a linguagem das células do sangue – leucócitos

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A LINGUAGEM DAS CÉLULAS DO SANGUE – LEUCÓCITOS
Prof.Dr. Paulo Cesar Naoum
Diretor da Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto, SP
Sob este título o leitor poderá ter duas interpretações a respeito, quais sejam: a) as
células “conversam” entre si, e b) a linguagem “corporal” das células indicam algum
acontecimento. Realmente as duas interpretações estão corretas e são passíveis de
serem consideradas, notadamente quando suas morfologias ao se alterarem, por
exemplo, podem mostrar relações com determinadas patologias. É importante destacar
que em muitas situações as duas linguagens celulares ocorrem conjuntamente,
conforme o exemplo abaixo.
A imaginação do pesquisador, do professor ou do profissional de laboratório, tendo
como suporte os mais recentes conceitos de biologia celular, nos permite traçar um
pequeno roteiro de como este fenômeno pode ocorrer. Tomarei como exemplo a
infecção causada pelos vírus da hepatite B. Quando esses vírus invadem o corpo de uma
pessoa, independente da forma de contaminação, eles se utilizam de milhares de vasos
sanguíneos com pequeníssimos calibres para fluírem em direção ao órgão de
preferência, no caso o fígado. Neste órgão, os vírus encontrarão condições apropriadas
para se replicarem continuamente e, por esta razão, ocorrem desajustes no
metabolismo hepático. Entretanto, desde o primeiro momento de sua invasão no corpo
humano, acontecem expressivas reações contra suas presenças desencadeadas pelas
defesas imunológicas do organismo invadido, principalmente de macrófagos. Estas
células, também conhecidas como Células Apresentadoras de Antígenos, ao entrarem em
contato com os vírus invasores, quer seja por simples contato por adsorção ou
fagocitose, obtém importantes informações biológicas sobre as composições de
proteínas virais específicas. Desse processo de reconhecimento de proteínas virais
específicas, que passam a serem denominadas por antígenos virais, os macrófagos
também se tornam ativados para produzirem pequenas moléculas de peptídeos e
polipeptídeos que são conhecidas por citocinas ou interleucinas, ambas tecnicamente
denominadas por IL. Através de pontes proteicas construídas pelos macrófagos e
conhecidas por MHC-2 (complexo maior de histocompatibilidade classe 2), os antígenos
virais são transmitidos para os linfócitos T CD4 “avisando-os” da presença de vírus
invasores (figura 1).
Figura 1: CAA ou Célula Apresentadora de Antígenos (macrófago) transmitindo
antígenos por meio de “pontes proteicas” para um linfócito T CD4.
Somam-se a essa transmissão de informações químicas as moléculas de IL que também
são passadas pelos macrófagos aos linfócito T CD4 por meio de outras pontes protéicas
caracterizadas como receptores de membrana (figuras 2 e 3).
Figura 2: Microscopia eletrônica plana de macrófago passando informações para
linfócitos através de contatos intermembranas (receptores celulares) das duas células.
Figura 3: Representação esquemática de CAA ou Célula Apresentadora de Antígenos
(macrófago) transmitindo antígenos por meio de receptor de célula T ao linfócito T CD4.
As moléculas de IL, juntamente com os antígenos virais transmitidos pelos macrófagos,
serão responsáveis por induzirem os alarmes ou sinalizações celulares do nosso
complexo sistema imunológico. Essas sinalizações levam uma linguagem química
específica que indica a presença do vírus da hepatite B no organismo da pessoa, e faz
com que os linfócitos T CD4 comuniquem com outras células do sistema imunológico. A
linguagem celular caracterizada por passagens de sinais ativam os linfócitos matadores
(linfócitos T CD8, ou linfócitos citotóxicos, e células NK, ou células matadoras naturais).
Essas células matadoras ao serem estimuladas se dirigem para o fígado, fato que ocorre
naturalmente durante suas circulações pelo fluxo sanguíneo, e destroem as células
invadidas por vírus, no caso os hepatócitos. Os linfócitos envolvidos nesses processos de
ativações expressam uma linguagem morfológica ou corporal própria, carinhosamente
denominada pelos citologistas de linfócitos atípicos (figura 4).
Figura 4: Cinco linfócitos atípicos, com alterações nucleares e citoplasmáticas em
paciente com hepatite B.
Consequentemente, como milhões de hepatócitos contaminados pelos vírus da hepatite
B são destruídos, a grande maioria dos seus “inquilinos virais” também são eliminados.
O êxito desse processo de saneamento imunológico depende da carga viral infectante e
da competência imunológica das células envolvidas na eliminação dos vírus, no caso os
macrófagos, os linfócitos T CD4 e CD8 e as células NK . Mas, independente da carga viral
ser alta ou baixa, os linfócitos T CD4 continuam suas faxinas biológicas, através da
linguagem celular com outros tipos de linfócitos que são capazes de produzirem
anticorpos específicos e, inclusive, competentes para guardarem em suas memórias
celulares informações relativas às proteínas virais dos vírus invasores. Esses linfócitos
especiais são conhecidos por linfócitos do tipo B. Os contatos, via receptores celulares,
entre linfócitos T CD4 e linfócitos B fazem com que estas células se ativam e promovam
ajustes genéticos para a produção de imunoglobulinas específicas contra os vírus
invasores. Os linfócitos B ativados também expressam a linguagem corporal própria que
tecnicamente denominamos por linfócitos plasmocitóides (figura 5).
Figura 5: A seta mostra um linfócito plasmocitóide juntamente com linfócito e monócito
normais.
A produção de anticorpos específicos demora, em média, entre cinco a dez dias, e suas
ações permanecem por longos períodos contra os vírus que induziram a sua produção.
Essa capacidade de reação pode ser avaliada por meio de vários testes laboratoriais. Na
sequência da linguagem celular haverá um momento em que será necessário romper as
ativações das células imunológicas, especialmente a dos macrófagos. Finalmente, apesar
de não se saber como os linfócitos reconhecem que seus serviços imunológicos foram
suficientes para serem encerrados, se sabe, entretanto, a forma de como é dada a ordem
para encerrar os processos imunológicos, notadamente o citotóxico, contra os vírus
invasores. Através de um receptor de membrana dos linfócitos T, caracterizado pela
sigla CTLA-4, as mensagens químicas são passadas aos macrófagos para que esses
encerrem a apresentação dos antígenos invasores, no caso as proteínas virais do vírus
da hepatite B. Chega-se, assim, ao fim dos “serviços prestados pelo sistema imunológico
à defesa do organismo humano invadido por um determinado tipo de vírus.
A sua imaginação sobre a linguagem da célula poderá ser contemplada por meio de um
filme com cinco minutos de duração, roteirizado por mim, animado pela Profa. Alia
Naoum e patrocinado pela Academia de Ciência e Tecnologia de São José do Rio Preto,
SP. O filme está disponível no youtube com o nome de “fluxo sanguíneo”.
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