IMPORTÂNCIA DE BACTÉRIAS FITOPATOGÊNICAS EM PLANTAS ORNAMENTAIS E SEU CONTROLE Irene Maria Gatti de Almeida Histórico A partir da década de 70, o cultivo e comercialização de plantas ornamentais no Brasil passaram a apresentar maior desenvolvimento, tornandose uma atividade de importância sócio-econômica. Com o incremento deste tipo de exploração houve também um aumento na incidência de doenças que ocorrem nestas culturas e, dentre estas doenças, merecem atenção especial às causadas por bactérias fitopatogênicas, principalmente em plantios protegidos. Nestes locais, as plantas normalmente recebem elevados teores de adubação, além de serem conduzidas em alta densidade de plantio e com alta temperatura e umidade, condições que favorecem a disseminação de fitobactérias bem como a infecção por estes patógenos. Em condições favoráveis, doenças bacterianas podem ser responsáveis por grandes prejuízos, chegando em alguns casos a serem limitantes à exploração econômica das plantas ornamentais. Além disso, os sintomas ocasionados por bactérias fitopatogênicas também podem ser causa de impedimento de exportações, além de servirem de porta de entrada a outros organismos patogênicos. Características gerais das bactérias Bactérias são organismos microscópicos, unicelulares, que possuem parede celular. Elas não possuem núcleo verdadeiro como o de organismos superiores, separado do restante dos outros componentes celulares por uma membrana, e seu material genético, um DNA circular de fita simples, se localiza diretamente no citoplasma da célula. Além desse DNA, elas possuem os plasmídeos, DNAs extra-cromossômicos, que controlam certas características exibidas por estes organismos como resistência à estreptomicina, cobre e a outros antibióticos. As bactérias fitopatogênicas estão distribuídas em vários gêneros, espécies e subespécies separadas entre si por características culturais, bioquímicas, fisiológicas e serológicas. Recentemente, o emprego de técnicas moleculares promoveu profundas mudanças na taxonomia das bactérias fitopatogênicas. Atualmente, são reconhecidos 26 gêneros de bactérias fitopatogênicas, sendo que representantes de muitos desses gêneros (incluindo espécies, subespécies e patovares) já foram assinalados em nosso país. Pesquisador Científico – Instituto Biológico Rodovia Heitor Penteado, km 3 – Campinas, SP - CEP 13001-970 E-mail: [email protected] 7 Sintomatologia e diagnose preliminar Alguns tipos de sintomas são comumente relacionados à presença de bactérias fitopatogênicas e podem ser agrupados em: lManchas e necroses: O tecido afetado inicialmente apresenta anasarca, evoluindo para morte e necrose. É o tipo de sintoma mais comum. Dependendo do tipo, as lesões em folhas recebem diversas denominações, como: mancha angular, quando as lesões foliares ficam delimitadas pelas nervuras; crestamento, quando atinge grande parte do limbo foliar; estrias ou riscas, que ocorrem em folhas com nervuras paralelas, como no caso de gramíneas; cancros, quando as lesões são necróticas e profundas. Algumas bactérias produzem toxinas, formando um halo amarelado ao redor das lesões. Nos ramos, flores e frutos os sintomas podem assemelhar-se aos observados nas folhas. lHiperplasia e hipertrofia: se caracterizam pela multiplicação celular exagerada ou aumento no tamanho das células, resultante de desequilíbrio no sistema hormonal da planta, levando a um crescimento excessivo do órgão ou tecido afetado. Inclui a fasciação, que é a proliferação anormal de raízes e brotos, geralmente com achatamento e fusão das partes afetadas; galhas, que ocorrem na região do colo, em raízes e parte aérea e raízes em cabeleira. lMurcha: ocorre por obstrução dos feixes vasculares, devido à invasão e/ou colonização pelas bactérias fitopatogênicas, impedindo ou dificultando o transporte de água e nutrientes. A infecção vascular nem sempre resulta em murcha aparente, podendo causar nanismo e/ou clorose. lPodridão mole: resulta em