SOCIEDADE CIVIL, POLÍTICAS SOCIAIS E O ESTADO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UMA TRÍADE COLOCADA EM DEBATE. Michael Hermann Garcia* RESUMO O artigo em si trata da tríade – sociedade civil, políticas sociais e Estado – sob referencial de Antônio Gramsci, sem esquecer de fazer o contraponto com as outras fontes teóricas das Ciências Sociais no estudo exploratório destas categorias sociológicas presentes no Brasil da contemporaneidade. Trabalha-se com as concepções teóricas dos termos que compõem a tríade sob à ótica gramsciana na interpretação de vários autores como Carlos Nelson Coutinho, Giovanni Semeraro, Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Ivette Simionatto, Silene Freire, Maria Lúcia Wernerck Vianna, entre outros. Palavras-chave: sociedade civil, políticas sociais, Estado, Gramsci. Antes de falarmos em sociedade civil é necessário colocarmos de como se configuraram os projetos decisivos de seus protagonistas dentro da sociedade burguesa. O erguimento desta sociedade do capital madura e consolidada, assentada na ordem monopólica foi construída por protagonistas histórico-sociais, e que em curso confrontaram-se com projeções e estratégias próprias e diferenciadas. Nisto podemos colocar a transição do capitalismo concorrencial ao monopólico onde foram concretizados três fenômenos: (1) o proletariado constituído como classe para si; (2) a burguesia operando estrategicamente como agente social conservador; (3) o peso específico das classes e camadas intermediárias (Netto, 1989). Diante do refluxo do movimento operário, inicia-se a construção de sua identidade através de sindicatos e partidos políticos para referendar a sua prática sindical classista, de sondagem socialista e anti-capitalista, fazendo com que a burguesia e o Estado cedessem e dessem respostas a esta pressão, deixando-os entrar na participação cívico-política. Daí podemos falar que o protagonismo proletário veio como uma possível resolução da questão social como variável a ultrapassagem da sociedade burguesa, e sua subseqüente politização era visualizada como parte do processo revolucionário. Combinaram com * Assistente Social graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialista em Violência Doméstica e Urbana pela PUC Rio de Janeiro, Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL) e membro associado-discente do NPEJIP – Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Juventudes, Identidades e Participação da Pós-Graduação em Políticas Sociais e Cidadania – UCSAL. 1 Docente responsável pelas disciplinas de Fundamentos em Serviço Social da UNIME Salvador, docente responsável das disciplinas de Políticas Sociais da UNIME Itabuna e coordenador técnico de pesquisa do NEPSSI (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Serviço Social e Interdisciplinaridade). Email: [email protected] isso o conservadorismo e o reformismo integrador, utilizando a crescente complexidade da estrutura social e a diferenciação que penetra o movimento operário (Netto,1989). Nisto o objetivo principal da sociedade burguesa é de deslocar a “questão social”2 do campo da política, tornando-a objeto de tratamento da administração técnica e burocrática estatal ou do campo da terapia comportamental, mudando assim as perspectivas públicas e privadas. Como então discutir tal tríade no contexto brasileiro? As categorias de Gramsci3 serão bastante utilizadas neste caso para entendermos a realidade brasileira e a configuração de sua “questão social” e de suas respostas mediante políticas sociais.4 Segundo Coutinho (1995) há um jogo de soma “zero”, pois a burguesia só acumula ganhos enquanto o proletariado perde apenas. Em épocas do capitalismo concorrencial não existia a chamada “Política Social”, e o Estado era restrito na sua concepção, pois não intervia diretamente na economia. Era apenas o guardião das condições externas do capitalismo. Sua concepção restrita vinha que o mesmo só respondia aos interesses das classes dominantes, e que só se relacionava com a sociedade como um todo através da coerção5 (Netto, 1989). Nisto surgem novas mudanças estruturais e conjunturais dentro da sociedade capitalista como um todo, entre meados do século XIX e início do século XX. Inicia-se a era dos Monopólios, onde o próprio capitalismo cria certos mecanismos que negam a própria reprodução do capital. A sociedade, antes bipolarizada, torna-se pluriclassista, e o Estado deixa de ser o único sujeito coletivo existente com a inclusão de novos atores e personagens sociais: partidos, sindicatos e outros segmentos da sociedade civil. Isto resume de fato a transformação de um Estado, antes restrito, para uma concepção ampliada na sua configuração e de dar respostas à sociedade como um todo. Porém algumas funções lhe são dadas como: garantir o mercado, intervir na economia e a legitimidade de “benfeitor social”6. As classes subalternas – trabalhadoras – apresentam demandas para a classe dominante – burguesia – que intervém via Estado para a busca de sua própria legitimação. Podemos dizer que o Estado ampliado não representa os interesses das “outras classes”7, e sim atende os interesses para a única finalidade de manter o status quo do capital, ou seja, dar concessões8 aos trabalhadores e demais subalternos. O consenso com as classes subalternas 2 Segundo IAMAMOTO & CARVALHO (1983:77) a “ ‘questão social’ é o conjunto de expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano social (vida social), da contradição, entre proletariado e a burguesia”. 