Expediente nº 167/99

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Tratando-se de matéria de interesse institucional faço publicar parecer acolhido nos autos do expediente 167/99.
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2.000
Márcio Heli de Andrade
Corregedor-Geral do Ministério Público
EXPEDIENTE Nº 167/99
CONSULTA:
CONSULENTE: DRª DONE JULIANNA PÁLINKÁS
SENHOR CORREGEDOR,
A honrada Promotora de Justiça da comarca de Itanhandú, Drª Done Julianna Pálinkás formula consulta, com o fito de
obter desta Casa Corregedora, posicionamento acerca das denominadas máquinas caça-níqueis, em função da
elaboração de um laudo genérico por parte do Instituto de Criminalística do Estado, descaracterizando tais
equipamentos como ensejadores de jogos de azar, da mesma forma que indaga acerca da necessidade de aferição de
possíveis vícios configuradores de crimes contra a economia popular e estelionato.
De outro lado, em segunda consulta acerca do mesmo tema, a ilustre Promotora de Justiça, apresenta substancioso
trabalho levado a efeito pelo nobre Promotor de Justiça da comarca de Brazópolis, Dr. Attíllio Ferdinando Pellicci, no
qual, este questiona a legalidade do funcionamento destas máquinas, tanto no aspecto dos programas específicos de
cada máquina, quanto à possibilidade de adulteração destas, tecendo várias considerações sobre as mesmas, ultimando
por postular orientação dessa Casa, acerca das questões sob enfoque, como ainda, em função da edição do Decreto nº
3.124/99, revogador do parágrafo segundo do art. 74 do Decreto nº 2.574/98, em confronto com a Resolução nº 25/99,
editada pela Loteria do Estado de Minas Gerais.
Vieram os autos ao parecer da assessoria.
É o breve relato.
Preliminarmente, convém registrar a emissão de parecer de nossa lavra, acerca do tormentoso tema, onde abordamos
aspectos pontuais do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como, da possibilidade de caracterização de jogo de
azar, com o fito de preservação da formação das crianças e adolescentes e cumprimento estrito das normas legais,
restando tal parecer acolhido por V. Exª e publicado no periódico oficial “Minas Gerais”, na data de 14 de setembro de
1999.
A primeira indagação formulada pela consulente pertine ao r. laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística do Estado
de Minas Gerais, o qual tornar-se-ia válido para todas as máquinas tipo caça-níqueis, bem como, se estas contêm vícios
caracterizadores de estelionato ou crime contra a economia popular.
Conforme antevisto pela nobre consulente, o laudo sob comento padece de vício insanável para o desiderato almejado,
ou seja, informa não dispor o r. órgão técnico oficial de equipamentos que capacitem os ilustres signatários analisar o
software da máquina periciada, como também efetivar os cálculos de probabilidade por estar intrinsecamente atrelada à
lógica de programação, restringindo-se os exames apenas à descrição da dinâmica do jogo e da parte física da
máquina,....
Elementar a precariedade do exame técnico levado a efeito pelos experts, por faltar o imprescindível e inafastável
acesso ao programa original da máquina, tornando imprestável, datíssima máxima venia, o resultado apresentado.
Registre-se, por pertinente, a circunstância relatada no retromencionado laudo, no sentido da possibilidade de alterações
nas características da máquina, em função do acesso irrestrito à placa principal onde situam-se os microprocessadores e
microchaves, deixando ainda mais inconclusa tal peça técnica, ante a falta de acesso ao programa original do
equipamento.
Como corolário lógico, todas as máquinas eletrônicas denominadas caça-níqueis ou denominadas de vídeo loteria off
line interativas ou ainda, outras assemelhadas, de concursos de prognósticos, deverão ser devidamente periciadas, cada
uma de per se (individualmente), constatando-se de forma cabal se o software instalado coincide com a programação
original, inclusive, aferindo-se a probabilidade de ganhos e perdas, consequentemente aferindo-se a possibilidade de
fraudes ou infrações contra a economia popular e contra o consumidor.
O informativo técnico fornecido pelo fabricante não se presta, por razões óbvias, para alijar a possibilidade de alteração
nos programas das máquinas sob enfoque, consoante as razões já expendidas, donde a pertinência da atuação do órgão
ministerial, no uso de suas atribuições legais.
