Notas da apresentação - Círculo de Estudos da Ideia e da Ideologia

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APRESENTAÇÃO
DA ‘INTRODUÇÃO’
DO ‘SER E EVENTO’
DE ALAIN BADIOU
Análise do estado da filosofia:
Quadro Geral
1. Heidegger é o último filósofo
2. Corrente analítica anglo-saxã. Os dispositivos de pensamento norteamericanos – após as mutações das matemáticas, da lógica e dos
trabalhos do círculo de Viena - assumem como paradigma a
racionalidade científica
3. Desenvolvimento de uma doutrina pós-cartesina do sujeito por
práticas não filosóficas – a política e a clínica – cujo regime de
interpretação – de Marx e de Freud – é constituído por operações que
excedem o discurso transmissível
Fim da filosofia
1. Heidegger: desconstrução da metafísica
2. Corrente analítica anglo-saxã: desqualifica as frases da filosofia clássica
como desprovidas de sentido
3. Marx: anuncia o fim da filosofia, e sua realização prática
Lacan: fala de antifilosofia, e prescreve ao imaginário a totalização
especulativa
Acordo geral → nenhuma sistemática especulativa é concebível
Fim da doutrina do ser/não-ser/ pensamento
Paradigma Científico
1. Heidegger: o concebe como efeito último da disposição metafísica
2. Corrente analítica: ele organiza o seu pensamento
3. Marx e Freud: conservam seus ideais
Emancipação
1. Heidegger: a emancipação está no retorno dos deuses
2. Corrente analítica anglo-saxã: contenta-se com o consenso
3. Marx: propõe uma emancipação no modo de uma revolução social
Freud: é cético quanto à possibilidade de qualquer emancipação
Novo regime de pensamento após o fim da metafísica – 3 suturas
1. Heidegger: retorno
2. Corrente analítica: crítica
3. Marx: revolução
Badiou: operação de des-sutura
1. Do Heidegger extrai que é do ângulo da questão ontológica que se requalifica a filosofia
2. Da analítica extrai que Frege-Cantor fornece orientações novas para o
pensamento
3. De Marx e Freud extrai que a pertinência de um aparato conceitual
depende de sua sintonia com uma doutrina moderna do sujeito interna a
processos práticos (políticos e clínicos)
Múltiplo descompassado que organiza nossa situação:
1. Terceira época da ciência
a) grega: invenção das matemáticas demonstrativas
b) galileana: corte que institui a matematização da física
c) reorganização que revela 1) a natureza da racionalidade matemática e
2) o caráter de decisão que a estabelece
2. Segunda época da doutrina do sujeito
a) De Descartes a Hegel (ainda legível em Marx e Freud, até Husserl e
Sartre): sujeito fundador, centrado e reflexivo
b) Sujeito contemporâneo: vazio, clivado, a-substancial, irreflexivo. Ele só
pode ser suposto no tocante a processos particulares cujas condições
são rigorosas
3. Começo da doutrina da verdade
Até então reinou a veridicidade: o que se constata, retroativamente, quando
a relação da verdade com o saber se desfaz
1. Heidegger: primeiro a subtrair a verdade do saber
2. matemáticos: rompem tanto com o objeto quanto com a adequação
3. teorias modernas do sujeito: excentram a verdade de sua pronunciação
subjetiva
A Filosofia de Badiou – As Condições da Filosofia
Tese que relaciona 3° época da ciência + 2° época do sujeito + 1° doutrina da
verdade
→ a ciência do ser-enquanto-ser existe desde os gregos, pois esse é o estatuto
e o sentido das matemáticas. Somente hoje, porém, temos os meios de saber
tal coisa. Dessa tese decorre que a filosofia não tem por centro a ontologia – a
qual existe como disciplina exata e separada -, mas circula entre essa
ontologia, as teorias modernas do sujeito e sua própria história.
* A meta-ontologia matemática torna clara e explícita a “topologia” da Filosofia,
isto é, o seu espaço e a maneira de percorrê-lo: a filosofia circula entre a
ontologia, as teorias modernas do sujeito e a sua própria história, e o desenho
do seu espaço corresponderia à figura topológica do Toro (ou oito furado).
