11 Negociar com o clima? Soluções ecotecnocráticas

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Opinião
Negociar com o clima?
Soluções ecotecnocráticas para o efeito estufa
Caporal, Francisco Roberto*
As evidências científicas e as projeções
sobre as mudanças climáticas e seus efeitos
no presente e no futuro são, simplesmente,
assustadoras. Não obstante, os países ricos,
industrializados e opulentos do Norte acabam
de boicotar mais uma tentativa de estabelecer limites às emissões contaminantes, especialmente de CO2, ainda que sabendo tratar-se da principal causa do efeito estufa. E,
mais uma vez, vão tratar de transferir a solução do problema para os países periféricos do
Sul ou para as zonas periféricas destes países.
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão,
os reis do boicote à VI Conferência sobre Cam-
* O autor é Engenheiro Agrônomo, Diretor Técnico da
EMATER/RS, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/
UFSM e Doutor em Agronomia pela Universidad de
Córdoba - Espanha. Escrito em Dez./2000.
Email: [email protected] Este artigo foi elaborado
com base em diferentes documentos, dentre os quais
destacamos texto de José Santamarta, Diretor da
Revista World Watch em Espanhol.
Email: [email protected]
bio Climático (realizada em Haia, Holanda, de
13 a 24 de novembro de 2000) sabem que os
efeitos maléficos do aquecimento global recairão, principalmente, sobre os países mais
pobres e sobre as populações mais pobres nestes países, de modo que para eles vale mais
continuar com seus negócios e com sua desenfreada corrida poluente.
Os limites de emissões de CO2 estabelecidos pelo Grupo Assessor das Nações Unidas
sobre Gases de Efeito Estufa já foram sobrepassados. E isto acontece não por um afã
poluidor do homem moderno, senão que por
conseqüência inevitável do modo de produção
capitalista, modelo cuja "Segunda Contradição" vem sendo analisada por especialistas,
à luz das Leis da Termodinâmica (em resumo, estão sendo destruídas as bases de recursos naturais necessários para a continuidade do modo de produção).
Assim, diante do poder econômico que dirige as decisões de congressos e governos
nacionais, a questão climática parece que
continuará a ser tratada como mais uma
"oportunidade de negócio", ainda que as ten-
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dências atuais sobre as emissões de CO2 nos
deixem pouco lugar para o otimismo.
As Nações Unidas admitiam um crescimento da temperatura global na ordem de 1°
C no próximo século e um crescimento do nível do mar de até 20cm. Para isto a concentração atmosférica de CO2 deveria ser de no
máximo 350 ppm. Atualmente, já chegamos
aos 367 ppm. A média atual mundial de emissões é de 4,6 t de CO2 por habitante/ano,
havendo estudos que determinam a necessidade de se reduzir a 1,8 t de CO2 até 2030 e a
0,55 t de CO2/habitante/ano a longo prazo.
Mas tudo isto será impossível se os países
ricos não reduzirem suas emissões atuais,
que variam, em média, de 7 a 10 t de CO2/
habitante/ano. Inclusive, cabe destacar que
os Estados Unidos da América, principal responsável pelo fracasso da recente Conferência sobre o Clima, têm somente 4,6 % da população mundial e emitem aproximadamente 24 % do total de CO2 produzido no mundo,
chegando a absurdas 20 t/habitante/ano, enquanto seus governos se negam a reduzir apenas 7 % deste potencial poluidor, mesmo sabendo que as emissões de gases de efeito estufa tenham aumentado em 21,8 % entre
1990 e 1998, naquele país.
Deste modo, nem as mais engenhosas e
maquiavélicas proposições governadas pelas
"forças do mercado" serão capazes de dar conta deste problema, como pretendem os defensores das flexibilizações, uma vez que os estudos mostram a necessidade de uma redução de pelo menos 80% dos níveis atuais de
emissões de gases de efeito estufa.
Esta tendência de tratamento neoliberal
para a questão climática, capitaneada por algumas multinacionais, especialmente do setor automotivo e do petróleo, tem levado à busca de soluções ecotecnocráticas, sabidamente
insuficientes para o enfrentamento à grave
crise ambiental em que estamos imersos.
Neste sentido, já se fala em um mercado
mundial de carbono da ordem de 30 a 40 bi-
lhões de dólares/ano (a maior parte destinada a projetos relacionados com créditos de
emissões), como se estivéssemos falando de
vender melancia na feira.
