
613°C ;
494 J .
3
R descre2
ve o ciclo no plano PT, representado na figura 4.9 a seguir. Sendo assim:
P (atm)
a) Determine P em atm e V em litros nos pontos A ,
A
B e C e desenhe o plano PV desse processo.
Pi
7) Considere que 0,1mol de um gás ideal com CMV
b) Calcule Q e W e 'U para as etapas AB , BC , CA
e ABCA .
1,0
C
B
300
600
T (k)
Figura 4.10 – Diagrama do Problema 7.
127
Resposta:
a) PA PC
VB VC
2,0 atm , PB
2, 46 litros ;
1,0 atm e VA 1, 23 litros ,
b) Valores obtidos:
Etapa
Q(J)
W(J)
AB
173
173
0
BC
374
0
374
CA
-623
-249
-374
ABCA
-76
-76
0
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de física básica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1997. v. 2.
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São
Paulo: Addison Wesley, 2003.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D. Física. Rio de Janeiro: LTC, 2006. v. 2.
TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2007. v. 1.
Bibliografia complementar comentada
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São
Paulo: Addison Wesley, 2003.
Você pode obter mais detalhes sobre sistemas termodinâmicos na seção
17.2 Sistemas termodinâmicos.
KUHN, Thomas S. A tensão essencial. Lisboa: Edições 70, 1989.
Uma leitura bastante interessante sobre a descoberta da primeira lei da
termodinâmica se encontra no capítulo 4 A conservação da energia, como
exemplo de descoberta simultânea.
128
RESNICK, R.; HALLIDAY, D. Física. Rio de Janeiro: LTC, 2006. v. 2.
Existe uma discussão interessante sobre a relação entre calor e trabalho na
primeira lei da termodinâmica, na seção 22.6 Calor e trabalho.
Para saber mais sobre gases ideais, sugerimos a leitura do Capítulo 23
“Teoria cinética dos gases I, seção 23.1 e 23.2”.
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de Física Básica. São Paulo:
Editora Edgard Blücher LTDA, 1997. v. 2.
Para saber mais sobre processos reversíveis, sugerimos a leitura da seção
8.6 Processos reversíveis.
Capítulo 5
Teoria Cinética dos Gases
Capítulo 5
Teoria Cinética dos Gases
Ao final deste Capítulo você deve ser capaz de relacionar
grandezas termodinâmicas, como pressão e temperatura,
com médias de propriedades moleculares. Além disso, deve
ser capaz de discutir a primeira aproximação mais sofisticada que o gás ideal, o chamado gás de Van der Waals.
5.1 Introdução
Mecânica Estatística
É uma teoria fundamental
em Física e que procura
prever o comportamento
macroscópico de sistemas
físicos a partir de métodos
estatísticos aplicados aos
constituintes microscópicos
desses sistemas.
Nos dois Capítulos anteriores, estudamos a Termodinâmica, que
tem como objeto de estudo corpos macroscópicos, sem preocupação
com aspectos ou detalhes microscópicos. Foi possível, então, estabelecer várias relações entre grandezas termodinâmicas, as quais devem ser respeitadas por quaisquer sistemas físicos macroscópicos.
Neste Capítulo, iremos discutir a primeira tentativa de conectar as
grandezas termodinâmicas, estudadas anteriormente, com médias
obtidas em nível microscópico. Essa é a primeira estratégia para ligar os mundos macroscópico e microscópico. Uma segunda teoria,
a Mecânica Estatística, será vista apenas de forma introdutória, mais
adiante no curso.
Iremos ver que a pressão está relacionada à média da velocidade ao
quadrado das partículas e que a temperatura está ligada à energia
cinética média de um gás ideal. Discutiremos, então, a energia interna de um gás ideal e, depois, estudaremos a primeira aproximação
mais sofisticada que o gás ideal, o fluido de Van der Waals.
5.2 Modelo de gás ideal
Iremos agora, pela primeira vez, recorrer a modelos microscópicos
para estudar sistemas termodinâmicos. Como em todas as áreas da
Física, a ideia inicial ao se modelar um sistema é reter os ingredientes físicos fundamentais deste, de tal forma que o modelo possa ser
132
matematicamente estudado e ainda descreva bem o que acontece
na experiência.
Um gás em um determinado volume, mesmo que em equilíbrio, é
um sistema bastante complexo. O estudo desse sistema através da
Mecânica Newtoniana é impossível, do ponto de vista prático e matemático, e indesejável, do ponto de vista físico. Mesmo que soubéssemos todas as posições e velocidades das partículas em cada instante, esses dados dariam pouquíssima (ou nenhuma) informação
sobre o comportamento do sistema. No entanto, usaremos o fato do
número de partículas do gás ser muito grande para relacionar grandezas macroscópicas com médias de grandezas microscópicas.
Exemplo 1. Considere aproximadamente um mol de um gás, ou
seja, da ordem de 6 u1023 moléculas. Calcule o espaço, em gigabytes,
necessário para guardar as posições e velocidades iniciais desse
sistema em três dimensões. Quantos computadores seriam necessários para armazenar essas grandezas, para todas as moléculas?
Faça suposições sobre o tamanho típico de discos rígidos modernos
e calcule o número de computadores necessários por habitante da
Terra. Comente.
Solução: Para cada partícula, há seis grandezas a serem guardadas,
três componentes da posição e três componentes da velocidade. Assim, o número total de grandezas a ser guardada é 6 u 6 u1023 1024 ,
onde o sinal significa que iremos nos preocupar apenas com ordens de grandeza. Suponhamos agora que cada grandeza ocupe 4
bytes em um computador (esse é o espaço ocupado por um número
real de precisão simples na linguagem Fortran). Assim, são necessários 4 u1024 1024 bytes para armazenar essa informação. Vamos
supor que cada computador tenha um disco rígido de 200 Gigabytes
200 u109 bytes 1011 bytes. Assim, supondo que cada computador tenha um disco rígido apenas, são necessários 1024 /1011 1013
computadores. Supondo que a população da Terra seja da ordem de
1010 humanos, serão necessários 1.000 computadores por habitante
da Terra apenas para guardar as posições e velocidades iniciais de
um mol de um gás. Nossa estimativa está subestimada e ainda teríamos que usar mais computadores caso fosse necessário guardar
grandezas ligadas à estrutura interna das moléculas. Assim, vemos
que, tecnicamente, esse caminho é inviável. Por outro lado, as restri-
Bytes
Em se tratando de computadores, a informação é
guardada em unidades fundamentais chamadas bits, e
cada bit assume o valor 0
ou 1. Um byte são 8 bits, ou
seja, uma sequência de 8 zeros ou uns.
133
ções de ordem matemática (resolver a segunda Lei de Newton para
essas 6 u1023 moléculas é virtualmente irrealizável, pois as equações
são acopladas, isto é, as grandezas para uma molécula dependem de
grandezas de muitas outras) e física (que informação útil teríamos
por saber a posição e velocidade de todas essas moléculas?) são ainda
mais importantes.
Para simplificar esse panorama, vamos introduzir o modelo microscópico de gás ideal, consistente com o comportamento desse tipo de
gás (discutido no Capítulo 4). Esse modelo está baseado nas seguintes hipóteses:
1) O gás é constituído de partículas. Estas podem ter estrutura
interna (serem, por exemplo, moléculas) ou não; essa característica não será relevante em nosso tratamento (veja item 6
abaixo);
2) As moléculas seguem um movimento desordenado, colidindo
eventualmente umas com as outras e com as paredes do recipiente. Vamos supor que esse movimento seja bem descrito
pela Mecânica Newtoniana;
3) Para que as médias descrevam bem o comportamento das partículas, vamos supor que o número destas seja muito grande
(lembre-se que uma média só descreve apropriadamente o
comportamento de um sistema quando o número de eventos
tende a infinito);
4) O volume do recipiente é muito maior que o volume ocupado
por todas as partículas;
5) Devido ao item anterior, é razoável supor que as interações
entre as partículas não sejam relevantes, a não ser quando elas
colidem umas com as outras. Em outras palavras, vamos supor
que as interações moleculares tenham alcance da ordem do tamanho molecular. Como as partículas, em média, estão muito
afastadas umas das outras (veja item 4), as interações só serão
relevantes quando elas colidirem;
6) As colisões têm duração desprezível e são, em média, elásticas.
Quando as partículas colidem, a energia cinética destas pode
ser transformada em energia interna. Suponhamos, entretanto,
que essa energia interna rapidamente se transforme de volta
134
em energia cinética, de modo que esta se conserve, em média,
ao longo do tempo. Em nossos cálculos, vamos usar a aproximação de que cada colisão individualmente seja elástica. Essa
suposição simplifica os cálculos e não modifica o resultado em
relação à situação mais realista discutida anteriormente.
5.3 Pressão
Vamos relacionar a pressão a grandezas médias microscópicas. Pressão é força por unidade de área; por outro lado, força é variação de
momento linear por unidade de tempo. Para simplificar nossos cálculos, vamos supor um recipiente cúbico de lado L , que a força sofrida por uma molécula ao colidir com uma parede tenha direção perpendicular a esta e apenas inverta o valor do momento linear nessa
direção. Assim, uma colisão com a parede em x L (veja figura 5.1
a seguir) muda a componente x do momento linear da partícula, invertendo-o. Dessa forma, a variação do momento linear na direção x
é dada por 'px mvx mvx 2mvx , que é o momento final menos o
momento inicial. Pela terceira Lei de Newton, a variação do momento linear da parede será então 2mvx . Justifique essa afirmação.
y
L
v
v’
L
x
L
z
Figura 5.1 – Recipiente cúbico onde se encontra o gás. É mostrada apenas uma
partícula e sua colisão com a parede em x = L. Depois dessa colisão a componente x
da velocidade da partícula é invertida mas as componentes y e z se mantêm inalteraG
G
das. Assim, v ' difere de v apenas na componente x, a qual muda de sinal na colisão.
É suposto que todas as colisões com as paredes tenham a característica de apenas
inverter a componente da velocidade na direção perpendicular à parede.
Momento linear p é definido como o produto
da massa m da partícula pela sua velocidade v:
p = mv.
135
Decidimos representar
densidade de partículas
por n e reservar a letra
U para densidade de
massa.
Vamos agora calcular a transferência média de momento para a parede, devido às colisões de várias partículas. Nem todas as partículas
que colidem com a parede têm a mesma velocidade; por praticidade,
vamos supor que há partículas por unidade de volume com veloG
G
cidade v1 , n2 partículas por unidade de volume com velocidade v2 ,
e assim por diante. O número total de partículas por unidade de volume ( n ) é dado por n n1 n2 ... nn . Em um intervalo de tempo
dt , as partículas que colidirão com uma superfície 'S (veja a figura
5.2 a seguir) na parede da direita, por exemplo, serão aquelas que
G
estiverem em um cilindro de base 'S e geratriz v1dt (isso porque
G
apenas partículas com velocidade v1 que estejam dentro desse cilindro irão alcançar a parede na superfície 'S após um intervalo de
tempo dt . Assim, o número total de partículas com essa velocidade
que colidem com a parede é dado pelo número de partículas por
unidade de volume vezes o volume do cilindro apresentado pela
figura 5.2, ou seja:
'n1
n1v1x 'Sdt.
(5.1)
Note que 'ni é o número de partículas, enquanto ni representa densidade de partículas, ou seja, número de partículas por unidade de volume.
Cada uma dessas partículas transferirá um momento 'px 2mvx
para a parede. Assim, o momento total transferido por todas as partículas no cilindro em questão será de:
dp1x
'n1'p1x
2mn1v12x 'Sdt.
