A. Independência e dependência da consciência de si: dominação

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03/11/2010
A. Independência e dependência da consciência de
si: dominação e escravidão
[Primeira secção do capítulo IV – A verdade da certeza de si mesmo]
As etapas do itinerário fenomenológico:
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4.
5.
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CONSCIÊNCIA (em sentido restrito, gnosiológico) (certeza sensível; percepção e
entendimento)
CONSCIÊNCIA DE SI (dialética senhor-escravo; estoicismo-ceticismo; consciência
infeliz)
RAZÃO (razão que observa a natureza; razão que age; razão que adquire a
consciência de ser Espírito)
ESPÍRITO [o Espírito em si como eticidade; o Espírito alienado de si (cultura); o
Espírito que readquire certeza de si (moralidade)]
RELIGIÃO (religião natural; religião da arte; religião revelada – o cristianismo)
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SABER ABSOLUTO
A CONSCIÊNCIA em sentido gnosiológico é a consciência que considera o mundo como algo diferente e
independente de si. A especificidade da consciência é justamente ter um objeto distinto de si e que se
lhe contrapõe.
–
No momento da certeza sensível (a sensação), o particular surge como a verdade, mas suas
contradições acabam revelando que, para compreendê-lo (ao particular), é necessário passar ao
universal.
–
No momento da percepção, a verdade parece estar no objeto, mas este se revela um e muitos, um
objeto com muitas propriedades ao mesmo tempo.
–
No entendimento, o objeto surge como fenômeno, resultado de forças e leis que são obra do
entendimento. A consciência compreende que o objeto depende do entendimento, ou seja, dela
mesma, consciência, para existir como tal. Assim, resolvendo-se o objeto no sujeito, a consciência
descobre-se consciência de si. “Ora, a experiência da consciência levou-a a perceber que, na
verdade, o ser-para-si deles é ser-para-outro, isto é, para ela: só são em si enquanto são para a
consciência. Portanto, sua certeza e verdade não estão num objeto fora dela, mas em sua própria
interioridade”. (Oliveira, Ética e sociabilidade, p. 187) Se a consciência do mundo objetivo se revela
como momento da autoconsciência, tem-se uma identidade abstrata da consciência consigo
mesma.
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CONSCIÊNCIA DE SI. Nesta etapa, a consciência há de aprender a saber o que ela é propriamente.
Em sua primeira manifestação, é vida, e caracteriza-se pelo apetite e pelo desejo – como tendência
de se apropriar das coisas e fazer tudo depender de si, no esforço de autoconservação e autoafirmação, a “tolher a alteridade que se manifesta como vida independente”.
•
O que Hegel denomina desejo? “a consciência na tensão de sair de si é a consciência que
deseja”.(Oliveira, ibid.) É um ir ao outro para poder ser e um destruí-lo como outro. “O desejo
distingue-se da mera necessidade, porque se situa no nível da separação entre sujeito e objeto,
próprio à esfera da consciência (...) O mundo, num primeiro momento, manifesta-se como o que
deve desaparecer para que a consciência seja e se afirme como tal”. (ibid.) É a abolição do objeto
na projeção do eu.
•
Infinito do desejo -> Má infinitude -> o sujeito retorna sempre a si, sem suprimir a tensão inicial ->
“o objeto ressurge sempre na sua independência para que uma nova satisfação tenha lugar” [H.
C. Lima Vaz, Senhor e escravo: uma parábola da filosofia ocidental, Síntese, 21 (1981), p. 16]
• Exclusão abstrata de qualquer alteridade: o outro é inessencial e
negativo. Mas sai necessariamente dessa posição ao se defrontar com
outras consciências de si.
• “Para que a consciência-de-si alcance sua identidade concreta, será
necessário que ela se encontre a si mesma no seu objeto (...) será
necessário que a verdade do mundo das coisas e da vida animal passe
para a verdade do mundo humano, ou a verdade da natureza passe para
a verdade da história”. (Lima Vaz, ibid.)
