Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Artigo de Revisão 1 Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Papel da Ecocardiografia na Avaliação dos Tumores Cardíacos e de Massas Cardíacas não Infecciosas Role of Echocardiography in the Evaluation of Cardiac Tumors and non-Infectious Cardiac Masses Angelo Antunes Salgado1, Camila Aparecida de Souza Segrégio Reis2, Vinicius de Lemos Silva3, Márcia Bueno Castier4 Resumo Abstract O ecocardiograma é um exame não invasivo, prático e rapidamente disponível, que pode ser realizado à beira do leito e servir não apenas para a evidenciação das massas intracardíacas não infecciosas, mas também para o auxílio na sua definição etiológica. O papel da ecocardiografia na avaliação de massas intracardíacas, especialmente na avaliação de massas tumorais é importante na definição etiológica e na avaliação das possíveis abordagens terapêuticas, quer através de métodos invasivos quer seja por conduta expectante. Este trabalho tem por objetivo fazer uma revisão do papel da ecocardiografia na diferenciação dos tipos de massas cardíacas e demonstrar de que forma a ecocardiografia pode contribuir para a diferenciação dos tipos histológicos de tumor, bem como para a definição das massas intracardíacas não tumorais não infecciosas. The echocardiogram is a non-invasive examination, practical and readily available, which can be performed at the bedside, revealing not only noninfectious intracardiac masses, but also helping define their etiology. The role of echocardiography in the evaluation of intracardiac masses, especially tumorous masses, is important for defining etiology and assessing possible therapeutic approaches through either invasive methods or expectant management. This paper reviews the role of echocardiography and attempts to demonstrate how echocardiography can help distinguish histological tumor types, in addition to defining non-tumorous and non-infectious intracardiac masses. Palavras-chave: Neoplasias cardíacas; Ecocardiografia/ métodos; Técnicas de diagnóstico cardiovascular Keywords: Heart neoplasms; Echocardiography/ methods; Diagnostic techniques, cardiovascular Introdução predomínio de mixomas e fibroelastoma papilar nos adultos, e rabdomiomas e fibromas em crianças. Os casos são 25% malignos, com predomínio de sarcomas2. Os tumores cardíacos primários são extremamente raros, podendo apresentar frequência em necropsias que variam de 0,001% a 0,28%1. Apresentam-se, na sua maioria, como tumores benignos (75% dos casos), com 1 2 3 4 Já os tumores cardíacos metastáticos ocorrem com frequência até 20 vezes maior, apresentando-se em Programa de Pós-graduação (Doutorado) em Ciências Médicas - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Programa de Residência Médica em Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências Médicas - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Setor de Ecocardiografia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Correspondência: Angelo Antunes Salgado E-mail: [email protected] Rua Magalhães Couto, 237 ap. 101 - Méier - 20735-180 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Recebido em: 04/12/2011 | Aceito em: 25/02/2012 230 Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão 1:5 pacientes que morrem de neoplasia3. O melanoma é a neoplasia de maior potencial metastático cardíaco4, porém predomina a metástase cardíaca de neoplasias pulmonares e de mama, bem como de tireoide, por sua alta prevalência na população em relação às demais neoplasias. Considerações gerais . sinais e sintomas geralmente são determinados pela localização do tumor no coração e não pela sua histopatologia; . tumores localizados na valva aórtica e no átrio esquerdo foram associados com maior risco de embolização5; . paradoxalmente, tumores menores foram associados a maior risco de embolização do que tumores maiores; . o tumor deve ser definido em relação à sua localização, tamanho, mobilidade (pedunculado ou séssil), número e local de fixação. . na presença de tumores que se estendem para o átrio direito pela veia cava inferior (VCI), deve-se considerar: hipernefroma (mais comum), leiomiomatose uterina e hepatoma. Deve-se considerar ainda trombos originários de veias