OS RECURSOS VEGETAIS E O SABER LOCAL NA COMUNIDADE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENGENHARIA FLORESTAL
Programa de Pós Graduação em Ciências Florestais e
Ambientais
OS RECURSOS VEGETAIS E O SABER LOCAL NA
COMUNIDADE RURAL SÃO MIGUEL EM VÁRZEA
GRANDE, MT: UMA ABORDAGEM ETNOBOTÂNICA
JENEFFER SOARES DOS SANTOS MAMEDE
CUIABÁ-MT
2015
JENEFFER SOARES DOS SANTOS MAMEDE
OS RECURSOS VEGETAIS E O SABER LOCAL NA
COMUNIDADE RURAL SÃO MIGUEL EM VÁRZEA
GRANDE, MT: UMA ABORDAGEM ETNOBOTÂNICA
Orientadora: Prof. Dra. Maria Corette Pasa
Dissertação apresentada à Faculdade de
Engenharia Florestal da Universidade Federal
de Mato Grosso, como parte das exigências do
Curso de Pós-Graduação em Ciências
Florestais e Ambientais, para obtenção do título
de Mestre.
CUIABÁ-MT
2015
iii
iii
PUÇANGA
Tome chá de hortelanzinho
E prá acabar com a caganeira?
É cumpadre, nessa terra de meu Deus, Elixir paregórico
Tem cura pra tudo.
E marupazinho
É verdade cumpadre...
Mas se tomar...
É só plantar lá no quintal.
Boldo africano, malvarisco
Colher, tá curado!
Vá prá privada
Para gripes e resfriados cumpadre?
Prá anemia, seu menino?
Carucaá, japana e sabugueiro
Jucá e pariri, é legal cumpadre!
Mas prá sinusite?
Cumpadre
É hortelã e manjerona
Prá aquela dor de urina danada?
Mas pra gargante e faringite?
Alfavaca, capim marinho, canarana,
Erva de jabuti é bacana!
Manjericão, quebra pedra e solidônia
Mas e prá tosse cumpadre?
Seu mano, aqui prá nós
Dessas?
E prá doença de mulher?
Hortelã grande, mastruz e urucum.
Alecrim, estoraque e mucuracaá
Agora me diga
Prá curuba e pano branco?
Prá gastrite e úlcera?
E tudo que é imundice de pele,
Amor crescido, losna, catinga de
Inclusive tumor e furúnculo?
mulata
É babosa, arruda e melão de São
Erva cidreira, pirarucu, sacaca e
Caetano.
sucurijú
E dá-lha cura
Osmar Júnior e Naldo Maranhão
Pra todo mal
E haja erva cumpadre
No meu quintal
Pra ameba e giárdia cumpadre
iv
Ao meu marido Rafhael Mamede por seu
incentivo e auxílio nesta caminhada. A minha
orientadora pelo apoio nos principais momentos
do trabalho e finalmente aos moradores da
Comunidade São Miguel pela receptividade e
carinho com que eles me receberam.
A Vocês Dedico!
iv
AGRADECIMENTOS
Aos moradores da Comunidade São Miguel pelos ensinamentos
adquiridos; pelos cafezinhos oferecidos sempre com grande satisfação; pela
enorme boa vontade nos trabalhos de campos. Por fim, OBRIGADA pela
hospitalidade. Em especial a Dona Antônia, pela atenção, carinho e dedicação.
Por terpercorridocada pedacinho da comunidade falando da importância do
presente estudo e por ter me acompanhadonas propriedades sempre com
muita alegria. Quero deixar meu carinho registrado também ao Natanael (in
memoria), grande conhecedor da utilização das plantas, que antes de partir
deixou um pouco desse conhecimento com todos que irão ler esse trabalho.
Á minha orientadora, profª Dra. Maria Corette Pasa por todos os
ensinamentos repassados e pela grande oportunidade de trabalhar ao seu
lado. Obrigada por todos os abraços carinhosos e por sempre mostrar
esperança quando parecia não haver nenhuma.
Aos professores Antônio Antonio de Arruda Tsukamoto Filho e Carla
Maria Abido Valentini pelas ótimas contribuições para este trabalho tanto na
qualificação quanto na defesa. Sempre muitos atenciosos e prestativos.
À minha família: meus pais Pedro e Silvania, meus irmãos Pollyana e
Gabriel, por estarem sempre torcendo por meus sonhos. Aos meus sobrinhos
Kestly, Anni e Leonardo, que meu esforço sirva de exemplo, a busca por um
sonho não é fácil, contudo é gratificante. Aos meus sogros, Francisco e
Eudália, pelo incentivo e pela ajuda constante em cuidar do meu pequeno;
vocês mudaram a rotina da sua casa tudo em função de me ajudar, sou
eternamente grata.
Ao Senhor José, Técnico do Herbário da Universidade Federal de Mato
Grosso, pelos ensinamentos na confecção das exsicatas e colaboração com
identificação das espécies.
A Capes pelo incentivo financeiro concedido através da bolsa de
mestrado.
v
A todos os meus colegas de Mestrado, pela amizade e momentos
compartilhados.
A meus amigos de toda vida (Pedro, Bruno, Arica, Maíra, Simone,
Lariane) quero dizer que ausência não significa esquecimento. Vocês estão
sempre em meus pensamentos e em meu coração.
Ao meu filho, Eduardo, pela ausência constante no seu dia a dia,
perdendo momentos que não teram volta. Quero te pedir filho que me
entendas, quando tiver idade para isso, que minha ausência não foi em vão e
sim a busca por um sonho no qual você fez parte. A mamãe te amou desde o
primeiro dia que ficou sabendo de sua existência e nada que eu faça ou almeje
mudará isso.
Ao meu eterno companheiro Rafhael Mamede. Companheiro, esposo,
amigo, confidente, você é tudo para mim. Amor, obrigada por sempre ter me
incentivado a correr atrás do que queria, por ter sido pai e mãe quando Dudu
precisou, por não perder a paciência todas as vezes que pedi que me levasse
para realizar a pesquisa. Obrigada por ter me auxiliado todas as vezes que
recorri a você.
Por fim, a Deus que me deu a vida e por ter colocado todas essas
pessoas em meu caminho me mostrando que tudo daria certo. Deixo esse
versículo para reflexão: É melhor ter companhia do que estar sozinho, porque
maior é a recompensa do trabalho de duas pessoas. Se um cair, o amigo pode
ajudá-lo a levantar-se. Mas pobre do homem que cai e não tem quem o ajude a
levantar-se!Eclesiastes 4:9-10.
A todos o meu Muito Obrigada.
vi
BIOGRAFIA
Jeneffer Soares dos Santos Mamede, filha de Pedro Gomes dos
Santos e Silvania Soares dos Santos, ambos brasileiros, nasceu em Cuiabá,
Mato Grosso, em 28 de novembro de 1986. Cursou o ensino fundamental na
Escola Estadual Presidente Médici - EEPM, em Cuiabá, Mato Grosso, em
2001. Fez o ensino médio no Centro Federal de Educação Tecnológica de
Cuiabá– CEFET-MT, em Cuiabá, em 2004. Formou-se Engenheira Florestal
em 2009, pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT e
Especialista em Engenharia e Segurança do Trabalho no ano de 2010 pela
Universidade
de Cuiabá
- UNIC.
Iniciou
sua
vida
profissional com
licenciamentos ambientais em áreas rurais no ano de 2009. Em março de
2013, ingressou no mestrado acadêmico em Ciências Florestais e Ambientais
na Universidade Federal de Mato Grosso.
vii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ..........................................................................................x
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................... xi
RESUMO.......................................................................................................... xiii
ABSTRACT....................................................................................................... xv
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................1
2. REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................... ..3
2.1. Etnobotânica: um pouco de história e de conceitos................................3
2.2. Importância dos estudos etnobotânicos..................................................3
2.3. Estudo da etnobotânica no Brasil e no mundo.......................................7
2.4. Estudo da etnobotânica em cerrado matogrossense............................8
2.5. Unidades de paisagem.........................................................................11
2.5.1. Cerrado.......................................................................................11
2.5.2. Quintal........................................................................................13
2.5.3. Roça...........................................................................................15
2.5.4. Matas de Galeria........................................................................16
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................18
CAPÍTULO 1
RESUMO.......................................................................................................... 26
ABSTRACT...................................................................................................... 27
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 28
2. METODOLOGIA ........................................................................................ 29
2.1. Área de Estudo................................................................29
2.2. Proposta Metodológica.......................................................................31
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................. 332
3.1. Dados dos entrevistados..............................................................32
3.2. Estrutura física dos domicílios......................................................39
3.3. Características da saúde..............................................................44
3.4. Perfil econômico...........................................................................46
3.5. Características da organização social..........................................50
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 52
viii
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 54
CAPÍTULO 2
RESUMO.......................................................................................................... 59
ABSTRACT...................................................................................................... 60
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 61
2. METODOLOGIA ........................................................................................ 62
2.1. Área de Estudo............................................................62
2.2. Proposta Metodológica..................................................................62
2.3. Sistematização e análise dos dados.............................................64
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................ 68
3.1. Características dos entrevistados.................................................68
3.2. As Unidades de Paisagem....................................................69
3.2.1 Quintais...............................................................................70
3.2.2. Roças.................................................................................97
3.2.3. Matas de galeria...............................................................100
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 107
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 109
4. CONCLUSÕES GERAIS ......................................................................... 114
5. DEVOLUTIVAS...........................................................................................117
ANEXOS..........................................................................................................118
ix
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO 1
TABELA 1: NÍVEL DE ESCOLARIDADE POR FAIXA ETÁRIA E SEXO
DA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................35
TABELA 2: DOENÇAS MAIS COMUNS E A PORCENTAGEM DE
ESPÉCIES VEGETAIS INDICADAS PARA O TRATAMENTO PELOS
MORADORES DA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT.
