Jornal Mulier – Outubro de 2009, Nº 69

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Jornal Mulier – Outubro de 2009, Nº 69
Islã elevou a posição feminina na sociedade
Falar sobre as mulheres muçulmanas nos remete à falta de liberdade, obrigatoriedade de
uso de véu ou vestimentas que cobrem todo o corpo, como o chador e a burca, e uma
série de não-direitos, como ao trabalho, ao voto e à educação. Entretanto, essa é uma
visão preconceituosa produzida e difundida pelo Ocidente que não leva em consideração
os verdadeiros preceitos da religião Islâmica nem a realidade dos 50 países que
majoritariamente a adota. São estereótipos de mulheres nem sempre correspondentes
com a realidade de uma religião considerada uma das mais libertárias e defensoras das
mulheres, sendo adotada por milhares de pessoas todos os anos. No Brasil, uma média
de 40 pessoas por mês se converte ao Islã, a maioria mulheres entre 20 e 40 anos.
Os adeptos do Islã seguem o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos e uma completa
legislação que trata de questões constitucionais, civis, penais e militares. O Alcorão
significa a palavra de Deus (Allah) transmitida pelo anjo Gabriel, entre 610 e 632 a.C, ao
Profeta Maomé, considerado o mensageiro de Allah na Terra. Maomé reproduziu
oralmente suas palavras, iniciando o trabalho de pregação.
A condição feminina antes do advento do Islã é conhecida como de discriminação e
miséria, influenciada por uma cultura greco-romana-germânica e judaica-cristã que
injuriou, desprezou, tratou a mulher como posse e a responsabilizou por todos os males
porque teria sido a culpada pelo pecado original de Adão que trouxe a desgraça ao
mundo. Mas ambos pecaram, arrependeram-se e foram perdoados por Deus, segundo o
Islã. A religião surgiu em uma sociedade patriarcal de beduínos, que tratava as mulheres
como servas e praticava o infanticídio das meninas recém-nascidas, enterradas ainda
vivas. O Islã removeu este estigma da mulher de fraqueza e de impureza e a colocou no
mesmo patamar do homem, afirmando que mulheres e homens provêm da mesma
essência. O que os distingue é a fé: “(...) criamo-vos machos e fêmeas e dividimo-vos em
povos e tribos para que vos conhecesseis uns aos outros. Ao olhar de Deus, o mais nobre
dentre vós é o mais piedoso” - Alcorão 49:13. E quanto ao infanticídio feminino, o Islã
proibiu este costume, o considerou um crime de assassinato.
Garantia de Direitos
A Lei Islâmica não distingue mulheres e homens com relação à proteção da vida,
propriedade, honra e reputação. Assegura às mulheres a herança de pais, parentes,
maridos e descendentes, assim como o dote presenteado pelo marido, que será
exclusivamente dela, caso queira assim. Afirma que as mulheres têm direitos sobre aquilo
que ganharem, tendo, portanto, independência econômica. O Alcorão descreve direitos
femininos que as europeias demoraram séculos para conquistar, como o divórcio, a
herança e a recusa de casamentos arranjados.
Quanto ao trabalho fora de casa, ele não é proibido. Mas a religião responsabiliza o
homem pela manutenção da esposa, filhos e parentes necessitados. O papel como
mulher e mãe é sagrado e essencial. O lar é a principal preocupação feminina, o cuidado
da casa e a educação dos filhos são importantes para a construção da nação. A mulher é
indispensável na criação do próprio homem, uma responsabilidade feminina sacralizada,
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e sua importância no seio da família faz com que exerça uma influência muito positiva em
suas comunidades.
O casamento é uma escolha do casal, não sendo imposto à mulher. A união conjugal
serve para a formação de uma família e para propiciar bem-estar emocional e harmonia
espiritual. Com o casamento, espera-se que o casal encontre tranquilidade um ao lado do
outro, propiciada não só pela relação sexual, mas pelo amor e misericórdia, com carinho
mútuo, consideração, respeito e afeto. Se a exigência de virgindade é uma realidade para
a mulher, também é para o homem, assim como a condenação por adultério. O divórcio,
apesar de execrado pelo Islã, pode ser pedido por ambos, caso não haja mais amor.
A poligamia masculina é um dos pontos mais críticos. É permitida apenas aos homens,
que podem casar com até quatro mulheres, desde que tenha condições de sustentar elas
e os filhos dignamente e de forma igual. Esta permissão é cada vez mais rara. Vem de um
período de guerras na formação das nações islâmicas, que deixaram mulheres viúvas e
órfãs. Naquele contexto, era difícil para uma mulher viver sem um marido, além de
existirem muitas mulheres viúvas jovens, e o sexo ser permitido apenas dentro do
casamento. Por isso a poligamia era comum. Outra peculiaridade do Islã é que ele não
desvincula o sexo e o prazer da reprodução.
Apesar de imprescindível no lar, a mulher não é menos capaz de trabalhar, desenvolverse intelectualmente e educar-se, afinal, a mulher que não se educa não pode educar seus
filhos. Ela poderá trabalhar caso queira e precise para ajudar no sustento de sua família
ou caso o marido esteja impossibilitado, mas precisa conciliar tarefas domésticas e
atividades fora do lar, não exercendo profissões que a desmoralize. Em várias
sociedades, muitas mulheres desempenham funções em diversas atividades econômicas,
sociais e políticas. A responsabilidade masculina pelo sustento da família também é vista
como uma justiça ao grande trabalho que as mulheres têm em casa, já que seria injusto
sobrecarregá-la com o dever de trabalhar para ajudar no sustento da casa.