• A consciência é desejo, mas é infinita, porque é livre. Não pode desejar
somente objetos finitos. E ela somente encontrará esse objeto infinito
nas outras consciências.
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Primeiro momento: igualdade abstrata -> “cada autoconsciência se encontra
imediatamente diante da outra, em sua alteridade”. (Oliveira, p. 190)
•
Nasce então a “luta pela vida ou pela morte”, unicamente através da qual a consciência de si
se torna efetiva, deixando de ser puramente em si. É preciso pôr a vida em risco para
reconhecer-se não apenas como uma pessoa abstratamente. A verdade do reconhecimento
efetivo desta pessoa é como consciência de si independente. Toda consciência de si tem
necessidade estrutural da outra, e a luta, em vez de levar à morte de uma, deve levar à sua
subjugação. Do contrário, o processo fracassa. A luta não é apenas pela vida, mas pelo
reconhecimento. É sempre contra um outro (não pode ser contra uma pedra ou uma árvore).
Se a outra consciência de si morresse, não seria possível o reconhecimento. Mas será que o
reconhecimento é efetivamente alcançado, mesmo apenas por um dos lados, com a relação
de dominação? Vejamo-lo.
•
O senhor arriscou o seu corpo na luta, é aquele que aceitou o risco da morte. Com a vitória, tornase senhor. O servo é o que teve medo da morte e, na derrota, aceita a submissão para salvar a
vida física, o seu corpo. Com isto, reifica-se, torna-se uma coisa dependente do senhor. O senhor
usa então o servo, que trabalha para si, limitando-se com isto a desfrutar, sem trabalhar, das coisas
que o servo lhe produz. Mas isso provoca certas inversões:
•
O senhor perde a independência. Desaprende a fazer o que agora é atividade do servo. O servo, por
sua vez, torna-se independente das coisas, pois as produz. Dá-lhes forma, tornando-se assim o real
senhor delas, enquanto o senhor depende do escravo para poder delas usufruir. O reconhecimento
do senhor como consciência de si não tem mais o contrapólo dialético, pois o servo se reduziu à
condição coisal: “Só aparentemente temos o reconhecimento do senhor pelo escravo, pois na
verdade só se pode ser reconhecido por um igual, outra autoconsciência. De sorte que o processo
de dominação, em última instância, frustra a conquista da humanidade do homem, pois o escravo
é forçado a renunciar a ser sujeito e é tratado como coisa, e de uma coisa não pode emanar o
reconhecimento, que faz emergir o homem como autoconsciência”. (Oliveira, p. 191)
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Já o escravo encontra no senhor esse contrapólo? No trabalho, ele adquire consciência de
si, de suas capacidades e de sua importância. “Pelo trabalho, o homem molda o mundo a
partir de si e pode reencontrar-se nele, já que o trabalho é a sua objetivação. A
consciência trabalhante contempla a si mesma no objeto produzido e, dessa forma,
retorna a si como consciência de si (...) o trabalho é a instância de mediação da
autoconsciência do oprimido – é o produto como fim objetivado que leva a consciência
trabalhante à intuição de seu próprio ser como autônomo”. (Oliveira, p. 193) Porém,
como comenta S. Rovighi, “o escravo não tem logo consciência da identidade entre seu
trabalho e seu ser como consciência, ou seja, do fato de que seu trabalho e o produto de
seu trabalho são seu próprio ser, que é ele que faz ser as coisas produzidas”. (HFM, p. 719)
É um processo de aprendizagem, de educação, do qual o senhor se abstrai. O medo da
morte já revela a consciência de si do escravo como forma, como negatividade de toda
determinação finita. [Entretanto, cabe lembrar, o escravo não conseguiu negar a natureza
e ainda ficou preso a ela, além de preso também ao senhor]. Mas o trabalho conferirá
àquela forma um conteúdo.