→ Condições da filosofia: a história do pensamento ocidental, as matemáticas
pós-cantorianas, a psicanálise, a arte contemporânea e a política. A filosofia
nem coincide com nenhuma dessas condições, nem elabora sua totalidade. Ela
deve apenas propor um quadro conceitual onde possa se refletir a
compossibilidade contemporânea desses elementos. Só o pode fazer
designando entre suas próprias condições, e como situação discursiva singular,
a própria ontologia, sob a forma das matemáticas puras.
* É a meta-ontologia matemática que torna clara e explícita a tarefa da
Filosofia: propor um quadro conceitual onde possa se refletir a
compossibilidade contemporânea de todas as suas condições (história do
pensamento ocidental, as matemáticas pós-cantorianas, a psicanálise, a arte
contemporânea e a política).
* A tese de Badiou é de que a ontologia não pertence à Filosofia, mas sim à
matemática, e de que a ontologia matemática constitui um campo autônomo,
completamente independente da Filosofia.
Essa tese meta-ontológica badiouiana pode ser aproximada das teses
filosóficas sobre o fim da metafísica [Heidegger e a analítica]? Todas elas
compartilhariam do mesmo gesto de esvaziar a filosofia do seu peso
metafísico [da entificação do Ser-enquanto-Ser e do próprio Ser]? No caso do
Badiou, este esvaziamento consistiria – como acontece com o Heidegger, por
exemplo - numa continuidade do niilismo nietzschiano e, no limite, conduziria à
proclamação pós-moderna de que a filosofia chegou ao seu fim?
Não. O esvaziamento da metafísica promovido pela meta-ontologia matemática
é mais radical que o das teses sobre o fim da metafísica. É neste ponto que
devemos situar a importância do conceito de sutura em Badiou e do seu
projeto de des-suturar a filosofia de suas condições. Se por uma lado as teses
sobre o fim da metafísica esvaziam a filosofia de seu peso onto-teológico, por
outro, elas não suportam o vazio e imediatamente o preenche suturando a
filosofia com suas condições. A meta-ontologia matemática, por sua vez,
mantém e explicita a distinção entre a Filosofia e as suas condições. Entre a
Filosofia e as suas condições existe o vazio. É a meta-ontologia matemática,
para a qual o nome próprio do Ser é o vazio, que fornece os limites da
Filosofia, no sentido crítico kantiano, e estabelece positivamente o tipo de
relação (topológica) que a Filosofia pode ter com suas condições. Tem de ser
um relação atravessada pelo vazio. Daí a pertinência da topologia do toro ou
oito interior como o modelo da relação entre a Filosofia e as suas condições.
Ao invés de erigir uma ontologia filosófica, como a ontologia poética-filosófica
de Heidegger, ou simplesmente abandonar a ontologia em nome do paradigma
científico lógico-matemático, como o faz a corrente analítica, a meta-ontologia
matemática de Badiou sustenta que é a partir da ontologia que se deve requalificar a filosofia, mas sem suturá-la com uma de suas condições (a arte)
como o faz Heidegger, e ao mesmo tempo, reconhece o paradigma científico
lógico-matemático, mas não como modelo de linguagem crítica, como o faz a
analítica. Nem retorno à linguagem poética, nem crítica a partir da linguagem
lógico-matemática. Ontologia sim, mas sem poesia; matemática sim, mas com
pensamento. Da ontologia poética heideggeriana Badiou subtrai a poesia e a
Presença, e na crítica analítica lógico-matemática, introduz a Idéia. O resultado
dessas operações de subtração e adição é a meta-ontologia matemática:
(Ser – Presença) . (Matemática + Idéia) = Ser (vazio). Pensamento
(matemático)
→As categorias que vão do puro múltiplo ao Sujeito constituem a ordem geral
de um pensamento que pode se exercer em toda a extensão do referencial
contemporâneo. Elas estão disponíveis para o serviço tanto dos procedimentos
da ciência quanto da análise ou da política. Elas tentam organizar uma visão
abstrata dos requisitos da época.