BRASIL. 2014............................................................................................45
TABELA 3: ESPÉCIES CULTIVADAS NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.....................................................46
CAPÍTULO 2
TABELA 1:
CARACTERÍSTICAS
SOCIODEMOGRÁFICAS DA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014...68
TABELA2: ESPÉCIES PRESENTES NOS QUINTAIS DA COMUNIDADE
SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014............................78
TABELA 3: VALOR RELATIVO DE CONCORDÂNCIA QUANTO AOS
USOS PRINCIPAIS. COMUNIDADE SÃO MIGUEL, VÁRZEA GRANDEMT. 2014...................................................................................................89
TABELA 4: ESPÉCIES VEGETAIS CITADAS PARA FINS
TERAPÊUTICOS EM ANIMAIS NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.....................................................95
TABELA5: PLANTAS DA MATA DE GALERIA USADAS PELA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.102
x
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1
FIGURA 1:LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA
GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORAS..................................29
FIGURA 2:ATIVIDADES EXERCIDAS PELOS ENTREVISTADOS DA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE:
AUTORES.
OBSERVAÇÃO:
TDEE
TÉCNICO
EM
DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO......................34
FIGURA 3:NATURALIDADE DOS ENTREVISTADOS DA COMUNIDADE
SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE:
AUTORES.................................................................................................34
FIGURA 4:TEMPO DE MORADIA DOS ENTREVISTADOS NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................37
FIGURA 5:PRODUTOS USADOS NA ALIMENTAÇÃO DOS ANIMAIS NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................38
FIGURA 6:TIPOS DE MORADIA ENCONTRADA NA COMUNIDADE SÃO
MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. A: ALVENARIA; B:
MADEIRA; C: PAU-A-PIQUE. FONTE: AUTORES...................................40
FIGURA 7:SISTEMA IMPROVISADO COM CAIXA D’ ÁGUA PARA
COLETA DE ÁGUA DA CHUVA NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORES...................42
FIGURA 8:DESTINO DADO À PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................47
FIGURA 9:MODELO DA TECNOLOGIA SOCIAL PAIS NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................48
FIGURA 10: MOENDA UTILIZADA PARA MOER CANA-DE-AÇÚCAR.
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................49
FIGURA 11: PERCURSO DA CAVALGADA NA COMUNIDADE SÃO
MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORES...51
xi
CAPÍTULO 2
FIGURA 1:LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA
GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORAS..................................62
FIGURA
2:
CURVA
DE
ACUMULAÇÃO
DE
ESPÉCIES
REPRESENTANDO A QUANTIDADE DE ESPÉCIES CITADAS EM
FUNÇÃO DO NÚMERO DE ENTREVISTAS REALIZADAS NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORES...................................................................................70
FIGURA 3: FREQUÊNCIA RELATIVA DOS ENTREVISTADOS QUANTO
AO MANEJO DOS QUINTAIS NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORES...................72
FIGURA 4: RECIPIENTES UTILIZADOS PARA PLANTIO NOS QUINTAIS
NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
A: COCO; B: PARTE DO ESTIPE DE BURITI; C: GARRAFA PET; D:
TRONCO DE ÁRVORE. FONTE: AUTORES...........................................74
FIGURA 5: NÚMERO DE FAMÍLIAS E ESPÉCIES ENCONTRADAS NAS
ETNOCATEGORIAS DE USO NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORES...................77
FIGURA 6: MODO DE PREPARO DOS REMÉDIOS CASEIROS NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014.
FONTE: AUTORAS...................................................................................94
FIGURA 7: EXEMPLO DE CULTIVOS ENCONTRADO NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. A:
CEBOLA, B: CARÁ-MOELA E C: MAMÃO PAPAIA. FONTE:
AUTORAS.................................................................................................97
FIGURA 8: FREQUÊNCIA RELATIVA DOS CULTIVOS NAS ROÇAS
DAS PROPRIEDADES RURAIS NA COMUNIDADE SÃO MIGUEL.
VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORAS...................98
FIGURA 9: PRINCIPAIS FAMÍLIAS BOTÂNICAS ENCONTRADAS NA
MATA DE GALERIA DA COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA
GRANDE-MT. BRASIL. 2014. FONTE: AUTORAS................................101
FIGURA 10: DIVERSAS FORMAS DA UTILIZAÇÃO DA MADEIRA NA
COMUNIDADE SÃO MIGUEL. VÁRZEA GRANDE-MT. BRASIL. 2014. A:
PRATELEIRA, B: MESA, C: BANCO; D: CABO DE FERRAMENTA, E:
CASA, F: ARCO (PARA PEDRA). FONTE: AUTORAS..........................106
xii
RESUMO
MAMEDE, Jeneffer Soares dos Santos. Os recursos vegetais e o saber
local na Comunidade Rural São Miguel em Várzea Grande, MT: uma
abordagem etnobotânica. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais
e Ambientais) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Corette Pasa.
O presente estudo teve como objetivo geral caracterizar os principais
aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais da Comunidade São
Miguel, bem como classificar as etnocategorias de uso dos recursos
vegetais manejados pela população nas diferentes unidades de
paisagem. O trabalho foi dividido em dois capítulos, sendo abordado, no
primeiro, o perfil social, econômico e cultural na comunidade. O segundo
capítulo abrangeu as unidades de paisagem na comunidade. Realizou-se
a aplicação de entrevistas semiestruturadas. Para cada espécie foi
calculado o Valor de Uso e para determinar as plantas mais importantes
quanto à finalidade foi calculado o Consenso Informante por meio do
Nível de Fidelidade. Foram entrevistados 46 moradores. A maior parte
dos entrevistados é natural de Mato Grosso (52%). Quanto à
escolaridade, 46% não concluíram o ensino fundamental. Grande parte
das mulheres são donas-de-casa (44,8%). A casa de alvenaria foi o tipo
de moradia mais encontrado na comunidade (95,6%) e todas possuem
fornecimento de energia elétrica. Quanto ao uso da água para o consumo
humano, 83% dos informantes retiram do poço artesiano, 10% retiram do
rio e 7% compram água mineral. A agricultura em pequena escala é a
principal atividade encontrada na região, onde grande parte planta apenas
para o consumo familiar (72%). A mandioca é o cultivo principal. A maior
parte dos quintais localizam-se no entorno das residências; as mulheres
são na maioria responsável pelo manejo do local (43%). Os moradores
usam as folhas caídas para fazer adubo. A criação de animais domésticos
foi encontrada em 90% dos das residências visitadas. Nos quintais foram
citadas 207 espécies, onde as principais famílias botânicas foram
Asteraceae, Fabaceae e Lauraceae. O uso medicinal foi a etnocategoria
mais representativa. Em relação à valoração unitária, a planta que
representou muito bem o valor de uso das plantas locais (Vusp= 3,00) foi
Solanum gilo Raddi. Para frequência relativa da concordância quanto aos
usos principais (Pcusp) acima de 25%, são referidos 19 casos para
problemas digestivos (como gastrite, azia, males do estômago) e
problemas respiratórios (como gripe, bronquite, pneumonia, tosse) 61,5% cada. Não foram mencionadas dosagens específicas para os
remédios caseiros. O modo de preparo prevalecente foi o chá, obtido por
decocção (45%). A parte da planta mais empregada foi a folha (55,7%).
Nas matas de galerias encontramos 68 espécies vegetais. A maioria das
espécies (48%) citadas apresenta hábito arbóreo. Entre as espécies que
representam muito bem o valor de uso das plantas locais (Vusp > 1,50)
estão Myracroduon urundeuva Allemão e Anadenanthera colubrina var.
cebil (Griseb.) Reis. Entre os produtos que foram retirados destaca-se a
madeira para construção (50%) e sementes para produção de mudas
xiii
(17%). O desenvolvimento de ações nas áreas econômicas e sociais,
como a implantação de postos de saúde, inclusão do ensino médio em
período diurno, acompanhamento da gestantes durante o pré-natal, é
imprescindível para continuação da comunidade. As unidades de
paisagem oferecem meios diversificados para a sobrevivência das
famílias, portanto são espaços que merecem ser estudados.