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No que tange à edição do Decreto nº 3.124/99, revogador do parágrafo segundo, do art. 74, do Decreto nº 2.574/98 que
regulamentava a Lei nº 9.615/98, temos que tal norma veio por cobro à possibilidade de funcionamento das retroreferidas máquinas denominadas caça-níqueis, deixando-as na clandestinidade.
Não resta qualquer dúvida, exceto em razão de interesses escusos, que tal norma veio impedir a instalação e o
funcionamento de toda e qualquer máquina eletrônica programada, o que até então se permitia, tão somente, em salas
próprias e desde que destinadas à exploração do jogo de bingo, mostrando-se inteiramente correta a interpretação
manifestada pela Douta Promotora de Justiça consulente.
Não se argumente, de forma apressada, que a Loteria Mineira do Estado de Minas Gerais ao editar a Resolução nº
025/99 teria regulamentado tal espécie de jogo eletrônico, tornando lícita a sua exploração em todo o Estado, mesmo
porque, a prática de jogo de azar, em qualquer de suas especialidades (jogo do bicho, loterias, rifas, bingos, etc.), onde o
ganho ou a perda dependam exclusiva ou principalmente da sorte, é punida como contravenção penal (art. 50 da LCP e
art. 47 e seguintes do Decreto-lei nº 6.259/44), consoante bem analisado pelo culto Promotor de Justiça da comarca de
Paraopeba, Dr. Arley Anderson Elias dos Santos, em percuciente parecer acerca do tema.
Prossegue o ilustre Promotor de Justiça, em seu criterioso raciocínio, ressaltando que a competência para legislar sobre
direito penal é privativa da União (art. 22, inciso I, da CF), da mesma forma que nos casos dos jogos de azar, onde o
poder normativo também está entregue à União.
O art. 3º do Decreto-lei nº 6.259/44, vem assim vazado:
“A concessão ou exploração lotérica, como derrogação do Direito Penal, que proíbem o jogo de azar, emanará sempre
da União, por autorização direta quanto à loteria federal ou mediante decreto de ratificação quanto às loterias
estaduais”.
A denominação que se queira impor às máquinas eletrônicas, tais sejam: caça-níqueis, vídeo bingo, vídeo loteria, etc...;
se nos afigura como de inteira irrelevância, exsurgindo-se, destarte, o propósito único e exclusivo de burla às normas
legais específicas.
Basta uma leitura perfunctória na redação do parágrafo segundo, do art. 74, do Decreto nº 2.574/98, para se inferir, de
forma inequívoca que o intento normativo foi o de coibir o funcionamento das máquinas eletrônicas (sob quaisquer
denominações), em todos os locais, ainda que em salas adequadas, mesmo porque, não teria sentido proibir-se o
funcionamento destas em locais apropriados e permitir-se em locais inadequados.
Um mínimo de bom senso se afigura bastante à exegese que se busca imprimir ao regramento sob enfoque.
Como consectário lógico, a prevalência da norma regulamentadora federal (Decreto nº 3.124/99) sobre a Resolução
editada pela autarquia estadual (Resolução nº 25/99, da LEMG), restando vedado o funcionamento das referidas
máquinas eletrônicas, como segunda resposta à indagação formulada pela honrada consulente.
Com o fito de melhor elucidação das inúmeras indagações acerca do tema, colacionamos nesse ensejo, algumas
questões técnicas vislumbradas pelo dedicado e culto Promotor de Justiça da comarca de Brazópolis, Dr. Attilio
Ferdinando Pellicci, no enfrentamento da quaestio.
Para a perfeita elucidação e valoração da eficácia técnica dos laudos necessários à configuração da prática infracional
penal, mister a análise criteriosa dos equipamentos, cada qual de per se, independentemente da exposição formulada
pelo fabricante, no informativo técnico, diversamente do r. laudo genérico elaborado por ilustres peritos do Instituto de
Criminalística do Estado, no qual informam não dispor de equipamentos que os capacitem a analisar o software da
máquina periciada e a análise minuciosa dos cálculos de probabilidade, por estar intrinsecamente atrelada à lógica de
programação, sendo assim excluída, restringindo-se os exames apenas à descrição da dinâmica do jogo e da parte física
da máquina,...