* O quadro conceitual construído por Badiou visa organizar os requisitos da
nossa época, que se resumem a esses três: a 3° época da ciência ( com a
teoria dos conjuntos, que revela a natureza da racionalidade matemática e a
dimensão subjetiva – de decisão/aposta – que ela envolve), a 2° época da
doutrina do sujeito (sujeito vazio, clivado, a-substancial, irreflexivo e que só
pode ser suposto no tocante a processos particulares cujas condições são
rigorosas) e o começo da doutrina da verdade (marcada pela disjunção entre
saber e verdade – Heidegger é o primeiro a subtrair a verdade do saber; os
matemáticos realizam o mesmo ato de separação ao romperem tanto com o
objeto quanto com a adequação, e as teorias modernas do sujeito quando
excentram a verdade de sua pronunciação subjetiva).
1)
Como compatibilizar a subjetivação com uma ontologia possível?
O real é o impasse da formalização : Ontologia vs. Formalismo:
“Teoria do Sujeito” – pressuposição de que há subjetivação
“Ser e Evento” – as matemáticas são a ontologia
Questão: Como compatibilizar a subjetivação com uma ontologia possível?
- Velho marxismo – postula tal compatibilidade sob a forma do isomorfismo
entre a dialética da natureza e a dialética da história
- Lacan – Que o processo-sujeito seja compatível com o que é pronunciável do
ser, eis uma questão levantada por Miller quando ele pergunta à Lacan: Qual é
a sua ontologia? Lacan responde fazendo alusão ao não-ente. Mais a frente
Lacan diz que a lógica pura é a ciência do real. O real é, no entanto, uma
categoria do sujeito (e não da ontologia)
1) Investigação dos Impasses da Lógica dentro do quadro da “Teoria do
Sujeito”
Tese logicista: a necessidade dos enunciados lógico-matemáticos é puramente
formal
* exclui todo efeito de sentido;
* não interroga sobre aquilo por que os enunciados são responsáveis fora de
sua consistência;
* e quando supõe que há um referente do discurso lógico-matemático recai:
a) empirismo: objeto obtido por abstração – ciências empíricas
b) platonismo: Idéia supra-sensível – ciências formais
→ Nada disso é coerente com a doutrina lacaniana de que o real é o impasse
da formalização
2) Investigação sobre o par “discreto/contínuo”
A essência do problema do contínuo consiste num obstáculo intrínseco ao
pensamento matemático, em que se diz o impossível próprio que lhe funda o
domínio.
3) Investigação sobre os paradoxos aparentes quando da relação entre um
múltiplo e o conjunto de suas partes
Só há figuras inteligíveis se admitirmos que o Múltiplo seja, para os
matemáticos, não um conceito (formal) construído e transparente, mas um real
cujo descompasso interior, e o impasse, a teoria manifesta.
→As matemáticas escrevem aquilo que, do próprio ser, é pronunciável no
campo de uma teoria pura do Múltiplo.
→As matemáticas, longe de serem um jogo sem “objeto”, extraem a severidade
excepcional da sua lei do fato de estarem condenadas a sustentar o discurso
ontológico
Questão: Ao invés de perguntar: “como a matemática pura é possível?” e de
responder: “graças ao sujeito transcendental”, trata-se do seguinte: sendo a
matemática pura ciência do ser, como um sujeito é possível?
2) Matemáticas = Ontologia
A relação das matemáticas com o Ser
A Lógica é suturada ao vazio: Pensamento Matemático vs. Lógica
Pura
O poder da linguagem no tocante ao que, do ser-enquanto-ser, se
deixa matematicamente pronunciar.
- A consistência produtiva do pensamento dito formal não lhe pode vir
unicamente de seu arcabouço lógico
- O pensamento dito formal não é uma forma, uma episteme, ou um método
- O pensamento dito formal é uma ciência singular [e não uma ciência particular
ou geral]
- O pensamento dito formal é suturado ao ser (vazio): neste ponto de
sutura, as matemáticas se desvinculam da lógica pura. É esta última que
confere às matemáticas sua historicidade, os impasses sucessivos, as refusões
espetaculares e a sua unidade.
- Para o filósofo, o corte decisivo, em que a matemática se pronuncia sobre sua
essência, é Cantor.
- Com Cantor todas as matemáticas (a despeito da diversidade de seus objetos
e de suas estruturas) são designáveis como multiplicidades puras edificadas,
de maneira regrada, a partir unicamente do conjunto vazio.