Palavras-chave: Cerrado; Dados socioeconômicos; Etnocategorias de
uso; Unidades de paisagens.
xiv
ABSTRACT
MAMEDE, Jeneffer Soares dos Santos. Plant resources and local
knowledge in the Rural Community in São Miguel Várzea Grande, MT:
an ethnobotanical approach. Thesis (MS in Forestry and Environmental
Sciences) - Federal University of Mato Grosso, Cuiabá-MT. Advisor: Prof.
Dra. Corette Pasa Maria.
This study aimed to characterize the main socioeconomic, cultural and
environmental aspects of São Miguel Community and classify the use of
etnocategorias of plant resources managed by the country's various
landscape units. The work was divided into two chapters, being addressed
in the first, the social, economic and cultural profile in the community. The
second chapter covered the landscape units in the community. We
conducted semi-structured interviews the application. For each species we
calculated the use value and to determine the most important plants on
the purpose we calculated the Informant Consensus through the Loyalty
Level. We interviewed 46 residents. Most of the respondents were born in
Mato Grosso (52%). As for education, 46% had not finished elementary
school. Most women are stay-at-home (44.8%). The brick house was the
type of property most commonly found in the community (95.6%), all have
electricity supply. As for the use of water for human consumption, 83% of
respondents derive from artesian well, 10% derive from the river and 7%
buy mineral water. The small-scale farming is the main activity found in the
region, where most only plant for household consumption (72%). Cassava
is the main crop. Most yards are located in the vicinity of residences;
women are mostly responsible for local management (43%). Residents
use fallen leaves to make compost. The breeding of domestic animals was
found in 90% of the visited homes. In backyards were cited 207 species
where the main botanical families were Asteraceae, Fabaceae and
Lauraceae. The medicinal use was the most representative
ethnocategory. Regarding the unitary valuation plant that represented very
well the use value of local plants (Vusp = 3.00) was Solanum gilo Raddi.
For relative frequency of agreement on the main uses (Pcusp) above 25%,
are referred 19 cases to digestive problems (such as gastritis, heartburn,
stomach ailments) and respiratory problems (such as flu, bronchitis,
pneumonia, cough) - 61, 5% each. Specific dosages for home remedies
were not mentioned. The prevailing method of preparation was the tea,
obtained by decoction (45%). The part of the sheet plant was used
(55.7%). In the gallery forests found 68 plant species. Most species (48%)
cited presents woody. Among the species that represent very good value
in use of local plants (Vusp> 1.50) are Myracroduon urundeuva Allemão
and Anadenanthera colubrina var. cebil (Griseb.) Reis. Among the
products that were removed there is the timber (50%) and seeds for
seedlings (17%). The development of actions in the economic and social
areas, such as the implementation of health centers, including high school
in daytime, monitoring pregnant women during prenatal care, is essential
xv
for continued community. The landscape units offer diversified means of
survival of families, so are spaces that deserve to be studied.
Keywords: Cerrado; Socioeconomic data; Etnocategorias use; Of
landscape units.
xvi
1.
INTRODUÇÃO GERAL
O Brasil está em primeiro lugar em número de plantas,
contando com 55.000 espécies vegetais (BECKER et al., 2007). Este fato
está relacionado à grande extensão territorial e a existência de diferentes
condições edafoclimáticas e geomorfológicas encontradas no país. Esses
fatores conforme Guerra et al. (1998) proporcionam oportunidades para a
identificação de produtos com possível utilização econômica.
O conhecimento das plantas por uma comunidade faz parte da
sua cultura e está entrelaçada com sua história de vida (PASA, 2007a),
portanto, é necessária a realização de estudos que busquem recuperar o
conhecimento tradicional, existindo grandes oportunidades de transmitir
para futuras gerações.
Esta recuperação de saberes consente que outras pessoas
empreguem espécies que antes não utilizavam, incluindo mais espécies
úteis para o dia-a-dia (MING et al., 2002). Nesse sentido, os estudos
etnobotânicos assumem expressiva relevância em razão de contribuírem
para visualizar a interface entre as comunidades e esses recursos
genéticos vegetais (PASA, 2011).
Nesse contexto, o pesquisador busca conhecer a cultura e o
cotidiano da comunidade pesquisada, a maneira como a comunidade
obtém a cura das enfermidades através dos recursos naturais disponíveis
(MORAIS, 2011), como lidam com os animais domésticos e os outros
animais presente na fauna local, os recursos vegetais utilizados na
construção das habitações, ferramentas, artesanatos.
Entre as diferentes unidades de paisagem, podemos destacar
o quintal. Nesse espaço são adotados manejos executados de maneira
harmoniosa abrangendo diversas formas de vida (KUMAR e NAIR, 2004).
Conforme os mesmos autores, o grande número de espécies presentes
nos
quintais
atende
necessidades
econômica,
social
e
cultural
particulares do grupo envolvido.
1
Esse sistema integrado de produção agrícola é representado
pelos quintais agroflorestais (CASTRO, 1995) e a importância desse
espaço está ligada à produção, já que associam espécies florestais,
plantas de múltiplos usos (medicinais, condimentares, alimentares) e a
criação de animais próximo a residência (CASTRO et al., 2009).
Outro ambiente da zona rural que merece ser lembrado são as
roças. Espaço de produção agrícola cuja formação acontece nas áreas
abertas no interior da vegetação natural ou nas bordas do campo cerrado
(PASA, 2011), cujo objetivo principal é de subsistência familiar, composta
por culturas de milho, mandioca, abóbora, feijão, bata-doce, integrada às
atividades de extração de frutas nativas como goiaba, banana, caju,
mamão, entre outras (DIEGUESet al., 2000).
Última unidade de paisagem aqui mencionada, mas não menos
importante são as Matas de Galeria. Essas se localizam na maioria das
vezes nos fundos dos vales, acompanhando os cursos de pequenos rios
e córregos (RIBEIRO e WALTER, 1998). Essas matas possuem uma
grande quantidade de usos dos recursos vegetais pelos grupos locais,
como remédios caseiros, material para construção, lenha e também como
área de lazer (PASA e ÁVILA, 2010).
A dissertação aqui apresentada teve como objetivo geral
caracterizar
os
principais
aspectos
socioeconômicos,
culturais
e
ambientais da Comunidade São Miguel, bem como classificar as
etnocategorias de uso dos recursos vegetais manejados pela população
nas diferentes unidades de paisagem. A estrutura da dissertação se
divide em duas seções. No capítulo 1, “Perfil social, econômico e cultural
na Comunidade Rural de São Miguel, Várzea Grande, Mato Grosso,
Brasil”, é ressaltado os principais aspectos socioeconômicos, culturais e
ambientais dessas famílias que sobrevivem da terra e na terra. O capítulo
2, “As unidades de paisagem na Comunidade Rural São Miguel, Várzea
Grande, Mato Grosso, Brasil”, destaca a importância do conhecimento
acumulado que essa comunidade possui sobre os espaços que ocupam
que pode ser transmitido ao longo das gerações.
2
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Etnobotânica: um pouco de história e de conceitos
A Etnobotânica teve sua origem no final do século XIX,
constituindo uma ciência que combinava Botânica e a Antropologia
marcando sua característica interdisciplinar. Essa nomenclatura foi
designada pelo norte-americano J.W. Harshberger com a publicação, em
1896, do artigo The purposes of ethno-botany, no qual teve a
compreensão apenas do uso de plantas pelo homem considerado
“primitivo”1 (ALBUQUERQUE, 2002).
Do ponto de vista de Albuquerque (2005) a etnobotânica surge
do campo mais amplo da etnobiologia2, onde envolve as interações entre
os seres humanos e os componentes vegetais, animais e microbiológicos
do seu ambiente. Dessa forma, a etnobotânica almeja a busca de
conhecimento e resgate do saber botânico tradicional, ao uso dos
recursos da flora (PASA, 2011).
Sendo a etnobotânica uma vertente da etnobiologia é natural
que tenham sofrido a mesma influência. Clément (1998) divide a
etnobiologia em três fases de acordo com a história: O período Préclássico iniciou-se final do ano de 1860, caracterizado por estudos
enfocados na coleta de informações sobre o uso de recursos; o Clássico
teve início por volta de 1954 e foi marcado por estudos da linguística e
para a categorização etnobiológica e o Pós-clássico se destaca pela
participação das populações nas pesquisas como fornecedoras de
informações ou material biológico.
Conforme as pesquisas em etnobiologia e etnobotânica foram
avançando, notou-se que o conceito que os pesquisadores davam para o
1
O autor intitulou primitivos as tribos de índios norte-americanos quando foram
realizados trabalhos com plantas.
