A ÉTICA E A MORAL NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NO BRASIL Sabrina Sacoman Campos ALVES, UNESP/Marília Patrícia Unger Raphael Bataglia, UNESP/Marília Eixo 01 – Formação inicial de professores da educação básica [email protected] 1. Introdução A partir das reflexões e discussões que viemos realizando acerca dos temas moral e ética, começamos a nos indagar qual a importância da formação ética e moral do professor para que esses atuem na educação de meninos e meninas mais autônomos. Há espaço e qual seria ele para as questões éticas e morais na formação do pedagogo? Dá-se tanta atenção à formação intelectual, buscando que os futuros professores saibam todas as teorias de ensino e aprendizagem, para que sejam capazes de alfabetizar e de ensinar crianças a realizar operações matemáticas, mas será que há preocupação com o fato de que estes mesmos professores estarão se relacionando com pessoas, com seres humanos, em plena formação da personalidade, da consciência? Formar alunos críticos e autônomos são objetivos que encontramos na maioria dos projetos políticos pedagógicos de nossas escolas brasileiras, mas nossos professores estão prontos para encarar este imenso desafio? A partir destes questionamentos, temos, neste artigo, o objetivo geral de refletir a importância da formação moral e ética do pedagogo e verificar se a formação do pedagogo, de uma das melhores universidades do Brasil, oferece espaço para a formação moral e ética deste profissional. 2. Ética, moral e formação universitária Atualmente, tem se visto muitos estudos direcionados à questão da moral e/ou da ética, como por exemplo, La Taille (2006), Vinha (2009), Bataglia (2014); ao tratar desta temática, todavia, um cuidado deve ser tomado logo de início, a conceitualização destes termos. Moral e ética, frequentemente, têm sido encaradas, tanto pelo senso comum como pelo meio acadêmico, como se tratando de uma só coisa, isto até mesmo em função da etimologia das palavras, que, apesar de terem origens diferentes, trazem consigo a ideia de costumes. Diversos autores de diferentes áreas buscaram as definições destes termos ao longo da história, e muitos deles influenciam nas definições das quais compartilhamos. Para maior clareza, definiremos a seguir os termos moral e ética tal como serão utilizados neste artigo. Muitas das ideias que compartilhamos sobre esta temática estão fundamentadas nos estudos do psicólogo Jean Piaget, para quem “Toda moral consiste 362 num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras” (PIAGET, 1994, p. 23). Piaget não diferencia moral e ética, mas, ao afirmar que a essência da moralidade está no respeito que o indivíduo adquire pelas regras, o autor abre a discussão para as diferentes formas de se colocar perante a regra. Assim, Piaget (1994) explica que existem dois tipos de respeito, o respeito unilateral, que é fruto da coação, e o respeito mútuo, fruto da cooperação. O respeito unilateral conduz o sujeito à moral da heteronomia, enquanto o respeito mútuo conduz à moral da autonomia. A moral da autonomia estaria, ao nosso entender, mais ligada à ética, por se tratar de uma moral onde a regra é considerada interna, por ser fruto da reflexão e construção do próprio sujeito. Fundamentados nas ideias de Piaget, optamos por definir moral e ética de acordo com a definição colocada por La Taille (2006), em que a moral é vista como o conjunto das regras que regem a sociedade e direcionam a conduta dos sujeitos que nela estão inseridos, e a ética é vista como ‘a vida que eu quero ter’, estando mais ligado à reflexão que faço sobre as regras. Baseados nas ideias de Piaget sobre o desenvolvimento do juízo moral, diversos autores vem, ao longo da história, pesquisando e discutindo sobre a importância do ambiente escolar na formação moral e ética de crianças e jovens. Piaget (1994) ao tratar de questões referentes ao juízo moral da criança não formula um tipo de educação moral, mas deixa claro que o fundamental, neste aspecto, é considerar o sujeito no processo, os sujeitos devem assumir papel ativo, que permita expressar-se, tomar decisões, cooperar, criar e investigar, sem o abuso da coação. Piaget deixa clara sua preferência por métodos ativos para a educação moral. De acordo com Biaggio (1997), Kohlberg, dando continuidade à teoria de Piaget, além