Reproduzimos aqui a manifestação esposada pelo honrado Promotor de Justiça:
“Ora, em trabalho de tamanha importância, relevância, repercussão e desdobramentos, que s. m. j. embasa todo o nosso
Estado para a utilização dos referidos equipamentos eletrônicos, ao nosso modesto entender, necessário seria o
indispensável estudo aprofundado dos aludidos equipamentos, caso não possível pelos d. experts oficiais, por d.
profissionais especializados na área de informática/ análises de sistemas/engenheiros eletrônicos, mediante
equipamentos também próprios e análises cibernéticas (estímulos/respostas), confirmando-se e comprovando-se as
probabilidades, independentemente do “informativo técnico” do fabricante”.
Lado outro, questiona o culto Promotor de Justiça, a conclusão dos senhores experts, quando mencionam:
“estando seu funcionamento gerenciado pelo hardware e software instalado, passíveis de alteração...”,
Narrando ainda:
“...que o acesso irrestrito à placa principal onde situam-se os microprocessadores e microchaves, poderia facilitar as
alterações nas características da máquina,...”.
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Bem como:
“...tal placa está inclusa no gabinete, dotado de sistemas de trancamento, dificultando-se quaisquer atitudes fraudulentas
que possam alterar o comportamento do jogo...”
Formula indagações relevantes, o ilustre Promotor de Justiça, da seguinte forma:
Qual o sistema de trancamento e por quem seria feito? Pelo dono da máquina? Há lacre do Estado ou do Instituto de
Criminalística que tente impedir a eventual fraude?
Como visto, as dúvidas são facilmente detectáveis, cabendo pois, aos honrados peritos, informar com o rigor que a
hipótese requer, no afã de se evitar falsificações dos equipamentos analisados, todos os componentes instalados, tais
como: o tipo da CPU; a tecnologia empregada; o barramento de dados; o barramento de endereços; a velocidade de
operação; a quantidade de memória RAM; o tamanho do programa gravado na memória ROM; a existência ou não de
dispositivos de armazenamento externo; a existência ou não de dispositivos de comunicação externa, além da
comunicação com o painel.
Prossegue o honrado Promotor de Justiça nas suas sérias e oportunas indagações:
“No que tange especificamente aos componentes de software, esclarecimentos e análises, independentemente das
declarações do fabricante no “informativo técnico”, acerca do algoritmo básico; rotinas internas ou quaisquer outras
formas que identifique o controle do software sobre a máquina, principalmente no que tange à probabilidade de
ganho/devolução”.
E mais adiante indaga aos ilustres experts:
Qual seria a dificuldade de substituição da memória ROM que possui o programa básico de funcionamento? Existe
algum lacre oficial impeditivo?
Lado outro, considerou-se como se todas as máquinas fossem idênticas à examinada, com suporte no “informativo
técnico”, desconsiderando-se a possibilidade de adulteração ou alteração no programa original das outras não
periciadas.
O cálculo das probabilidades de ganho lastrearam-se, tão somente, no “informativo técnico” fornecido pelo fabricante,
tornando-se imprestável ao desiderato almejado pelos responsáveis pela garantia do consumidor.
Registre-se ainda, a circunstância de que em alguns jogos, o laudo pericial afirmou tratar-se de jogo de azar, em função
da inexistência de programação lógica que pudesse permitir a interação jogador-máquina, diversamente de outros, tidos
e havidos como capazes de permitir tal interação, sem que se informe acerca da análise das funções específicas para a
concretização dos resultados, prevalecendo-se, destarte, as dúvidas.
Não poderíamos deixar de registrar nesta análise, o brilhante e exaustivo trabalho acerca da inconstitucionalidade e
ilegalidade da Resolução nº 025/99, editada pela Loteria do Estado de Minas Gerais, regulamentando a exploração de
máquinas caça-níqueis, como modalidade lotérica e autorizando a exploração por particulares, da lavra do dedicado e
culto Promotor de Justiça da comarca de Teófilo Otoni, Dr. Márcio Rogério de Oliveira, levado à publicação por essa
Casa de Correição, no órgão de imprensa oficial do Estado “Minas Gerais”, na data de 12 de fevereiro do ano corrente
(2000).
Numa breve síntese do tão bem elaborado trabalho, temos que a exploração de loterias pelos Estados está submetida ao
crivo da União, dependendo de Decreto de ratificação para desenvolver suas atividades e devendo observar, após
autorizadas, estrito respeito às regras estipuladas (art. 3º, parágrafo único, do Decreto-lei nº 6.259/44).