A vestimenta islâmica
Baseado na intenção de proteger a mulher, sua honra e dignidade, os preceitos do Islã
aconselham à mulher trajar-se com roupas decentes para seu próprio interesse, não
despertando más intenções de homens perversos. “(...) recomenda a tuas esposas e a
tuas filhas e às mulheres dos crentes que apertem seus véus em volta delas: é mais
provável que sejam assim reconhecidas, evitando ser molestadas” – Alcorão 33:59. É
recomendado, não imposto, o uso do véu para manter velados a cabeça e o peito,
cobrindo seus pontos de beleza, as partes mais atraentes de seus corpos: o pescoço, a
parte superior do colo, o cabelo, os braços e as pernas.
O uso do véu causa grande debate mundo afora e é tido como sinônimo de desigualdade
sexual e opressão. Mas as muçulmanas e os muçulmanos têm respostas prontas quando
são questionados. Dizem que opressiva é a constante obrigação de ir ao cabeleireiro,
usar maquiagem e escolher roupas que chamem a atenção. Perguntam se uma mulher
precisa estar seminua para ser civilizada e decente, considerando dignas de pena as
mulheres ocidentais ditas “emancipadas” que mostram sua privacidade para todos. No
Islã, há também a ideia de que as mulheres sejam atraentes não por seus dotes físicos,
mas por sua inteligência, capacidade e personalidade. Ela cobre com o véu a sua
sexualidade, não a sua feminilidade. Muitos países também obrigam as mulheres a
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usarem vestimenta da cabeça aos pés para servir de propaganda contra a
ocidentalização.
Os muçulmanos sabem que o contexto em que os versículos do Alcorão foram escritos
pode ajudar a entender muito de seus preceitos. A interpretação de um texto tão
complexo exige profundidade, conhecimento e isenção política para não ocorrer
distorções como acontecem em muitos países. O machismo das sociedades Ocidental e
Oriental é fato e serve para distorcer muitos ensinamentos do Islã, não fazendo com que
seja garantida essa mensagem libertária e igualitária do Alcorão. E algumas passagens
do Alcorão também podem servir para essa conhecida opressão, contradizendo a maioria
de seus ensinamentos. “Os homens têm autoridade sobre as mulheres pelo que Deus os
fez superiores a elas e por que gastam de suas posses para sustentá-las. As boas
esposas são obedientes e guardam sua virtude na ausência de seu marido conforme
Deus estabeleceu. Aquelas de quem temeis a rebelião, exortai-as, bani-las de vossa
cama e batei nelas” – Alcorão 4: 33.
Assim, as próprias muçulmanas, muitas jovens adeptas, interpretam à luz de nossos dias
o Alcorão e acreditam que o trabalho e a conquista da independência auxiliam a não
manipulação dos homens em nome de princípios religiosos, biológicos ou políticos. E
muitas mulheres já fazem isso. No Irã, as mulheres são mais de 60% dos universitários e,
recentemente, nas eleições presidenciais no país, a mulher de um candidato foi a grande
vitoriosa. Zahra Rahnavard, P.h.D. em Ciência Política, pesquisadora do Alcorão e exreitora da Universidade de Al-Zahra, mobilizou a população para votar no marido e
provocou um verdadeiro clamor de aprovação popular ao enumerar reivindicações de
direitos para as mulheres. Depois disso, uma mulher foi efetivada ministra no governo de
seu adversário político que venceu as eleições, a primeira em 30 anos de República
Islâmica no país. No Iraque, milhares de mulheres disputaram vagas nas eleições
parlamentares regionais. Viram a possibilidade de participar dos conselhos parlamentares
como uma forma de diminuir a corrupção nesses espaços majoritariamente masculinos.
Nas eleições legislativas de maio, no Kuait, mulheres foram eleitas para o Parlamento
pela primeira vez na história do país, sendo o voto feminino uma conquista recente, de
2005. E, no Afeganistão, conhecido por suas mulheres trajadas de burcas, proibidas de
sair de casa, trabalhar e estudar por tantos anos sob o regime dos Talibãs, a população
feminina está participando das mudanças no país. São 27,7% das deputadas, 21,6% das
senadoras, e duas candidatas concorreram à Presidência.
Como se pode perceber, o Islã avança nos direitos das mulheres. No entanto, sua
interpretação equivocada por parte de líderes masculinos ainda não colocou muitos de
seus preceitos na prática. É preciso entender a situação de vida das mulheres
muçulmanas sob o ponto de vista não só religioso, mas político e cultural, para não se cair
em análises que dizem o que é conservador ou emancipado. Os ideais feministas
europeus e norte-americanos não podem ser facilmente aplicados universalmente.
Muçulmanas não consideram a família como um obstáculo para sua liberdade,
ressentem-se da maneira como são identificadas pelos ocidentais e acreditam que
salários não funcionam como uma força libertadora.
Fontes
CHALLITA, Mansour (tardução). “O Alcorão”. Rio de Janeiro: Record, 2001.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo. “A Mulher Muçulmana: segundo o Alcorão”. Rio de Janeiro:
Palavra & Imagem, 2001.
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Revista “Caros Amigos”, agosto de 2007.
Jornal “O Globo”, 30/11/2003 e 19/04/2009.
Jornal “Folha de São Paulo”, 26/06/2005.
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