de dividir o desenvolvimento do juízo moral em estágios, avançou os estudos sobre a educação moral, propondo a ‘Comunidade Justa’. Nesta comunidade acontecem reuniões em que alunos e professores discutem sobre as regras e a manutenção das regras. As decisões são tomadas por meio de votações, sendo que professores e alunos podem votar. Desta forma, a comunidade escolar se torna uma comunidade democrática, no que diz respeito ao funcionamento, em que todos se sentem pertencentes e as regras se tornam coletivas. Segundo a autora, a teoria da comunidade justa de Kohlberg destaca que não pode haver um exercício de autoridade que apresente resultados positivos sem a presença de uma comunidade à qual todos os membros têm o sentimento de pertencer. Neste sentido, diversas pesquisas e propostas brasileiras, dentre as quais podemos destacar Mantovani de Assis; Camargo de Assis (2002), Vinha (2000) e Araújo (1993), têm confirmado a influência positiva do ambiente sociomoral cooperativo para a 363 formação de sujeitos mais autônomos moralmente. Estes autores convergem na afirmação de que a proposta de um ambiente educativo que possibilite que a criança ou o jovem possam se respeitar e respeitar ao outro, expressar suas ideias e sentimentos, e discutir questões morais e éticas, favorece a construção, por parte do próprio sujeito, de uma consciência ética e moral mais desenvolvida. La Taille (1996), ao comparar Piaget e Kant sobre questões da educação moral, ressalta que ambos discorrem em seus textos sobre aspectos da pedagogia. Segundo o autor, para Kant, o homem para se tornar homem precisa ser educado, então, o objetivo da educação é aperfeiçoar o homem. Porém, é preciso que os educadores sejam bem formados e que realizem pesquisas pedagógicas para que possam exercer sua função de educar, “Para tornar as crianças melhores (que seus pais) é preciso transformar a pedagogia num estudo; do contrário, não há nada o que esperar e a educação é confiada a homens de má educação.” (Kant apud LA TAILLE, 1996, p. 151). Ainda segundo La Taille, Piaget e Kant concordam que a socialização é fundamental para o desenvolvimento da criança em direção à sua formação de homem, mas a forma como esta socialização é encarada por ambos os autores se diferencia; os autores analisados também concordam que a educação deve emancipar o homem, aperfeiçoa-lo; e, ainda, concordam quanto à essencialidade da boa formação dos professores para que a educação alcance seus objetivos. Assim, tanto a moral como a ética são questões fundamentais dentro da educação, uma vez que o que se busca é formar sujeitos autônomos e críticos. Isto se aplica à educação básica, mas também à formação universitária, seja qual for o curso. Pesquisas atuais têm buscado investigar questões relacionadas à formação ética e moral de alguns profissionais no Brasil. Podemos citar, por exemplo, Bataglia e Bortolanza (2012), que pesquisaram os conceitos de moral e ética, e, a avaliação do ambiente acadêmico de alunos de um curso de Psicologia. Nesta pesquisa, os resultados encontrados apontaram que a ética e a moral para estes alunos estavam ligadas às regras e ao código de ética e que os alunos, muitas vezes, não se dão conta das oportunidades de assunção de responsabilidade e reflexão dirigida em sua formação, o que é fundamental para que os alunos integrem a moral e à ética à sua prática profissional. No caso dos cursos de formação de professores isto se intensifica à medida que mais do que conhecer e vivenciar a moral e a ética, a este futuro profissional caberá formar para a moral e para a ética, alcançar objetivos como o de possibilitar a construção da autonomia e da criticidade em crianças e jovens. Piaget em ‘Sobre a Pedagogia’ discorre sobre questões muito importantes sobre a educação e sobre a formação de professores. Além de afirmar que a preparação dos 364 professores, tanto quanto organizar belos programas e construir belas teorias, é essencial para que se realizem reformas pedagógicas eficazes, ressalta que é necessário (re)valorização do corpo docente e que é necessária e extremamente importante “[...] a formação intelectual e moral do corpo docente, problema muito difícil, pois quanto melhores são os métodos preconizados para o ensino, mais penoso se torna o ofício do professor [...]” e ressalta que a