maceração de tecidos, devido à produção, pela bactéria, de enzimas que degradam as substâncias pécticas da lamela média e da parede celular. Este tipo de sintoma é muito importante também durante o armazenamento, no caso de bulbos e rizomas. Entretanto, a identificação de fitobacterioses não deve ser baseada apenas na sintomatologia apresentada pelo hospedeiro, visto que diversos agentes como vírus, fungos, nematóides, insetos ou mesmo desequilíbrios nutricionais ou fitotoxidez, podem causar sintomas semelhantes. Além disso, é importante ressaltar que diferentes gêneros e espécies bacterianas podem incitar sintomas similares e que uma mesma bactéria pode provocar mais de um tipo de sintoma. Por isto torna-se necessário, muitas vezes, a realização de exames ou testes laboratoriais para a confirmação do agente causal. Principais Bactérias Fitopatogênicas em Ornamentais no Brasil Diversas bactérias já foram descritas causando danos em plantas ornamentais nas diferentes regiões do mundo. No Brasil, entretanto, nem todos estes patógenos foram ainda relacionados nas plantas ornamentais passíveis de serem hospedeiras. Na Tabela 1 encontram-se relacionados os principais gêneros bacterianos descritos em nosso país e sintomas causados. Ressalta-se também que algumas dessas bactérias possuem uma gama muito grande de hospedeiros além das plantas ornamentais. Algumas delas são de ocorrência restrita e esporádica; outras se encontram disseminadas endemicamente em todas as regiões onde se cultivam ornamentais em nosso país, causando grandes 8 Tabela 1 – Gêneros de bactérias patogênicas a plantas ornamentais existentes no Brasil e principais sintomas causados. Gênero bacteriano Acidovorax Agrobacterium Burkholderia Erwinia (sin.: Pectobacterium, Dickeya) Pseudomonas Ralstonia Xanthomonas Xylella Principais sintomas Manchas foliares, podridão Galhas, raízes em cabeleira Manchas, podridão Podridão mole, crestamento foliar Manchas, podridão, murcha, nanismo Murcha Podridão, manchas, murcha, nanismo Necrose marginal de folhas e descoloração vascular prejuízos quando ocorrem condições climáticas favoráveis a sua manifestação. Algumas ainda são problema em pós-colheita, em condições de armazenamento inadequado, como no caso de bulbos. A seguir serão abordadas as principais bactérias que ocorrem em antúrio, nas aráceas, em helicônia e em orquídeas. Antúrio Algumas bactérias fitopatogênicas podemcausar doença em antúrio, sendo que no Brasil estão descritas Acidovorax anthurii e Xanthomonas axonopodis pv. dieffenbachiae. Além dessas duas espécies bacterianas, Ralstonia solanacearum (sin.: Pseudomonas solanacearum) também é um importante patógeno dessa ornamental. Xanthomonas axonopodis pv. dieffenbachiae - No limbo foliar, as lesões se iniciam como pequenas áreas anasarcadas, que posteriormente se tornam necróticas. Normalmente se forma um halo amarelado em torno das lesões, que poderão atingir grandes dimensões com o desenvolvimento da doença. A bactéria pode ser também encontrada nas espatas das inflorescências e, neste caso, os sintomas se iniciam por pequenos pontos descoloridos que passam à cor marrom e finalmente negra, podendo, não raro, abranger todo o órgão. O agente causal pode se tornar sistêmico e, em variedades suscetíveis, provocar grandes danos. Vale a pena ressaltar que a presença dessa bactéria se constitui em impedimento para exportação de mudas ou de espatas. Acidovorax anthurii - Essa bactéria foi descrita pela primeira vez em por Gardan et al. (2000) em Martinica, causando manchas em folhas e em espata, semelhantes aos observados para Xanthomonas axonopodis pv. dieffenbachiae. No Brasil, ela foi relatada em 2001 ocorrendo em mudas em bandejas. A bactéria pode se tornar sistêmica e causar a morte das plantas. Aráceas Espécies de Dieffenbachia, Philodendron e Syngonium são folhagens amplamente cultivadas. Essas plantas pertencem a uma mesma família botânica (Araceae) e são tolerantes a condições de baixa umidade. 