2
A Etnobiologia origionou-se da Ecologia humana e da Antropologia Cognitiva, em
particular da Etnociência, que busca entender como o mundo é percebido, conhecido e
classificado por diversas culturas humanas (ANDREOLI et al., 2014). Um dos objetivos
da Etnobiologia é analisar a classificação das comunidades humanas sobre a natureza,
em particular sobre os organismos, podendo contribuir para a conservação de recursos
naturais (BEGOSSI, 1996).
3
campo do conhecimento da etnobotânica, também sofreu avanços,
influenciados
por
sua
formação
acadêmica.
Salientamos
alguns
conceitos: Caballero (1979) intitula a etnobotânica como um campo
interdisciplinar que compreende o estudo e a interpretação do
conhecimento, significação cultural, manejo e usos tradicionais dos
elementos da flora. Xolocotzi (1983) definiu a etnobotânica como o campo
científico que estuda as inter-relações que se estabelecem entre o ser
humano e as plantas através do tempo e em diferentes ambientes. De um
modo simplificado, Ford (1986) intitulou como o estudo das inter-relações
diretas entre homens e plantas. Minge Amaral Junior (1995) ampliam
esses conceitos, envolvendo todos os aspectos da relação do ser humano
com as plantas em ordem concreta (uso material, conservação, uso
cultural, desuso) e aberta (símbolos de culto, folclore, tabus, plantas
sagradas).
Amorozo (1996) conceitua a etnobotânica como o estudo do
conhecimento e das conceituações desenvolvidas por diferentes grupos a
respeito do mundo vegetal, envolvendo tanto o modo como o grupo social
rotula as plantas, como os usos que dá a elas.
Para Alexiades (1996), Fonseca-kruel e Peixoto (2004) a
etnobotânica é o estudo das sociedades humanas, passadas e presentes,
e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais
com as plantas. Albuquerque (2005) entende a etnobotânica como o
estudo da inter-relação direta entre pessoas de culturas viventes e as
plantas do seu meio.
Minnis (2000) relata que mesmo as sociedades industriais e
pós-industriais não romperam sua ligação com as plantas, e que a
coadaptação entre pessoas e plantas vem sofrendo alterações com o
crescimento da urbanização e das economias internacionais.
Para Prance (1991) a participação de pesquisadores das áreas
da botânica, antropologia, ecologia, química, ambiental, engenharia
florestal e agronomia, permitem grandes avanços nas pesquisas
etnobotânicas, abordando de diversas maneiras a forma como o homem
interage com o meio em que vive. Logo, cada vez a etnobotânica vem
ganhando espaço, devido suas implicações ideológicas, biológicas,
4
ecológicas e filosóficas que dão respaldo ao seu crescente progresso
metodológico e conceitual.
2.2. Importância dos estudos etnobotânicos
Os seres humanos em sua busca do desenvolvimento
econômico e do prazer das riquezas naturais se esqueceram de que os
recursos naturais são finitos e a capacidade dos ecossistemas é limitada.
Portanto, colocaram em risco diversos sistemas ambientais provocando
um processo de ameaça de desaparecimento de várias espécies de seres
vivos no planeta (TOWNSEND et al., 2006). Cresce então, o interesse
científico com relação ao conhecimento que essas populações detêm
sobre as plantas e seus usos (FARNSWORTH, 1988). Surge nesse
contexto, a ciência etnobotânica que estuda o aproveitamento dos
recursos naturais por parte das populações locais tanto nativas como
aquelas que residem em uma determinada região por muito tempo
(PASA, 2007b).
Diegues et al. (2000) salientam a importância da contribuição
que os estudos em etnobotânica têm apresentado na medida em que
procuram encontrar a lógica subjacente ao conhecimento humano do
mundo natural, as taxonomias e as classificações totalizadoras. Para
esses autores conhecimento tradicional pode ser definido como “o saber e
o saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural gerados no
âmbito da sociedade não-urbana/industrial e transmitido oralmente de
geração a geração”.
Destacar a importância da Etnobotânica é fundamental a partir
do entendimento de que os saberes empíricos e as práticas de saber local
são ferramentas indissociáveis dos valores culturais de diferentes
formações sociais a assim constituindo recursos produtivos para a
conservação da natureza e autogestão dos recursos naturais (PASA,
2007a).
As
espécies
são
componentes
de
conhecimento,
de
domesticação e uso, são poesias para mitos e rituais das populações
tradicionais (DIEGUES et al., 2000).
5
A etnobotânica envolve os três fundamentais pilares do mundo
moderno: sociedade, economia e meio ambiente (PRANCE, 1995),
portanto sua participação é fundamental em qualquer projeto que envolva
recursos vegetais e populações humanas. Assim, a etnobotânica é um
conveniente instrumento para o desenvolvimento endógeno das culturas e
comunidades locais, para a conservação da diversidade biológica em
todos os seus componentes, tangíveis e intangíveis, em nível de habitats
e ecossistemas, germoplasma e conhecimentos (BERMEJO, 1996).
A ciência etnobotânica tende o contato direto com os grupos
locais, buscando uma aproximação e uma vivência que admitam
conquistar a confiança das mesmas, resgatando, portanto, todo o
conhecimento possível sobre a relação de afinidade entre o ser humano e
as plantas de uma comunidade (SANTOS et al., 1995; ALBUQUERQUE,
2005).
É notável a importância do resgaste e da preservação do
conhecimento ecológico tradicional nos dias atuais, já que esse
conhecimento é alcançado por experiência pessoal, transmitido muitas
vezes apenas de forma oral entre os grupos locais. Experiências estas,
adquiridas através da experiência diária e com grande potencial de trazer
alternativas à globalização (HUNN, 1999).
As propostas e os efeitos da etnobotânica possibilitam
conforme Albuquerque (2002) o descobrimento de substância de origem
vegetal com aproveitamento médicos e industriais; novas aplicações para
substâncias já utilizadas; estudo das drogas vegetais e seu efeito no
desempenho individual e coletivo dos usuários frente a determinados
estímulos culturais ou ambientais; reconhecimento e a preservação de
plantas potencialmente importantes em seus respectivos ecossistemas;
histórico do conhecimento tradicional e dos complexos sistemas de
manejo e conservação dos recursos naturais dos povos tradicionais;
agenciamento de programas para o desenvolvimento e preservação dos
recursos naturais dos ecossistemas tropicais e a descoberta de
importantes cultivares manipulados tradicionalmente.
Nos estudos etnobotânicos, nota-se uma posição de destaque
das plantas medicinais (PASA et al, 2005). Contudo, o conhecimento
6
observado não se reduz aos recursos medicinais, mais também aos
recursos alimentícios, pesticidas, contraceptivos e outras formas de uso,
fornecendo,
informações
para
evitar
a
destruição
das
florestas
(ALBUQUERQUE, 2002). A literatura conservacionista enfatiza que os
povos indígenas e as comunidades tradicionais3 possuem conhecimento
dos usos para quase todas as plantas da floresta e que esse é um
caminho para compreender como pode ser favorável a conservação das
florestas tropicais (PRANCE, 1991).
O conhecimento proveniente da cultura popular se torna
irrecuperável uma vez perdido, por isso Guarim Neto e Moraes (2003)
advertem que os recursos naturais, se extintos, não permanecerão
disponíveis às gerações futuras. Assim, o “Saber Local” está cada vez
mais atraindo a atenção de pesquisadores de distintas áreas (AMOROZO,
2002).
2.3. Estudo da etnobotânica no Brasil e no mundo
Na
última
década
a
pesquisa
etnobotânica
cresceu
visivelmente em muitas partes do mundo, em especial na América Latina
em países como o México, a Colômbia e o Brasil (HAMILTON et al.,
2003). Realizando um levantamento na Plataforma Lattes encontrou-se
1170 Currículos Lattes (CL) de pesquisadores relacionados à área de
Etnobotânica com doutorado, sendo 1126 apenas de nacionalidade
brasileira; 1769 CLs de pesquisadores relacionados à categoria da
referida Plataforma como “demais pesquisadores” (sem a titulação de
doutor).
Neste contexto, fica claro como estudos etnobotânicos são
necessários, sobretudo no Brasil, uma vez que o seu território abriga uma
3
o
Conforme artigo 3 inciso I do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, Povos e
Comunidades Tradicionais são “grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que
ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
7
das floras mais ricas do globo, da qual 99,6% são desconhecidas
químicamente (GOTLIEB et al.,1996).
No Brasil e em vários outros países, o grande número de
trabalhos etnobotânicos proporciona o conhecimento das espécies que
são empregadas, podendo servir como ferramenta para traçar estratégias
de utilização e conservação das espécies nativas e seus potenciais
(MING et al., 2000), já que percebemos uma forte pressão antrópica nos
ecossistemas levando à perda de extensas áreas verdes, da cultura e das
tradições das comunidades que habitam estas áreas, que dependem de
recursos do meio para sobreviver.