solução é “[...] uma formação universitária completa para os mestres de todos os níveis (pois, quanto mais jovens são os alunos, maiores dificuldades assume o ensino, se levado a sério) à semelhança da formação dos médicos etc.” (PIAGET, 1978, p. 26) Segundo Paula (2009), no Brasil, o ensino superior, que em seu surgimento sofreu grande influência dos modelos de ensino superior alemão e francês, tem passado por diversas transformações e, ainda, por crises de objetivos e de metodologias. Ainda segundo a autora, nas últimas décadas, sob influência do modelo norte-americano, tem se buscado para as universidades brasileiras, em especial as públicas, maior racionalidade instrumental. Acusadas pelo governo de serem improdutivas, as universidades são constantemente avaliadas no sentido de produção, o que busca incluilas na lógica racionalizadora do capital. Em 15 de maio de 2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE), instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação/ Licenciatura em Pedagogia (Resolução CNE/CP Nº 1), que define os princípios, as condições de ensino e aprendizagem, e os procedimentos que devem ser considerados pelas instituições de ensino superior e pelos órgãos dos sistemas de ensino. Em tal resolução destaca-se que a docência é vista como o eixo primordial de formação do pedagogo, entendida como “ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, a ser desenvolvido em espaços escolares e não escolares, construídos em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção de conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo” (BRASIL, 2006). Percebemos, portanto, a partir das ideias até aqui colocadas, que assim como a formação intelectual, pautada em conhecimentos científicos, a formação ética e moral dos estudantes dos cursos de pedagogia, futuros educadores, se faz essencial, pois trata-se de um dos aspectos indispensáveis para que esse profissional possa pensar sua vida, sua vivência profissional, sua formação contínua e para estar apto a possibilitar a formação de crianças e jovens para uma consciência moral e ética. 365 3. Projeto político pedagógico e grade curricular de um curso de pedagogia Neste trabalho buscamos analisar a Proposta Pedagógica e a Grade Curricular de um curso de Pedagogia com o objetivo de verificar como a questão da formação ética e moral se apresentam na formação do pedagogo no Brasil. Para isto escolhemos analisar estes itens no curso de Pedagogia de uma universidade pública brasileira da região sudeste, pois se trata de uma das universidades mais bem conceituadas neste país. O curso de Pedagogia da referida instituição tem alcançado as melhores posições nas avaliações realizadas por órgãos nacionais e internacionais. Não há dúvidas que, tanto dentro do nosso país, como fora dele, a universidade analisada é considerada uma das mais importantes universidades brasileiras. E, portanto, mesmo não sendo esta uma pesquisa que aborde a formação do pedagogo em diversos cursos do Brasil, acreditamos que nossa análise pode apontar aspectos que venham a representar a tendência da formação do pedagogo no Brasil. Realizamos leitura crítica do Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia da universidade estudada que pode ser encontrado online (acesso no ano de 2015) e notamos, a partir de nossa leitura, que, segundo este documento, tal curso se fundamenta na articulação e na indissociabilidade entre as atividades de docência, pesquisa e extensão universitária. Busca possibilitar aos estudantes, então, atividades investigativas e críticas das práticas, da cultura e do saber escolar, visando à formação de um profissional apto a atuar na educação da sociedade atual, que se mostra complexa. Inicialmente o Projeto Político Pedagógico conta um pouco da trajetória histórica do curso. Ressaltamos, aqui, que em 1999 ocorreu uma mudança muito significativa no curso, pois se implantou uma reforma com a finalidade de flexibilizar o programa e articular à formação básica as habilitações (Administração Escolar, Orientação Educacional, Supervisão Escolar e Educação Especial), que até então aconteciam em período posterior à formação básica do pedagogo. Atualmente, o curso tem duração mínima de nove semestres e é composto por vinte e oito disciplinas obrigatórias, que garantem a grade comum a todos os alunos, e onze disciplinas eletivas, que possibilitam ao aluno realizar escolhas e optar por um direcionamento da sua formação que tenha mais ligação com seus interesses e aptidões. Compreende dois mil trezentos e quarenta horas de aulas teóricas, em que estão incluídas disciplinas obrigatórias e eletivas, quatrocentos e cinquenta horas de estágio supervisionado, em que se encontram disciplinas e estágios, e, quatrocentos e oitenta horas de estudos independentes, que tratam das atividades acadêmico-científicoculturais. 