- A relação das matemáticas com o Ser está disposta na decisão axiomática
que autoriza a teoria dos conjuntos.
- A crise em torno do tipo de axiomática apropriada à teoria dos conjuntos, é
sobretudo levantada por Cohen, quando ele destituiu a axiomática proposta por
Zermelo-Fraenkel, a qual, até então, prescrevia o tipo de multiplicidade do
contínuo. Essa crise torna perceptível o poder da linguagem no tocante ao que,
do ser-enquanto-ser, se deixa matematicamente pronunciar.
- [Na “Teoria do Sujeito” Badiou usou a homogneidade conjuntista como
paradigma das categorias do materialismo]
- Tese filosófica: matemáticas = ontologia
* Anti-fundacionista: o caráter apodíctico das matemáticas vem diretamente do
Ser (e não de um fundamento metafísico (uma região do ser) ou
epistemológico (uma maneira de pensar)).
* Anti-referencialista (desobjetificante): Não há objetos matemáticos. As
matemáticas não apresentam, no sentido estrito, nada, sem que por isso sejam
um jogo vazio, pois nada ter a apresentar, salvo a própria apresentação, isto é,
o Múltiplo, e jamais convir assim à forma ob-jeto, é certamente uma condição
de todo discurso sobre o ser enquanto ser. Em contraposição ao platonismo
onde as matemáticas consistem em objetos ideais; ao Aristóteles para o qual
as matemáticas são objetos extraídos por abstração da substância sensível; ao
Descartes para quem as matemáticas são idéias inatas; à perspectiva kantiana
das matemáticas como objetos construídos na intuição pura e à de Brower,
para quem as matemáticas também são objetos construídos, só que na
intuição operatória finita; e até mesmo contra o formalismo, para o qual as
matemáticas são convenções de escrita, e o logicismo, no qual as matemáticas
não são mais do que construções transitivas de lógica pura, tautologias.
* Explicação [ontológica] sobre a efetividade da matematização da física: em
contraposição às explicações metafísicas (de Descartes à Heidegger) e
epistemológicas (do positivismo à história das ciências, incluindo Blanché e
Bachelard). Em contraposição às seguintes explicações da matematização da
física:
- Descartes e Newton: Deus
- Kant: sujeito transcendental
- Heidegger: técnica
→ Badiou: Se as matemáticas são a ciência de tudo que é, enquanto é, a
física, por sua vez, entra na apresentação. Ela precisa de mais, ou antes, de
outra coisa. Mas sua compatibilidade com as matemáticas é de princípio.
- Os filósofos não ignoraram que devia haver uma ligação entre as
matemáticas e o Ser [De Platão e Parmênides a Kant – este último acabou
reduzindo o alcance dessa ligação na medida em que limitou a
universalidade das matemáticas interditando que elas tenham qualquer
acesso ao ser-em-si -, até Husserl. Depois disso, a filosofia moderna (póskantiana) pensará as matemáticas a partir de um paradigma histórico ou como
uma sofística linguajeira (corrente anglo-saxã ou analítica). As únicas exceções
são Cavaillès e Lautman. Isso perdura até Lacan [inclusive ou exclusive?].
- Mesmo as ontologias filosóficas (em oposição à meta-ontologia matemática) como a de Platão, por exemplo - tomam as matemáticas como modelo da
certeza. Elas se enrolam ao delegarem uma posição especial aos objetos
matemáticos. Daí deriva a relação permanente e distorcida entre filosofia e
matemática. Para a filosofia, a matemática é, ao mesmo tempo, o paradigma
racional, mas com objetos insignificantes (números e figuras). O que são
números e figuras comparados à Natureza, ao Bem, a Deus ou ao Homem?Na
verdade, as matemáticas serviam como modelo de certeza demonstrativa
para especular sobre as entidades mais gloriosas.
- Segundo Aristóteles, Platão imaginava uma arquitetura matemática do Ser,
uma função transcendente dos números ideais. Ontologia = matemáticas não é
isso. Isto é um cosmos matemático que sutura o ser (entendido como um Todo)
a um estado dado das matemáticas.
- A tese que sustento não declara em absoluto que o ser é matemático, isto é,
composto de objetividades matemáticas. Não é uma tese sobre o mundo, mas
sobre o discurso. Ela afirma que as matemáticas, em todo o seu devir
histórico, pronunciam o que é dizível do ser-enquanto-ser.