Estes fatores deixam clara a necessidade de prosseguir
desenvolvendo estudos sobre Etnobotânica no Brasil e a participação de
pesquisadores das áreas da botânica, antropologia, ecologia, química,
engenharia florestal e agronomia, possibilitam maiores progressos nas
pesquisas etnobotânicas, abordando de diferentes modos a forma como o
homem percebe, classifica e utiliza as plantas (PRANCE, 1991).
Pesquisadores em todo o mundo evidenciam a grande procura
por estes vegetais, não só por sua importância medicinal que apresenta
posição de destaque (PASA et al, 2005), mas também pelo potencial
madeireiro que algumas espécies apresentam (ALBUQUERQUE, 2002).
Conforme a região, temos um foco diferenciado nas pesquisas
etnobotânicas, que são influenciadas e direcionadas pela realidade local e
tipos de ecossistemas que abrangem (HAMILTON et al., 2003). Segundo
Martínez-Alfaro (1994) os assuntos mais pesquisados em estudos
etnobotânicos desenvolvidos em países da América Latina são: plantas
medicinais, domesticação e origem da agricultura, arqueobotânica,
plantas
comestíveis,
estudos
etnobotânicos
em
geral,
sistemas
agroflorestais e quintais, uso da floresta, estudos cognitivos, estudos
históricos, e pesquisas realizadas em mercados.
2.4. Estudo da etnobotânica em cerrado matogrossense
8
O Cerrado é uma unidade ecológica típica da zona tropical,
distinto por uma vegetação de fisionomia e flora própria (PINTO, 1990). É
o segundo maior bioma brasileiro em extensão, com quase 200 milhões
de hectares, ou seja, cerca de 25% do território nacional (MMA, 2014).
Envolve os Estados de Goiás, Tocantins, parte dos Estados da Bahia,
Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí,
Rondônia e São Paulo, bem como Estados do Amapá, Amazonas, Pará e
Roraima, e Estado do Paraná (RIBEIRO e WALTER, 1998).
Segundo Coutinho (2006) o Cerrado não é um bioma único,
mas um conjunto de biomas que origina um mosaico de grupos
ecologicamente ligados, desde campo limpo a cerradão.
Conforme Pires e Santos (2000) o Cerrado está incluso na
relação dos 17 ecossistemas mais degradados do planeta, sendo que
aproximadamente 80% do Cerrado já foram transformados pelo homem, e
apenas 19% dele corresponde a áreas-fragmento nas quais a vegetação
original ainda se encontra em bom estado. Toda essa transformação tem
levado à perda de material genético vegetal nativo, muitos até
desconhecido do ponto de vista científico (VIERA e MARTINS, 2000).
A flora nativa do Cerrado é considerada a mais rica dentre as
savanas do mundo, em estimava de sete mil espécies vegetais
(MENDONÇA et al., 1998) e pode ser aplicada originando opções de uso
e renda para os produtores rurais, sendo que muitas espécies se
sobressaem como alimentícias, medicinais, madeireiras, ornamentais,
entre outras (RONDON NETO et al., 2010). Embora toda essa riqueza de
usufrutos, boa parte da vegetação nativa do Cerrado foi substituída por
pastagens plantadas, monoculturas agrícolas e áreas de mineração,
ocasionando uma perda vultosa da fauna e da flora (RIBEIRO e
WALTER, 1998).
O cerrado no estado do Mato Grosso apresenta inúmeras
possibilidades de utilização dos seus recursos vegetais, e os grupos
locais são os principais e os primeiros conhecedores dessas informações
em relação à botânica já que utilizam desses recursos vegetais (GUARIM
NETO, 2001). Assim, o desenvolvimento de estudos que possibilitem
9
constituir parâmetros científicos de utilização racional para a manutenção
dessa biodiversidade é de suma importância (XAVIER et al., 2011).
No Estado de Mato Grosso vários autores tem demostrado a
relação do ser humano com os recursos vegetais através das pesquisas
etnobotânicas em comunidades tradicionais, dentre os quais podemos
destacar: Amaral e Guarim Neto (2008), Pasa et al. (2008), Moreira e
Guarim Neto (2009), Valentini et al. (2009), Pasa e Ávila (2010), Rondon
Neto et al. (2010), Cruz et al. (2011), Pasa (2011), Carvalho et al. (2011),
Daher et al. (2012), Souza e Pasa (2013), De David et al. (2014), entre
tantos outros.
Várias espécies encontradas no cerrado tem seu destaque com
a utilização para remédios caseiros como, por exemplo, a quina
(Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.), a arnica (Camarea ericoides A. St.Hil.), a mangava brava (Lafoensia pacari A. St.-Hil.), a negramina
(Siparuna guianensis Aubl.); tem aquelas usadas na alimentação como o
piqui (Caryocar brasiliense Cambess.), a mangaba (Hancornia speciosa
Gomes), o buriti (Mauritia flexuosa L.); não podemos esquecer das
espécies que a madeira é aproveitada, como o angico (Anadenanthera
falcata (Benth.) Speg.), o guatambu (Aspidosperma polyneuron Müll.
Arg.), o gonçaleiro (Astronium fraxinifolium Schott); logo, fica claro que
existem diversas espécies com inúmeras utilidades no cerrado.
Encontramos no cerrado também, espécies vegetais com
múltiplos usos como o cumbaru (Dipteryx alata Vogel) utilizado tanto na
alimentação dos grupos locais como também nos remédios caseiros e na
construção; o paratudo (Tabebuia aurea(Silva Manso) Benth. & Hook. f.
ex S. Moore) que além de embelezar o local em que se encontra também
oferece madeira e ajuda nas enfermidades. Deste mesmo modo,
encontramos a pata de vaca (Bauhinia glabra Benth.),a mamica de porca
(Zanthoxylum rhoifolium Lam.) e, o jatobá (Hymenaea stigonocarpa Mart.
ex Hayne).
Diante de tudo que foi explanado, percebemos que ainda há
necessidade de pesquisas voltadas para a identificação de plantas úteis
do cerrado contribuindo com as populações locais que usufruem desses
10
espaços e oferecendo novos alimentos para contribuir no sustento e na
renda.
2.5. Unidades de paisagem
Ao trabalhar a área de pesquisa dentro de Unidades de
Paisagem antes se faz necessário tecer algumas considerações sobre o
termo paisagem. Para Bertrand (2004), a paisagem não é a simples
adição de elementos geográficos e sim o resultado da combinação
dinâmica, portanto instável, de elementos físicosbiológicos e antrópicos
que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um
conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. Em outras
palavras, podemos entender o conceito ou unidade paisagem como o
resultado de uma ação relacionada com elementos naturais que a
compõem, como litologia, solos, formas de relevo, vegetação (FÁVERO et
al., 2007) e uma atuação constante e diversificada pelo homem.
O conceito de paisagem está ligado a uma das necessidades
básicas do planejamento ambiental, que é o entendimento das ações
culturais e das formas específicas de manejo dos recursos naturais
(SILVA e SANTOS, 2004).
2.5.1. Cerrado
O cerrado é considerado um hotspots4, tem uma ampla área
com uma biodiversidade muito grande, porém carecendo de preservação,
por estar ameaçado (MYERS et. al., 2000). O cerrado possui a mais rica
flora dentre as savanas do mundo além de apresentar uma riqueza em
aves, peixes, anfíbios, répteis, entre outros (KLINK e MACHADO, 2005).
O fato de o Cerrado ter sido considerado, “quer pela opinião
pública quer pelos ecologistas, como a “prima pobre” dos biomas”
4
A definição de hotspot foi criado em 1988 pelo ecólogo inglês Norman Myerscom o
objetivo de descobrir quais as áreas mais importantes para preservar a biodiversidade na
Terra. Hotspot é, portanto, toda área prioritária para conservação, isto é, de rica
biodiversidade e ameaçada no mais alto grau.
11
(SOUZA, 2012), fez com ele sofresse diversas modificações ao longo dos
anos pela ação dos homens, como por exemplo, o uso do fogo no manejo
das pastagens. Essa prática foi com certeza uma das formas de rápida
transformação do Cerrado, apesar do cerrado ser um ambiente adaptado
ao fogo, ocasionando o desaparecimento de espécies vegetais e animais
e provocando a erosão dos solos. Além das queimadas, grande parte da
vegetação nativa do Cerrado foi substituída por pastagens plantadas,
monoculturas agrícolas e áreas de mineração (RIBEIRO e WALTER,
1998).
O Cerrado possui variações em suas características, sendo
perceptíveis pelas suas fisionomias, variando desde as matas ciliares,
matas de galerias até os palmeirais. Ribeiro e Walter (2008), Bastos e
Ferreira (2010), apresentam uma classificação fitofisionômica para o
Cerrado, dividida em três formações paisagísticas:
Formações Florestais: No Cerrado, existem as seguintes formações
florestais:
Mata Seca: formações florestais que não possuem associação
com cursos de água, caracterizadas por diversos níveis de
caducifólia durante a estação seca.