(5.2)
A força feita por essas partículas é a transferência de momento por
unidade de tempo:
'F1x
dp1x
dt
2mn1v12x 'S .
(5.3)
Dessa forma, a contribuição dessas partículas para a pressão P1 é
dada por:
'F1x
P1
2mn1v12x .
(5.4)
'S
Aqui cabe uma observação importante: ao fazermos os cálculos das
equações 5.1, 5.2, 5.3 e 5.4, usamos apenas o módulo da velocidade,
portanto entrarão em nossa conta partículas com velocidade orien-
136
tada para a direita, que irão efetivamente colidir com a parede, e
também partículas com velocidade orientada para a esquerda, as
quais não irão colidir com a parede e não contribuirão para a pressão. Supondo que o número de partículas que tenha velocidade Vx
para a direita seja o mesmo que o número de partículas que tenha
velocidade Vx para a esquerda (ou seja, que a distribuição de velocidades seja isotrópica), tomamos como resultado final para P1 metade do valor expresso pela equação 5.4:
P1
mn1v12x .
(5.5)
G
Figura 5.2 – Cilindro definido pela base 'S e pela geratriz v1't . As partículas
G
com velocidade v1 e que estiverem dentro desse cilindro colidirão
com a parede do recipiente em um intervalo de tempo 't .
G G
Levando em consideração partículas com outras velocidades ( v2 , v3
etc.), a pressão total será:
P
m¦ ni vix2 ,
(5.6)
i
onde ni é o número de partículas por unidade de volume com veG
locidade vi e vix a componente x dessa velocidade. O somatório é
feito sobre todas as possíveis velocidades. Note que o valor médio
de vx2 , vx2 , é dado por:
vx2
n1v12x n2v22x n3v32x ....
n1 n2 n3 ...
¦n v
2
i ix
i
n
.
(5.7)
137
No entanto, o numerador do lado direito da equação 5.7 é exatamente igual ao somatório apresentado na equação 5.6. Assim, adotando
¦ nivix2 n vx2 obtemos:
i
P
nm vx2 .
(5.8)
A velocidade ao quadrado ( v 2 ), porém, é dada por v 2 vx2 v y2 vz2 ,
e como a média de uma soma é a soma das médias, obtemos:
v2
vx2 v y2 vz2
3 vx2 . Para a última igualdade nessa equa-
ção, supomos que todas as direções no recipiente sejam equivalentes, ou seja, vx2
v y2
vz2
(desprezamos aqui efeitos gravitacio-
nais). Note que essa igualdade só é verdadeira em média! A equação
5.8 pode então ser reescrita como:
P
1
nm v 2 .
3
(5.9)
Como adiantado na introdução, relacionamos uma grandeza termodinâmica (a pressão P) à média da velocidade ao quadrado das partículas do gás, esta uma grandeza microscópica. Como n é o número
de partículas por unidade de volume e m a massa de cada partícula,
nm é a massa do gás por unidade de volume, ou seja, sua densidade
U. Escrevemos então:
P
1
U v2
3
1 Mt 2
v
3 V
2 EC
,
3 V
(5.10)
onde M t é a massa total do gás, V seu volume e EC
M t v2 2 a
sua energia cinética média total. Assim, a pressão de um gás é 2 3
da densidade de energia cinética média total de suas partículas.
Exemplo 2. Note que, a partir da equação 5.10, podemos calcular a
¢v 2 ² ) das moléculas de um
velocidade média quadrática ( vrms
gás a partir de valores medidos de sua pressão e densidade, atra¢v 2 ² =
vés de vrms
. Para o oxigênio, nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP), em que T 273K , P 1atm
1, 01u105 N/m 2 , sua densidade é U 1, 43Kg/m3 . A sua velocidade
média quadrática é então dada por 461m/s . A velocidade quadrática
138
média de diferentes gases é da mesma ordem de grandeza da velocidade do som neles. Discuta com colegas o porquê desse resultado.
5.4 Temperatura:
interpretação cinética
Vamos agora interpretar a temperatura em termos de grandezas microscópicas. Multiplicando a equação 5.10 pelo volume V do gás,
obtemos:
PV = U V ¢v 2 ² / 3 .
(5.11)
No entanto, pela equação de estado do gás ideal temos que
PV nRT Nk BT , onde n é o número de moles, R a constante dos
gases, N o número de partículas, k B a constante de Boltzmann e T a
temperatura. Além disso, rUV é a massa total do gás, e pode ser escrita
como nM ou Nm , onde M é a massa molar do gás e m a massa de
cada partícula. Aplicando essas considerações à equação 5.11, temos:
Nk BT
1
Nm¢v 2 ² .
3
(5.12)
A partir daí, podemos reescrever a equação 5.12 como:
1
m¢ v 2 ²
2
3
k BT .
2
(5.13)
Essa expressão pode ainda ser reescrita como (faça os cálculos necessários):
1
3
M ¢v 2 ²
RT .
(5.14)
2
2
considerando-se R k B N A , onde R é a constante dos gases e
N A 6, 02 u1023 mol1 como sendo o número de Avogadro.
Vemos então que a temperatura, uma grandeza termodinâmica, está
associada à energia cinética média de uma molécula (ou, de forma
equivalente, de um mol da substância), a qual é uma grandeza microscópica.
O modelo microscópico de um gás ideal supõe que não haja interação
entre as partículas, de modo que a energia interna do gás é apenas a
soma das energias cinéticas de cada partícula. Como a energia cinética
139
está ligada apenas à temperatura do gás (veja a equação 5.14), obtemos
o resultado já conhecido de que a energia interna de um gás ideal depende apenas de sua temperatura. Acompanhe a tabela 5.1 a seguir.
Gás
Energia cinética de translação
)
média por mol (
Hidrogênio
3.720
Hélio
3.750
Nitrogênio
3.740
Oxigênio
3.730
Dióxido de Carbono
3.730
Tabela 5.1 – Alguns gases, suas respectivas energias cinéticas de
translação médias por mol a T 300 K .
Exemplo 3. Calcule a energia cinética de translação média de acordo
com a Teoria Cinética dos Gases e compare com os dados da Tabela
5.1. Comente.
Solução: De acordo com a equação 5.14, essa energia média é dada,
para o gás ideal, por:
T
3
˜ 8,31(J/mol ˜ K) ˜ 300 (K) 3739,5 J/mol.
2
Comparando o resultado com os dados da Tabela 5.1, vemos que os
valores da tabela estão bem próximos da previsão teórica da equação. A maior discrepância é de 0,5% para o Hidrogênio. O desacordo
pode ser entendido como uma medida de quanto o gás se desvia do
comportamento ideal. Na próxima Seção, iremos um passo adiante da
aproximação de gás ideal.
5.5 Fluido de Van der Waals
Vamos agora estudar um modelo proposto pelo físico Johannes Diderik Van der Waals em 1873 para estudar fluidos em circunstâncias
tais que a equação de estado de gases ideais não os descrevia adequadamente. Para isso, partiremos desta equação de estado e introduziremos os efeitos de interação entre as partículas do fluido.
140
Em nosso modelo de gás ideal, fizemos a suposição que as partículas do gás interagem apenas durante o curtíssimo espaço de tempo
de uma colisão. Em situações gerais, essa aproximação não descreve
bem o sistema. Assim, por exemplo, o modelo de gás ideal não prevê
a transição de fase da água: esta passa de vapor a líquido, quando se
abaixa a temperatura a 373,16 K na pressão de 1 atm . Na verdade, a
aproximação de gás ideal não prevê transição de fase alguma.
Para construir um modelo mais realista, vamos levar em conta, pelo
menos de forma aproximada, a interação entre as moléculas. Essa
interação tem a energia potencial, entre duas moléculas, U (r ) , representada por (a) na figura 5.3, onde r é a distância entre as partículas (talvez seja uma boa hora de relembrar o que foi visto em Física Básica B sobre energia potencial). A força entre essas moléculas
é dada por F (r ) dU / dr e está representada por (b) na figura 5.3.
Podemos, simplificadamente, supor que os ingredientes básicos são
uma forte repulsão ( F ! 0) a curta distância (r r0 ) e uma atração
( F 0) não tão forte a distância média (r ! r0 ) mas não muito grande). A longas distâncias (r r0 ) , a interação é desprezível.
V(r)
F(r)
r0
r0
r
r
A
B
Figura 5.3 – (a) Energia potencial entre duas moléculas de um fluido, em função da distância
entre as moléculas, representando uma forte repulsão de curto alcance e uma atração a
médio alcance; (b) Força derivada da energia potencial representada por (a) na figura 5.3.
Assim, nosso modelo irá incorporar essa repulsão a curtas distâncias (a) e a atração a médias distâncias (b) da seguinte forma:
a) No modelo de gás ideal, o volume acessível ao gás é todo o
volume do recipiente. Agora tratemos as moléculas como bolas
de bilhar e, então, suponhamos que seus centros não podem se
aproximar mais que o “diâmetro” da molécula. Assim, cada
molécula cria em torno de si um volume excluído, dentro do
141
qual nenhuma outra molécula consegue entrar. Veja a representação desta situação na figura 5.4 a seguir. Essa aproximação é por isso chamada de aproximação de bola de bilhar ou aproximação de caroço duro.
R
2R
Figura 5.4 – A molécula da esquerda cria um volume excluído ao seu redor,
e a distância entre seu centro e o da molécula à direita não pode ser menor
que 2R, onde R é o “raio” da molécula.
Assim, na equação de estado do gás ideal, substituímos V por
V bN , onde b é uma constante dependente da geometria da
molécula e N o número de moléculas do gás. Note: supomos
que o volume excluído é proporcional ao número de moléculas, o que é razoável. Assim, temos a equação:
P(
p V bN )
Nk BT ;
(5.15)
b) Vamos incluir a atração a médias distâncias no cálculo da
pressão. Como vimos na Seção 5.2, essa grandeza está ligada
à taxa de transferência de momento linear para as paredes.
O momento linear é proporcional à velocidade da partícula;
assim, quanto maior essa velocidade, maior o momento a ser
transferido à parede e maior a pressão. Quando as partículas
se atraem, a médias distâncias, uma partícula que irá se chocar
com a parede direita do recipiente (veja a figura 5.5 a seguir)
será atraída, em média, para o lado esquerdo, visto que a maioria das outras moléculas estará à esquerda da partícula. Assim,
a componente de sua velocidade perpendicular à parede será
menor que no caso de não haver interação (a partícula é freada
por essas interações) e seu momento será consequentemente
menor. Logo, a transferência de momento será menor que no
caso do gás ideal e a pressão será também diminuída.
142
Essa diminuição está ligada à interação atrativa entre pares de
moléculas e é proporcional ao quadrado da densidade de partículas ( N / V ) 2 pela seguinte razão: a força sobre cada molécula
que irá bater numa parede do recipiente é proporcional à densidade de partículas (quanto maior a densidade, maior a força
que a partícula sentirá, nesse caso para a esquerda).
Assim, a variação de momento devida a uma partícula será proporcional a essa força, a qual é proporcional à densidade, mas
a variação total de momento transferido à parede é proporcional ao número de partículas que colidem com esta, e essa
grandeza também é proporcional à densidade. Dessa forma,
esses dois efeitos levam a uma dependência com a densidade
ao quadrado. Isolando a pressão na equação 5.15, obtemos:
p
P
Nk BT
.,
(V bN )
Essa seria a pressão caso não houvesse as interações atrativas.
Como discutido até aqui, essas interações diminuem a pressão, com uma contribuição proporcional a ( N / V ) 2 . Chamando essa constante de proporcionalidade de a , temos então a
equação:
2
P
p
Nk BT
§N·
a¨ ¸ .