- Ontologia = matemáticas: não se reduz a tautologias (o ser é o que é) nem a
mistérios (aproximação sempre diferida de uma Presença). A ontologia é uma
ciência rica, complexa, inacabável, submetida ao duro jogo de uma fidelidade
(no caso, a fidelidade dedutiva).
- Se foram os filósofos que formularam a questão do ser, não foram eles, mas
os matemáticos, que efetuaram a resposta a essa questão.
- As matemáticas são o único discurso que sabe absolutamente do que fala: o
ser, como tal. Esse saber, no entanto, por uma necessidade estrutural, não
pode ser refletido de maneira intramatemática, pois o ser não é um objeto, nem
prodigaliza objetos.
- As matemáticas são o único discurso em que se tem a garantia integral, e o
critério, da verdade do que se diz, a tal ponto que essa verdade é a única
integralmente transmissível.
3)
A tese matemáticas = ontologia não convém aos filósofos
Badiou vs. Heidegger (Idéia vs. Abertura)
Ontologia matemática vs. Ontologia poética-filosófica
A Ontologia Filosófica Contemporânea: Heidegger
- A ciência, de que a matemática não é distinguida, constitui o núcleo duro da
metafísica.
- Metafísica = paradigma platônico fundado na certeza dos objetos
- O niilismo moderno tem por signo maior a onipresença técnica da ciência
- As matemáticas são a própria cegueira, a grande e maior potência do Nada, a
exclusão do pensamento pelo saber.
- Para Heidegger é sintomático que a instauração platônica da metafísica tenha
sido acompanhada de um estabelecimento das matemáticas como paradigma.
- As matemáticas são interiores à grande virada efetuada por Platão/
Parmênides onde o que estava em posição de abertura é fixado na forma de
Idéia.
1- Ontologia
- A doutrina heideggeriana do desvelamento está submetida à essência da
metafísica, ou seja, à figura do ser como entrega e dom, como presença e
abertura, assim como à ontologia poética como proferição de um trajeto de
proximidade, povoada pela dissipação da Presença e a perda da origem.
-[Na “Teoria do Sujeito”, Badiou convocava os poetas (Ésquilo e Sófocles,
Mallarmé, Hölderlin ou Rimbaud) porque ainda seguia os passos de
Heidegger].
2- Essência das matemáticas
- Em oposição à proximidade poética Badiou propõe a dimensão
radicalmente subtrativa do Ser (excluído não só da representação, mas
também de toda apresentação).
* É como se o Heidegger rompesse com a representação mas permanecesse
ainda na apresentação. Badiou, por sua vez, rompe com as duas.
- O ser-enquanto-se não se deixa aproximar, mas somente suturar em seu
vazio à aspereza de uma consistência dedutiva sem aura.
- O ser não se difunde no ritmo e na imagem, não reina sobre a metáfora; é o
soberano nulo da inferência.
- A ontologia poética deve ser substituída pela ontologia matemática em que se
realizam, pela escrita, a des-qualificação (vs. poesia/metáfora) e
inapresentação (vs. Presença/proximidade)
- A filosofia deve designar a genealogia do discurso sobre o ser e refletir sobre
a sua essência. Para tanto sua referência é muito mais Cantor, Gödel ou
Cohen do que Hölderlin, Trakl ou Celan; ou seja, os matemáticos, e não os
poetas.
3- Origem grega da Filosofia
- A historicidade grega do nascimento da filosofia está ligada à questão do ser.
- Para Heidegger essa origem grega da filosofia e da questão do ser reside no
enigma e no fragmento poético.
- Badiou coloca que, isso que Heidegger atribui à Grécia – a abertura poética
ao ser – é encontrado também na Índia, na Pérsia ou na China.
- Para Badiou a origem grega da filosofia e da questão do ser está ligada ao
papel das matemáticas, que é o de estabelecer a forma obrigatória do discurso
sobre o ser.
- É o intricamento filosófico-matemático – legível até no poema de Parmênides
pelo uso do raciocínio apagógico – que faz da Grécia o sítio original da
filosofia, e define, até Kant, o domínio “clássico” de seus objetos.