Mata Ciliar: vegetação florestal que acompanha os rios de
médio porte da Região do Cerrado, em que a vegetação
arbórea não forma galerias.
Mata de Galeria: vegetação florestal que acompanha os rios de
pequeno porte ecórregos dos planaltos do Brasil Central,
formando corredores fechados (galerias) sobre o curso d’água.
Cerradão: O Cerradão é a formação florestal do bioma Cerrado
com características esclerofilas, motivo pelo qual é incluído no
limite mais alto o conceito de Cerrado sentido amplo.
Formações Savânicas: as Formações Savânicas do Cerrado englobam
quatro tipos fitofisionômicos principais: o Cerrado sentido restrito, o
Parque de Cerrado, o Palmeiral e a Vereda.
12
Cerrado sentido restrito: caracteriza-se pela presença de
árvores
baixas,
inclinadas,
tortuosas,
com
ramificações
irregulares e retorcidas, geralmente com evidências de
queimadas.
Os
arbustos
e
subarbustos
encontram-se
espalhados, com algumas espécies apresentando órgãos
subterrâneos perenes (Xilopódeos), que permite a rebrota após
a queima ou corte.
Parque de Cerrado: formação savânica caracterizada pela
presença de árvores agrupadas em pequenas elevações do
terreno, algumas vezes imperceptíveis e outras com muito
destaque,
que
são
conhecidas
como
“murundus”
ou
“monchões”.
Palmeiral: diferenciadadas outras fisionomias pela presença
única de espécie de palmeira arbórea. Nesta fitofisionomia
praticamente não há destaque das árvores dicotiledôneas,
embora elas possam ocorrer com frequência.
Vereda: caracterizada pela presença da espécie Mauritia
flexuosa (Buriti) em meio a grupamentos mais ou menos
densos de espécies arbustivo-herbáceas. Essa formação se
distingue dos Buritizais por não formar dossel.
A grande riqueza de espécies no Cerrado tornam essas áreas
como espaços únicos e insubstituíveis, o que remete a necessidade de
grandes esforços para preservá-la.
2.5.2. Quintal
Os quintais são ambientes de grande valia para o sustento
humano desde o período neolítico, onde os homens abandonaram o ato
de colher os alimentos apenas da natureza e começaram a realizar cultivo
de hortas e domesticação de animais (NASCIMENTO et al., 2005).
Esse sistema integrado de produção agrícola pode ser
representado pelos quintais agroflorestais (CASTRO, 1995; MACEDO,
13
2000), uma área de produção distribuída perto da casa, de fácil acesso,
onde são cultivadas espécies agrícolas e florestais, além da criação de
pequenos animais domésticos (WIERSUM, 1982; NAIR, 1993), através de
manejos concebidos e executados de maneira harmoniosa (KUMAR e
NAIR, 2004) que fornece uma renda extra para família e oferece uma
fonte de recursos alimentícios e medicinais (PASA et al., 2005).
Além da população manter uma baixa dependência de
produtos adquiridos externamente, causa impactos mínimos sobre o
ambiente, conserva os recursos vegetais e a riqueza cultural (PASA,
2004).
Os quintais são caracterizados pela elevada diversidade de
espécies (FERNANDES e NAIR,1986; COOMES e BAN, 2004), com
diferentes ciclos biológicos, o que garante uma oferta diversificada de
produtos durante todo o ano (TORQUEBIAU, 1992) formando uma
importante fonte para a alimentação familiar (NAIR, 1993).
O conhecimento sobre as plantas de múltiplo uso pelas
populações tradicionais é norteado por uma série de informações obtidas
através da relação direta dos membros da comunidade com o
ecossistema, e a difusão desses saberes é feita através da tradição oral
(MOREIRA et al., 2002). Tais experiências constituem-se em uma fonte
relevante para estudos etnoecológicos, farmacológicos, fitoquímicos e
agronômicos (AMOROZO, 1996).
Segundo Amorozo (2007) as áreas de cultivo domiciliar são
espaços de suma importância para a conservação das tradições locais e
para a segurança alimentar global, já que são ambientes sociais e
culturais. O quintal preserva parte da história cultural local (DUQUEBRASIL et al., 2007) e fortalece os vínculos sociais da comunidade por
meio da utilização do espaço para atividades sociais, como rezas, festas
e lazer (PASA, 2004).
Para Souza (2007) este saber tradicional local é “de caráter
coletivo e acumulativo [...] fruto de um processo constante de
experimentação científica e de adaptação aos ecossistemas, os quais são
transmitidos e melhorados de geração em geração”.
14
Os
quintais
proporcionam
o
abrigo
e
o
resgate
do
conhecimento que um determinado grupo social detém sobre o uso dos
recursos naturais, nas diferentes culturas (PASA et al., 2005). Embora
esse sistema de produção de múltiplas espécies tenha provido e
sustentado milhões de pessoas economicamente, pouca atenção
científica tem sido destinada ao assunto (AMARAL e GUARIM NETO,
2008).
Normalmente, os quintais localizam-se na parte detrás da
residência, com tamanho adequado à demanda familiar, compostos por
uma variedade de espécies, e oferecem uma cobertura vegetal
diversificada sobre o solo (PASA et al, 2005). Quase sempre esses
espaços são manuseados pelas mulheres, que garantem dessa forma
uma dieta saudável a sua família (OAKLEY, 2004).
Para Holthe (2003) o ambiente quintal vai além de um
ambiente de produção agrícola e pomares, pode ser uma zona de
serviços como: cozinhas externas, lavagem de roupas ou de utensílios
domésticos, cobertura de poços e cisternas, oficinas improvisadas, casas
de banho (ou banheiros), dependências para empregados, as cocheiras e
estrebarias, etc.
2.5.3. Roça
As “roças” são espaços de pequena extensão de terra, onde os
produtores adotam procedimentos de baixo impacto; quase não se utiliza
insumos químicos sintéticos e apresentam uma alta diversidade de
espécies e variedades (CARDOSO, 2008). Conforme Pasa et al. (2005) a
roça é uma unidade de paisagem que fundamentalmente é destinada
para a produção agrícola, na maioria das vezes encontradas no interior da
vegetação natural. No Cerrado ocorre especialmente com a derrubada
das matas de galeria ou nas bordas dos campos cerrado que limitam com
as matas, cujo objetivo principal é de subsistência familiar.
A roça consolida um sistema produtivo altamente complicado e
aprimorado, que carece de um vasto conhecimento e práticas agrícolas
locais para sua manutenção (WARNER, 1991), e, pode ser compreendido
15
também como um espaço arquitetado através de significados culturais
(EMPERAIRE e PERONI, 2007).
O agricultor quando modifica a paisagem para implantação da
roça não está apenas construindo um espaço agrícola, mas também
aumentando a riqueza de plantas cultivadas com as quais se relacionará,
havendo assim, a domesticação conjunta da paisagem e de várias
espécies de plantas úteis (CLEMENT, 1998).
2.5.4. Matas de Galeria
No bioma Cerrado existe um tipo de formação florestal,
designado "mata de galeria". As matas de galerias localizam-se
geralmente nos fundos dos vales, seguindo os cursos de pequenos rios e
córregos (RIBEIRO e WALTER, 1998; 2001), o que os diferenciam das
matas ciliares que acompanham os rios de médio e grande porte da
região do Cerrado, em que a vegetação arbórea não forma galerias
(RIBEIRO e WALTER, 2007).
As matas de galeria apresentam o ambiente de maior
complexidade estrutural do bioma Cerrado e são responsáveis pela
proteção e manutenção da água, fator essencial para todas as espécies
vivas (FELFILI et al., 2000). Além dessa função ecológica importantíssima
para manutenção das espécies, essas matas possuem um grande
número de usos dos recursos vegetais pelos grupos locais, que desfrutam
através do extrativismo vegetal, caça e pesca, remédios, material para
construção, lenha e também como área de lazer (PASA e ÁVILA, 2010;
PASA, 2011).
As matas de galeria podem ser influenciadas por diferentes
florações, provenientes de formas e tipos de vegetação distintos, que
produzem modificações locais provindas do clima, da latitude e dos
fatores edáficos (SAMPAIO et al., 2000). Para Ribeiro (1998) essa
formação
vegetal
apresenta
espécies
adaptadas,
tolerantes
ou
indiferentes a solos encharcados e ou sujeitos a inundações temporárias.
Kageyama et al. (1989) complementam informando que a mata de galeria
inclui determinadas espécies vegetais exclusivas e se constitui em
16
importante habitat para animais e expressiva fonte de alimentos para os
peixes.
Conforme as características ambientais como a topografia e
variações na altura do lençol freático ao longo do ano, a Mata de Galeria
pode ser dividida em dois subtipos: Mata de Galeria não Inundável e Mata
de Galeria Inundável. A mata de galeria não inundável acontece em solos
bem drenados e possui em torno de 100 a 200 espécies lenhosas com
diâmetro igual ou superior a 5 cm; já a mata de galeria inundável é
caracterizada por drenagem deficiente com estrato arbóreo composto por
poucas espécies que podem atingir até 20 m de altura (FELFILI et al.,
2000).