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“Sem a educação do serviço e da obediência, o medo continuaria a ser apenas algo formal
na realidade consciente da mera existência; sem a formação, o medo permaneceria mudo e
interior, e a consciência não se tornaria para-si. (...) Na disciplina do servir, o escravo
aprende que ele é o poder sobre a natureza”. (J. H. Santos, O trabalho do negativo, p. 204)
•
“O escravo dá-se conta de que o que vale em seu trabalho e em toda a sua vida é ser
pensante, ser ‘autoconsciência livre’” (Rovighi, ibid.)
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“A mediação do outro na constituição do homem como subjetividade é fulcral: o homem é
essencialmente relação. Por isso, se, por um lado, para progredir é imperioso aniquilar a
independência solipsista da outra autoconsciência, por outro, qualquer espécie de
dominação frustra o processo, pois elimina a alteridade, sem a qual o reconhecimento não
se opera. O aniquilamento da outra autoconsciência é – sempre – aniquilamento de
qualquer autoconsciência. Eis porque o senhor não conquista a sua humanidade”. (Oliveira,
p. 194-195)
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Notas adicionais:
•
O entendimento fragmenta o todo, mas não podemos permanecer na fragmentação.
Há de se reconstituir o todo. A razão tematiza o real como unidade diferenciada, “uma
unidade na qual a diferença não desaparece” (Oliveira, p. 182), mas é, ao contrário,
reconhecida. A filosofia transcendental de Kant e Fichte, nova forma da ‘metafísica do
entendimento’, como metafísica da subjetividade, “pensa tudo a partir da
contraposição entre sujeito e objeto”. (Oliveira, 183) “A subjetividade se torna a fonte
de sentido capaz de determinar tudo o que a ela se contrapõe”.
•
Para Hegel, a subjetividade é processo: a autoconsciência é um movimento, e por isso é
essencialmente desejo. O espírito humano move-se por um impulso fundamental de
buscar-se a si mesmo. Ele “não é desde sempre o que pode ser”. (Oliveira, 183, nota)
•
“Toda a vida humana é uma luta de conquista de sua subjetividade, o que só pode
acontecer quando os homens, superando toda e qualquer perspectiva de
coisificação, se reconhecem mutuamente como seres iguais e livres e, assim, se
constituem enquanto homens, ou seja, como seres essencialmente
comunitários”. (Oliveira, 183)
•
O homem como desejo tende não apenas a querer alguma coisa, mas a absorver o
outro, destruir sua independência. Como desejo, “a autoconsciência é o impulso
de conquistar a si mesma através da destruição e absorção em si de todo o
mundo objetivo”. (Ibid., nota) Mas Hegel mostra, com a dialética S-E, é que a
autoconsciência, para conquistar-se, deve superar a postura de dominação e pôrse na perspectiva do reconhecimento da alteridade da outra autoconsciência.
Uma liberdade só pode reconhecer-se pela mediação de outra liberdade.
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• Lima Vaz: “senhor e escravo não são personagens de uma espécie de
situação arquetipal da qual procederia a história. São apenas figuras de
uma parábola com as quais Hegel pretende designar momentos
dialéticos entrelaçados rigorosamente no discurso que exibe a formação
do indivíduo para o saber. Esse saber deve apresentar-se como
fundamento para a exigência histórica de uma sociedade do
reconhecimento universal”. (ibid., p. 23)
•
“Autoconsciência universal” é como Hegel denomina o reconhecimento
recíproco entre sujeitos na Enciclopédia. (par. 436)
• A metafísica moderna da subjetividade é parcial, pois “a subjetividade não
é pura identidade consigo mesma, mas identidade mediada por um
processo de interação no qual a subjetividade se conquista pela
mediação da construção de um mundo objetivo, que torna possível a
emergência do homem como sujeito”. (Oliveira, p. 185)
• “O sujeito humano se constitui tão-somente no horizonte do mundo
humano, e a dialética do desejo deve encontrar sua verdade na dialética
do reconhecimento. Aqui a consciência faz verdadeiramente a sua
experiência como consciência de si, porque o objeto que é mediador
para seu reconhecer-se a si mesma não é o objeto indiferente do mundo,
mas é ela mesma no seu ser-outro: é outra consciência de si”. (ibid., p.
17)
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