3 Neste caso as categorias forma utilizadas por Carlos Nelson Coutinho (1995). 4 As políticas sociais como respostas imediatas para amenizar as múltiplas refrações da “questão social”. 5 A política social neste caso do Estado restrito é descrito como “caso de polícia”. 6 Legitimidade na reprodução e manutenção da classe trabalhadora, bem como na socialização dos custos da força de trabalho. 7 Lê-se classes subalternas. 8 As concessões são as respostas mínimas que o Estado dar para as classes subalternas através de políticas sociais. vêm como busca da legitimação, apoio e sobrevivência do modo capitalista de produção. No caso brasileiro podemos dizer que há uma mistura de “consenso e coerção”, ou seja, mesmo com a sua ampliação, o Estado não abandonou o seu caráter repressivo, somente descobriu o consenso (Coutinho, 1995). Mas, como poderíamos ter uma definição concreta de sociedade civil para começarmos a análise sobre a história social brasileira? Semeraro (1997) nos diz que: A novidade da noção de sociedade civil esboçada por Gramsci consiste no fato de que não foi pensada em função do Estado, em direção ao qual tudo deve ser orientado, como queria Hegel. Nem se reduz ao mundo exclusivo das relações econômicas burguesas, como queriam algumas interpretações das teorias de Marx. Para Gramsci, a sociedade civil é, antes de tudo, o extenso e complexo espaço público não-estatal onde se estabelecem as iniciativas dos sujeitos modernos que, com sua cultura, com seus valores ético-políticos e suas dinâmicas associativas, chegam a formar as variáveis das identidades coletivas. É lugar, portanto, de grande importância política onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver as suas convicções e a lutar para um novo projeto hegemônico que poderá levar à gestão democrática e popular do poder. (Semeraro,1997). Não havendo a diminuição do peso das estruturas e da base econômica, Gramsci ainda estabelece uma dialética entre sociedade civil e sociedade política e traça uma justa relação entre as condições objetivas da realidade e a vontade de organização de sujeitos ativos (e coletivos) capazes de construir o "bloco histórico". Nesta relação, no entanto, o que deve emergir é sempre a promoção sociopolítica das massas, o desenvolvimento dos valores da liberdade, da responsabilização e da capacitação dirigente das classes trabalhadoras (Semararo,1997). O termo sociedade civil em Gramsci designa um momento ou esfera da superestrutura9. Coloca como um conjunto das instituições responsáveis pela elaboração ou difusão de valores simbólicos, de ideologias, compreendendo acima de tudo o sistema escolar, as igrejas, as organizações profissionais, os partidos políticos, as instituições de caráter científico, os movimentos sociais, etc.(Freire, 2005). Segundo as concepções analisadas de Gramsci, a base histórica do Estado foi deslocada da sociedade política para a sociedade civil. As sociedades ocidentais que colocam uma nova prática em hegemonia, e o surgimento do “americanismo” e o “fordismo”, como novas formas presentes no modo de produção capitalista. Sabemos que o conceito de sociedade civil nasceu através da tradição burguesa clássica e liberal, o que Semeraro nos coloca logo abaixo: Gramsci elabora um novo significado que o diferencia da tradição jusnaturalista e o conduz além dos horizontes desenhados por Hegel, Croce e o próprio Marx. Âmbito particular da subjetividade e de suas múltiplas expressões, a sociedade civil não é apenas o território exclusivo da burguesia, reservado para as suas iniciativas econômicas e a estruturação da sua hegemonia no mundo moderno. 9 Segundo Gramsci, são os aparelhos ideológicos do Estado como todo, que inclui também os aparelhos privados já mencionados. Podemos colocar como exemplo mais concreto os meios de comunicação na sua abrangência mais midiática. Gramsci percebe que este espaço pode, também, transformar-se em uma arena privilegiada onde as classes subalternas organizam as suas associações, articulam as suas alianças, confrontam os seus projetos ético-políticos e disputam o predomínio hegemônico. A modernidade, de fato, não deu só origem ao capitalismo e à autonomia pessoal, mas abriu a estrada, também, à emancipação das massas e lançou as premissas da democracia social. E, se é verdade que no Ocidente as estruturas da sociedade civil se desenvolveram simultaneamente às estruturas do mercado capitalista e às formas particulares de industrialismo, seria um ‘erro deduzir disso a existência de uma única lógica social que veja sociedade civil, capitalismo e industrialismo indissoluvelmente associados (Semeraro, 1997). Na visão do liberalismo-burguês a sociedade civil é o espaço do indivíduo separado do Estado, estrutura exterior e repressora, mas inevitavelmente necessária para moderar os "excessos contingentes" dos interesses privados. Logo, o ponto de partida e de chegada é sempre a liberdade e o benefício do indivíduo social. Segundo Semeraro(1997), em Gramsci, ao contrário, a sociedade civil é o terreno onde indivíduos "privados" de sua dignidade e pulverizados em suas vidas podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, podem chegar a ser sujeitos quando, livre e criativamente organizados, se propõem desenvolver juntamente com as potencialidades individuais as suas dimensões públicas e coletivas. Uma prova que tal associação indissolúvel10 é um erro é que Gramsci parte das necessidades concretas das classes subalternas, de experiências