pélvicas e/ou membros inferiores. Tumores Cardíacos Benignos • Mixomas Consistem em 50% de todos os tumores cardíacos primários. Ocorrem mais em mulheres (2:1), da terceira à sexta década de vida 6. Podem causar sintomas sistêmicos como febre, anorexia, perda de peso e anemia. Tendem a evoluir para suboclusão do fluxo mitral, por prolapso do mixoma para o ventrículo esquerdo (VE) durante a diástole cardíaca, geralmente ocorrendo de acordo com a postura do paciente (plop tumoral). Ocorrem principalmente em átrio esquerdo (80%), seguido do átrio direito (15%), e raramente em ventrículos (3-4%). Em 5% dos casos, os mixomas são múltiplos7. Eventos embólicos são mais comumente observados em mixomas pequenos. Apesar da maior frequência de mixomas em mulheres, os processos embólicos ocorrem mais em homens. À macroscopia, os mixomas são pedunculados e de consistência gelatinosa, com diâmetros variados (média de 4-7cm), superfície lisa ou levemente lobulada, podendo ter trombos aderidos à sua superfície. Cerca de 35% são friáveis ou vilosos, com maior potencial emboligênico8. Características ecocardiográficas (Figura 1): massa de aspecto homogêneo ou com áreas hipoecoicas difusas Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho (áreas necróticas e/ou hemorrágicas), sobretudo nos mixomas maiores; e áreas hiperecoicas (áreas calcificadas em 20% dos casos, demonstrando tumor antigo). Geralmente apresentam contornos lisos e têm como característica principal a presença de um pedículo fino que o fixa no septo interatrial próximo à borda da fossa oval, quando presentes nos átrios8. Já foram relatados mixomas fixos em parede atrial, apêndice atrial esquerdo e mesmo em valvas cardíacas (raros). Figura 1 Mixoma atrial esquerdo. Observe a gigantesca massa causando obstrução ao fluxo diastólico mitral. Apesar de ser uma massa benigna, apresenta comportamento maligno (obstrução). • Fibroelastoma papilar É o tipo de tumor mais frequente em adultos, após o mixoma (26% dos tumores primários cardíacos). Ocorrem mais em homens (55%) e surgem por volta da quinta década de vida. Geralmente são únicos, havendo preferência por acometimento valvar (90%)9; porém em 10% dos casos, há acometimento de mais de uma valva. São benignos, assintomáticos, e geralmente diagnosticados por exames ecocardiográficos de rotina, ou em investigação da sua principal complicação: embolia de todo ou parte do tumor, ou ainda embolia de trombo que se forma ao redor do tumor, gerando acidente vascular encefálico (AVE), ataque isquêmico transitório ou mesmo morte súbita10. Tendem a ocorrer em áreas de irritação miocárdica, como em prolapso de valva mitral, áreas de degeneração fibrocálcicas e em cardiomiopatia hipertrófica. Apesar de ainda ser considerado menos frequente do que os mixomas, há um aumento na sua incidência, possivelmente por maior utilização do ecocardiograma no diagnóstico de fibroelastomas assintomáticos. Em estudo de caso-controle, a sensibilidade e a especificidade do ecocardiograma foram 88,9% e 87,8%, respectivamente 11. Sendo 231 Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho assim, o fibroelastoma poderá representar, no futuro, o tipo de tumor cardíaco mais frequente. À macroscopia, assemelham-se às anêmonas do mar, com um eixo central onde surgem várias vilosidades. Características ecocardiográficas (Figura 2): são geralmente pequenos, menores que 15mm no seu maior diâmetro (variam de 2mm a 70mm), pedunculados ou sésseis, com projeção em forma de “dedo”, geralmente oscilante com a movimentação do sangue. Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Características ecocardiográficas (Figura 3): são múltiplos, podendo ocorrer nas paredes de ambos os ventrículos, ou nas valvas atrioventriculares. São bem delimitados e levemente mais hiperecogênicos do que o miocárdio subjacente. Não tendem a apresentar áreas de hemorragias ou calcificações como os fibromas. Variam em tamanho de milímetros a centímetros, podendo ser pedunculados16. Figura 3 Rabdomioma cardíaco. Observe massas na valva mitral e no ventrículo esquerdo. Figura 2 Fibroelastoma aórtico. Apresenta-se aderido à face ventricular da valva aórtica. Ao Doppler não foi evidenciada destruição valvar significativa. Estão mais