Segundo Felfili et al. (2000) existem espécies que podem ser
localizadas tanto na Mata de Galeria não Inundável quanto na Mata de
Galeria
Inundável
como:
Protium
heptaphyllum
(breu),
Scheffler
morototoni (morototó), Tapirira guianensis (pau-pombo, pombeiro),Virola
sebifera (virola) e Psychotria carthagenensis (erva-de-gralha).
Embora possua uma marcante área de distribuição, as
florestas de galeria cobrem uma superfície proporcionalmente pequena
devida ao avanço acelerado da fronteira agrícola e urbana na região dos
cerrados (FELFILI et al., 2000). Assim fica claro que a recuperação
dessas matas suprimidas é uma das maiores preocupações dos dias
atuais.
17
3.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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13-18.
25
CAPÍTULO 1
PERFIL SOCIAL, ECONÔMICO E CULTURAL NA COMUNIDADE
RURAL DE SÃO MIGUEL, VÁRZEA GRANDE, MATO GROSSO,
BRASIL
RESUMO
As famílias esforçam-se sobremaneira para viverem na terra e da terra,
caminhando por uma travessia que faz das relações sociais, desafios
permanentes. O presente estudo teve como objetivo caracterizar os
principais aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais dos
moradores da Comunidade São Miguel, Várzea Grande-MT. Aplicou-se
um pré-teste para escolher e avaliar as técnicas a serem utilizadas junto à
população local para melhor ajustamento às finalidades da pesquisa. A
coleta de informações consistiu na aplicação de entrevistas
semiestruturadas com perguntas fechadas e abertas, e observação direta.
No total foram entrevistados 46 moradores, sendo 63% do gênero
feminino e 37% do gênero masculino. A média de idade entre as
mulheres é de 50 anos, e entre os homens de 60 anos. A maior parte dos
entrevistados é natural do estado de Mato Grosso (52%). Quanto à
escolaridade, 46% não concluíram o ensino fundamental, 17% concluíram
o ensino médio, 13% não são escolarizados, 11% não concluíram o
ensino médio, 6,5% concluíram o ensino fundamental e o ensino superior
(cada um). Grande parte das mulheres são donas-de-casa (44,8%) e os
homens agricultores (82,3%). A casa de alvenaria foi o tipo de moradia
mais encontrado na comunidade (95,6%). Todos os entrevistados
informaram possuir energia elétrica na propriedade. Abastecimento de
água para o consumo humano é obtido através de poços artesianos
(75%), poços manuais (15%) e diretamente do rio (10%). Para
atendimento médico a população aguarda o agendamento das datas pelo
agente da saúde. Em todas as propriedades é realizada a associação
entre o gás de cozinha e a lenha. A agricultura em pequena escala é a
principal atividade encontrada na região, onde grande parte planta apenas
para o consumo familiar (72%). A mandioca é o cultivo principal. Entre os
animais que prejudicam o desenvolvimento das plantas e os cultivos,
destacam-se as formigas cortadeiras. A produção de queijo, requeijão,
doce de leite, rapadura de cana-de-açúcar e doces de frutas ajudam na
renda das famílias. É através da Associação que os proprietários
conseguem equipamentos agrícolas quando necessário. Conclui-se que é
necessário o desenvolvimento de ações e de um conjunto de inovações
técnicas, econômicas e sociais para evitar a migração da população local.
Palavras-chave: Agricultura Familiar; Êxodo rural; Meio Rural.
26
CHAPTER 1
PROFILE SOCIAL, ECONOMIC AND CULTURAL IN RURAL
COMMUNITY OF SÃO MIGUEL, VÁRZEA GRANDE, MATO GROSSO,
BRAZIL
ABSTRACT
Families struggle greatly to live on earth and earth, walking along a
passage that makes social relations, ongoing challenges. This study
aimed to characterize the main socioeconomic, cultural and environmental
aspects of the residents of São Miguel Community, Lowland Grande-MT.
Applied a pretest to choose and evaluate techniques to be used by the
local population to better adjustment to research purposes. Data collection
consisted of the application of semi-structured interviews with open and
closed questions, and direct observation. In total we interviewed 46
residents, 63% female and 37% male. The average age for women is 50
years, and among men 60 years. Most of the respondents were born in
the state of Mato Grosso (52%). As for education, 46% had not finished
elementary school, 17% completed high school, 13% are not in school,
11% have not completed high school, 6.5% completed primary school and
higher education (each). Most women are stay-at-home (44.8%) and men
farmers (82.3%). The brick house was the type of property most commonly
found in the community (95.6%). All respondents reported having
electricity on the property. Water supply for human consumption is
obtained through boreholes (75%), hand-dug wells (15%) and directly from
the river (10%). For medical care to the population awaits the schedule of
dates for the health agent. In all properties the association between
cooking gas and wood burning is performed. The small-scale farming is
the main activity found in the region, where most only plant for household
consumption (72%). Cassava is the main crop. Among the animals that
affect the growth of plants and crops, the highlights are the ants. The
production of cheese, cottage cheese, fresh milk, brown sugar cane-sugar
and sweet fruits help in family income. It is through the Association that
the owners can farm equipment when necessary. It is concluded that the
development of actions and a set of technical innovations, economic and
social is necessary to prevent the migration of the local population.
Keywords: Family Farming; Rural exodus; Rural.
27
1. INTRODUÇÃO
Uma população pode ser caracterizada por costumes e
culturas locais, de acordo com os recursos ali ofertados, e então
reconhecida e diferenciada por outras populações (AMARANTE, 2011).
Os
agricultores
familiares
são
diferenciados
de
outras
populações por conhecerem de modo especial e detalhado a terra, as
plantas e os animais que são seus, e que, por esta razão, sente-se
comprometido com o respeito e a preservação da natureza, possuindo “o
afeto da terra” (BRANDÃO, 1999).
O meio rural é um espaço em transformação, em reconstrução
socioespacial e ambiental, onde a população busca novas atividades
produtivas de desenvolvimento (PORTUGUEZ et al., 2012). A criação dos
assentamentos transforma uma área antes homogênea em um mosaico
habitado por muitas famílias.
Desta
forma,
a
implantação
dos assentamentos
rurais
possibilita o desenvolvimento de uma agricultura de base familiar que vai
além do produtivismo que orienta a agricultura, e que é capaz de
desempenhar múltiplas funções sociais.
A partir deste entendimento, o objeto deste trabalho foi a
Comunidade São Miguel, localizada na zona rural de Várzea Grande
(MT). Para conhecer melhor a dinâmica socioeconômica dessas famílias,
este
estudo
objetivou
caracterizar
os
principais
aspectos
socioeconômicos, culturais e ambientais dessa comunidade.
28
2. METODOLOGIA
2.1. Área de Estudo
A pesquisa foi desenvolvida na Comunidade São Miguel,
localizada na zona rural do município de Várzea Grande/MT, cujas
coordenadas geográficas são 15°30’22”S e 56°26’54”W (Figura 1).
O município de Várzea Grande, designada pelo Projeto
Radambrasil (1982) como uma região da Depressão Cuiabana, possui
extensão territorial de 949,53 km2, está localizado no Estado de Mato
Grosso, fazendo limites com as cidades de Cuiabá, Acorizal, Jangada,
Santo Antônio do Leverger e Nossa Senhora do Livramento.
Segundo a classificação de Köppen o clima da região é
caracterizado
como
tropical
semiúmido
(Aw),
com
precipitação
pluviométrica anual de 1.350 mm. A temperatura média anual é de 26ºC.
A umidade relativa do ar com a média anual em torno de 74%
(VERTRAG, 2007). Solo predominantemente de argila avermelhada,
principalmente na faixa marginal do Rio Cuiabá. A vegetação é composta
por savana arbórea aberta (cerrado), capoeira e mata ciliar (ROMANCINI
e MOURA, 2012).
FIGURA 1: Localização da Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT.
Brasil. 2014. Fonte: Google Earth modificado pelas autoras.
29
A Comunidade São Miguel foi criada em 12 de fevereiro de
1998
pela
Superintendência
Regional
do
Instituto
Nacional
de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, através do Projeto de
Assentamento Sadia III São Miguel.
A comunidade, com 151 famílias, possui uma área total de
4.271 hectares, sendo que cada propriedade possui de 25 a 43 hectares
de terra. A cada proprietário o Incra disponibilizou todo material
necessário para construção das casas de 40 m2, como cimento, tijolos,
telhas, pisos, entre outros.
Além desse lote de terra o proprietário possui também um lote
na vila de 20 x 30 metros. A construção de casa nesse espaço é por
conta do proprietário.