como as dos "conselhos de fábrica" de Turim, onde tais indivíduos se organizaram socialmente e conquistaram espaços hegemônicos para o seu projeto único de sociedade (no lado da contrahegemonia). Nessa experiência, importante para o resto de sua vida, ficou provado que um movimento de fábrica tende a transformar em "subjetivo" o que é posto "objetivamente", que de um sistema de fábrica pode surgir uma "vontade coletiva" capaz de operar uma relativização do modo capitalista de produção e introduzir uma "ruptura" radical entre capitalismo e industrialismo. Semeraro nos diz que: (...)o nexo pode dissolver-se; a exigência técnica pode ser pensada concretamente separada dos interesses da classe dominante; não só, mas unida aos interesses da classe ainda subalterna. Que uma tal ruptura e nova síntese seja historicamente madura está demonstrado peremptoriamente pelo próprio fato de que um tal processo é apropriado pela classe subalterna, que por isso mesmo não é mais subalterna, ou seja, demonstra querer sair da sua condição subordinada"(Semeraro, 1997). Ao defender a condição primaz de sujeitos livres, ativos e coletivos alargada às massas populares (e subalternas), Semeraro (1997) ainda nos diz que Gramsci reinterpreta o conceito de homem como ser social e como cidadão de uma sociedade tão "civil" que chega ao ponto de não precisar do Estado como uma instância exterior, uma vez que a liberdade toma o lugar da necessidade, e o autogoverno o lugar do comando. Então, Gramsci afirma que, ao mesmo tempo, há a necessidade de conquistar o Estado e superá-lo. Nisto nos conduz que a construção da hegemonia deve ser considerada na óptica emancipatória das classes subalternas, que a leva à ocupação dos espaços da 10 A sociedade civil, capitalismo e industrialismo indissoluvelmente associados (Semeraro, 1997). sociedade civil e da sociedade política, levando em uma radicalização democrática e a total extinção do Estado de cunho capitalista (Semeraro, 2001). A concepção “Estado sem Estado” para muitos se torna uma questão inteiramente utópica. Porém, sabemos que a concepção Estado-força, com todo seu aparato coercitivo, não garante mais a manutenção do poder. Por um processo de caráter irreversível da história a teoria da “revolução permanente” está sendo superada pela busca da “hegemonia civil”. Hegemonia esta que derrubaria toda uma concepção de Estado em que estamos familiarizados (Semeraro, 2001). Então como o Estado poderia ter uma concepção mais abrangente e ao mesmo tempo mais democrática? Segundo Semeraro (1997) que coloca como Gramsci queria enxergar o verdadeiro Estado em concepções mais democráticas que nos diz que: (...)neste sentido, o Estado, os partidos, as diversas instituições existentes são entendidos como superáveis pela sociedade ‘regulada’, o lugar onde as massas podem encontrar as condições para se tornarem sujeitos livres e socializados. Por isso, a verdadeira função de um Estado democrático deve ser ‘ética’, ‘educativa’, de ‘impulso histórico’, de ‘elevação intelectual e moral das massas’. O Estado se torna ético porque promove o crescimento da sociedade civil sem anular os espaços de liberdade desta, de modo que a sociedade civil, à medida que amadurece na responsabilidade e na socialização do poder, acaba anulando as intervenções externas e coercitivas do Estado e se transforma em ‘Estado sem Estado’. Trata-se, na verdade, de uma ‘pura utopia’, como o próprio Gramsci reconhece, mas fundamentada sobre o pressuposto de que todos os homens são realmente iguais e portanto igualmente racionais e morais, quer dizer, passíveis de aceitar a lei espontaneamente, livremente e não por coerção, como imposta por uma outra classe, como coisa exterior à consciência.(Semeraro, 1997). Segundo Gramsci, a sociedade civil é o espaço onde surge a hegemonia e o consenso entre as diversas organizações que fazem parte. Porém, o Estado é constituído pela sociedade política e sociedade civil, e a junção dos dois configuram a sociedade econômica, de onde começa o processo revolucionário. A economia neste caso possui papel determinante, pois é o espaço onde se formam as relações sócio-econômicas, se organizam na sociedade civil, que sustenta a esfera política vigente. Da sociedade civil surgem os aparelhos “privados” de hegemonia11 que materializam os conflitos que surgem Ana sociedade econômica. Os projetos societários não chegam sem mediação à esfera política através da sociedade civil, ou seja, sem que ele seja hegemônico e de consenso. Quando se torna hegemônico e de consenso, se chega à esfera política. Seguindo o raciocínio gramsciano, veremos as concepções que temos de Estado e sociedade civil. Temos dois tipos de sociedades e de configurações de Estado. Em seus estudos durante a sua prisão que se iniciou em 1926, Antônio Gramsci começou a se questionar o porquê da ascensão do fascismo na Itália e o insucesso da revolução na mesma. Disto nasceu as concepções de sociedade e Estado em que se comparou a Itália com a Rússia. No caso russo, o Estado era maior 11 Constituídos por movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, organizações não-governamentais, associações de bairros e comunidades, ou seja, demais sujeitos coletivos. que a sociedade civil, que a controlava com coerção e repressão. A sociedade civil como um todo era amorfa, imatura e “gelatinosa”. Neste caso, a sociedade é descrita como “oriental”, onde era difícil construir o socialismo de fato, pois o modo capitalista societal não estava