localizados na valva aórtica (ambas as faces) em 36% dos casos. As valvas mitrais são acometidas em segundo lugar (26%), seguidas da valva tricúspide em 11% e valva pulmonar em 7%. Raramente há acometimento de outras áreas endocárdicas, como SIV, parede livre do VE e dos tratos de saída do VE e ventrículo direito (VD), onde tendem a adquirir maior tamanho. Ao contrário das vegetações secundárias às endocardites infecciosas, não há acometimento da função valvar (não há destruição acentuada da sua estrutura anatômica)12. Tumores maiores que 1cm, localizados em câmaras cardíacas esquerdas, têm indicação de retirada cirúrgica. Acometem a região média da valva, diferenciando-os dos strands e das excrescências de Lambl, que se fixam na linha de fechamento valvar13. • Rabdomioma É o principal tumor cardíaco benigno na criança, sendo diagnosticado antes de um ano de idade. Tem como sintomas principais arritmias e disfunção cardíaca por obstrução do fluxo intracardíaco. A maioria dos rabdomiomas tende a regredir com a idade14. Podem estar associados à esclerose tuberosa em até 90% dos casos15. 232 • Fibroma É o segundo tipo de tumor cardíaco benigno mais comum na criança, com média de idade do diagnóstico de 13 anos. É raro no adulto. Cerca de 30% das crianças são assintomáticas, sendo os t u m o re s d e t e c t a d o s e m e x a m e s d e ro t i n a . Clinicamente podem se manifestar com arritmias ventriculares, insuficiência cardíaca e morte súbita. Ao contrário dos rabdomiomas, os fibromas não regridem naturalmente e acometem o VE cinco vezes mais do que o VD17. À macroscopia são tumores solitários, formados por estrutura fibrosa, medindo 2-10cm, localizados no SIV ou na parede livre dos ventrículos. Podem estar bem encapsulados ou difusos no miocárdio. Características ecocardiográficas: massa única e delimitada, heterogênea, com áreas císticas, de necrose e, comumente, calcificação central, aderida aos ventrículos. A porção ventricular acometida é hipocinética e pode se apresentar hipertrofiada, mimetizando cardiopatia hipertrófica septal 18. • Lipomas São causados por acúmulo de células adipocitárias19, ocorrendo em qualquer lugar do coração, acometendo subendocárdio, subepicárdio, pericárdio, septo interatrial. Medem apenas alguns centímetros, mas podem ser extensos e pesar alguns quilos. Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Geralmente são assintomáticos e, quando geram sintomas, estes estão mais associados à parte elétrica (arritmias, bloqueios) ou angina por compressão coronariana20. acometendo ambos os sexos. Características ecocardiográficas: podem acometer qualquer câmara, sendo extremamente invasivos, englobando estruturas contíguas24. Características ecocardiográficas (Figura 4): são de características bem diversificadas, já que sua aparência muda de acordo com sua localização. No pericárdio podem variar de inteiramente hipoecogênico, parcialmente hipoecogênico à isoecogênico, enquanto os lipomas endocavitários são hiperecogênicos e homogêneos21. Leiomiosarcomas: são raros. Características ecocardiográficas: acometem mais átrio esquerdo, são invasivos e podem gerar hemopericárdio25. • Linfomas Englobam 5% de todos os tumores cardíacos malignos primários. Sua incidência tem aumentado c o m o a u m e n t o n o n ú m e ro d e i n d i v í d u o s imunodeprimidos pela síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). Características ecocardiográficas (Figura 5): há o acometimento de qualquer área do coração ou pericárdico, principalmente o lado direito do coração, podendo se estender para as veias cavas, apresentando-se no endocárdio como estruturas nodulares ou polipoides. É comum a presença de derrame pericárdico26. Figura 4 Lipoma em região do septo interatrial. Não há preservação do forâmen oval. • Feocromocitomas ou paragangliomas São extremamente raros, mais comum em mulheres. Caracterizam-se por estarem situados na região atrioventricular, com formato ovoide e bem individualizados22. Tumores Cardíacos Malignos • Sarcomas Englobam 95% de todos os tumores cardíacos malignos primários. Geram arritmias, obstruções do fluxo (pré-sincope, síncope, morte súbita) e derrame pericárdico. São de três tipos principais: Angiosarcomas: mais comum dos