Explicita, por sua vez, que o Decreto-lei nº 204/67, implementou algumas restrições ao Decreto-lei nº 6.259/44,
prescrevendo em seus arts. 32 e 33 a proibição de criação de loterias estaduais, sem prejuízo, no entanto, daquelas que
já estavam em funcionamento e que, onde não houvesse colisão com o DL 204, continuariam sendo regidas pelo DL
6.259/44, ou seja, aquelas criadas e ratificadas antes de 27/02/67, sempre sujeitas ao controle da União.
Insta acentuar que a exploração de loteria constitui derrogação excepcional das normas de direito penal, como expresso
no art. 3º do Decreto-lei nº 6.259/44 e no art. 1º do Decreto-lei nº 204/67, sendo cediço que a competência para legislar
sobre direito penal é privativa da União (art. 22, inciso I, da Constituição Federal).
Como bem salientado pelo digno Promotor de Justiça, Dr. Márcio Rogério de Oliveira, em seu trabalho retromencionado, nenhum jogo de azar seria proibido, desde que tivesse o patrocínio da loteria estadual, nos moldes em que
estão sendo autorizados pela Loteria do Estado de Minas Gerais, superando-se, destarte, a competência privativa da
União para legislar sobre Direito Penal.
E prossegue o culto membro do parquet:
“Se o jogo de azar eletrônico é proibido na esfera da União, como conceber seja tolerado na esfera dos Estados? Pouco
importa a denominação que se dê à modalidade - modalidade de máquina, é bom frisar -, os princípios e objetivos são
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sempre os mesmos e constituem, em essência, jogo de azar”.
Em arremate, o honrado Promotor de Justiça destaca:
Os serviços de loterias dos Estados não têm autonomia para criar e explorar novas modalidades lotéricas, distintas da
loteria tradicional de bilhetes, única prevista e regulada nos Decretos-lei nºs 6.259/44 e 204/67, sob pena de estarem
legislando sobre matéria de competência exclusiva da União, ferindo frontalmente o art. 5º, incisos I e XX, da
Constituição Federal;
É vedado às loterias dos Estados delegar, a qualquer título, a exploração de seus serviços a particulares, conforme
disposição expressa no art. 1º do Decreto-lei nº 204/67;
Deve ser reputado como inexistente, independentemente de pronunciamento judicial ou administrativo, qualquer ato de
Loteria Estadual que crie modalidade lotérica não prevista em Lei Federal, pelo menos implicitamente, ou que delegue a
exploração do serviço de loterias a particulares;
O Decreto Presidencial nº 3.214/99 e a Lei Federal nº 9.615/98 proíbem máquinas de jogo de azar de qualquer tipo, até
mesmo em empresas autorizadas à exploração do jogo de bingo, demonstrando o repúdio da União à exploração de tais
equipamentos, sendo teratológico qualquer raciocínio que negue a extensão desta proibição aos Estados;
As máquinas caça-níqueis constituem jogo de azar não permitido por Lei Federal - considerado como inexistente
qualquer ato normativo de Loteria Estadual que as autorize ou regulamente - e sua exploração tipifica a contravenção do
art. 50 da LCP; em conseqüência, as autoridades policiais devem agir de ofício, apreendendo as máquinas e lavrando os
respectivos TCOs; na forma do art. 6º, inciso II, do CPP. e Lei nº 9.099/95. Em caso de omissão das autoridades
policiais, o Ministério Público, através de seus representantes, deve requisitar as referidas providências;
Por derradeiro e também como recomendação dessa Casa Corregedora, sem prejuízo da repressão penal imediata em
cada caso concreto, faz-se necessária a ação do Ministério Público na esfera cível, visando impedir, liminarmente, que a
Loteria do Estado de Minas Gerais continue “licenciando” a exploração de novas máquinas e, como objeto principal, a
declaração de nulidade da Resolução nº 025/99-LEMG; nos estritos limites de cada comarca de atuação, em
consonância com o disposto no art. 2º da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, alteradora do art. 16 da Lei nº
7.347/85 (Lei da ação civil pública), limitando os efeitos da sentença civil ao território do órgão prolator.
Sugerimos ademais, seja remetida cópia integral do presente expediente ao eminente Procurador-Geral de Justiça, a fim
de que sejam adotadas as medidas pertinentes, visando a cessação da eficácia da Resolução nº 025/99-LEMG; em todo
o território do Estado de Minas Gerais, reforçando a atuação ministerial, em cada comarca.
É o parecer sub censura.
Belo Horizonte, 18 de fevereiro de 2000.
Sergio Eduardo Barbosa de Campos
Promotor de Justiça
Assessor
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