totalmente maduro. No caso italiano, o Estado está no mesmo patamar que a sociedade civil, onde o campo estatal é denominado como uma “trincheira” avançada, que é protegida por “casamatas”12 que são, por sua vez, constituídos por sujeitos coletivos que a denotam. Neste caso, temos o exemplo claro de uma sociedade “ocidental”. Há a construção de um consenso e de uma hegemonia que configura o novo status quo vigente, que pode transformar ou conservar (Coutinho, 1995). A tradição autoritária e a democracia sempre equilibrada no “fio da navalha” sempre foram características marcantes da história brasileira. O Estado sempre orientalizado às vezes, com marcas ocidentais bastantes pontuais. Segundo Freire (2001) não cabe reproduzir o vício sociológico de tomar o mundo presente como desembocadura necessária dos eventos passados, mas de resgatar os elementos da cultura política brasileira que sublinharam momentos importantes de nossa história e deixaram marcas profundas em nossa sociedade. Freire (2001) coloca como os efeitos do neoliberalismo foi diferente em diversos países, ela diz que: Quando pensamos os efeitos perversos do neoliberalismo, no final do século XX, por exemplo, não podemos esquecer que ele apresenta-se como caldeamento de uma arraigada sociabilidade autoritária na nossa sociedade com os processos de globalização. O que não significa ignorar que nos locais onde tal sociabilidade foi menos autoritária o neoliberalismo não tenha sido portador de um altíssimo grau de letalidade social.(Freire, 2001,p.150) Sabemos que a linha autoritária é seguida no caso brasileiro desde a época do Império. Mas é importante analisarmos utilizando algumas das categorias de Gramsci para, pelo menos, entendermos a configuração não só do Estado, mas também da sociedade civil. Nem Gramsci e nem Lênin estudaram o Brasil. Coutinho(1995) com propriedade usa as categorias descritas para desvelar a realidade brasileira. Porém, até hoje há sociedades “orientais”, “ocidentais” ou em “processo de ocidentalização”. Apropriando-se do termo “revolução passiva”, podemos explicar sobre a configuração da sociedade brasileira no decorrer do século XX. Exemplos marcantes destas “transformações pelo alto” sem a participação das classes subalternas , que procuram manter o status quo através da revolução-restauração, ou do mudar para conservar (Coutinho, 1995). Podemos dizer que na história brasileira há exemplos de um “subversivismo esporádico”, que ocorre principalmente em sociedades que ainda estão passando por processos de ocidentalização, onde tais classes subalternas – ligadas ao modo produtivo vigente – começam a questionar a ordem implementada pelo poder estatal. Com isso as elites mudam o contexto da 12 Idem ao 10. exploração, e para manter a sua legitimidade cedem a algumas demandas das classes subalternas (Coutinho, 1995 e Semararo, 1997). Exemplos de nossa história são marcantes como a Era Vargas (1930), Golpe Militar (1964), Impeachment do Collor (1992)13, entre outros. Então, podemos dizer que a Revolução Passiva é o modo com que o Estado incorpora as vontades e as demandas da sociedade civil e que através do subversivismo esporádico, renovação e restauração14, mantém o modo produtivo de antes; legitimando-se e abafando os segmentos organizados da sociedade civil enfraquecendo-a. Tal fato descrito é típico nos países de capitalismo tardio que ainda passam pelo processo de ocidentalização da sociedade, como o Brasil, por exemplo. Logo, a revolução passiva tem duas causas-efeitos: uma é o fortalecimento do Estado com o subseqüente enfraquecimento da sociedade civil; a outra é a questão descrita por Coutinho(1995) como “transformismo”. Neste caso, o estado faz a cooptação de certos movimentos sociais e de outros grupos opositores, enfraquecendo os demais segmentos constituintes da sociedade civil. Exemplos disto são a configuração de sindicatos “pelegos” controlados pelo Ministério do Trabalho na Era Vargas; na atualidade em âmbito local podemos colocar a cooptação das Associações ou sociedades de Moradores de Bairros, Distritos ou Comunidades pelo poder público local. Portanto, o Estado (brasileiro no caso) em crescente processo de ocidentalização, buscará o consenso através do transformismo, deixando aos poucos seus métodos coercitivos, sem finda-los. No caso brasileiro, o choque político era denominado por “guerra de posição” – diferente da Revolução Russa, onde houve a “guerra de movimento” – onde era feita a “revolução pelo alto”, enquanto o restante da sociedade que ficava à margem do processo político observava a tudo – segundo Carvalho(1992) – “bestificados”15. Mesmo no contexto de revolução passiva – a guerra de posição pode promover aos poucos na ampliação da democracia. A “modernização do arcaico” sempre foi marcante nos processos de mudança societária no país. O que observamos é que nos países que ainda estão passando pelo processo de ocidentalização da sociedade, o projeto neoliberal enfraqueceu tal transformação, principalmente na sociedade brasileira. Podemos mencionar que nos países de capitalismo tardio, onde houve episódios de revolução passiva (via prussiana) houve “queima de etapas” que comprometeram a construção de uma identidade nacional, ou seja, de um Estado nacional. 13 O fenômeno dos “caras-pintadas”, onde massas de jovens foram mobilizados, como o restante da sociedade brasileira, contra a falta de ética na política e a favor do impedimento político do Presidente Fernando Collor. A juventude será o objeto central de estudo e análise da dissertação deste curso de mestrado. 