9 Embora existam diversas bactérias descritas como agentes causais de doenças nessas folhagens, no Brasil, apenas se tem registro de Pseudomonas cichorii em filodendro e de Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (sin.: Erwinia carotovora subsp. carotovora) em Dieffenbacchia, Syngonium e Phylodendron e de Dickeya chrysanthemi (sin.: Erwinia chrysanthemi) em Dieffenbacchia e Phylodendron. Pseudomonas cichorii - Os sintomas se caracterizam por manchas foliares de cor pardo escura, ligeiramente circulares e de tamanho variável, podendo atingir até 7 a 8 cm de diâmetro, podendo coalescer, acarretando intenso crestamento do limbo foliar. Crestamento dos bordos foliares ou manchas necróticas junto às nervuras também podem ser observados. Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum e Dickeya chrysanthemi - Essas bactérias são responsáveis pelos sintomas de podridão mole, murcha, necrose e manchas foliares. Inicialmente são observadas áreas encharcadas, localizadas na base da haste ou logo abaixo da superfície do solo, quando passam inicialmente despercebidas até provocarem a morte das plantas. Essas regiões possuem coloração acinzentada a marrom-claro, de formato irregular, com uma distinta linha de separação entre o tecido sadio e doente. Infecções foliares se iniciam como pequenas manchas anasarcadas, de coloração amarelada a marrom-claro. Quando a umidade e temperatura são altas, as manchas se expandem rapidamente, podendo invadir a nervura central, atingindo toda a folha toda em poucos dias. Helicônias Ralstonia solanacearum (sin.: Pseudomonas solanacearum), raça 2, foi descrita causando sintomas de murcha e morte em plantas de helicônias, no norte e nordeste brasileiros. Por se tratar de praga quarentenária, medidas rígidas de controle devem ser observadas para evitar a sua disseminação para outras regiões indenes. Orquídeas Em nosso país já foram descritas Acidovorax avenae subsp. cattleyae (sin.: Pseudomonas cattleyae), Burkholderia gladioli (sin.: Pseudomonas gladioli, Pseudomonas marginata), Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum (sin.: Erwinia carotovora subsp. carotovora) e Dickeya chrysanthemi (sin.: Erwinia chrysanthemi). Acidovorax avenae subsp. cattleyae - A bactéria produz necrose de folhas, morte de gemas e de plantas. Os sintomas se caracterizam inicialmente por manchas foliares irregulares e de diferentes tamanhos, que podem atingir todo o limbo da folha, pseudocaule, e resultar em morte das plantas. As lesões iniciais são de cor pardo-clara, com os bordos anasarcados. Com a evolução da doença, essas lesões tornam-se levemente deprimidas e de coloração mais escura. Burkholderia gladioli - Essa bactéria é responsável pelos sintomas de lesões foliares escuras, grosseiramente circulares, que, coalescendo, causam a destruição do limbo foliar. Essa bactéria foi também isolada de amostras de flores de orquídea de gênero não identificado, provenientes de Manaus, AM. Pectobacterium carotovorum subsp. carotovorum e Dickeya chrysanthemi - As bactérias causadoras de podridão mole foram descritas em orquídeas causando 10 sintomas principalmente na inserção das folhas, onde ocorre acúmulo de águas. Entretanto, podem ocorrer também em outras partes da planta, incluindo o pseudocaule e as raízes. As lesões nas folhas iniciam-se por pequenas regiões anasarcadas que podem atingir todo o limbo e bainha foliares, causando podridão da área afetada. Alcançando o pseudo-caule, podem provocar a morte das plantas. Métodos de Controle Bactérias fitopatogênicas em condições ambientais favoráveis podem constituir fator limitante à exploração econômica de plantas. Os danos causados se referem a perdas na qualidade e produtividade das plantas, ocasionadas principalmente pela morte de plantas ou mudas bem como manchas em folhas, flores e frutos. Além disso, existe um aumento nos custos de produção devido à necessidade de adoção de medidas de controle. As bactérias