366 Os objetivos propostos para este curso em seu Projeto Político Pedagógico perpassam a sistematização dos saberes historicamente acumulados pela humanidade e a construção de novos conhecimentos, a formação de profissionais competentes e socialmente compromissados, e, o desenvolvimento amplo do estudante, de maneira que compreenda e pense de forma crítica os fenômenos humanos, naturais e sociais, adotando frente a eles posturas coerentes. O curso de Pedagogia da universidade analisada apresenta um caráter flexível no sentido que a oferta de disciplinas eletivas possibilita aos alunos escolherem um percurso para seguirem em sua formação, simultaneamente à formação básica do curso. Estes percursos são escolhidos de acordo com o interesse e aptidões dos alunos, e são oferecidos os seguintes percursos interdepartamentais: –“Educação e Cultura”, “Escolarização e Docência” e “Política e Gestão”. Cada estudante deverá cursar onze disciplinas optativas, das quais três são consideradas livres por não estarem vinculadas aos percursos, podendo ser cursadas, inclusive, em outras unidades, e, oito disciplinas são vinculadas a um dos percursos. No total, existem 132 possibilidades de disciplinas que podem ser oferecidas como optativas. Segundo seu Projeto Político Pedagógico, o curso formará um educador não somente para as questões técnicas, oferecendo, então, uma formação teórica e prática, que se consolidará em sua atuação profissional, e pautada em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democracia, pertinência social, ética e sensibilidade afetiva e estética, em concordância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação/ Licenciatura em Pedagogia. Nestes termos, tal projeto coloca como requisito indispensável formar pedagogos que reconheçam a escola como lugar social que deve contribuir com saberes e valores que potencializem a construção de uma sociedade mais justa. O documento destaca a importância de uma formação sólida em conhecimentos científicos e em metodologias de ensino, de um profissional que consiga visualizar as possibilidades de atuação de forma ampla e não fragmentada. Buscamos até aqui destacar pontos que julgamos, a partir de nossa leitura, importantes para pensarmos a proposta de formação do pedagogo apresentada pelo Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia, direcionando o olhar mais para as questões relacionadas à ética e à moral. Passaremos agora a apresentação dos dados encontrados na análise da Grade Curricular do mesmo curso. Convém apontarmos, aqui, que para que nossa análise não se fizesse superficial, além de revisarmos a grade pelos nomes das disciplinas, realizamos a análise dos objetivos e programa de cada uma das disciplinas que podem ser oferecidas para o curso de Pedagogia. Foram analisadas, portanto, de forma criteriosa as vinte e oito disciplinas 367 da formação básica, ou seja, obrigatórias, e as cento e trinta e duas disciplinas que podem ser oferecidas como optativas. Encontramos várias disciplinas que apontavam favorecer o desenvolvimento de uma perspectiva crítica nos alunos, a reflexão e a discussão dos temas. Também encontramos várias disciplinas que tratavam da formação para um posicionamento democrático e cidadão, principalmente, frente às questões de diversidade e desigualdade. Não podemos ignorar que muitas questões morais e éticas podem estar incluídas nestas propostas, porém, estas não falavam de forma explícita da formação moral e ética, o que de alguma forma pode gerar duas situações que para nós se tornam complicadas de analisar: primeiramente, estas questões, por estarem implícitas, podem passar despercebidas pelos alunos, não se constituindo em algo eficaz, e, em segundo lugar, não é possível saber quanto de discursos prontos, que sempre aparecem em