O cérebro de Narciso Fonte: Correio Braziliense Estudo aponta

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Ciência
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24 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 30 de junho de 2013
O cérebro de Narciso
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» BRUNA SENSÊVE
Palavra de
especialista
mbigo, meu nome é
certeza, só é real o
que convém à realeza. Umbigo, meu
nome é verdade, sou o dono do
mundo e o rei da cidade (...) Eu
sou mais eu! Dê cá um close no
Narciso”, canta Lenine em Umbigo. Na composição, o músico
pernambucano descreve como
pensam as pessoas egocêntricas,
arrogantes, esnobes ou, simplesmente, metidas a besta. No entanto, em alguns casos, achar-se
o centro das atenções pode ser sinal de um problema psiquiátrico
denominado transtorno de personalidade narcisista.
Um agravante é que o limite
entre o tolerável e o patológico,
nesses casos, nem sempre são
muito claros. Agora, pesquisadores alemães encontraram um fator que pode ajudar na diferenciação. Após exames de imagem cerebral, eles descobriram que pessoas com o
transtorno têm reduzido
o volume de matéria
cinzenta em uma região do cérebro chamada ínsula anterior, associada
com a empatia,
ou seja, a sensação de
compaixão pelos sentimentos dos outros.
A equipe liderada por Stefan
Roepke, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Medicina Charité, em
Berlim, usou como base para a
pesquisa resultados de um estudo recente no qual foram identificadas alterações neurofuncionais
relacionadas com a empatia em
indivíduos saudáveis, mas com
traços marcados de personalidade narcisista. Os cientistas reuniram, então, 34 voluntários, sendo
que metade deles tinha diagnóstico de personalidade narcisista e
a outra metade era saudável. Todos passaram por exames de imagem e volumetria cerebral.
Comparados aos indivíduos
saudáveis, os pacientes com o
problema apresentaram um volume significativamente menor
na ínsula anterior esquerda. O
mesmo padrão foi observado na
região correspondente na parte
direita do cérebro e outros locais,
como no córtex pré-frontal e a rede paralímbica frontal. “Um menor volume de massa cinzenta
nessas regiões do cérebro, particularmente na ínsula anterior
esquerda, pode ser relacionada a deficiências na empatia, uma característica marcante de pacientes com o transtorno narcisista”,
escrevem os autores do artigo,
publicado este mês no Journal of
Psychiatric Research.
“U
Exame não traz
o diagnóstico
“É importante lembrar que os
transtornos de personalidade são
uma forma de ser. Mais do que um
sintoma, são um jeito disfuncional de estabelecer relações interpessoais. O narcisista é pautado
por uma posição autocentrada,
até egoísta, voltada para si. O que
define se é uma condição patológica não é a presença de uma alteração em um exame, seja do cérebro
ou de sangue.A definição é clínica,
como tudo em psiquiatria. Se
aquela condição impacta o dia a
dia, a convivência com as pessoas
pode ser considerada um problema. A análise feita pelos pesquisadores nesse trabalho é estatística.
Quer dizer que, na média, as pessoas avaliadas por eles têm um
menor volume de massa cinzenta
na ínsula, ligada à empatia. Mas
isso não pode ser considerado um
diagnóstico. Existem pessoas que
não têm esse transtorno,mas apresentam essa redução, e vice-versa.”
Daniel Martins de Barros,
coordenador do Núcleo Forense
do Instituto de Psiquiatria do
Hospital de Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo
trazer impacto futuro na prática
clínica. A tecnologia aplicada hoje
em neurologia traz técnicas de estimulação cerebral de regiões específicas com implantes de eletrodos, campos elétricos ou eletromagnéticos. O estímulo de regiões menores, que à princípio teriam uma função reduzida, pode
ser uma terapia indicada. “Isso,
claro, para transtornos mais graves, como a psicopatia, e se a delimitação das áreas cerebrais for
confirmada. Técnicas mais novas
de neuromodulação agem localmente e são usadas para depressão, mal de Parkinson e outras
doenças”, diz o professor da UnB.
Não é doença
Segundo o professor Celso Alves dos Santos Filho, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), existem três principais características do transtorno da personalidade narcisista: sensação de
grandiosidade, necessidade de
admiração e falta de empatia.
“Não é possível falar que um déficit de empatia é a principal característica do transtorno, porque ela
pode ser observada em outros casos, como na psicopatia.”
A diferença está nos objetivos,
contextos e significados que envolvem essa falta de empatia. O
psicopata não sente empatia,
porque enxerga as pessoas como
um objeto a ser manipulado a seu
favor, rumo à conclusão de seu
objetivo. Já o paciente narcisista
acredita que as pessoas têm a
função de confirmar que ele é superior aos outros. Para a psiquiatria, o transtorno narcisista não é
considerado uma doença, mas
uma inadaptação de funcionar de
maneira adequada na sociedade.
O narcisismo patológico também
precisa ser diferenciado de uma
autoestima elevada. Nesse último
caso, explica Santos Filho, a pessoa tem uma noção real ou próxima da realidade de seus valores e
qualidades. Seria alguém mais estável e seguro de si mesmo.
Já o narcisista com o transtorno é inflexível e sua autoestima é
muito dependente de eventos externos, com o acréscimo de uma
visão irreal de si mesmo e uma supervalorização de suas características pessoais. “Para o narcisista
estar bem, ele precisa que a vida
ou as pessoas mostrem que ele de
fato é tão bom quanto acha que é.
Como não vai acontecer sempre,
ele acaba se deprimindo.”
Complexidade
Para Raphael Boechat, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de Brasília (UnB), é
importante considerar que as
áreas cerebrais identificadas também correspondem a outras características de personalidade.
“Hoje, não pensamos mais em
áreas cerebrais delimitadas para
cada função. O cérebro interage,
não é tão matemático”, pondera.
No entanto, ele garante a relevância do trabalho, por ser o primeiro a mostrar a real diminuição de
alguma área cerebral. “Normalmente, vemos mais estudos sobre uma determinada área que
funciona mais ou que funciona
menos”, aponta.
A dificuldade em tornar esse
resultado definitivo está na origem do transtorno, que ainda
não é clara para a comunidade
científica. Ainda não é possível
dizer se as pessoas com o problema nascem com ele ou o desenvolvem durante a vida.
Apesar da complexidade da
questão, a associação da atrofia
de regiões cerebrais com transtornos de personalidade pode
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