(V bN )
©V ¹
(5.16)
v
F
Figura 5.5 – A molécula mais à direita é atraída pelas moléculas à sua esquerda e,
devido a essa atração, deixa de colidir com a parede à direita ou colide com ela em
velocidade menor (em relação àquela com que colidiria caso não houvesse a atração).
Em ambos os casos, a transferência de momento para a parede seria menor,
diminuindo, portanto, a pressão do gás.
143
Usualmente, a equação 5.16 é escrita nesta forma:
§
N2 ·
P
a
¨
¸ (V bN )
V2 ¹
©
(5.17)
Nk BT
ou, de forma equivalente:
a·
§
¨ P 2 ¸ (v b )
v ¹
©
k BT
(5.18)
onde v é o volume por partícula.
As isotermas (T constante) correspondentes a essa equação estão
representadas na figura 5.6 a seguir. Para T Tc e P < Pc , há três soluções para v. Isso é esperado, pois a equação de Van der Waals é de
3º grau em v. De fato, multiplicando a equação 5.18 por v², obtemos:
(5.19)
ou seja:
Pv 3 (k BT bP )v 2 av ab
0.
(5.20)
À medida que T aumenta, as três soluções em v se aproximam e
eventualmente se tornam uma só. Esse é o ponto crítico C: sua temperatura é chamada de temperatura crítica (Tc) e sua pressão é chamada
de pressão crítica (Pc). Para valores de P acima de Pc ou T acima de Tc,
duas das soluções para v se tornam pares complexos conjugados e
apenas uma, entre as três soluções matemáticas, tem sentido físico.
Assim, para esses intervalos de P e T há apenas uma solução, como
mostrado na figura 5.6 a seguir. Note que, para T Tc , a curva é a
P u v dada pela equação de estado do gás ideal, P k BT / v .
144
P
Pc
C
T >> Tc
T > Tc
T = Tc
T < Tc
vc
v
Figura 5.6 – Isotermas obtidas a partir da equação de Van der Waals. Para T < Tc e para certos valores da pressão P há três soluções fisicamente aceitáveis para o volume v por partícula. Exatamente em T = Tc, as três soluções possíveis se transformam em uma só, que é
uma raiz tripla em v da equação de Van der Waals. Para T > Tc, há apenas uma solução
com sentido físico (as outras duas são um par complexo conjugado) e,
para T >> Tc, a curva obtida é a de um gás ideal.
Sempre que diminuímos a pressão, para T Tc , o fluido sofre uma
transição de fase dita de primeira ordem, passando de líquido a gasoso. Essa transição desaparece para T ! Tc e, exatamente em T Tc ,
a transição tem um caráter especial que a difere daquela de primeira
ordem.
Resumo
Neste Capítulo introduzimos os primeiros modelos microscópicos
para o estudo de fluidos: o modelo de gás ideal e o modelo de Van
der Waals. O primeiro modelo descreve os gases como compostos
de um número de partículas muito grande, ocupando um volume
bem menor que o volume do recipiente e com interação desprezível
entre as partículas. O segundo modelo leva em consideração alguns
aspectos importantes dos gases quando estes não satisfazem a condição de gás ideal.
145
Questões
1) Quando se abre um frasco de perfume em um canto de uma
sala, o cheiro do perfume demora um certo tempo para chegar
à outra extremidade. Como você explica esse fato, se as velocidades médias quadráticas nos gases são da ordem de centenas
ou milhares de metros por segundo?
2) A velocidade de escape ( ve ) de uma partícula na superfície
de um planeta é a velocidade mínima que permite à partícula escapar da atração gravitacional desse planeta (releia essa
parte da disciplina Física Básica B). Essa velocidade é dada
2GM R , onde G é a constante gravitacional, M é
por ve
a massa e R o raio do planeta. Pesquise esses valores para a
Terra e a Lua. Depois compare a velocidade de escape nesses
dois planetas com a velocidade quadrática média (ver equação
5.9) para os gases mais comuns na atmosfera da Terra, para as
temperaturas típicas na superfície da Terra e da Lua. Por que
há atmosfera na Terra, mas não na Lua?
3) Um gás cujas moléculas possam ser supostas como pontos
geométricos perfeitos pode respeitar a lei de gás ideal?
4) Mostre que, quanto mais rarefeito o fluido de Van der Waals,
maior o volume molar. Mostre também que, para volumes molares grandes, obtém-se a equação de estado de um gás ideal.
Problemas
1) Suponha a temperatura da atmosfera da Terra constante e
igual a T, e que a variação de pressão com a altura y, na atmos Mgy RT fera da Terra, é dada por P P0 e
, onde P0 é a pressão na
superfície da Terra e M a massa molar do ar. A partir daí, mostre que o número de moléculas por unidade de volume ( nV ) é
dado por nP nP0 e( Mgy RT ) , onde nV 0 é o número de moléculas
por unidade de volume na superfície da Terra.
2) A velocidade do som em gases diferentes e à mesma temperatura depende da massa molar dos gases. Mostre que
v1 v2
M 2 M 1 , onde M 1 é a massa molar do gás 1 e M 2 a
146
massa molar do gás 2 (considere o mesmo para as velocidades
v1 e v2 , respectivamente). Discuta como esse fato pode ser usado para separar gases com diferentes massas molares através
de difusão.
3) Mostre que a equação de Van der Waals (ver equação 5.18) pode
ainda ser reescrita, usando o número de moles n ao invés do
número de partículas N , desta maneira:
1·
§
¨ P ã 2 ¸ (v b )
v ¹
©
onde a
a ( N / n) 2 e b
RT
b(b / n) , e v é o volume molar, v { V / n .
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de física básica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1997. v. 2.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D.; KRANE, K. S. Física. Rio de Janeiro:
LTC, 2006. v. 2.
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São
Paulo: Addison Wesley, 2003.
TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2007. v. 1.
Capítulo 6
Segunda Lei da
Termodinâmica e Entropia
Capítulo 6
Segunda Lei da
Termodinâmica e Entropia
Após a leitura e o estudo desse Capítulo você poderá compreender o funcionamento das maquinas térmicas, utilizar
esse conceito na modelagem de motores e refrigeradores
como máquinas térmicas idealizadas e, também, discutir
o conceito de entropia, ligando-o aos enunciados da Segunda Lei da Termodinâmica e ao conceito de “seta do
tempo”.
6.1 Introdução
Como vimos no Capítulo 4, a Primeira Lei da Termodinâmica referese também à conservação de energia, e qualquer processo físico tem
que respeitar essa lei. Entretanto, vários processos não são observados na natureza, apesar de obedecerem à Primeira Lei. Assim, podemos
citar, por exemplo, os seguintes fenômenos:
a) Quando um bloco desliza com atrito sobre um plano inclinado, ele pode eventualmente chegar ao repouso. Sua energia
potencial se transforma em energia cinética, à medida que ele
desce o plano, e esta se transforma em outros tipos de energia,
devido ao atrito. Dentre esses tipos, o mais importante, em
certas situações, é o calor. Assim, a Primeira Lei da Termodinâmica é obedecida e a energia potencial inicial transformase, no final do processo, em energia térmica (vamos desprezar aqui outras formas possíveis nas quais a energia potencial
pode se transformar, como, por exemplo, energia sonora e eletromagnética). No entanto, o que impede o calor gerado pelo
atrito de ser devolvido ao bloco e este subir o plano inclinado
e voltar à posição inicial? A Primeira Lei não proíbe esse processo de acontecer, mas nós certamente estranharíamos se o
bloco subisse espontaneamente o plano. Dessa forma, é criada
150
uma seta do tempo: o processo que ocorre na Natureza, espontaneamente, é aquele no qual o bloco desce o plano inclinado, e
não o inverso.
b) Um frasco de perfume aberto em um canto de uma sala irá
permitir que as moléculas se espalhem pela sala e que, após
algum tempo, uma pessoa no canto oposto ao do frasco sinta
o odor do perfume. Entretanto, você não deve esperar que as
moléculas de perfume se reorganizem e voltem para dentro
do frasco espontaneamente. Da mesma forma, não acontece
de o ar em um auditório, por exemplo, se concentrar espontaneamente em um canto deste e matar a plateia sufocada. Por
mais estranho que esses processos possam parecer, nada na
Mecânica Clássica ou na Mecânica Quântica os proíbe. No
caso do perfume, se, após as moléculas se difundirem pela
sala, invertêssemos exatamente a velocidade de cada molécula
(obviamente, essa é uma experiência imaginária), elas iriam
retornar ao frasco, invertendo exatamente suas trajetórias ao
saírem dele. Mais uma vez, esse comportamento não é observado, apesar de permitido pelas leis físicas que já estudamos.
Assim, podemos classificar como reversíveis as leis físicas fundamentais vistas até agora: elas não distinguem o passado do futuro ou,
em outras palavras, qualquer evento realizado de uma determinada forma pode acontecer exatamente no sentido inverso no tempo.
Como discutimos nos dois exemplos anteriores, porém, a natureza
não se comporta dessa maneira. Um corpo deslizando com atrito
em um plano inclinado, por exemplo, é um processo irreversível. A
forma de compatibilizar as observações com a teoria está contida na
Segunda Lei da Termodinâmica.
Como a maior parte da Termodinâmica, a introdução dessa lei esteve associada a problemas práticos e à generalização de observações
experimentais ligadas a máquinas térmicas. Assim, os enunciados
de Clausius e Kelvin dessa lei estavam ligados ao comportamento
dessas máquinas. Posteriormente, houve a introdução do conceito
de entropia e, depois ainda, uma interpretação microscópica, a qual
não iremos discutir neste texto, pois não é seu objetivo.
151
6.2 Segunda Lei da Termodinâmica:
enunciados de Clausius e Kelvin
O enunciado de Kelvin diz que não é possível a existência de um
moto perpétuo, ou seja, de uma máquina que transforme totalmente
calor em trabalho e retorne o sistema ao estado inicial. Mais formalmente, o enunciado é formulado da seguinte maneira:
É impossível realizar um processo cujo único efeito seja
remover calor de um reservatório térmico e produzir uma
quantidade equivalente de trabalho.
A palavra em negrito no enunciado é importante: único significa
que, após o processo termodinâmico, o sistema voltou a seu estado
inicial e o calor que ele absorveu de uma dada fonte foi totalmente
transformado em trabalho. Um processo no qual o sistema volte a
seu estado inicial é dito cíclico. Note que pode haver uma transformação na qual todo o calor absorvido seja transformado em trabalho mas o sistema não retorna ao estado inicial, no qual se encontrava
antes da transformação. Considere, por exemplo, um recipiente de
paredes diatérmicas (permitem troca de calor) e uma tampa móvel,
com uma certa quantidade de areia sobre essa tampa (veja a figura
6.1 a seguir). A temperatura da substância dentro do recipiente é a
mesma da vizinhança. Se retirarmos bem devagar grãos do monte
de areia que está sobre a tampa, esta irá se mover para cima, pois a
pressão exercida pela tampa e pelo monte de areia irá diminuir. Assim, a substância realizará trabalho, à medida que a tampa se move
para cima. Como a temperatura permanecerá constante, e igual à
da vizinhança, o sistema irá absorver calor dela. Se pudermos aproximar o gás no interior do recipiente por um sistema ideal, sua energia não irá mudar (a energia de um gás ideal depende apenas de
sua temperatura), de modo que a Primeira Lei da Termodinâmica
será escrita como:
'U
0 'Q 'W Ÿ 'Q
'W .
152
Assim, todo o calor absorvido foi utilizado para realizar trabalho. O
processo não viola o enunciado de Kelvin porque o sistema não volta
a seu estado inicial no final da transformação. Ao final do processo,
a pressão do gás diminuiu e seu volume aumentou.