propostas educacionais, podem estar presentes no fato de apenas citar este tipo de expressão. Então, pensamos ser mais prudente destacar apenas as disciplinas que fazem referência de forma explícita às questões morais e éticas, ou ainda, que tratem de assuntos morais e éticos não apenas citando-os vagamente, mas discutindo as intenções do trabalho com estes temas e as implicações. Dentre as disciplinas obrigatórias, encontramos apenas a disciplina “Filosofia da Educação II”, que discorre sobre o tema ética, enfocando a questão dos fundamentos éticos da educação e a questão de valores na prática educacional. Um dos objetivos gerais busca oportunizar discussões dos fundamentos antropológicos e éticos da educação, vinculada à condição existencial do homem, à luz da teoria histórico cultural. No programa desta disciplina encontramos dois itens que se referem à ética: ‘A dimensão ético-politica da educação’ e ‘Fins e valores na prática educacional’. Passando à análise das diversas disciplinas optativas que podem ser oferecidas, encontramos algumas que tratam especificamente dos temas ética e moral, e algumas que dentro dos assuntos específicos direcionam a discussão para as dimensões éticas e morais. A disciplina “Leituras e Perspectivas da Sociologia da Educação Contemporânea” trabalha os valores e representações sociais da educação; “Educação: Caráter Universal e Relativismo Histórico” aborda a formação de professores e a reflexão ética sobre a ação pedagógica; “O Projeto Educativo de Platão” trata da ética e da política no pensamento de Platão; “Ética e Educação Moral em Tomás de Aquino” trabalha a importância e contemporaneidade da ética na filosofia de Tomás de Aquino; “O Pensamento de Rousseau em Educação” traz a política e a ética no pensamento de Rousseau; “Temas Transversais em Educação” trabalha a ética, abordando as relações interpessoais, enquanto tema transversal, no projeto político pedagógico das escolas; 368 “Educação e Ética” aborda diferentes concepções de ética, elaboradas ao longo da história, possibilitando refletir a problemática específica dos valores na ação educativa e a ideia de justiça aplicada à educação; “Escola, Cultura e Aprendizagem” trata das relações entre a cultura e a aprendizagem na proposta educativa, utilizando, dentre outras, a teoria dos valores; “Ética e Educação” possibilita o contato com a problemática específica dos valores pensados na particularidade da ação educativa, e a ideia de justiça aplicada à educação; “Filosofia da Educação: Educação, Ética, Política e Cidadania”, trata da relação entre a formação educacional e os domínios da ética e da política, a partir da leitura de clássicos da filosofia; “A Sofística como Movimento Educativo” trabalha o movimento sofístico na Grécia Clássica, entendido como um debate de ideias, as relações entre essas ideias, a demanda política e as suas implicações éticas; e, “Leitura, Escrita, Valores e Educação” aborda as bases da promoção da ética e da aprendizagem da língua escrita na escola, as diretrizes pedagógicas e as possibilidades de articulação entre a formação de valores nas práticas de leitura e escrita na escola. Ressaltamos que percebemos que apesar de tratarem dos temas ética e moral tais disciplinas apresentam propostas diferenciadas de abordagem e discussão. Algumas se direcionam para compreender a moral e a ética presentes no pensamento de alguns autores, outras discutem a questão da ética e da moral aplicadas à educação, e outras, por fim, tratam da questão da ética e da moral em relação à formação do sujeito e à formação do professor. Por fim, é importante dizer que, quanto à metodologia de ensino, o curso de Pedagogia não possui nenhum tipo de proposta geral, que se aplique ao curso como um todo. Na proposta de cada uma das disciplinas a metodologia e a forma de avaliação são colocadas pelos professores responsáveis. A saber, as metodologias mais citadas são aulas expositivas, reflexões em grupo, seminários, projeção de filmes e discussões de temas. Quanto à avaliação, a maioria das disciplinas é avaliada por provas e trabalhos. 