- A tese matemáticas = ontologia desagrada aos filósofos porque ela os
despoja do último refúgio de sua identidade.
- As matemáticas não necessitam da filosofia. E se “matemáticas = ontologia”,
o discurso sobre o ser se perpetua “sozinho”.
- Com a criação da teoria dos conjuntos, da lógica matemática, e depois da
teoria das categorias e dos topoi torna a matemática segura o bastante de seu
ser – embora cegamente – para atender doravante às necessidades de
avanço.
4)
A tese matemáticas = ontologia não satisfaz aos matemáticos
- É da essência da ontologia efetuar-se na exclusão reflexiva de sua
identidade.
- Quando se faz matemáticas – principalmente as inventivas - não dá pra
representar, ao mesmo tempo, o saber de que a verdade das matemáticas
provém do ser-enquanto-ser (isto é, não dá pra representar a tese
“matemáticas = ontologia)
- O saber filosófico de que as matemáticas é a ontologia põe o ser em posição
geral de objeto e corrompe assim a efetuação propriamente ontológica de ser
desobjetivante.
- É legítimo e natural que o working mathematician ache retrágadas e vãs as
considerações filosóficas sobre a sua atividade (inclusive a tese metaontológica badiouiana).
- Os matemáticos só confiam em quem trabalha ao seu lado na trincheira dos
problemas matemáticos do momento. Essa confiança constitui a subjetividade
prático-ontológica dos matemáticos, que é improdutiva quanto a descrição da
essência de suas operações.
- Jean Dieudonné: matemático que pesquisa a história das matemáticas e
interessado nos aspectos filosóficos da sua disciplina.
- Para Dieudonné os filósofos estão sempre atrasados em relação às
matemáticas vivas. Ele critica aqueles (inclusive o Badiou) cujo interesse é
voltado para a lógica e a teoria dos conjuntos. Estas são, para ele, teorias
“acabadas” que não acrescentam nada a não ser fazer malabarismos com
problemas de geometria elementar e dedicar-se aos cálculos de matriz.
- Para Dieudonné é necessário dominar o corpus matemático ativo e moderno,
e para ele, Albert Lautman teria feito isso. A questão é que Lautman tinha
também uma filosofia sobre a matemática que ele fazia sobre a qual
Dieudonné sequer comenta.
- Para Badiou a exaustividade do saber matemático não é uma garantia de
validade para a sua correta reflexão filosófica (sobre a essência do espaço de
pensamento matemático).
- A filosofia de Kant, com seu 5 + 7 = 12 desfrutou de muito mais
reconhecimento por parte dos matemáticos (Poincaré, por exemplo) do que a
filosofia de Lautman, um matemático ativo e moderno.
- Os matemáticos são tão exigentes no que se refere ao saber matemático
quanto se contentam com pouco no que concerne à designação filosófica
desse saber.
- Num certo sentido eles estão corretos. Se as matemáticas são a ontologia, só
se faz ontologia praticando as matemáticas. As novas teses sobre o serenquanto-ser são as novas teorias, e os novos teoremas, a que se
consagra o working mathematician, que é um “ontologista sem o saber”,
mas esse não-saber é a chave de sua verdade.
- Consequência da tese “filosofia = matemáticas”: a filosofia está
originariamente separada da ontologia. Mas não no sentido dado pelo saber
crítico (analítico) de que a ontologia não existe. Trata-se bem antes do sentido
inverso, de que a ontologia existe plenamente e independente do discurso
filosófico.
- O intuito do Badiou não é fazer uma apresentação ontológica, isto é, um
tratado sobre o ser. Todo tratado ontológico é sempre um tratado de
matemáticas.
- O intuito do Badiou é estabelecer a tese metaontológica de que as
matemáticas são a ontologia. E mais importante: o intuito desse intuito é
permitir que a Filosofia articule o ser (ontologia matemática) com as doutrinas
intervenientes o evento (que são da ordem d’o que não é o ser enquanto ser).
- Que a tese ontologia = matemáticas seja metaontológica exclui que ela seja
matemática, isto é, ontológica.
- As referências matemáticas da tese metaontológica (matemáticas = ontologia)
são comandadas por regras filosóficas, e não pela atualidade matemática.