A
B
Figura 6.1 – (a) gás suposto ideal, a pressão P e temperatura T, em contato
térmico e mecânico com a atmosfera, com uma determinada quantidade de
areia sobre sua tampa; (b) quando parte dessa areia é retirada, bem devagar,
o sistema absorve calor da atmosfera e realiza trabalho, elevando sua tampa.
Note que o enunciado de Kelvin proíbe que ocorra espontaneamente o processo inverso de uma expansão livre, ou seja, uma
compressão livre. Na expansão livre em um recipiente adiabático,
não há troca de calor nem realização de trabalho e o volume do
gás aumenta (de Vi para V f , suponha) e sua pressão diminui, permanecendo constante a temperatura (para um gás ideal). Assim,
deveria ocorrer que 'Q 'W 0 descrito também para a suposta
compressão espontânea, de modo que o volume iria de V f a Vi
(onde Vi V f ). Se após essa compressão colocássemos o recipiente em contato com um reservatório térmico a pressão menor
(e igual à pressão antes da compressão) e à mesma temperatura do
sistema (como no parágrafo anterior), poderíamos fazer o sistema
voltar à pressão original e sair do volume Vi e voltar ao volume V f ,
com 'Q 'W z 0 . Assim, teríamos feito um ciclo no qual todo o
calor absorvido teria se transformado em trabalho, o que é proibido pelo enunciado de Kelvin.
Neste Capítulo, iremos representar máquinas térmicas por diagramas. O diagrama de uma máquina térmica que receba calor e o
transforme totalmente em trabalho está desenhado na figura 6.2.
Reservatório térmico é um
sistema físico capaz de manter a temperatura constante, independente de realizar
trocas de calor com outros
sistemas. Um exemplo razoável é nossa geladeira:
ela deve manter constante a
temperatura em seu interior,
independente dos objetos
que nela são colocados.
153
Fonte quente
Q
W
Motor
miraculoso
Figura 6.2 – Diagrama representativo de um moto perpétuo ou motor miraculoso. O motor
absorve uma quantidade de calor Q de um reservatório térmico (chamado de fonte quente) e
o utiliza para realizar trabalho W , com W Q e de tal forma que o motor volte a seu estado
inicial após o processo. Essa máquina é proibida pelo enunciado de Kelvin da segunda lei.
Um outro enunciado possível para a segunda lei é o de Clausius. Ele
proíbe que a condução de calor se dê de um corpo mais frio para
um mais quente sem outro processo envolvido. Explicitamente:
É impossível realizar um processo cujo único efeito seja transferir calor de um corpo mais frio a um corpo mais quente.
De novo, a existência da palavra único é fundamental: ela implica que
estamos falando de um ciclo. Caso a transformação termodinâmica
não seja um ciclo, ela não é proibida pelo enunciado de Clausius. Assim, por exemplo, suponha um recipiente de tampa móvel com um determinado gás e dois corpos: um frio, a temperatura T1, e outro quente,
a temperatura T2 ! T1. Esse gás pode absorver calor (Q ) do corpo mais
frio e realizar trabalho ( W ) em uma expansão isotérmica, pois a
temperatura é constante e igual a T1 (veja o exemplo a na figura 6.3 a
seguir). Em seguida o gás é comprimido adiabaticamente até chegar
à temperatura T2 , sendo realizado um trabalho W1 sobre ele (veja o
exemplo b na figura 6.3). Em uma terceira etapa, o gás é colocado
em contato com o corpo a temperatura T2 e comprimido isotermicamente, sendo realizado um trabalho W2 sobre o gás e transferido
calor Q para o corpo quente (ver exemplo c na figura 6.3). Nada impede que o trabalho total realizado sobre o gás seja nulo (note que,
pela convenção, W é positivo mas W1 e W2 são negativos) e, nesse
caso, foi retirado calor de um corpo mais quente e cedido a um corpo mais frio. O processo não viola o enunciado de Clausius porque
o gás não volta a seu estado inicial no final da transformação: sua
temperatura aumentou de T1 para T2 . O diagrama dessa transfor-
154
mação está representado na figura 6.4 a seguir e modela o comportamento de um refrigerador. O processo não viola o enunciado de
Clausius porque o sistema não volta a seu estado inicial no final da
transformação.
W
W2
W1
gás
gás
T1
Q
T2
Q
B
A
C
Figura 6.3 – Paredes duplas representam paredes adiabáticas neste desenho.
(a) Expansão isotérmica, em contato com um corpo “frio” a temperatura T1 ;
(b) compressão adiabática até a temperatura chegar a T2 ;
(c) compressão isotérmica a temperatura T2 de modo a que o trabalho total seja nulo.
2
= 0
1
Figura 6.4 – Diagrama PV de uma transformação na qual calor é retirado de um corpo
mais frio (temperatura T1 ) e cedido a um corpo mais quente (temperatura T2 ).
O trecho ia corresponde à expansão isotérmica a temperatura T1, o
trecho ab a uma compressão adiabática, levando a temperatura de
T1 a T2, e o trecho bf a uma compressão isotérmica a temperatura T2.
O diagrama é construído de modo que a área hachurada seja igual à
155
área em cinza e o trabalho total seja zero (lembre-se que o trabalho
é a área abaixo da curva P P (V ) no diagrama PV). O estado final
do gás, claramente, é diferente do inicial.
Na figura 6.5 a seguir representamos o esquema de um refrigerador
miraculoso ou perfeito, o qual é proibido pelo enunciado de Clausius,
operando entre uma fonte fria a temperatura T1 e uma fonte quente
a temperatura T2 .
T1<T2
Q
Refrigerador
miraculoso
Q
T2
Figura 6.5 – Esquema de um refrigerador miraculoso, no qual o único processo
envolvido é a retirada de calor de uma fonte fria, a temperatura T1 ,
e sua cessão a uma fonte quente, a temperatura T2 .
6.3 Motor térmico e refrigerador
6.3.1 Motor térmico
Vamos exemplificar o funcionamento de um motor térmico. Esta
máquina térmica tem que trabalhar em um ciclo, retirando energia de um reservatório térmico (fonte quente) na forma de calor e a
transformando em trabalho de forma cíclica. Segundo o enunciado
de Kelvin, isso não é possível sem a presença de um segundo reservatório térmico (chamado de fonte fria), para onde parte do calor recebido é enviado. Considere então uma fonte quente a temperatura
T2 e uma fonte fria a temperatura T1 T2 .
O sistema retira um calor Q2 da fonte quente, realiza um trabalho
W e cede um calor Q1 à fonte fria (a operação deste motor térmico
é representada na figura 6.6 a seguir). Segundo a Primeira Lei da
Termodinâmica:
156
'U
0 Q2 Q1 W Ÿ W
Q2 Q1.
(6.1)
A primeira igualdade na equação 6.1 se justifica pelo fato do processo ser cíclico e o sistema voltar ao estado inicial. Como a energia
interna é uma variável de estado, sua variação é nula num processo
cíclico.
T2>T1
Q2
W
Q1
T1
Figura 6.6 – Esquema de um motor térmico, o qual retira calor Q2 de uma fonte quente a
temperatura T2 , realiza um trabalho W e cede calor Q1 a uma fonte fria a temperatura T1 .
Note a convenção de sinal: agora e são positivos e o fato
de ser um calor cedido é estabelecido pelo sinal de menos
na equação 6.1. Essa convenção é diferente da usada em Capítulos anteriores. Segundo a convenção anterior, a equação
6.1 seria escrita
com
negativo. Usaremos a nova convenção até segunda ordem.
Uma característica importante de motores é sua eficiência: o ideal é
que a maior parte do calor absorvido seja transformada em trabalho
(ou seja, para um dado investimento em energia, seja na forma de
carvão, energia elétrica em geral etc., queremos que a maior quantidade possível seja transformada em trabalho útil, para operar uma
máquina industrial, um automóvel, um navio, uma locomotiva etc.).
Em outras palavras, deseja-se diminuir o máximo possível o calor
Q1 cedido à fonte fria. A eficiência K é então definida como:
K
W
,
Q2
(6.2)
157
ou, em palavras, ela é o trabalho produzido sobre o calor absorvido.
Usando a equação 6.1, podemos reescrever a equação 6.2 como:
K
Q2 Q1
Q2
1
Q1
.
Q2
(6.3)
Assim, segundo o enunciado de Kelvin, qualquer motor térmico
real tem eficiência K 1 , pois Q1 ! 0 .
6.3.2 Refrigerador
O objetivo de um refrigerador é resfriar objetos ou ambientes, e para
isso ele retira calor de uma fonte fria e o cede a uma fonte quente.
Esse é o funcionamento de uma geladeira, de um freezer ou de um ar
condicionado, por exemplo. Já vimos que o ciclo não pode consistir
apenas desses dois processos (enunciado de Clausius da segunda
lei). Para que essas máquinas funcionem, é necessário que seja feito
trabalho sobre o refrigerador. O funcionamento de um refrigerador
é esquematizado na figura 6.7:
T2
Q2
W
Refrigerador
Q1
T1
Figura 6.7 – Calor Q1 é retirado de uma fonte fria a temperatura T1 ,
trabalho W é feito sobre a máquina e calor Q2 é cedido a uma fonte quente.
A definição de eficiência usada para motores térmicos não é adequada para o refrigerador. Agora, queremos que este seja capaz de
retirar a maior quantidade possível de calor da fonte fria ( Q1 ) sendo
feito o menor trabalho (W ) possível sobre ele. Assim, o coeficiente de
desempenho N de um refrigerador é definido como:
158
N
Q1
.
W
(6.4)
Usando a Primeira Lei da Termodinâmica aplicada ao refrigerador,
W Q1 Q2 0 Ÿ W Q2 Q1. Obtemos, então:
N
Q1
.
Q2 Q1
(6.5)
Veremos mais adiante como funciona um refrigerador comum residencial.
Na seção 6.7.1 discutiremos em mais detalhes o funcionamento de
um refrigerador doméstico, o qual é representado na figura 6.14.
6.4 Equivalência dos enunciados de
Kelvin e Clausius
A princípio, não parece haver ligação entre os dois enunciados da
Segunda Lei da Termodinâmica. Entretanto, veremos agora que eles
são equivalentes, mostrando que o enunciado de Kelvin só pode ser
verdade se o de Clausius também for verdadeiro, e vice-versa. Essa
prova usa uma ferramenta bastante comum em Matemática: supomos que uma proposição seja verdadeira e então demonstramos que
essa suposição leva a uma contradição ou a um absurdo, demonstrando assim que a proposição é falsa.
6.4.1 O enunciado de Kelvin leva ao de Clausius
Vamos supor que o enunciado de Clausius seja falso, ou seja, que um
refrigerador miraculoso seja possível. Um refrigerador miraculoso é
aquele que realiza um processo cujo único efeito seja transferir calor de um corpo mais frio a um corpo mais quente. Podemos então
acoplá-lo a um motor real, como o da figura 6.6, de modo que o novo
ciclo (ou a nova máquina) é representado na figura 6.8. Vamos construir o refrigerador miraculoso de modo que ele receba calor Q1 da
fonte fria e ceda calor Q1 à fonte quente. O motor real é como explicado anteriormente: ele retira calor Q2 de uma fonte quente, cede um
159
calor Q1 a uma fonte fria e realiza um trabalho W Q2 Q1 . O efeito
final desse acoplamento é que a nova máquina retira calor Q2 Q1 da
fonte quente e irá realizar trabalho W Q2 Q1 sendo, portanto, uma
máquina que viola o enunciado de Kelvin. Assim, o enunciado de
Kelvin não pode ser verdadeiro se o de Clausius não o for.