4. Resultados e discussão Pensando os dados encontrados na análise do curso de pedagogia e as leituras e reflexões realizadas, podemos destacar que o papel do pedagogo é muito amplo e complexo, pois, além das diversas funções que este profissional pode assumir em instituições educativas, aquilo que ele planeja e desenvolve dentro da sua função influencia incisivamente na formação de outros sujeitos, que estão em plena formação. A participação do pedagogo na vida educacional das crianças e dos adolescentes ultrapassa o que para muitos é considerado o papel mais importante da educação, ou 369 seja, a formação intelectual, e se faz tão importante, ou até mais, na formação da consciência e da personalidade moral e ética. Assim, da mesma forma como para oferecer um ambiente que possibilite o desenvolvimento intelectual do sujeito, a construção de conhecimento nas mais diversas disciplinas, é essencial que o professor se forme, aprenda, acumule conhecimentos científicos, saiba sobre métodos, recursos, avaliação, planejamento, e tantos outros aspectos, é igualmente importante que, para oferecer um ambiente sociomoral cooperativo, que possibilite o desenvolvimento moral e ético, o professor se forme, que saiba articular conhecimentos sobre a temática, suas próprias vivências éticas e morais, a utilização de métodos e recursos, o planejamento e a avaliação, enfim, que assuma um engajamento moral e ético que perpassa o ser e o ensinar. Ao analisar o curso de Pedagogia dessa universidade, observamos que a proposta apresentada no Projeto Político Pedagógico não ignora esta necessidade de formação ética do pedagogo. Os objetivos propostos apontam para a formação de um profissional que assuma uma postura crítica perante as situações inerentes à sua profissão, uma formação que se paute em princípios éticos, além de outros. Tal documento, apoiado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação/ Licenciatura em Pedagogia, deixa clara a intenção de formar pedagogos que possam formar sujeitos que, pautados em valores éticos e morais, possam construir uma sociedade mais justa. Acreditamos que esta tenha que ser realmente a postura dos diversos cursos de pedagogia do Brasil, afinal, reconhecer que a formação do pedagogo não é possível sem considerar as questões éticas e morais é essencial e é o primeiro passo para que este ideal se concretize. O problema consiste em que quando partimos para a análise da grade curricular e das propostas das disciplinas ofertadas, percebemos que a forma como a formação moral e ética se apresenta é muito sútil. Existem sim propostas que inserem o aluno em contatos, reflexões e discussões sobre ética e moral, mas estas propostas são muito pontuais. Na grade comum, colocada como obrigatória para os alunos, apenas uma disciplina se propõem explicitamente a abordar esta temática, inserida no contexto da filosofia da educação. Quanto às disciplinas optativas pensamos que as doze disciplinas que se colocam de forma explicita dispostas a abordar esta temática tratam-se de um investimento pequeno, pois em um rol de cento e trinta e duas disciplinas elas constituem menos de dez por cento, e pensando que talvez nem todas as disciplinas sejam ofertadas todos os anos (e esta é uma informação que não conseguimos encontrar), corre-se o risco desta porcentagem diminuir. Também é preciso considerar que, de acordo com a escolha feita pelo aluno do percurso das disciplinas eletivas, corre-se também o risco de 370 que alguns alunos vivenciem bem poucas destas disciplinas de propostas morais e éticas. Quanto às disciplinas que se propõem a abordar a questão da ética e da moral percebemos que estas se preocuparam consideravelmente com a importância desta temática para a formação do pedagogo. Destacamos as disciplinas “Ética e Educação” e “Educação e Ética”, ambas com propostas que apresentam bastantes semelhanças, que inserem o aluno no tema em questão e buscam trabalhar aspectos importantes como os valores, os julgamentos, as posturas morais e éticas, entre outros. Entendendo que, como ressaltamos na parte teórica deste artigo, o ambiente sociomoral cooperativo colabora para o desenvolvimento do juízo moral e da consciência ética do sujeito, ao pensarmos a questão do ambiente em que os alunos do curso de Pedagogia estudado estão inseridos, concluímos que a possibilidade de escolha das disciplinas eletivas, que representam aproximadamente vinte e oito por cento do curso, constitui-se uma forma do aluno poder ter que refletir de forma crítica sobre a sua proporia formação e participar