14 A restauração pode ser feita por dois modos: ou através da coerção ou pelo consenso. Também pode acontecer dos dois ocorrerem ao mesmo tempo (Coutinho, 1995). 15 Podemos falar também de uma “modernização conservadora”. As particularidades da constituição da sociedade burguesa e do Estado capitalista no Brasil precisa ser discutido a parte. Embora, ocorre a mesma natureza do litígio entre capital e trabalho e a intervenção de políticas sociais perante a “questão social”. Coutinho(1995) coloca que o Brasil só passou a integrar no cenário capitalista autônomo a partir de 1930.16 Recorreremos a Lênin e a Gramsci para detalharmos estas relações capitalistas que o Brasil incorporou no seu cotidiano. Como Coutinho (1995) descreve como tal fato se processou na história brasileira, dizendo: Ao contrário do que suponha a tradição ‘marxista-leninista’, o Brasil experimentou um processo de modernização capitalista sem por isso ser obrigado a realizar uma ‘revolução democrático-burguesa’ ou de ‘libertação nacional’ segundo o modelo jacobino: o latifúndio pré-capitalista e a dependência em face do imperialismo não se revelaram obstáculos insuperáveis ao completo desenvolvimento capitalista do País. Por um lado, gradualmente ‘pelo alto’, a grande propriedade latifundiária transformou-se em uma empresa capitalista agrária; e, por outro lado, com a internacionalização do mercado interno, a participação do capital estrangeiro contribuiu para reforçar a conversão do Brasil em um país industrial moderno, com uma alta taxa de urbanização e uma complexa estrutura social.(Coutinho, 1995:121). Coutinho (1995) nos coloca que a noção leniniana de “via prussiana” possui a capacidade de constituir uma chave interpretativa para esse processo de “transformação pelo alto”, e que só recentemente foi utilizada por algumas análises marxistas feitas sobre a realidade brasileira. Resgatando Lênin, o Brasil nunca passou por uma revolução por “via clássica”, por intermédio de uma revolução burguesa apoiada pelos setores populares subalternos de caráter revolucionário – trabalhadores subalternos urbanos e o campesinato – contra o absolutismo feudal (Coutinho, 1995). No Brasil, a “via prussiana” descrita por Lênin pode nos explicar o que de fato demarcou o Brasil no cenário capitalista mundial. A “via prussiana” consiste na “revolução pelo alto”, sem a participação de fato das classes subalternas de potencial caráter revolucionário. A aliança é feita entre as classes dominantes e alguns setores urbanos da classe média, em que coloca o latifúndio no contexto do capital e mantém a população subalterna sob a mesma dominação coercitiva de antes. No caso brasileiro, a “via prussiana” chegou com a Revolução de 1930, sob o comando de Vargas, e a burguesia e a classe operária não chegavam a constituir nem 10% da população, ou seja, a sociedade brasileira era predominantemente rural. A imaturidade destas duas classes não denotavanas como classes revolucionárias. O Brasil torna-se então um exemplo de país de capitalismo tardio e dependente, constituído de maneira “não-clássica”, onde o sistema capitalista implementado não rompe com as estruturas coloniais e da grande propriedade rural vigentes (Coutinho, 1998). Porém a “noção leniniana” para explicar a concepção da realidade brasileira dentro do modo capitalista de 16 A Revolução de 1930 comandada por Getúlio Vargas contra as oligarquias cafeeiras (Carvalho, 1987: 78). produção é sempre complementada pela “noção gramsciana” de “revolução passiva”(Coutinho, 1998). Como discutir o caso brasileiro, se sabemos que se diferencia dos outros Estados nacionais como os países cêntricos que tiveram a passagem do EBES – Estado de Bem Estar Social – como resposta a um possível avanço do comunismo no Pós-Guerra. No caso brasileiro – já bem descrito com propriedade por Freire (2005) anteriormente – pode-se dizer que teve a concepção de um Estado de cunho liberal e corporativista. Tal configuração deste Estado (isto se aplica no Brasil) gerou uma certa mercantilização na área social, antes de responsabilidade estatal. Porém com a entrada do Neoliberalismo decretando a falência do EBES e do pleno emprego, o Estado começou a ter uma nova configuração. Além de potencializar o caráter garantidor do mercado e refuncionalizar o seu papel de benfeitor social onde o mercado reorienta as suas ações, diminuiu em muito o seu papel interventivo dentro da economia. Segundo Werneck Vianna (1998) houve uma “americanização perversa” na seguridade social no Brasil, no qual serviços de baixa qualidade são oferecidos pelo Estado, onde a população precisou buscar a sua complementação via mercado. Com o advento do Neoliberalismo, a supercapitalização e o parasitismo17 que surgiram na configuração do EBES no Pós-Guerra, foram potencializados plenamente. Segundo Simionatto (2004) na América Latina, as diversas formas de implementação de ajuste macroeconômico e seus efeitos estão relacionados ao estágio de desenvolvimento do capitalismo em cada país, suas particularidades sócio-históricas e a inserção de suas economias no plano da economia internacional. A trajetória social, econômica e política de cada nação, suas diferentes estruturas produtivas, organizações sócio-institucionais (partidos políticos, sindicatos, organizações empresariais) determinaram, portanto, as modalidades deste ajuste e das reformas estruturais implementadas. Guardadas essas diferenciações, verifica-se que nos países integrantes do Mercosul18, os governos, a partir da conciliação de interesses entre setores nacionais e internacionais, principalmente no campo econômico, têm cada vez mais, incorporado nas agendas dos Estados nacionais as determinações da política supranacional e globalizante, particularmente nas reformas da chamada primeira geração ou da primeira fase. Ainda que o núcleo central das reformas tenha como premissas a (re) introdução de políticas liberalizantes, privatistas e de mercado, pode-se afirmar que as mesmas, para além da ordem econômica, foram acompanhadas de profundas mudanças na estrutura institucional, organizativa e de atuação do Estado atribuindo-se a ele, grande parte da crise do próprio capital (Simionatto, 1995). 