sarcomas, acometendo sobretudo homens. Características ecocardiográficas: ocorrem mais do lado direito do coração, sobretudo em átrio direito ou em pericárdio, sendo lesões de dimensões grandes, podendo preencher toda a cavidade intracardíaca. Quando acometem o átrio direito, comumente se fixam próximo à VCI. É comum a infiltração na parede da câmara acometida e sua extensão para a VCI23. Rabdomiosarcomas: tipo mais comum após o angiosarcoma, englobando 20% de todos os sarcomas, Figura 5 Linfoma cardíaco, em paciente HIV positivo, comprometendo o átrio e o ventrículo direitos. Presença de derrame pericárdico associado. • Mesoteliomas Acometem pericárdio e se manifestam geralmente como derrame pericárdico ou como pericardite constrictiva. Características ecocardiográficas: acometimento pericárdico, com espessamento e pouco e n v o l v i m e n t o m i o c á rd i o ( a o c o n t r á r i o d o s sarcomas), com derrame pericárdico ausente ou de leve a grande quantidade, podendo gerar tamponamento. Não há associação clara entre o seu surgimento e a exposição ao asbesto11. 233 Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Outras Massas Intracardíacas Não Infecciosas • Hipertrofia lipomatosa do septo É caracterizado pela infiltração de adipócitos no septo interatrial, com aumento da sua espessura (>2cm), preservando a fossa oval, ocorrendo mais comumente em obesos e em pacientes idosos27. Características ecocardiográficas (Figura 6): hipertrofia septal, com aumento da sua ecogenicidade, sem comprometimento da fossa oval, gerando o clássico formato de halteres. O paciente é assintomático, podendo apresentar, raramente, arritmias atriais20. Figura 7 Caseous mitral. Observe a estrutura hiperecogênica no anel mitral posterior. Figura 6 Hipertrofia lipomatosa do septo interatrial. Há preservação da fossa oval. presente no átrio direito, podendo estar associada a forâmen oval patente e aneurisma do septo interatrial. Está fixada próximo à VCI e se estende ao SIA30. Quando a rede de Chiari não apresenta fenestrações, passa a ser denominada de valvuleta de Eustáquio, sendo demonstrada ecocardiograficamente como uma estrutura linearmente mais individualizada. Não apresenta importância clínica, podendo, raras vezes, estar relacionada a processos tromboembólicos, arritmias, endocardites e complicações de procedimentos invasivos direitos (embaraçamento do cateter). • Degeneração caseosa do anel mitral Consiste na degeneração crônica do anel fibroso valvar mitral, acometendo o seu anel posterior. É raríssima (0,068% de todos os exames ecocardiográficos), e ocorrem mais particularmente em pessoas com distúrbio do metabolismo do cálcio (renal crônico)28. Características ecocardiográficas (Figura 7): presença de massa hiperecogênica com limites precisos em anel mitral posterior, heterogênea, com acentuada calcificação, com área central com ecogenicidade mais atenuada (necrose). Deve ter seu diagnóstico diferencial com: trombo (mais hipoecogênico e sem essa calcificação acentuada), abscesso de anel (avaliar febre associada; vegetações), ou tumor (localização atípica para mixoma)29. • Rede de Chiari / Valvuleta de Eustáquio A rede de Chiari é um remanescente da valva venosa direita do coração fetal, presente em 2% da população. Características ecocardiográficas (Figura 8): estrutura filamentar, fenestrada, extensa e oscilante, 234 Figura 8 Valvuleta de Eustáquio. Típica estrutura filamentar aderida à desembocadura da veia cava inferior. • Strands Valvares / Excrescência de Lambl Características ecocardiográficas: estruturas filiformes, hipermóveis, pequenas (<10mm), aderidas à face atrial da valva mitral ou ventricular da valva aórtica, com movimentação independente da valva 31. Podem estar aderidas a próteses. O termo strands e excrescência de Lambl se confundem na sua definição, sendo utilizados como sinônimos. Devem ser diferenciados de fibroelastoma papilar13. Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão • Trombos intracardíacos: Os trombos intracardíacos apresentam características ecocardiográficas que permitem a sua diferenciação das demais massas cardíacas, além de estarem associados a alterações anatômicas cardíacas que possibilitam o seu aparecimento. Portanto é comum se observarem trombos em regiões em que a estase sanguínea é acentuada, com presença de remora do fluxo sanguíneo, como na auriculeta esquerda aumentada em paciente com estenose mitral e/ou fibrilação atrial, sobretudo se a velocidade de esvaziamento da auriculeta esquerda estiver abaixo do normal (0,4m/s), ou em região apical cardíaca na presença de discinesia dessa área 32. Trombos podem ser visualizados no coração direito ou na artéria pulmonar de pacientes com diagnóstico de embolia pulmonar. Características ecocardiográficas: massa de tamanho variável, com ecogenicidade semelhante ao miocárdio (trombos recentes) ou diferente deste (trombos antigos, heterogêneos, com áreas de calcificação associadas), podendo se projetar para a luz da câmara cardíaca ou apresentar um aspecto laminar (trombos antigos do VE tendem a “atapetar o endocárdio”), vista por pelo menos dois planos de incidência diferentes. Trombos em regiões apicais do VE podem ser diagnosticados erroneamente como tendões apicais, trabeculações (pacientes com hipertrofia cardíaca) ou mesmo artefatos de imagem. Para isso, deve-se considerar o movimento miocárdico associado do segmento que apresenta o trombo. Se houver Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho acinesia/discinesia, sobretudo em corações disfuncionantes e com remora, há forte suspeita de ser trombo. Caso o segmento contraia e a função do VE seja normal, o diagnóstico diferencial merece ser considerado. A formação de trombo em região apical normocontrátil ocorre apenas na síndrome hipereosinofílica, em que não há déficit contrátil segmentar associado33. Outra característica do trombo, caso haja dúvida diagnóstica, é a sua resolução ou diminuição do tamanho após início de terapia anticoagulante, o que não ocorre com outras massas. No Quadro 1 são apresentados alguns pontos-chave sistematizados. O resumo das principais características dos tumores cardíacos e das demais massas intracardíacas não infecciosas encontram-se nos Quadros 2 e 3. Metodologia A presente revisão foi realizada através da seleção de referências e coleta de informação dos bancos de dados Pubmed, ISI Thompsom e Scopus, por intermédio do portal CAPES, utilizando as variáveis de interesse pela terminologia MeSH “heart neoplasms”; “echocardiography” e “diagnosis”, através de um sistema de termos cruzados, com extração de dados pela leitura das referências selecionadas. Os artigos nacionais foram selecionados no banco de dados Lilacs, utilizandose as mesmas variáveis. Quadro 1 Sistematização de alguns pontos-chave Pontos-chave Os tumores cardíacos primários são extremamente raros. O tumor cardíaco primário mais frequente no adulto é o mixoma, sendo mais comum no átrio esquerdo. O tumor valvar mais comum no adulto é o fibroelastoma. Ambos são benignos. O tumor primário mais comum na criança é o rabdomioma, que são múltiplos e tendem a regredir com a idade. O fibroma é o segundo tumor mais comum na criança, mas não regride espontaneamente. Ambos são benignos. O tumor primário maligno mais comum é o sarcoma. Deste, o angiosarcoma é o mais comum e geralmente ocorre em átrio direito. A hipertrofia lipomatosa do septo interatrial ocorre mais em idosos e obesos e poupa a fossa oval. Tem formato clássico de “halteres”. Rede de Chiari/ Valvuleta de Eustáquio são remanescentes embrionários da valva da VCI e são filamentares. Está aderida à desembocadura da VCI. Trombos intracardíacos apresentam fatores predisponentes na sua formação (estase sanguínea, presença de corpo estranho) e podem se resolver com anticoagulação. VCI=veia cava inferior 235 Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Quadro 2 Principais características das massas tumorais Massas tumorais Mixoma Fibroelastoma papilar Rabdomioma Fibroma Lipoma Feocromocitoma/ paraganglioma Observações principais Faixa etária Características ecocardiográficas • 50% dos tumores primários • 2♀ : 1♂ • Benigno, porém emboligênico • Contornos lisos ou levemente lobulados 20 - 50 anos • Pedículo fixado ao SIA • 20% com calcificação • Mais comum no AE (75%) • 10% dos tumores primários • 55% ♂ • Benigno, porém emboligênico • 36% acomete valva aórtica • 10% múltiplos > 40 anos • Pequenos, menores que 15mm no seu maior