T2>T1
T2>T1
Q1
Q2
Refrigerador
miraculoso
Motor
miraculoso
W
Motor
Q1
Q2−Q1
Q1
T1
T1
A
W
B
Figura 6.8 – (a) Motor térmico (à direita da figura), o qual recebe calor Q2 de uma fonte
quente, realiza trabalho W e cede calor Q1 a uma fonte fria. Esse motor é acoplado a um refrigerador miraculoso (à esquerda da figura), o qual recebe calor Q1 da fonte fria e cede calor
Q1 à fonte quente (b). A máquina resultante viola o enunciado de Kelvin, como discutido no
texto, pois ela recebe calor Q2 Q1 de uma fonte quente e realiza trabalho W Q2 Q1 .
6.4.2 O enunciado de Clausius leva ao de Kelvin
Agora vamos supor que o enunciado de Kelvin seja falso, ou seja, que
um motor miraculoso seja permitido. Um motor miraculoso é aquele
que realiza um processo cujo único efeito seja remover calor de um reservatório térmico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho. Podemos então acoplá-lo a um refrigerador real, como o da figura
6.7, de modo que o novo ciclo (ou a nova máquina) é representado na
figura 6.9 a seguir. Vamos construir o motor miraculoso de modo que
ele receba calor Q2 Q1 da fonte quente e realize trabalho W Q2 Q1 .
Esse trabalho é então utilizado por um refrigerador, que retira calor
Q1 da fonte fria e cede calor Q2 à fonte quente. Assim, o efeito desse
acoplamento, motor miraculoso mais refrigerador real, é que a nova
máquina retira calor Q1 de uma fonte fria e cede calor Q1 a uma fonte
quente (veja a figura 6.9) sendo, portanto, uma máquina que viola o
enunciado de Clausius. Então, o enunciado de Clausius não pode ser
verdadeiro se o de Kelvin não o for.
160
T2>T1
Q 2− Q1
T2>T1
Q2
Motor
miraculoso
Q1
Refrigerador
miraculoso
Refrigerador
W = Q2− Q1
Q1
Q1
T1
T1
A
B
Figura 6.9 – (a) Motor miraculoso (à esquerda da figura), o qual retira calor Q2 Q1 de uma
fonte quente e realiza um trabalho W Q2 Q1 . Esse motor é acoplado a um refrigerador
real, de modo que o trabalho feito pelo motor é usado pelo refrigerador (à direita da figura),
o qual retira calor Q1 de uma fonte fria e cede calor Q2 a uma fonte quente (b).
A máquina resultante viola o enunciado de Clausius, como discutido no texto,
pois retira calor Q1 de uma fonte fria e cede calor Q1 a uma fonte quente.
6.5 Ciclo de Carnot
Podemos, então, nos colocar a questão de qual seria a máquina que
levaria ao maior rendimento possível, operando entre uma fonte
quente e uma fonte fria. Para isso, devemos evitar máquinas com
processos irreversíveis; a existência de atrito sempre transforma
energia mecânica em calor, deixando de produzir trabalho útil. Ineficiência análoga também se dá quando ocorre transferência de calor entre corpos a temperaturas diferentes.
Assim, essa máquina, operando entre duas fontes, deve trocar calor
apenas a temperatura constante (transformação isotérmica), que é
um processo reversível, ou então sofrer um processo no qual não
seja trocado calor (transformação adiabática). Essa máquina é o chamado motor de Carnot (se o ciclo for percorrido no sentido inverso,
temos o refrigerador de Carnot): ele consiste em uma expansão isotérmica, com troca de calor Q2 com uma fonte quente a temperatura
T2 , seguida de uma expansão adiabática, de tal modo que a temperatura do sistema diminua e fique igual à da fonte fria ( T1 ). A terceira transformação consiste de uma compressão isotérmica a temperatura T1 e uma posterior compressão adiabática até a temperatura
do sistema voltar a T2 . Na figura 6.10 a seguir representamos o ciclo
de Carnot em um diagrama P u V e, posteriormente, na figura 6.11
representamos exemplos de como podem ser feitas as transformações envolvidas no ciclo.
161
P
a
Q2
b
W
T2
d
c
T1
Q1
Va
Vd
Vb
Vc
V
Figura 6.10 – Ciclo de Carnot, o qual consiste de quatro transformações: uma expansão
isotérmica de a até b a temperatura T2 ; uma expansão adiabática de b até c ,
diminuindo a temperatura do sistema de T2 a T1 ; uma compressão isotérmica de c até d a
temperatura T1 ; e, finalmente, uma compressão adiabática de d até a , completando o ciclo.
T2
T1
a
b
c
d
b
c
Q2
d
a
Q1
Figura 6.11 – As quatro transformações do ciclo de Carnot. Linhas duplas representam paredes adiabáticas e linhas simples representam paredes diatérmicas. A tampa do recipiente
é desenhada de forma tracejada na posição antes da transformação e com linha cheia na
posição depois da transformação.
Note que o trabalho realizado por esse ciclo é positivo (área colorida
na figura 6.10). No entanto, como ele é reversível, pode ser feito no
sentido contrário e, nesse caso, o trabalho seria negativo (trabalho
162
seria feito sobre o sistema), um calor Q1 seria retirado da fonte fria
e cedido um calor Q2 à fonte quente. Nesse caso, o ciclo de Carnot
corresponderia a um refrigerador.
Um resultado importante é o Teorema de Carnot:
a) Nenhuma máquina térmica operando entre uma fonte
quente e uma fonte fria pode ter rendimento superior ao
de uma máquina de Carnot operando entre as mesmas
fontes.
b) Todas as máquinas de Carnot que operem entre as mesmas fontes têm o mesmo rendimento.
Vamos demonstrar o item a; o item b será demonstrado por você,
leitor(a) (veja a questão 2 adiante). Imagine um motor térmico qualquer (E) operando entre as mesmas temperaturas que um motor térmico de Carnot (C), mas com rendimento maior que este (veja figura
6.12 a seguir para uma esquematização dos motores), de modo que
o trabalho realizado por E seja o mesmo que o trabalho realizado
por C. Sendo Q 2 o calor recebido por E da fonte quente, Q1 o calor
cedido por E à fonte fria, Q2 o calor recebido por C da fonte quente
e Q1 o calor cedido por C à fonte fria, temos, pela Primeira Lei da
Termodinâmica:
W
Q2 Q1
Q 2 Q1 Ÿ Q1 Q1
Q2 Q 2 .
(6.6)
O rendimento de uma máquina térmica é dado pela equação 6.3, ou
seja:
KE
W
; KC
Q 2
W
,
Q2
(6.7)
para as máquinas E e C, respectivamente. Pela hipótese, KE ! KC , e,
então, usando a equação 6.7 temos que Q 2 Q2 , ou seja, Q2 Q 2 ! 0 .
Assim, pela equação 6.6, temos que Q1 Q1 ! 0 , ou seja, Q1 Q1 .
163
T2
T2
~
Q2
Motor
supereficiente
Q2
W
Motor
de Carnot
W
~
Q1
E
T1
∩
T1
Q1
Figura 6.12 – À esquerda, motor térmico operando com rendimento maior que
a máquina de Carnot. À direita, motor de Carnot.
T2
~
Q2
Motor
supereficiente
~
Q1
W
Como o ciclo de Carnot é reversível, podemos pensar que ele seja
percorrido no sentido inverso, de tal modo que retire calor Q1 da
fonte fria, um trabalho W seja realizado sobre o motor e seja cedido
calor Q2 à fonte quente; esse é o refrigerador de Carnot. Podemos então acoplar o motor E ao refrigerador de Carnot C (que é o motor de
Carnot invertido), de tal modo que o trabalho realizado por E seja
o mesmo usado pelo ciclo invertido de Carnot. O esquema está representado na figura 6.13 a seguir: note
que o resultado líquido desse acoplamento é que foi
retirado calor ( Q1 Q1 ) da fonte fria e a mesma quantidade de calor, Q2 Q 2 (veja a equação 6.6) foi cediQ2
da à fonte quente, sem realização de trabalho. Isso,
porém, viola o enunciado de Clausius da segunda lei
Refrigerador
e, assim, a existência de um motor com rendimento
de Carnot
maior que o de Carnot é proibida.
Q1
T1
Figura 6.13 – Motor supereficiente (com eficiência
maior que a de um motor de Carnot operando
entre as mesmas temperaturas) acoplado a um
refrigerador de Carnot, entre uma fonte quente a
temperatura T1 e uma fonte fria a temperatura T2 .
O resultado final dessa situação é que é retirado
calor ( Q1 Q1 ) da fonte fria e a mesma quantidade
de calor é cedida à fonte quente, o que viola o
enunciado de Clausius da segunda lei.
O item b do Teorema de Carnot diz que qualquer
motor de Carnot terá o mesmo rendimento e que
esse rendimento independe da substância utilizada na
máquina. Isso nos ajuda a calcular o rendimento do
motor de Carnot, supondo que a substância seja um
gás ideal.
164
Exemplo 1. Calcule o rendimento de um motor de Carnot.
Solução: Como discutido no texto, vamos supor que a substância de
trabalho do motor de Carnot seja um gás ideal. O rendimento é dado
pela equação 6.2. Precisamos então calcular o trabalho total e o calor
absorvido da fonte quente. O trabalho feito em uma transformação
isotérmica a temperatura T é dado por Wiso nRT ln(V f Vi ) , onde
n é o número de moles, R a constante dos gases, V f é o volume
final e Vi o volume inicial da transformação. O trabalho em uma
transformação adiabática é dado por
, onde T f
é a temperatura final, Ti a temperatura inicial da transformação e
J CMP CMV . Assim, o trabalho total será (confira na figura 6.10):
W
nRT2 ln(Vb / Va ) nR
(T2 T1 )
1 J
nR
(T1 T2 ) nRT1 (Vd Vc ) 1 J
(6.8)
nRT2 ln(Vb Va ) nRT1 ln(Vd / Vc ).
O calor Q2 é absorvido da fonte quente na transformação isotérmica
ab (veja a figura 6.10). A variação da energia interna de um gás ideal
é zero numa transformação isotérmica, pois essa energia depende só
da temperatura. Assim, pela Primeira Lei da Termodinâmica:
'U
0 Q2 Wab Ÿ Q2
Wab
nRT2 ln(Vb / Va ).
(6.9)
A eficiência K W Q2 é dada então por:
K
1
nRT2 ln(Vb / Va ) nRT1 ln(Vd / Vc )
nRT2 ln(Vb / Va )
(6.10)
T1 ln(Vd / Vc )
T ln(Vd / Vc )
1 1
T2 ln(Vb / Va )
T2 ln(Va / Vb )
No entanto TV J1 é constante para uma transformação adiabática,
de modo que:
T2VbJ 1
J 1
TV
1 c
(6.11)
J 1
TV
1 d .
(6.12)
e
T2VaJ 1
165
Dividindo a equação 6.12 pela equação 6.11, obtemos Vd Vc Va Vb
e, então, para um motor de Carnot:
KC
1
T1
.
T2
(6.13)
É importante ressaltar que essa eficiência depende somente das temperaturas dos reservatórios quente ( T2 ) e frio ( T1 ).
Note que, apesar dessa eficiência ter sido derivada para um gás ideal como substância, devido ao item b do Teorema de Carnot, ela é
válida para qualquer substância, líquida, gasosa ou mesmo mistura
das duas.
6.6 A escala termodinâmica de
temperatura
Comparando as equações 6.3 e 6.13 vemos que podemos fazer a
relação:
T1
T2
Q1
.
Q2
(6.14)
Como essa relação não depende da substância, ela pode ser usada
como definição de uma escala de temperatura, a qual não depende
da substância termométrica (pois essa é uma característica da máquina de Carnot). Essa escala é chamada de escala termodinâmica de
temperatura ou escala Kelvin de temperatura.