17 Acumulação de capital no mercado financeiro – sem entrar no processo produtivo. Capital especulativo que não gera produção e nem emprego (Vianna, 1998). 18 Mercado Comum do Cone Sul, integrado pelos países: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Para que um país tenha uma implementação de características neoliberais é preciso passar por três fases distintas e complementares. A primeira fase consiste na estabilização macroeconômica do Estado, o que consiste em atrair o capital especulativo internacional a princípio. A segunda fase diz respeito às reformas estruturais dentro do próprio Estado, ou seja, arruinar as bases do EBES (no caso brasileiro do Estado corporativista liberal), tendo como mote o enxugamento e redução do capital, privatizações, flexibilidade nas relações de trabalho e a formação de blocos econômicos. Tal fase caracteriza a passagem do modelo de capital do Nacional para o Globalizado. No Brasil atual tal fato foi caracterizado pelas reformas fiscal, previdenciária e administrativa. Na terceira fase fica caracterizada a retomada dos investimentos e do crescimento econômico, porém nenhum país – que adotou o modelo gerencial neoliberal – passou da segunda fase ou não concretizou a terceira fase. Embora os países cêntricos não tomaram o mesmo “remédio amargo” na mesma dose que os países periféricos. Devemos ter sempre em mente que: as políticas sociais são as respostas mínimas e focais de um Estado, de características orientais e ocidentais, para atender às demandas das classes subalternas, não deixando de lado o fenômeno de transformismo, onde setores da sociedade civil são cooptados para a manutenção do conservadorismo, de face renovada e de velhas práticas. Na atualidade com a descentralização, incluindo a privatização estatal, onde o mercado é defendido como personagem garantidor da eficiência e da eficácia não obtidas no espaço público, e como esfera que propicia um controle "mais geral e automático". Por isso é compreendido como "o melhor dos mecanismos de controle, já que através da concorrência obtêm-se, em princípio, os melhores resultados com os menores custos" (Simionatto, 2004). É ocultado, no entanto, que sua a superioridade hierárquica é fundamental para desmobilizar o envolvimento da sociedade, a partir da democracia direta, na medida em que as formas de administração gerenciais, por ele desenvolvidas através do individualismo, precisam aparecer como superiores às de natureza coletiva. Sua racionalidade e suas regras também foram utilizadas para "modernizar a administração pública", considerada por todos os governos como ineficiente e ineficaz, especialmente na oferta e na gestão das políticas sociais, sendo necessário reorganizá-las sob sua ótica, associada à cultura de focalização difundida pelo Banco Mundial e de outros organismos internacionais associados. Simionatto (1995) coloca como as políticas sociais neste contexto neoliberal é gerado e formulado pelos organismos internacionais e implementados na realidade brasileira na atualidade. Ela diz que: (...)na concepção do Banco Mundial (1997), as políticas públicas são entendidas como forma de assegurar “que o crescimento seja compartilhado por todos e contribua para reduzir a pobreza e a desigualdade”, devendo os governos atribuir prioridade máxima aos “setores sociais fundamentais”. Tal orientação vem fortalecendo o papel compensatório das políticas públicas, retirando o seu caráter universal, assumindo uma perspectiva focalista, na medida em que visa a atender aos segmentos populacionais mais vulneráveis. Essa lógica do Banco Mundial decorre tanto das teses difundidas por seus analistas quanto da cultura criada sobre a ineficácia das políticas sociais e da sua incidência nos estratos de maior renda, cabendo aos governos corrigir tais desequilíbrios, mediante a redução do gasto público e o aumento da privatização, para garantir a eficácia e a equidade do gasto social. As políticas sociais públicas, situadas como causa primeira do déficit público, tornaram-se o alvo preferido dos governos na batalha do ajuste estrutural. Esse processo foi menos intenso e doloroso nos países onde o Estado de Bem-Estar Social já estava estruturado e as forças organizativas da sociedade civil e parte da própria burocracia estatal, conseguiram deter o seu processo de desmantelamento total. No entanto, nos países de capitalismo periférico, onde o Estado de Bem-Estar Social não chegou a ser constituído na sua expressão clássica, como é ocaso dos países do Mercosul, as políticas sociais universais, como Previdência, Saúde, Assistência e Educação Básica, sofreram perdas irreparáveis, agravando-se de forma crescente as já precárias condições sociais da grande maioria da população.