Trata-se da parte das matemáticas em que se enuncia que todo objeto é
redutível a uma multiplicidade pura, ela mesma edificada sobre a
inapresentação do vazio – a teoria dos conjuntos.
- Esses domínios da matemática que funcionam como uma marcação
ontológica da metaontologia (uma ocorrência eventural do ser) não estão em
posição de fundamento para a discursividade matemática: começar não é
fundar.
- A problemática do fundamento exige que nos aventuremos na arquitetura
interna da ontologia e o propósito do Badiou é apenas desiganr-lhe o sítio.
- A teoria dos conjuntos funciona como um sintoma cuja interpretação legitima
o fato de que a verdade das matemáticas provém do ser-enquanto-ser.
- A metaontologia concede aos filósofos um regramente definitivo da questão
ontológica que permite à filosofia se voltar para suas operações realmente
específicas. E aos matemáticos -embora condenados à cegueira com relação
ao significado filosófico de sua atividade-, a possiblidade de, libertos de seu ser
de working mathematician, de pensar segundo outras regras, e para outros
fins, na metaontologia.
- A verdade está em jogo na metaontologia, e, é o fato do “cuidado do ser” ter
sido confiado ao filósofo que a filosofia está separada do saber e pode se abrir
ao evento.
[“Sem outra esperança contudo, mas isso basta, senão daí inferir,
matematicamente, a justiça”. P.21]
6)
- A base do livro é realizar a tese “matemáticas = ontologia, mas sua finalidade
é abrir para os temas específicos da filosofia moderna e em particular para o
problema d’oque não é o ser enquanto ser ( que não é sinônimo de “não-ser”).
- A tese metaontológica serve apenas para delimitar o espaço próprio possível
da filosofia.
- O domínio d’o que não é o ser enquanto ser se organiza em torno de dois
conceitos, que são os de verdade e de sujeito.
- O vínculo entre verdade e sujeito sela a primeira modernidade filosófica cujo
nome inaugural é Descartes. É, no entanto, de um ângulo diverso que verdade
e sujeito serão reativados. Este livro funda uma doutrina efetivamente póscartesiana, a té mesmo pós-lacaniana, do sujeito: sujeito como fragmento do
processo de uma verdade.
- A categoria que serve de emblema desse empreendimento é o conceito de
genérico, extraído de Paul Cohen. Este conclui o grande monumento de
pensamento começado por Cantor e Frege.
- Se na matemática a teoria dos conjuntos permanece inapta para revelar
sistematicamente o corpo inteiro das matemáticas, sua leitura filosófica autoriza
todas as esperanças filosóficas: os conceitos de Cohen (genericidade e
forçamento) constituem um topos intelectual que ultrapassam sua validade
técnica; eles abrem para a captura subtrativa da verdade e do sujeito.
7)
- É nos procedimentos genéricos (amor, arte, ciência e política) que a reunião
ideal de uma verdade e a instância finita de tal reunião estão juntas.
- O pensamento do genérico supõe as categorias do ser (múltiplo, vazio,
natural, infinito...) e do evento (ultra-um, indecidível, intervenção, fidelidade...)
- O pensamento do genérico se prende ao problema do indiscernível, do
inominável, do absolutamente qualquer.
- Um múltiplo genérico (e tal é sempre o ser de uma verdade) é subtraído ao
saber, desqualificado, inapresentável. E, no entanto, pensável.
- O pensamento do genérico permite mostrar que os eventos são
simultaneamente indeterminados e completos. Ao invés de recair nas
dicotomias: múltiplo reconhecido vs. singularidade inefável, condições
representáveis (saber do social, do sexual, do técnico...) vs. além
transcendente do Um (a esperança revolucionária, a fusão amorosa, o ek-stase
poético...). Os eventos certificam o ser-comum, o fundo-múltiplo que detém
todos os traços comuns do coletivo considerado.
- Um sujeito certifica localmente o ser-comum/ ser-múltiplo. Só há sujeito num
procedimento genérico, portanto, não há senão sujeito artístico, científico,
político e amoroso.
- Trata-se de entender como o ser pode ser suplementado: determinar o ponto
em que o dizer do ser advém, em excesso temporal sobre si mesmo, como
uma verdade, sempre artística, científica, política ou amorosa.
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