diâmetro. • Pedunculados ou sésseis, com projeção em forma de “dedo”. • Geralmente oscilante com a movimentação do sangue. • Acometem a região média das valvas. • Ao contrário das vegetações secundárias às endocardites infecciosas, não há acometimento da função valvar. • Principal tumor benigno da criança • Tende a regredir com a idade • Em 90% dos casos, associado à esclerose tuberosa <1 ano • Benigno, porém pode gerar sintomas obstrutivos e/ou arritmogênicos • Múltiplos, podendo ocorrer nas paredes de ambos os ventrículos, ou nas valvas atrioventriculares. • B e m d e l i m i t a d o s e l e v e m e n t e m a i s hiperecogênicos do que o miocárdio subjacente. • Não tendem a apresentar áreas de hemorragias ou calcificações como os fibromas. • O tamanho varia de milímetros a centímetros, podendo ser pedunculados. • Segundo tumor benigno mais comum na criança • Raro no adulto • Acomete a ambos os sexos • Não regride com a idade >10 anos • Acomete mais VE que VD • Benigno, porém pode gerar sintomas obstrutivos e/ou arritmogênicos. Pode gerar morte súbita (raro) • Massa única e delimitada, medindo 1-10cm de diâmetro, heterogênea, com áreas císticas de necrose e, comumente, calcificação central, aderida aos ventrículos. • A porção ventricular acometida é hipocinética e pode apresentar-se hipertrofiada, mimetizando cardiopatia hipertrófica septal. • Acomete qualquer lugar do coração (pericárdio, miocárdio ou endocárdio) • Acomete a ambos os sexos • Seu peso varia de gramas a quilos. Variável • Benigno, porém pode gerar sintomas obstrutivos e/ou arritmogênicos. Podem gerar angina por compressão coronariana • Características bem diversificadas - aparência muda de acordo com a sua localização. • No pericárdio podem variar de inteiramente hipoecogênico, parcialmente hipoecogênico a isoecogênico. • No endocárdio são hiperecogênicos e homogêneos. • Muito raro • Mais comum em ♀ • Estrutura ovalada, de contornos definidos, em região atrioventricular. AE=átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; VD=ventrículo direito; SIDA=síndrome da imunodeficiência adquirida; VCI=veia cava inferior; SIA=septo interatrial 236 Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Quadro 2 (continuação) Principais características das massas tumorais Massas tumorais Sarcoma Linfoma Mesotelioma Observações principais Faixa etária Características ecocardiográficas • 95% dos tumores malignos primários • Angiosarcomas: ocorrem mais do lado direito do • Pode ser: angiosarcoma (mais comum), coração, sobretudo em átrio direito, ou em rabdomiosarcoma e leiomiosarcoma pericárdio, sendo lesões de dimensões grandes, (raro) podendo preencher toda a cavidade intracardíaca. 20 - 40 anos • Angiosarcoma: mais comum em ♂ Quando acometem o átrio direito, comumente se • Rabdomiosarcoma: sem preferência de fixam próximo à VCI. É comum a infiltração na sexo parede da câmara acometida e sua extensão para • Leiomiosarcoma: sem preferência de sexo a VCI. • Pode gerar sintomas obstrutivos e/ou • Rabdomiosarcomas: podem acometer qualquer arritmogênicos e derrame pericárdico câmara, sendo extremamente invasivo, (hemorrágico) acometendo estruturas contíguas. • Leiomiosarcomas: acometem mais átrio esquerdo, são invasivos e podem gerar hemopericárdio. • 5% dos tumores malignos primários • Incidência aumentada com a SIDA • Acometem principalmente o lado direito do coração, podendo se estender para as veias cavas. • No endocárdio se apresenta como estruturas nodulares ou polipoides. • É comum a presença de hemopericárdio. • Acomete o pericárdio • Não há associação com exposição prévia ao asbesto • Raríssimo • Acometem o pericárdico, com espessamento e pouco acometimento miocárdio (ao contrário dos sarcomas), com derrame pericárdico ou não (pode ocorrer tamponamento). AE=átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; VD=ventrículo direito; SIDA=síndrome da imunodeficiência adquirida; VCI=veia cava inferior; SIA=septo interatrial 237 Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Quadro 3 Principais características das demais massas intracardíacas não tumorais Faixa etária Características ecocardiográficas Massa Observações principais Hipertrofia lipomatosa do septo • Infiltração de adipócitos no septo interatrial