(Simionatto, 2004) Segundo Simionatto (1995), as principais características das políticas sociais, em termos gerais, a partir da reforma do Estado mínimo, compreendem a focalização19, a descentralização20 e a privatização21. Essas indicações serviram de base para fundamentar o enfoque das políticas sociais públicas a partir da metade dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990 do século XX, na delimitação do campo de intervenção estatal. Essa orientação indica, por um lado, o fortalecimento do pensamento "reformador" sobre as modalidades e instrumentos de intervenção do Estado, especialmente na área social, e, por outro, consagra o (re) surgimento de novas (velhas) categorias, que implicam na revisão dos critérios e dispositivos institucionais que regulam as políticas sociais. Trata-se, em particular, das políticas focalizadas de "compensação social", concebidas a fim de dar conta dos custos sociais do processo de ajuste estrutural, e postas em prática através de diversos programas de gestão descentralizada e de caráter primordialmente assistencial e filantrópico, que vêm sendo efetivados através de um conjunto de compromissos delineados nos projetos reformadores do Estado. Os indicadores apontam o crescimento dos segmentos populacionais situados na faixa de extrema pobreza, agravado pela precarização do trabalho, pelo desemprego, pela alteração de fatores demográficos, como o envelhecimento da população e as novas demandas geradas no âmbito da saúde, os altos índices de natalidade e mortalidade infantil, o número expressivo de jovens sem esperanças futuras e a participação crescente de crianças22 e mulheres no mercado de 19 Os gastos e investimentos em serviços públicos devem concentrar-se nos setores de extrema pobreza, cabendo ao Estado participar apenas residualmente da esfera pública, redirecionando o gasto social e concentrando-o em programas destinados aos segmentos pobres e carentes. Eficiência, eficácia e metas quantitativas são os objetivos centrais a serem atingidos, desprezando a efetividade social dos mesmos; 20 Busca redirecionar as formas de gestão e a transferência das decisões da esfera federal para estados e municípios, buscando combater a burocratização e a ineficiência do gasto social. No nível local inclui, também, a participação das organizações não governamentais, filantrópicas, comunitárias e empresas privadas; 21 Isto pressupõe o deslocamento da produção de bens e serviços da esfera pública para o setor privado lucrativo, ou seja, para o mercado. 22 Trabalho Infantil. trabalho para ajudar na renda doméstica, o que aumenta, significativamente, a demanda sobre a Seguridade Social pública. A resolução destas questões é articulada hoje a partir de três estratégias: a privatização total ou parcial dos serviços públicos, tomada como bandeira da busca de eficiência e eficácia, o repasse para a sociedade civil (ONGs, instituições filantrópicas e comunitárias), a responsabilidade na prestação de serviços sociais de competência do Estado e, por último, a oferta de uma cesta básica de serviços por parte do poder público para os segmentos de comprovada situação de carência (Simionatto, 1995). A focalização do gasto social em programas públicos alvo é a regra geral. A quebra da universalidade e a seletividade dos grupos escolhidos já encontram-se definidos na própria Constituição. No Brasil, as reformas e as emendas constitucionais vêm, como uma “revolução silenciosa”, destruindo as conquistas sociais inscritas nas Cartas Constitucionais, através da luta dos trabalhadores. Essa concepção de políticas sociais públicas vem sendo fortemente difundida pelos formuladores e executores da agenda da reforma do Estado alinhada ao conjunto das orientações macroeconômicas, tendo como atores principais: a Presidência da República, o Banco Central, as instituições multilaterais de financiamento, grupos privados, Congresso Nacional, burocracia pública, partidos políticos conservadores, mídia, governos estaduais e municipais. O lugar das políticas sociais públicas, portanto, passa a situar-se cada vez mais para fora do Estado, reduzindo os direitos de cidadania e ampliando o fosso entre sociedade política, sociedade civil, governantes e governados. Reformado e modernizado pelo alto, sem qualquer discussão democrática e excluindo a participação popular, as reformas consagram o "Estado Hobbesiano", desqualificando a política e a democracia como um todo (Simionatto, 1995 e Vianna, 1998). Segundo Vianna (1998) que coloca o discurso que soa com muita competência para que as massas joguem seu destino nas mãos dos intelectuais do poder, considerados os mais sábios e capazes para resolver os problemas coletivos sem consultar os cidadãos. E ainda diz que: (…)as elites administram ‘por cima’, com o seu programa seletivo de ‘ingresso à cidadania, em uma democracia política lockeana entregue à razão judiciosa de suas elites ilustradas’, que, através de uma revolução passiva, criam um Estado e uma nação à sua imagem e semelhança. O desenho da nação a partir da reforma do Estado tem se dado mais como ‘americanização tardia’, mediante um movimento de rupturas moleculares que não atingem apenas a esfera econômica, mas, também, a ideológica e a política, uma vez que o sistema de valores universais abstratos cria uma ‘nova fábrica de consensos’ ativos e passivos, que, no âmbito da subjetividade, busca o consentimento e a adesão das classes à nova ideologia. (Vianna, 1998, p.201). O critério