Como "alternativa" à necessária redução de
emissões pelos países ricos, as políticas ecotecnocráticas nos próximos períodos vão estar concentradas nos chamados "direitos de poluir", na
compra e venda de "commodities ambientais",
no incentivo ao plantio de árvores nos países
em desenvolvimento, para a ampliação dos
chamados "sumidouros de carbono".
A idéia dos "sumidouros de carbono" passou a ser moda nos países ricos e objeto de
programas das organizações internacionais
que eles controlam, como o FMI, o Banco Mundial e a ONU. Em resumo, se trata de desenvolver e financiar projetos de plantio de espécies de árvores de rápido crescimento (como
eucaliptos e pinus), de modo a criar processos de "aprisionamento" do CO2 emitido. Financiados por "verdes" dólares, estes projetos
criariam novas "commodities ambientais", o
que tem tido espaços nos debates em congressos, em academias, assim como a adesão de
muitos ingênuos e verdes cidadãos.
Os debates, no entanto, estão centrados na
falsa ilusão de um "ganho econômico adicional por plantar árvores e preservar matas
cultivadas" (as matas nativas são outra história) e, em geral, não estão acompanhados
de qualquer reflexão sobre o impacto socioambiental que poderia resultar de tais empreendimentos (grandes monocultivos de espécies exóticas).
Se imaginarmos isto acontecendo num
Estado como o Rio Grande do Sul _ e esta moda
de origem neoclássica e ecotecnocrática já se
ensaia entre nós _ em breve vamos ter grandes monocultivos homogêneos (improdutivos?)
de espécies clonadas de eucaliptos e pinus
(talvez outras) ocupando espaços dos campos
e bosques nativos, empurrando e desalojando
pessoas e pondo em risco a existência da
fauna e flora nativas, acabando com a biodi-
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versidade local. O impacto ao ambiente local
e regional dos monocultivos homogêneos de
árvores de rápido crescimento ainda está por
ser estudado, mas é certo que como todo
monocultivo, tende a gerar mais desequilíbrio
ambiental.
A idéia dos "sumidouros de carbono", além
do mais, pode transformar-se em um estímulo ao desmatamento dos bosques naturais
para permitir o acesso a "créditos de emissão" pelo plantio de novas árvores. Assim
mesmo, não nos garante nada em termos de
futuro, pois é possível que o "carbono armazenado" nestas árvores seja liberado à atmosfera por um incêndio natural ou provocado.
Até aqui, nenhum projeto sério para enfrentar o problema foi devidamente tratado,
por isso não se fala em políticas para diminuir os subsídios aos combustíveis fósseis,
para reduzir o consumo de fertilizantes químicos ou o uso de cimento (cada tonelada de
cimento consumida causa a emissão de 498
quilos de CO2), assim como não há política
para incentivar o transporte coletivo e o transporte ferroviário ou para eliminar as queimadas em campos e florestas, para incentivar
as reciclagens e, muito menos, para incentivar o uso das energias alternativas dos ventos, do sol, do hidrogênio.
Por falar em energia, outro grande problema ambiental, cabe registrar que os países do
Norte, com apenas 25 % da população mundi-
al, consomem 66 % da energia mundial produzida, o que exige outro debate sobre a distribuição das responsabilidades pela crise ambiental de nossos dias. Por sorte, começaram a
ser fechadas as usinas nucleares, que alguns
insistem em dizer que produzem energia limpa, esquecendo que seus resíduos radioativos
podem causar problemas por centenas de anos.
Tudo isto deixa claro que, enquanto os países ricos não admitirem diminuir a poluição
que causam e, neste caso, suas emissões de
CO2, todas estas idéias ecotecnocráticas serão insuficientes para resolver o problema do
efeito estufa, cujos resultados colocam em
risco a vida sobre o planeta. Está na hora, pois,
da sociedade civil mobilizar-se, pois os governos de nossos países do Sul (e a representação do Brasil, em Haia, mostrou isto) estão,
mais uma vez, submetidos ao poder político e
econômico dos países do Norte e ao "lobby" de
algumas empresas transnacionais para as
quais o "direito de poluir" faz parte do seu negócio, ainda que isto signifique a continuidade de um modelo de desenvolvimento comprovadamente insustentável.
Enquanto seguem as soluções ecotecnocráticas, estão se derretendo as geleiras, está
crescendo o nível do mar, estão aumentando
as ocorrências de enchentes e outras catástrofes no mundo todo e logo experimentaremos outro alerta da natureza: o calor e as alA
terações climáticas deste verão. A
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