com aumento da sua espessura >50 anos (>2mm). • Preserva a fossa oval • Ocorre mais em obesos. • Geralmente assintomático (raramente arritmias atriais) • Hipertrofia septal, com aumento da sua ecogenicidade. • Sem comprometimento da fossa oval. • Clássico formato de halteres. Degeneração caseosa do anel mitral • Degeneração crônica do anel fibroso posterior da valvar mitral Idosos • Raro • Associado ao distúrbio do metabolismo do cálcio • Massa hiperecogênica com limites precisos em anel mitral posterior, heterogênea, com acentuada calcificação, com área central com ecogenicidade mais atenuada (necrose). Rede de Chiari/ Valvuleta de Eustáquio • Remanescente da valva venosa direita do coração fetal Congênita • Acomete 2% da população • B e n i g n a . R a r a m e n t e c a u s a tromboembolismo, arritmia, endocardite ou complicações de procedimentos invasivos direitos. • Estrutura filamentar, fenestrada, extensa e oscilante, presente no átrio direito (rede de Chiari). • Pode estar associada a forâmen oval patente e aneurisma do septo interatrial. • Fixada próximo à VCI e se estende ao SIA. • Quando a rede de Chiari não apresenta fenestrações, passa a ser denominada de valvuleta de Eustáquio, (estrutura linearmente mais individualizada). Strands valvares/ Excrescência de Lambl • Podem estar associadas às valvas nativas Idosos ou em próteses valvares • Estruturas filiformes, hipermóveis, pequenas (<10mm). • Aderidas à face atrial da valva mitral ou ventricular da valva aórtica. • Movimentação independente da valva. Trombo intracardíaco • Associado a alterações anatômicas cardíacas que possibilitam o seu aparecimento (estase sanguínea, Variável discinesia miocárdica) • P o d e r e g r e d i r a p ó s i n í c i o d e anticoagulação. • Massa de tamanho variável, com ecogenicidade semelhante ao miocárdio (trombos recentes) ou diferente deste (trombos antigos, heterogêneos, com áreas de calcificação associadas). • Podem ser sésseis, pedunculados ou laminares (trombos antigos do VE tendem a “atapetar o endocárdio”). • Trombos apicais: diagnóstico diferencial: tendões, trabeculações, artefatos. Se segmento discinético: considerar trombo; se normocontrátil: considerar d i a g n ó s t i c o d i f e re n c i a l o u s í n d ro m e hipereosinofílica. VCI=veia cava inferior; SIA=septo interatrial; VE=ventrículo esquerdo; 238 Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão Conclusão O ecocardiograma é um exame não invasivo, prático e rapidamente disponível, que pode ser realizado à beira do leito e servir não apenas para a evidenciação das massas intracardíacas não infecciosas, mas também para o auxílio na sua definição etiológica. Potencial Conflito de Interesses: Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica: Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Angelo Antunes Salgado do Programa de Doutorado em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Referências 1. Silverman NA. Primary cardiac tumors. Ann Surg. 1980;191(2):127-38. 2. Vander Salm TJ. Unusual primary tumors of the heart. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(2):89-100. 3. Silvestri F, Bussani R, Pavletic N, Mannone T. Metastases of the heart and pericardium. G Ital Cardiol. 1997; 27(12):1252-5. 4. Glancy DL, Roberts WC. The heart in malignant melanoma. A study of 70 autopsy cases. Am J Cardiol. 1968;21(4):555-71. 5. Elbardissi AW, Dearani JA, Daly RC, Mullany CJ, Orszulak TA, Puga FJ, et al. Embolic potential of cardiac tumors and outcome after resection: a case-control study. Stroke. 2009;40(1):156-62. 6. Vilela EP, Moura L, Pepe D, Nunes E, Erthal F, Campana E. Mixoma atrial gigante simulando estenose mitral grave em paciente jovem. Arq Bras Cardiol. 2010;95(5):e125-7. 7. St John Sutton MG, Mercier LA, Giuliani ER, Lie JT. Atrial myxomas: a review of clinical experience in 40 patients. Mayo Clin Proc. 1980;55(6):371-6. 8. Pinede L, Duhaut P, Loire R. Clinical presentation of left atrial cardiac myxoma. A series of 112 consecutive cases. Medicine (Baltimore). 2001;80(3):159-72. 9. Oliveira SF, Dias RR, Fernandes F, Stolf NA, Mady C, Oliveira SA. Fibroelastoma papilífero. Experiência de uma instituição. Arq Bras Cardiol. 2005;85(3): 205-7. 