Ponto triplo da água
Ponto onde essa substância
coexiste em seus estados
líquido, sólido e de vapor.
Nesse ponto, a pressão tem
valor Ptr = 4,58 mmHg, e
a temperatura valor Ttr =
0,01°C = 273,16K.
Medindo-se o calor cedido e o absorvido em uma máquina de Carnot, é possível então saber a razão entre as temperaturas de corpos
usados como fontes quente e fria. Para definir de modo único uma
escala, foi então determinado que a temperatura do ponto triplo da
água corresponde a T 273,16 K.
Define-se então a escala absoluta de temperatura como:
T
Ttr
Q,
Qtr
(6.15)
166
onde Q e Qtr são os calores retirados ou cedidos a duas fontes em
uma máquina de Carnot, uma na temperatura do ponto triplo da
água e outra na temperatura que se quer medir.
Note que se pode medir temperaturas menores que a do ponto
triplo da água ( Ttr ). Nesse caso, Qtr seria o calor retirado da fonte
quente (a água no ponto triplo) e Q o calor cedido à fonte fria, com
a temperatura T que se quer medir. A menor temperatura possível
de se obter, nessa escala, corresponde a Q o 0 e, portanto, T o 0 .
O zero absoluto ( T 0 ), nessa escala, corresponde a Q 0 , isto é, um
processo no qual, retirando-se calor de uma fonte quente e o transformando completamente em trabalho, a eficiência dessa máquina
h 1). Isso, porém, contraria o enunciado de Kelvin
seria de 100% (K
da Segunda Lei da Termodinâmica. Esse e outros raciocínios levaram à formulação da Terceira Lei da Termodinâmica: não é possível, por
qualquer número finito de processos, atingir a temperatura zero absoluto.
6.7 Exemplos de máquinas térmicas
Nesta Seção vamos estudar alguns exemplos de máquinas térmicas,
discutindo o que acontece em máquinas reais e as idealizações na
descrição delas.
6.7.1 Refrigerador doméstico
O esquema básico de um refrigerador comum é mostrado na figura
6.14 a seguir. Uma substância refrigerante, na forma líquida, retira
calor da fonte fria (no caso, o interior do refrigerador) e evapora.
Esse processo é modelado pela retirada de calor da fonte fria a temperatura constante, em um diagrama P u V (ver o processo dc na
figura 6.10: nosso refrigerador é modelado pelo ciclo dessa figura
percorrido ao contrário). Após a passagem por uma válvula, ele é
comprimido pelo compressor, aumentando sua pressão. Esse processo é suposto ser feito muito rapidamente, de modo que não haja
tempo de haver troca de calor, ou seja, é adiabático. Ele é modelado
pela transformação cb na figura 6.10. Com o aumento da pressão, a
substância se liquefaz a uma temperatura maior e cede calor à fonte
quente, de forma aproximadamente isotérmica. Essa transformação
é aproximada pelo processo ba na figura 6.10. Finalmente, a subs-
As substâncias refrigerantes
eram, usualmente, freons,
que são gases a base de
clorofluorcarbonos (CFC)
e que contribuem para a
diminuição da camada de
ozônio. Atualmente outros
gases são usados, como os
hidrofluorcarbonetos (HFC),
que não possuem cloro (o
qual, junto com o bromo, é
responsável pela destruição
da camada de ozônio) mas
ainda contribuem para o
aquecimento global.
167
tância passa por uma válvula, onde sofre uma transformação para
baixar sua pressão, o qual é fundamental para que a substância evapore a uma temperatura menor (a da fonte fria). Essa última transformação é aproximada por uma expansão adiabática, o processo
ad na figura 6.10.
Válvula de
expansão
Evaporador
Condensador
Frio
Baixa
pressão
Alta
pressão
Quente
Interior do
refrigerador
Compressor
Figura 6.14 – Representação esquemática de um refrigerador doméstico.
O interior do refrigerador é a fonte fria e o motor que realiza
trabalho sobre a substância é o compressor.
6.7.2 Bomba de calor
Uma variação da montagem anterior é a bomba de calor, usada para
aquecer o interior de um cômodo ou edifício, resfriando o exterior.
Ou seja, ele retira calor de uma fonte fria e cede a uma fonte quente,
funcionando como um ar condicionado montado de fora para dentro. As serpentinas que contêm o fluido que se evapora, retirando
calor da fonte fria, se localizam no exterior, enquanto as que contêm
o fluido que se condensam, cedendo calor à fonte quente, se encontram no interior.
6.7.3 Ciclo Otto
Esse ciclo modela, aproximadamente, um motor a gasolina. Esse
motor funciona conforme mostrado na figura 6.15. Inicialmente, o
combustível é admitido no cilindro pela válvula de admissão, com
168
a válvula de exaustão fechada (veja o exemplo a na figura 6.15); esse
processo é representado no diagrama P u V pela reta horizontal,
com a seta apontando para a direita (figura 6.16); (essa representação
não é considerada parte do ciclo propriamente dito). Após essa fase,
o pistão se move para cima, com as válvulas fechadas, comprimindo
a gasolina (ver o exemplo b na figura 6.15); esse processo é suposto
rápido, de modo que quase não haja troca de calor. Essa transformação é representada no diagrama (veja a figura 6.16 a seguir) pelo
trecho ab , uma transformação adiabática. Quando o pistão está na
posição mais alta (ver o exemplo c na figura 6.15) e com as duas
válvulas ainda fechadas, há a centelha da vela, a qual cede calor ao
sistema, aproximadamente a volume constante; esse processo é representado no diagrama PV pelo trecho bc (ver a figura 6.16).
Com a explosão o pistão se move para baixo, rapidamente e com
as duas válvulas ainda fechadas (ver o exemplo d na figura 6.15). É
realizado trabalho nesse processo, que é aproximado por uma expansão adiabática (trecho cd na figura 6.16). Quando o pistão está
na posição mais baixa, a válvula de exaustão é aberta e a pressão
diminui a volume constante (ver exemplo e na figura 6.15 e trecho
da na figura 6.16). Finalmente, a válvula de exaustão se abre e o gás
é expulso do cilindro, pois o pistão se move para cima por inércia;
esse processo é representado no diagrama P u V pela reta horizontal, com a seta apontando para a esquerda (essa representação também não é considerada parte do ciclo propriamente dito). Logo após,
a válvula de exaustão se fecha e a válvula de admissão é aberta,
permitindo a entrada de mais combustível.
As duas válvulas fechadas
Válvula de
admissão
aberta
Válvula de
admissão
fechada
Válvula de
exaustão
fechada
Centelha
da vela
Válvula de
exaustão
aberta
Anéis do
cilindro
Pistão
Biela
Eixo da
manivela
A
B
C
D
Figura 6.15 – Figura do funcionamento de um motor a gasolina.
E
169
c
P
b
Q =0
W
d
Q=0
a
V
rV
V
Figura 6.16 – Modelo idealizado de um motor a gasolina: ciclo Otto. Ele consiste de uma
compressão adiabática (ab), seguida de aumento de pressão a volume constante (bc).
Após esse processo, a substância sofre uma expansão adiabática (cd),
seguida de uma diminuição de pressão a volume constante (da).
6.7.4 Ciclo Diesel
O ciclo Diesel está representado na figura 6.17 a seguir: ele consiste
de uma compressão adiabática (trecho ab da figura 6.17), fornecimento de calor a pressão constante (trecho bc ), expansão adiabática
(trecho cd ) e, finalmente, rejeição de calor a volume constante (trecho da ).
P
b
c
Q=0
W
d
Q=0
Vb Vc
a
Vd
V
Figura 6.17 – Ciclo idealizado de um motor a Diesel. São realizados quatro processos: uma
compressão adiabática, um fornecimento de calor a pressão constante, uma expansão adiabática (nesse processo é realizado trabalho útil) e uma rejeição de calor a volume constante.
O que acontece numa câmara de um motor a diesel é mostrado na
figura 6.18:
170
válvula de
admissão aberta
ambas as
válvulas fechadas
válvula de
exaustão aberta
injeção de
combustível
exaustão
A
Admissão
B
Compressão
C
Combustão
D
Expansão
Figura 6.18 – Figura do funcionamento de um motor a diesel.
Observe que no exemplo a da figura 6.18 o pistão se desloca para baixo,
aspirando ar através da válvula da esquerda (válvula de aspiração);
esse processo é representado no diagrama P u V pela reta horizontal
que chega ao ponto a , com a seta apontando para a direita (essa representação não é considerada parte do ciclo propriamente dito).
Na fase de compressão, o pistão se desloca para cima, com a válvula de aspiração fechada (ver exemplo b da figura 6.18). Com isso,
o ar se comprime e sofre um aumento de temperatura. Essa transformação é modelada por uma compressão adiabática no diagrama
PV . Depois, a pressão constante, o combustível é pulverizado para
o interior da câmara, aumentando um pouco o volume desta; esse
processo é modelado na figura 6.17 pelo trecho bc .
Devido à alta pressão e à alta temperatura do gás na câmara, o combustível incendeia-se espontaneamente (sem necessitar de uma fagulha, como no motor a gasolina), empurrando o pistão para baixo,
rapidamente. Essa última transformação é modelada por uma expansão adiabática na figura 6.17. Quando o pistão está quase no ponto mais baixo, a válvula de descarga se abre e a pressão cai a volume
constante; esse processo é modelado pelo trecho da na figura 6.17.
Finalmente, parte dos gases é expulsa quando o pistão sobe; esse
processo é representado no diagrama P u V pela reta horizontal
que sai do ponto a , com a seta apontando para a esquerda (essa
representação também não é considerada parte do ciclo propriamente dito).
E
Exaustão
171
6.8 Teorema de Clausius
Vamos agora enunciar um teorema fundamental na introdução de
uma nova grandeza termodinâmica muito importante, a Entropia.
A equação 6.14 pode ser reescrita como:
Q2
T2
Q1
Q Q
Ÿ 2 1
T1
T2 T1
0,
(6.16)
onde Q2 é o calor absorvido da fonte quente, Q1 o calor cedido à
fonte fria, T2 é a temperatura da fonte quente e T1 a temperatura da
fonte fria. Vamos agora voltar à convenção original sobre o sinal do calor
absorvido ou cedido. Assim, a equação 6.16 pode ser reescrita como:
Q2 Q1
T2 T1
0,
(6.17)
e agora Q1 é negativo. Essa equação é válida para um ciclo de Carnot
e pode ainda ser escrita de uma maneira generalizada:
Qi
¦T
i
0,
(6.18)
i
onde a soma é sobre todos os processos onde é absorvido ou cedido
calor Qi a temperatura Ti .
Essa equação pode ainda ser generalizada para qualquer processo
reversível e para processos irreversíveis também. Nesses casos, ela é
escrita na forma:
(6.19)
Essa dedução pode ser
encontrada nas páginas
218 a 221 da seção 10.6 do
livro Física Básica 2 de
Moysés Nussenzveig.
onde a integral é sobre um ciclo qualquer * (como exemplificado na
figura 6.19 a seguir), o símbolo representa uma diferencial inexata
e T é a temperatura nos pontos do ciclo (em geral, o processo é tal
que a temperatura varia ao longo do ciclo). O sinal de igualdade
vale para ciclos reversíveis (como o de Carnot) e a desigualdade para
ciclos irreversíveis. Essa equação é central na discussão a seguir, e
aconselhamos fortemente você entender sua dedução. Vamos agora
examinar as consequências importantíssimas da equação (6.19).
172
P
C
V
Figura 6.19 – Ciclo * qualquer, para o qual vale a equação 6.19.