normalmente sobrevivem em plantas infectadas, em restos culturais ou no solo. Elas necessitam de um ferimento ou de uma abertura natural para poder penetrar na planta e também de condições de umidade e temperatura para causar doença. Elas se reproduzem rapidamente e são transmitidas do solo para as plantas e de planta para planta pela água de irrigação, tratos culturais ou trânsito de pessoas. Atualmente, grande parte das espécies de plantas ornamentais cultivadas provém do exterior, procurando sempre novidades para atender as exigências do mercado consumidor; entretanto, existe um risco muito grande da introdução simultânea de patógenos exóticos que possam vir a se adaptar a outras culturas. Além disso, não se pode prever o comportamento e a adaptabilidade desses organismos nessas novas áreas: esses microrganismos podem, portanto, causar desde prejuízos severos a praticamente nenhum dano perceptível. Alguns desses patógenos podem sobreviver por longos períodos no solo, inviabilizando a exploração econômica das culturas conduzidas a céu aberto. A mais importante medida de controle é a prevenção da contaminação da cultura pelo uso de material propagativo sadio e de boa qualidade. Após o estabelecimento de bactérias em uma cultura ou em um local, o seu controle é praticamente impossível ou de custo muito elevado, além do agravante de existirem poucos produtos químicos contra esses patógenos ou desses produtos estarem registrados para uso em poucas plantas ornamentais. Além disso, resultados de pesquisa mostram que o controle químico não é muito efetivo, encontrando-se registrado menos que 50% de controle. Algumas outras práticas são muito importantes no controle das doenças e incluem: a retirada e destruição de plantas inteiras ou de parte delas, assim como a limpeza e desinfestação de ferramentas, bancadas, vasos, etc. que são usados repetidamente. O solo deve ser previamente esterilizado e o que foi utilizado com plantas doentes deve ser descartado ou desinfestado antes de nova utilização. Os trabalhadores devem ser treinados no sentido de cuidar primeiramente dos locais onde se encontram as plantas sadias e no caso em que tenham manipulado alguma planta doente, desinfestar imediatamente as mãos e ferramentas. O manejo da água de irrigação é também muito importante, de modo a diminuir o período de molhamento e a água de condensação nas folhas. Além desses cuidados, alguns outros também são recomendados como o emprego de variedades resistentes 11 ou tolerantes, tratamento térmico de sementes e partes de plantas, implantação de barreiras quebra-vento e a adubação equilibrada, dentre outros. Com relação aos métodos químicos, podem ser utilizados fungicidas com ação bactericida e os antibióticos de uso agrícola. Entretanto, conforme já comentado, existem poucos produtos registrados para controle de bactérias em ornamentais, com o agravante que muitos deles podem apresentar baixa eficiência, além de poderem causar fitotoxidez e/ou manchas em folhas e flores. Os fungicidas mais comumente empregados, que apresentam razoável ação bactericida, são os cúpricos (calda bordalesa, sulfato de cobre, oxicloreto de cobre, hidróxido de cobre, óxido cuproso) e os carbamatos. Relativamente aos antibióticos, atualmente existem 4 produtos comerciais registrados para uso agrícola, à base de oxitetraciclina, estreptomicina ou kasugamicina. Com objetivo de se obter ação sinergística e maior eficiência de controle, em alguns casos se utiliza mistura de produtos ou de princípios ativos, como no caso de cúprico + carbamato, antibiótico + antibiótico ou de antibiótico + cúprico. Literatura Consultada A LMEIDA, I.M.G.; MALAVOLTA Jr., V.A. Principais doenças bacterianas e controle. In: Imenes, S.D.L.; Alexandre, M.A.V. (Eds.). Pragas e doenças em plantas ornamentais. (CDRom). São Paulo: Instituto Biológico, 2001. A LMEIDA, I.M.G.; MALAVOLTA J UNIOR, V.A.; Rodrigues Neto, J. 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