10.Gowda RM, Khan IA, Nair CK, Mehta NJ, Vasavada BC, Sacchi TJ. Cardiac papillary fibroelastoma: a comprehensive analysis of 725 cases. Am Heart J. 2003;146(3):404-10. Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho 11. Salcedo EE, Cohen GI, Write RD, Davison MB. Cardiac tumors: diagnosis and management. Curr Probl Cardiol. 1992;17(2):73-137. 12.Sun JP, Asher CR, Yang XS, Cheng GG, Scalia GM, Massed AG, et al. Clinical and echocardiographic characteristic of papillary fibroelastomas: a retrospective and prospective study in 162 patients. Circulation. 2001;103(22):2687-93. 13.Daveron E, Jain N, Kelley GP, Luer WH, Fermin C, Helmcke F, et al. Papillary fibroelastoma and Lambl’s excrescences: echocardiographic diagnosis and d i f f e r e n t i a l d i a g n o s i s . E c h o c a r d i o g r a p h y. 2005;22(5):461-3. 14. Atik E. Regressão tardia espontânea de tumor obstrutivo na valva mitral. Arq Bras Cardiol. 2009; 93(4):e60-2; e48-50. 15.Beghetti M, Gow RM, Haney I, Mawson J, Williams W G , F re e d o m R M . P e d i a t r i c p r i m a r y b e n i g n cardiac tumors: a 15-year review. Am Heart J. 1997;134(6):1107-14. 16.Uzun O, Wilson DG, Vujanic GM, Parsons JM, De Giovanni JV. Cardiac tumours in children. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:11. 17. Vidaillet HJ Jr. Cardiac tumors associated with hereditary syndromes. Am J Cardiol. 1988;61(15):1355. 18.Burke AP, Rosado-de-Christenson M, Templeton PA, Virmani R. Cardiac fibroma: clinicopathologic correlates and surgical treatment. J Thorac Cardiovasc Surg. 1994;108(5):862-70. 19.Figueira F, Moraes Neto F, Moraes CR. Ressecção de lipoma do septo interventricular. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(4): 591-3. Erratum in: Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011;26(1):144. 20.Jain D, Maleszewski JJ, Halushka MK. Benign cardiac tumors and tumorlike conditions. Ann Diagn Pathol. 2010;14(3):215-30. 21.Benvenuti LA, Mansur AJ, Lopes DO, Campos RV. Primary lipomatous tumors of the cardiac valves. South Med J. 1996;89(10):1018-20. 22.Osranek M, Bursi F, Gura GM, Young WF Jr, Seward JB. Echocardiographic features of pheochromocytoma of the heart. Am J Cardiol. 2003;91(5):640-3. Erratum in: Am J Cardiol. 2003;92(6):772. 23.Burke AP, Cowan D, Virmani R. Primary sarcomas of the heart. Cancer. 1992;69(2):387-95. 24.Castorino F, Masiello P, Quattrocchi E, Di Benedetto G. Primary cardiac rhabdomyosarcoma of the left atrium: an unusual presentation. Tex Heart Inst J. 2000;27(2):206-8. 25. Pins MR, Ferrell MA, Madsen JC, Piubello Q, Dickersin GR, Fletcher CD. Epithelioid and spindle-celled leiomyosarcoma of the heart. Report of 2 cases and review of the literature. Arch Pathol Lab Med. 1999;123(9):782-8. 26.Antoniades L, Eftychiou C, Petrou PM, Bagatzounis A, Minas M. Primary cardiac lymphoma: case report and brief review of the literature. Echocardiography. 2009;26(2):214-9. 239 Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):230-240 maio/junho 27.Gottlieb I, Vávere A, Hannon K, Russell S, Brinker J, Lima JAC. Hipertrofia lipídica do septo interatrial: relato de casos e revisão da literatura. Rev SOCERJ. 2007;20(3):235-7. 28.Marci M, Lo Jacono F. Mitral regurgitation due to caseous calcification of the mitral annulus: two case reports. Cases J. 2009;2(1)95. 29.Deluca G, Correale M, Ieva R, Del Salvatore B, Gramenzi S, Di Biase M. The incidence and clinical course of caseous calcification of the mitral annulus: a prospective echocardiographic study. J Am Soc Echocardiogr. 2008;21(7):828-33. 240 Salgado et al. Ecocardiograma nos Tumores e Massas Cardíacas Artigo de Revisão 30. Loukas M, Sullivan A, Tubbs RS, Weinhaus Aj, Derderian T, Hanna M. Chiari’s network: review of the literature. Surg Radiol Anat. 2010;32(10):895-901. 31.Aziz F, Baciewicz FA Jr. Lambl’s excrescences: review and recommendations. Tex Heart Inst J. 2007;34(3):366-8. 32.Osherov AB, Borovik-Raz M, Aronson D, Agmon Y, Kapeliovich M, Kerner A, et al. Incidence of early left ventricular thrombus after acute anterior wall myocardial infarction in the primary coronary intervention era. Am Heart J. 2009;157(6):1074-80. 33.Sheikh J, Weller PF. Clinical overview of hypereosinophilic syndromes. Immunol Allergy Clin North Am. 2007;27(3):333-55.