Note que no exemplo dessa figura a temperatura varia de ponto a ponto
do ciclo. O ciclo pode ser dividido em transformações infinitesimais e
éo
calor absorvido ou cedido em cada uma dessas transformações.
6.9 Entropia
6.9.1 Entropia e processos reversíveis
Vimos que, para processos reversíveis,
(6.20)
define uma troca de capara qualquer ciclo * reversível e onde
lor em um processo reversível (lembre-se que a quantidade de calor
trocada depende do processo). Representando esse ciclo como na
figura 6.20 a seguir, podemos reescrever a equação anterior como:
(6.21)
onde a primeira integral é feita do ponto i para o ponto f pelo caminho ( I ) e a segunda integral feita do ponto f para o ponto i pelo
caminho ( II ) . Podemos inverter o caminho da segunda integral e,
dessa forma, a equação anterior pode ser expressa na forma:
(6.22)
173
(I )
P
f
i
(II)
V
Figura 6.20 – Ciclo termodinâmico: do estado inicial i o sistema vai, pelo caminho ( I ) ,
até o estado f , retornando ao estado inicial pelo caminho ( II ) .
Tanto ( I ) quanto ( II ) são caminhos quaisquer.
Como os caminhos reversíveis ( I ) e ( II ) são quaisquer, a equação
6.22 diz que a integral de
independe do caminho para processos reversíveis; em outras palavras, a integral de
depende
apenas dos pontos inicial i e final f .
Você deve se lembrar de uma situação como essa na disciplina de Física Básica B, onde a integral definia o trabalho
de uma força e a independência dessa integral em relação
ao caminho tornava possível a definição de uma grandeza
chamada energia potencial. Essa energia pode ser definida
para qualquer força conservativa, ou seja, para qualquer força tal que o trabalho desta entre dois pontos não dependa
do caminho entre eles.
Pode-se então definir uma função de estado, chamada de entropia,
designada pela letra S , através de:
(6.23)
A unidade da entropia no SI é J / K (Joule sobre Kelvin). Para um
fluido homogêneo, por exemplo, foi visto que apenas duas grandezas (entre P, V e T) definem o estado termodinâmico do sistema e,
portanto, como S depende apenas do estado, podemos escrever:
S
S ( P, T ) ou S
S (V , T ) ou S
S ( P,V ).
(6.24)
174
Para uma transformação infinitesimal:
(6.25)
Note que
é uma diferencial inexata, enquanto dS é uma diferencial exata, ou seja, o fator 1/T é um fator integrante para a diferencial inexata
. Você já deve ter visto este conceito nas disciplinas de cálculo.
Vamos ver alguns exemplos de processos reversíveis e de como se
comporta a entropia nestes casos:
a) Transformação adiabática reversível: nesse caso,
, e então dS 0. Se a transformação não for infinitesimal, 'QR 0 e
'S 0. Assim, a entropia é constante ao longo de um processo
adiabático, por isso essa transformação é chamada também de
isentrópica. Conclui-se também que, ao longo de uma adiabática no diagrama PV, a entropia é constante.
b) Transição de fase: durante uma transição de fase (lembre-se,
por exemplo, da fusão da água ou de sua evaporação), a temperatura se mantém constante. Nesse caso, a variação de entropia
é dada por 'S 'QR T , onde T é a temperatura de transição
e 'QR a quantidade de calor transferida na transição. Como
'QR mL , onde m é a massa da substância que sofre a transição e L seu calor latente, temos em uma transição de fase:
'S
mL
T
(6.26)
c) Entropia de um gás ideal: para uma transformação reversível,
a Primeira Lei da Termodinâmica é escrita como:
dU
dQR PdV
TdS PdV .
(6.27)
Obtemos então:
dS
dU PdV
.
T
T
(6.28)
CMV dT ,
(6.29)
Para 1 mol de gás ideal:
dU
175
Considerando CMV constante e que:
PV
(6.30)
RT ,
podemos observar que:
PdV VdP
(6.31)
RdT .
Para calcular dS através da equação 6.28, devemos determinar antes
em função de quais grandezas termodinâmicas queremos escrever
a variação da entropia (veja a equação 6.24).
Escolhendo V e T , temos:
ds
CMV
RPdV
dT ,
T
PV
(6.32)
onde s é a entropia por mol, e usamos a equação 6.29 no primeiro
termo e a equação 6.30 no segundo termo do lado direito da equação
6.32. Simplificando:
ds
CMV
dV
dT R
.
T
V
(6.33)
Integrando:
Tf
f
s f si
³ ds
i
CMV
³
Ti
Vf
dT
dV
R³
T
V
Vi
§T
CMV ln ¨ f
© Ti
·
§ Vf
¸ R ln ¨
¹
© Vi
·
¸ . (6.34)
¹
Assim, a entropia molar de um gás ideal, em função de V e T , é
dada por:
s (V , T ) CMV ln T R ln V A,
(6.35)
onde A é uma constante.
6.9.2 Entropia e processos irreversíveis
Para calcular a variação de entropia em um processo irreversível
entre dois estados i e f , temos que imaginar um processo reversível
que leve de i a f e calcular a variação de entropia através de:
176
(6.36)
Como vimos, a entropia é uma função de estado e sua variação independe do processo utilizado para ir do estado inicial ao final. Assim,
qualquer processo reversível pode ser imaginado, para o cálculo da
integral na equação 6.36, e o resultado será independente do processo (e, portanto, será o resultado para o processo irreversível estudado também). Há, entretanto, alguma diferença entre processos
reversíveis e irreversíveis? Veremos que a diferença se manifesta na
variação de entropia da vizinhança (a variação de entropia do sistema de interesse, como vimos, é a mesma). Vejamos dois exemplos:
Exemplo 2. Expansão livre: suponha que um gás sofra uma expansão, do volume inicial Vi para o volume final V f ! Vi , em um recipiente isolado da vizinhança, ou seja, sem troca de calor ou trabalho
realizado. Pela primeira lei:
'U
0; 'Q
0; 'W
0.
(6.37)
Para um processo infinitesimal:
(6.38)
Note aqui a diferença entre o trabalho realizado para um processo
reversível, dW PdV ! 0 , e o trabalho realizado no processo irreversível,
. Essa diferença é esperada, pois o trabalho depende
do processo termodinâmico.
Como o processo de interesse é irreversível, a equação 6.36 não pode
ser usada nesse caso, mas podemos imaginar um processo reversível e utilizar essa equação. Para isso, vamos supor que o gás seja ideal e que a expansão seja feita a temperatura constante. Já calculamos
a variação de entropia para um processo como esse (ver a equação
6.34) e obtemos:
§V ·
S f Si nR ln ¨ f ¸ .
(6.39)
© Vi ¹
Supondo uma transformação infinitesimal,
fere do resultado para a transformação irreversível,
, o que di. Isso, po-
177
rém, era esperado, pois a quantidade de calor trocada depende do
processo.
Exemplo 3. Transferência de calor irreversível: dois corpos a temperaturas T1 e T2 diferentes (e supondo T2 ! T1 ) são postos em contato
térmico. Eventualmente, eles chegarão ao equilíbrio, em uma temperatura entre T1 e T2 . Como exercício, você pode calcular essa temperatura, supondo que as massas dos blocos sejam m1 e m2 e seus
calores específicos c1 e c2 , respectivamente. No caso mais simples
das massas e dos calores específicos serem iguais, a temperatura de
equilíbrio ( T f ) será T f (T1 T2 ) 2 . Use um argumento de simetria
para justificar essa temperatura de equilíbrio. O processo descrito
é irreversível, então não podemos calcular a variação de entropia
usando a equação 6.36.
Vamos imaginar um processo reversível que leve do mesmo estado
inicial ao mesmo estado final. Esse processo é o seguinte: o corpo a
temperatura T1 é posto em contato térmico com reservatórios a temperaturas cada vez maiores, mas com essas temperaturas diferindo
entre si de um infinitésimo, até chegar à temperatura T f . O mesmo
vale para o corpo a temperatura T2 , só que nesse caso os reservatórios estão a temperaturas cada vez menores, até atingir T f . Cada
um dos processos descritos neste parágrafo é reversível e podemos
aplicar a equação 6.36 a eles. Assim:
(6.40)
onde T na primeira integral representa as temperaturas pelas quais
passa o corpo a temperatura T1 e na segunda integral representa as
temperaturas pelas quais passa o corpo a temperatura T2 . Como os
processos são reversíveis, todas essas temperaturas estão bem definidas, mas:
(6.41)
Usando essa expressão na equação 6.40 e já supondo o caso mais
simples dos corpos a diferentes temperaturas terem a mesma massa
e o mesmo calor específico, obtemos:
178
'S
§ T f dT T f dT ·
mc ¨ ³
¸
¨ T T T³ T ¸
© 1
¹
2
Lembrando que T f
6.42 como:
ª §T
mc «ln ¨ f
¬ © T1
·
§T f
¸ ln ¨
¹
©T2
·º
¸»
¹¼
§ T2 ·
mc ln ¨ f ¸ .
¨ TT ¸
© 1 2¹
(T1 T2 ) 2 , podemos reescrever a expressão
'S
ª (T T ) 2 º
mc ln « 1 2 » .
¬ 4T1T2 ¼
(6.43)
Queremos agora mostrar que a variação 'S é positiva. Para isso,
precisamos mostrar que a expressão entre chaves na equação 6.43
é maior que 1. Mas:
(T1 T2 ) 2
2T1T2 T2
T12 2T1T2 T22
T1 2T1T2 T2 4T1T2
T12 2T1T2 T22 4T1T2
(T1 T2 ) 4T1T2 ,
(T1 T2 ) 2 4T1T2 ,
Assim, a expressão entre chaves na equação 6.43 pode ser reescrita como:
(T1 T2 ) 2
4T1T2
1
(T1 T2 ) 2
.
4T1T2
(6.45)
Essa expressão é claramente maior que 1 e, portanto, o logaritmo
natural na equação 6.43 é maior que zero, ou seja, 'S ! 0 .
6.9.3 O princípio do aumento da entropia
Vamos demonstrar o conhecido resultado de que a entropia de
um sistema termicamente isolado nunca decresce.
A equação 6.19 nos diz que, para um processo irreversível, a integral em um ciclo de ðQ / T é não positiva. Não provaremos aqui
esse resultado, mas, na verdade, é possível demonstrar que, para
uma transformação irreversível * , a integral é negativa, ou seja, é
possível descartar o sinal de igual:
(6.46)
179
Assim, considere agora uma transformação irreversível de um estado i para um estado f e uma transformação reversível de f para i.
As transformações são mostradas na figura 6.21: o processo irreversível I é representado por uma linha pontilhada porque seu camip u V pode não estar definido, pois os estados
nho em um diagrama P
intermediários não são necessariamente de equilíbrio. A transformação reversível R traz o sistema de volta ao estado inicial. Temos
então um ciclo * irreversível e podemos usar:
(6.47)
onde invertemos o sentido no qual o processo reversível é realizado.
Para esse processo, porém, temos que:
(6.48)
e então:
(6.49)
P
f
I
R
i
V
Figura 6.21 – Ciclo irreversível, consistindo de um processo irreversível I (linha tracejada)
e um processo reversível R (linha cheia).
Note que a variação de entropia se aplica a qualquer processo entre i
e f , pois a entropia é uma função de estado. Temos então:
(6.50)
Se o sistema estiver isolado termicamente,
'S ! 0.
, e obtemos:
(6.51)
180
Se o ciclo todo fosse reversível, poderíamos demonstrar, partindo da
equação 6.19 com o sinal de igual, que:
'S
0.