analítico da "revolução passiva", combinado com o "transformismo" ou "modernização conservadora", utilizado por Gramsci (1977) para descrever o Risorgimento italiano, por Coutinho (1989) e Vianna (1998) para interpretar a realidade brasileira, pode ser utilizado nas análises relativas à reforma do Estado. Porém, os horizontes políticos traçados por Gramsci se abrem, assim, às dimensões universais, não apenas porque entende a história da humanidade como um todo que se intercomunica, mas principalmente porque reconduz à própria sociedade, às forças vivas nela operantes, a responsabilidade direta da política e a sua capacidade de definir-se livremente (Semeraro, 1997). As novas perspectivas que Gramsci confere à dinâmica da sociedade civil revolucionam, portanto, não apenas a concepção tradicional de política e de Estado, mas destituem de fundamento qualquer visão centralizadora de poder e dissolvem toda pretensão de construir a hegemonia pelo alto, valendo-se da força, do peso econômico ou das manipulações demagógicas. Semeraro (1998) nos diz que ao apostar no potencial mobilizador da sociedade civil, Gramsci desloca o eixo principal da ação política do âmbito das instituições burocráticoadministrativas para o terreno criativo das diversas organizações sociais dos setores populares e rompe o horizonte que se quer apresentar como "fim da história". A tríade apresentada não se esgotará nesta análise, mas é apenas um primeiro ensaio para a construção da dissertação proposta neste curso.23Basta sabermos que o trato da “questão social” – em que suas múltiplas refrações são respondidas pelas políticas sociais – visa, segundo Freire (2001), não apenas conter as ações oposicionistas, mas também “humanizar” a espécie de Estado “Leviatã”, que surge em momentos significativos do processo de modernização e de expansão capitalista no Brasil (2001, p.163). Mesmo com a avalanche neoliberal que descaracteriza aos poucos a sociedade civil no Brasil, e com o modo de democracia liberal a “Stuart Mill”, que nos dar um falso caminho para levar a voz dos insatisfeitos, para assim assumir maior controle institucional, contendo o clamor das classes subalternas, aumentando a vigilância social 24 com o olho do Príncipe, ou seja “de cima para baixo”. Podemos colocar de maneira clara e sucinta que o Brasil possui uma democracia liberal que reúne o consenso com o discenso, dissimulando a participação e responder pontualmente às demandas societárias. Cabe, então, uma maior participação da sociedade civil como uma totalidade, sem segmentações já clássicas, formalizadas pelos movimentos sociais, que perversamente manipulados pelo ideário neoliberal torna-se um “mar de segmentos sociais” ávidos por demandas pontuais que só respondem a interesses particulares. Com a totalidade da sociedade brasileira, se pode pensar em uma radicalização da democracia, derrubando assim o seu ideário 23 Estudo proposto em analisar não só as políticas sociais (locais) voltada para os jovens vulnerabilizados sócioeconomicamente no norte de Minas Gerais, bem como as concepções sobre juventude construídas tanto por aqueles que formulam e executam tais políticas ou programas sociais, como daqueles que são “elegíveis” para tais intervenções, ou seja, os jovens. 24 Poder repressivo do Estado, com o olhar panóptico do poder. liberal e de controle, para que realmente se construa uma “hegemonia civil”, como já preconizava Gramsci. Além de conquistar o Estado, deve-se também superá-lo. A história ainda continua. REFERÊNCIAS CARVALHO, J.M. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, Cia. das Letras, 1987. COUTINHO, C. N. Notas sobre as categorias de Gramsci e a realidade brasileira. Aula apresentada na FSS/UFJF, 1989(mimeo). ______________. Representação de interesses, formulação de políticas e hegemonia. In: TEIXEIRA, S. F. (Org.). Reforma Sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo. Cortez Ed., 1995. _______________. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. (Texto retirado do site – Gramsci e o Brasil: www.artnet.com.br/gramsci/textos.htm) 1998. FREIRE, S. M. Estado, Democracia e Questão Social no Brasil. In: BRAVO, M.I. , PEREIRA, P.A . P. (Org.). Política Social e Democracia. Cortez Ed.FSS/UERJ. Rio de Janeiro, 2001. ___________. Notas de aula da disciplina de Teoria Política do Curso de Mestrado em Trabalho e Política Social. PPGSS/FSS/UERJ, 2005. IAMAMOTO, M. V. , CARVALHO, R. Relações Sócias e Serviço Social. Cortez Ed. 3.ed. São Paulo, 1983. NETTO, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social . Cortez Ed. São Paulo, 1989. SEMERARO, G. Texto apresentado no Congresso Internacional: Antonio Gramsci: da un secolo all'altro, organizado pela International Gramsci Society, no Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, Nápoles, 16-18 out. 1997. (retirado do site – Gramsci e o Brasil: www.artnet.com.br/gramsci/textos.htm). ______________. Gramsci e a sociedade civil: Cultua e educação para a Democracia. 2. ed. Vozes, Petrópolis, 2001. SIMIONATTO, I. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. Florianópolis-São Paulo, Editora da UFSC-Cortez, 1995; p. 281. ____________. Gramsci: sua incidência no Brasil, influência no Serviço Social. Texto impresso digitalmente em 2004 (retirado no site – Gramsci e o Brasil: www.artnet.com.br/gramsci/textos.htm). VIANNA, M.L.T.W. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 1998. WEFFORT, F.C. (Org). Os Clássicos da Política. Vol 2 . ed. Ática. São Paulo, 2002.