de forma ativa dela, o que se faz muito positivo no campo da moral e da ética. Por outro lado, percebemos que a forma como o curso está estruturado e a metodologia de ensino que é adota apresentam muito de propostas tradicionais, mais votadas para a coação do que para a cooperação. É claro que isto se constitui apenas um apontamento, fruto da análise do que é apresentado por escrito pela universidade, e que para constatar o tipo de ambiente que realmente é vivenciado seriam necessários outros tipos de pesquisas. Atualmente, sabemos que algumas propostas de ensino superior em nosso país já se direcionam para um ensino em que o centro do processo está no aluno, em que o aluno deixa de ser passivo dentro deste processo e assume papel ativo em sua formação. Assim, como nas pesquisas realizadas na educação básica, que constatam maior desenvolvimento moral dos sujeitos que vivenciam métodos ativos e democráticos, também a utilização destes métodos no ensino superior tem apontado resultados positivos, como é o caso, por exemplo, do PBL (Problem-based Learning), ou Aprendizagem Baseada em Problemas, que, mais comum em cursos de medicina, apesar de algumas limitações, tem ganhado mais amplitude no Brasil atualmente e proporciona muitos ganhos para a aprendizagem e formação dos alunos (RIBEIRO, 2008). Não foi possível verificar o quanto as práticas de estágio realizadas pelos alunos são discutidas em relação às vivencias teóricas que o curso oferece e o quanto se são discutidas do ponto de vista da postura ética e moral, apenas notamos que o projeto 371 político pedagógico aponta a intenção de estabelecer a relação teoria e prática e a sua importância para a formação do pedagogo. Ao pensarmos as ideias de Piaget e Kant, apresentadas por La Taille (1996), nos damos conta de que a formação é peça fundamental para que a atuação do pedagogo seja positiva e as crianças e jovens se desenvolvam em todos os aspectos. Sendo assim, não há outro caminho para alcançarmos a boa educação em nosso país a não ser repensando a forma como formamos os nossos educadores. Tomando o curso analisado como representativo dos demais cursos de pedagogia, acreditamos que apesar das iniciativas já conquistadas em relação à uma formação moral e ética mais sólida para os pedagogos, ainda é preciso que nossas universidades e faculdades voltem o olhar mais criteriosamente para a concretização dos aspecto apresentados nos projetos. É impossível fugir da constatação de que, se para que nossos pequenos aprendam matemática o professor precisa ao menos de conhecimentos científicos desta mesma matemática e de metodologias capazes de possibilitar que o aluno alcance este conhecimento, permitindo, assim, que o professor seja interlocutor deste processo, é impossível formar para a autonomia moral e para a consciência ética sem saber do que isso se trata e de como se pode alcança-las. 5. Conclusões Os resultados desta pesquisa nos mostram que é discreta a formação voltada para a moral e a ética no curso de pedagogia analisado. Apesar dos objetivos propostos no projeto político pedagógico do curso apontarem a necessidade deste tipo de formação, na prática pontos fortes desta formação ocorre de forma sutil e mais concentrada no rol de disciplinas eletivas e não na grade comum. Apesar da possibilidade de escolha oferecida quanto às disciplinas a serem cursadas e das metodologias adotadas no curso apresentarem aspectos voltados para a pesquisa, para a discussão e a reflexão, não pode ser considerado, apenas por estes aspectos, um ambiente cooperativo. Entendemos que é fundamental para o estudante, mesmo o universitário, encontrar espaço apropriado para refletir e discutir conteúdos morais e éticos, e que a formação destes profissionais reflete de forma significativa na formação oferecida aos meninos e meninas que serão seus futuros alunos. Destacamos, no entanto, que pensar a formação dos futuros pedagogos implica, além de um olhar atento e transformador para o Projeto Político Pedagógico e para a constituição da Grade Curricular, este mesmo tipo de olhar para o ambiente vivenciado realmente por estes alunos, ressaltando a importância da oportunidade de assunção de responsabilidades e de reflexão dirigida. 372 Referências Bibliográficas ARAÚJO, U. F. 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