(6.52)
Assim, para um sistema isolado termicamente, temos:
'S t 0,
(6.53)
onde o sinal de igual vale para um processo reversível e a desigualdade para um processo irreversível.
Vamos agora introduzir termos convenientes para nossa discussão
a seguir. Consideramos o sistema isolado, ou universo, como composto
de um sistema físico de interesse, chamado apenas de sistema, e de
sua vizinhança.
Pode-se então enunciar a Segunda Lei da Termodinâmica em termos da variação da entropia de um sistema fechado, ou do universo,
da seguinte forma:
Em qualquer processo termodinâmico que ocorra entre dois
estados de equilíbrio, o resultado da soma da entropia do
sistema com a entropia da vizinhança nunca diminui.
Note o conceito de vizinhança: essa é uma porção não pertencente
ao sistema, mas que, junto com este, forma um sistema completo termicamente isolado, conforme o enunciado anterior. Vamos discutir
dois exemplos:
Compressão espontânea: no exemplo 1 da Seção 6.9.2, vimos que a
entropia aumenta de 'S nR ln (V f / Vi ) quando um sistema isolado
vai do volume Vi para o volume V f ! Vi . Esse processo é comum e
trata-se de uma expansão livre. No caso da compressão espontânea,
V f Vi e assim a entropia de um sistema fechado diminuiria, o que
é proibido pela segunda lei. Essa é a razão de não termos tido notícia
de uma audiência ter sufocado as pessoas porque todo o ar de uma
sala se concentrasse em um canto desta.
181
Condução de calor: no exemplo 3, calculamos a variação de entropia
quando é retirado calor de um corpo mais quente e fornecido a um
corpo mais frio, no momento em que este é posto em contato térmico com aquele. Vimos que essa variação é positiva, como manda a
segunda lei. O processo contrário, isto é, quando é retirado calor de
um dos corpos e cedido ao outro, até que ambos estivessem nas temperaturas T1 e T2 , nunca ocorre porque ele violaria a segunda lei.
Esses dois exemplos permitem a introdução da noção de uma “seta
do tempo”, de um sentido para a ocorrência de fenômenos. Como
discutimos anteriormente, a primeira lei não proíbe a compressão
espontânea, mas a segunda lei, na forma de aumento da entropia, a
proíbe.
Exemplo 4. Um bloco de gelo de massa mg 0,012 a temperatura
inicial de Tg 15 é misturado à água em um calorímetro perfeitamente isolado. A massa da água é de ma 0,056 e sua temperatura inicial de Ta 23 . Calcule a temperatura final da mistura
e mostre que todo o gelo se funde. Calcule a variação de entropia
da mistura e discuta. Vamos desprezar o calor absorvido ou cedido
pelo calorímetro.
Dados: calor específico do gelo: Cg 2.220 J / kg K ; calor específico da água:
Ca 4.190 J / kg K ; calor latente de fusão: L 333J / kg K .
Solução: Precisamos calcular a temperatura final da mistura. Vamos
supor que todo o gelo tenha esquentado até a temperatura de 0 ,
tenha se transformado em água e esta tenha elevado sua temperatura
até a temperatura final ( T f ). Caso essa hipótese esteja incorreta, nossas equações mostrarão alguma inconsistência. Assim, o gelo absorve
calor para elevar sua temperatura até 0 (primeiro termo do lado
direito da equação 6.54 a seguir), depois absorve calor para mudar
de fase e se transformar em água (segundo termo do lado direito da
equação 6.54) e, finalmente, essa quantidade de água devida ao gelo
eleva sua temperatura até a temperatura final (terceiro termo do lado
direito da equação 6.54). O calor absorvido por estes três processos
é então calculado por:
'Qa
mg cg (0qC Tg ) mg L mg ca (T f 00 C ).
(6.54)
182
O calor cedido se deve à quantidade de água inicialmente presente no
calorímetro e é dado por:
'Qc
ma ca (T f Ta ).
(6.55)
Como a mistura está isolada, 'Qa 'Qc 0. Dessa equação podemos calcular T f , dado por T f 3,5 . Note que, nestas equações,
utilizamos a temperatura em graus Celsius porque nas expressões ela
sempre entra como diferenças de temperaturas. Daqui em diante, temos que utilizar as temperaturas em Kelvin (na dúvida, você estará
seguro(a) se sempre utilizar as temperaturas em Kelvin).
Para calcular a variação de entropia do gelo, vamos reconhecer, mais
uma vez, três processos:
a) Absorção de calor pelo gelo de forma irreversível. Já calculamos 'S para esse caso (exemplo 3 anterior), obtendo
'S g mg cg ln (273,15 K / Tg ) . Note que, como antecipado, estamos usando as temperaturas em Kelvin (K);
b) Aumento de entropia devido à transformação de fase do gelo. Esse
cálculo foi efeito anteriormente (ver o item b da Seção 6.9.1) e
obtivemos 'Stf mg L 273,15 K ;
c) Essa porção de água eleva sua temperatura até
T f 3,5qC 276, 65 K . Esse cálculo é análogo ao feito no item a
acima e obtemos 'S ga mg ca ln (T f / 273,15 K ) .
Feitos esses cálculos para os valores do problema, obtemos:
'S gelo
'S g 'Stf 'S ga 16,7 J/K.
(6.56)
Para a variação da entropia da água inicialmente posta no calorímetro, os cálculos são análogos ao item a anterior, obtendo-se
'S a ma ca ln (T f / Ta ) 15,9 J/K.
Como vemos, a variação da entropia da água é negativa. Isso não
viola o enunciado da segunda lei porque a água não é um sistema
isolado. Se considerarmos o gelo sua vizinhança, de tal forma que
gelo+água (sistema+vizinhança) estejam isolados, então a variação
total de entropia é 'St 'S gelo 'S a 16,7 J/K (15,9) J/K 0,8 J/K
e, como esperado, essa variação é positiva.
183
Vemos agora a diferença entre processos irreversíveis e reversíveis.
Enquanto ambos produzem a mesma variação de entropia no sistema físico de interesse, a vizinhança tem uma variação diferente de entropia em cada caso. Para processos reversíveis, a entropia da vizinhança varia de modo a que a variação de entropia do
sistema+vizinhança seja nula. Para processos irreversíveis, apesar
da variação de entropia do sistema ser a mesma, a variação de entropia total é sempre positiva, ou seja, a variação de entropia da vizinhança é diferente da ocorrida num processo reversível.
Do ponto de vista prático, o aumento da entropia corresponde a um
desperdício de energia, a qual não será transformada em trabalho.
Esse é o caso, por exemplo, na condução de calor entre dois corpos
a temperaturas diferentes: esses corpos poderiam ser utilizados
como fontes quente e fria de uma máquina de Carnot e produzir
trabalho. Posto em contato um com o outro, a temperatura de equilibro é a mesma para ambos e o calor trocado não foi utilizado para
realizar trabalho.
A interpretação microscópica da entropia é um assunto também
fascinante mas fora do escopo deste texto.
Resumo
Introduzimos e discutimos diversos enunciados da Segunda Lei da
Termodinâmica, estudamos modelos de máquinas térmicas e através da discussão do ciclo de Carnot chegamos a uma escala termodinâmica de temperatura. Finalmente, introduzimos o conceito
termodinâmico de entropia e de “seta do tempo”.
Questões
1) Por que o calor cedido à fonte fria não pode ser nulo em uma
máquina térmica (veja a figura 6)? Por que ele não pode ser
também positivo, ou seja, por que o motor não pode também
receber calor da fonte fria?
184
2) Reveja o raciocínio usado para provar o item a do Teorema de
Carnot. Substitua a hipotética máquina de rendimento maior
que a de Carnot por outro ciclo de Carnot e demonstre o item
b do Teorema de Carnot.
3) Uma certa quantidade de energia mecânica pode ser totalmente
convertida em energia térmica? Dê um exemplo, se possível.
4) Considere uma caixa que tem um número muito pequeno de
moléculas, digamos três. Pode acontecer algumas vezes, por
acaso, que todas essas moléculas se encontrem na metade esquerda da caixa e a metade direita esteja vazia? Isso seria a
compressão livre, o oposto da expansão livre. Por que esse fenômeno não acontece com todo o ar de uma sala?
5) Quando juntamos cartas de um baralho em um maço ou empilhamos tijolos para construir uma casa, aumentamos a ordem
do mundo físico. Isso viola a Segunda Lei da Termodinâmica?
6) No processo de surgimento de um ser vivo, desde as células
mais simples até os organismos mais complexos, uma forma
de organização muito complexa é obtida. Nesse processo de
ordenamento, a entropia diminui; isso significa que essa tendência à ordem viola a Segunda Lei da Termodinâmica?
Problemas
1) Demonstre que duas curvas adiabáticas não podem se cruzar.
Dica: suponha que esse cruzamento seja possível e complete o ciclo
com uma isoterma. Mostre então que a Segunda Lei da Termodinâmica seria violada nesse caso.
2) Relembre as definições de rendimento K de um motor e de coeficiente N de desempenho de um refrigerador. A partir daí:
a) Para um refrigerador de Carnot, calcule N em função das
temperaturas das fontes fria e quente, T1 e T2 , respectivamente. Discuta como esse coeficiente depende da temperatura externa;
185
b) Compare o rendimento de um motor de Carnot com o desempenho de um refrigerador obtido do motor de Carnot
pela reversão dos processos;
c) Em um refrigerador doméstico, o coeficiente N de desempenho é 40% do ideal e o motor fornece uma potência de
220 W. A temperatura do congelador é de 13 , suponha a
temperatura ambiente de 27 . Qual a quantidade de calor
removida do congelador, em 15 minutos de funcionamento
do motor? Que quantidade de gelo ela permitiria formar,
partindo da água a uma temperatura de 0 (o calor latente
de fusão do gelo é de 80
)?
3) Um gás ideal monoatômico se expande lentamente até ocupar
um volume igual ao dobro do seu volume inicial, realizando
um trabalho igual a 300 J no processo. Esse processo pode ser
isotérmico, adiabático ou isobárico. Sendo assim:
a) Desenhe em um diagrama PV os três processos acima.
b) Calcule o calor fornecido ao gás e a variação de sua energia
interna para cada um dos três processos.
4) Numa máquina térmica o agente é um gás ideal de coeficiente
adiabático J. O gás sofre uma expansão adiabática na qual seu
volume cresce r vezes, seguida de uma compressão isotérmica
até seu volume inicial. Para fechar o ciclo, sua pressão é aumentada a volume constante. Dessa forma:
a) Desenhe esse ciclo em um diagrama PV , explicitando todas as informações disponíveis;
b) Calcule o rendimento em função de r e J;
c) Exprima o rendimento em função da razão entre as temperaturas extremas, T2 T1 ;
d) Calcule o rendimento para
e r 2 . Compare esse
rendimento com o de uma máquina de Carnot operando
entre as mesmas fontes.
186
5) Mostre que, para um fluido incompressível e com capacidade térmica C suposta constante, a entropia é dada por
S C ln(T ) A, onde A é independente da temperatura.
6) Mostre que a entropia molar de um gás ideal, em função da pressão
P e da temperatura T , é dada por s ( p, T ) CMP ln T R ln P A,
onde A é uma constante e C p CV R é a capacidade térmica
a pressão constante.
Bibliografia básica
NUSSENZVEIG, H. Moysés. Curso de física básica. São Paulo:
Edgard Blücher, 1997. v. 2.
RESNICK, R.; HALLIDAY, D.; KRANE, K. S. Física. Rio de Janeiro:
LTC, 2006. v. 2.
SEARS, Zemansky. Física II: termodinâmica e ondas. 10. ed. São
Paulo: Addison Wesley, 2003.
TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC,
2007. v. 1.
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