A vila é como um centro urbano, onde localizamos uma Escola
Municipal, uma Igreja Católica, uma Igreja Evangélica, dois mercados,
dois bares, uma borracharia e uma oficina de carro.
O acesso à comunidade se dá através da BR 163, de Várzea
Grande em direção à cidade de Jangada. Há meio de transporte público
que dá acesso aos moradores da comunidade para aos municípios de
Várzea Grande e Cuiabá, sendo o preço da passagem de R$ 16,00 5. O
ônibus saí da comunidade as 7:00 h e volta as 14:00 h, de segunda a
sábado.
A região de estudo está distante cerca de 44 km do centro de
Várzea Grande e 62 km de Cuiabá, onde podem ser encontrados
hospitais com serviço de emergência. O tempo gasto para chegar a
comunidadede é de, aproximadamente, uma hora e meia de carro e três
de ônibus.
A Escola Municipal intitulada como Advogado Osmar Milan
Capile funciona em três turnos: matutino, vespertino e noturno, com
ensino regular de educação infantil e ensino fundamental, além da
educação de jovens e adultos - EJA. Existe transporte escolar para os
moradores.
5
Valor referente ao ano de 2014.
30
Os recursos médicos são oferecidos pelo Posto de Saúde
Familiar – PSF, com atendimento de sistema de consulta agendada em
uma sala disponibilizada na escola local. Em casos de urgência e
emergência as pessoas recorrem aos hospitais ou postos de saúde do
município e das cidades vizinhas.
2.2. Proposta Metodológica
Os trabalhos de campo foram realizados entre março de 2013
a abril de 2014. Inicialmente, aplicou-se um pré-teste através de
entrevistas semiestruturadas com alguns dos moradores com o objetivo
de adaptar as ferramentas metodológicas que foram entrevistas
semiestruturadas, registro das falas e observação direta. Para Pasa et al.
(2013),o pré-teste serve para escolher e avaliar as técnicas a serem
utilizadas junto à população local, e ajustar aos intuitos da pesquisa.
A coleta de informações consistiu na aplicação de entrevistas
semiestruturadas (MINAYO, 1992) com perguntas fechadas e abertas, e
observação direta, abordando a história da comunidade relatada pelos
entrevistados.
Essa
técnica
permite
momentos
na
realidade
da
comunidade através da convivência com os membros do grupo e da
interação em suas atividades diárias, reconhecendo o estilo de vida,
ideias e motivações dos membros da pesquisa (AMOROZO e VIERTLER,
2010).
O registro das falas e informações dos atores sociais que
participaram da investigação foi registrado em um diário de campo, além
de fotografias e gravações que permitiram ampliar a quantidade de dados
coletados. Essas técnicas permitiram verificar as seguintes informações:
 Dados dos entrevistados a partir das informações referentes a
sexo, idade, escolaridade, religião, estado civil, composição do
grupo familiar, alimentação, tempo de residência e origem.
 Estrutura física dos domicílios a partir das informações referentes
ao tipo do domicílio, saneamento (abastecimento de água e esgoto
sanitário), destinação de resíduos sólidos, energia elétrica, serviço
de correio e forma de comunicação com outros grupos sociais.
31
 Características da saúde a partir das informações referentes às
doenças mais comuns, forma de tratamento, uso de plantas
medicinais, origem e repasse do conhecimento de uso de plantas
medicinais, local de coleta das plantas medicinais.
 Perfil econômico a partir das informações referente à profissão,
atividade extra, contato com meio urbano.
 Características da organização social referente à associação ou
sindicato, eventos culturais.
As entrevistas foram realizadas com uma amostra de 46
entrevistados, conduzidas na residência dos próprios entrevistados e
ocorreram, com uma pessoa da família que estivesse no local e que
possuia informações a respeito daquele grupo familiar independente do
sexo, desde que fosse maior de 18 anos. Qualquer pessoa de uma
sociedade que tenha vivência maior nos tratos da terra, segundo Amoro
(1996) pode se constituir em um informante válido.
Para que os entrevistados não fossem influenciados por
terceiros a coleta de informação foi realizada apenas entre pesquisador e
o entrevistado. Segundo Albuquerque et al. (2010), a presença de uma
terceira pessoa durante a entrevista pode ocasionar alterações nas
respostas dos entrevistados.
Os entrevistados foram informados a respeito dos objetivos do
estudo e os que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a realização da pesquisa.
Portanto, quanto aos aspectos éticos o presente estudo satisfaz às
diretrizes da Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996, conforme a
qual os participantes devem ser informados dos objetivos do trabalho,
consultados sobre a disponibilidade em participar do estudo de forma
voluntária e assegurado do sigilo das informações individuais.
A análise dos dados foi alcançada através dos resultados
obtidos na observação direta e na escuta, suscitados pelas transcrições
das entrevistas, anotações de campo, fotografias e gravações. Para
Minayo (1994), a pesquisa qualitativa aborda um estado de realidade que
não pode ser quantificado, obedecendo ao “universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”.
32
3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Dados dos entrevistados
No total foram entrevistados 46 moradores, sendo 29 mulheres
e 17 homens. O fato de se encontrar mais mulheres do que homens nas
entrevistas se devem ao fato que as mulheres, grande parte, são donas
de casas, que se dedicam aos cuidados da casa e dos filhos.
Da população entrevistada, 39% apresentam idade acima de
60 anos, demostrando o envelhecimento da população nas comunidades
rurais, o que pode acarretar futuramente numa diminuição na produção
agrícola. Isso aliado ao êxodo rural, principalmente de jovens que vão
para a cidade estudar e trabalhar, acabam enfraquecendo a mão-de-obra
familiar.
No que se refere à ocupação das mulheres, o maior percentual
é de donas de casa com 44,8%, já para os homens de agricultores com
82,3% (Figura 2). A maioria das mulheres se intitula exclusivamente
donas de casa, mas trabalha na lavoura igualmente aos homens. Brumer
(2004) analisa que a divisão do trabalho por sexo na agricultura permite
que as mulheres ocupem uma posição subordinada e seu trabalho
comumente surge como ‘ajuda’, até quando elas trabalham tanto quanto
os homens ou executam as mesmas atividades que eles.
33
FIGURA 2: Atividades exercidas pelos entrevistados da Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores. Observação:
TDEE = Técnico em Desenvolvimento Educacional Especializado.
Quanto à naturalidade, 52% dos entrevistados são naturais do
Estado de Mato Grosso. O restante (48%) vem de outros estados como
Minas Gerais (9%), Góias (9%), Bahia (6%), Rondônia (6%), Pernambuco
(4%), Paraná (4%), Sergipe, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Ceará e
Alagoas (2% cada um) (Figura 3).
FIGURA 3: Naturalidade dos entrevistados da Comunidade São Miguel.
Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
A migração em determinadas comunidades é decorrente da
precariedade das condições locais, desemprego rural, a diferença de
34
salário entre o campo e a cidade, maior infraestrutura de serviços públicos
na cidade (SILVA, 2007), assim como a influência exercida pelos meios
de comunicação de massa, criando as ilusões da vida dos grandes
centros influenciando nos hábitos dos mais jovens.
Todavia,
essa
migração
provoca
a
miscigenação
de
trabalhadores em outras áreas, levando consigo a cultura e hábitos
diferenciados. Podemos observar essa situação no trabalho realizado por
Vilpoux e Oliveira (2011) no Mato Grosso Sul, que relataram a dificuldade
de cooperação entre os produtores de regiões diferentes.
Em relação à escolaridade, 46% dos entrevistados não
concluíram o ensino fundamental e 13% não são escolarizados (Tabela
1). Conforme relato dos entrevistados sem escolaridade, quando crianças
já ajudavam os pais nos afazeres do trabalho no campo, não tendo assim
a oportunidade de estudar, além da dificuldade de acesso à escola há
algumas décadas atrás. Para Amorozo (2002), quem se acostuma a
plantar, dificilmente deixa de exercer tal atividade, até quando migra para
áreas urbanizadas.
TABELA 1: Nível de escolaridade por faixa etária e sexo da Comunidade
São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Adultos
Nível de escolaridade
FA
FR (%)
4
6
13
0
3
3
6,5
Ensino Fundamental Incompleto
11
10
21
46
Ensino Médio Completo
3
5
8
17
Ensino Médio Incompleto
1
4
5
11
Superior
0
3
3
6,5
Total
17
29
46
100
M
F
Não escolarizado
2
Ensino Fundamental Completo
Legenda: M = masculino; F = feminino; FA = frequência absoluta; FR =
frequência relativa.
Com relação à religião, 65% dos moradores declararam serem
católicos, 33% evangélicos e 2% confirmaram não ter religião. A religião
35
conforme Oliveira e Pasa (2013) está diretamente relacionada ao fato de
uma população possuir ou não conhecimento do uso das plantas, uma
vez que em certas doutrinas religiosas, o ato de fazer uso da medicina
popular é um desrespeito.
Para o estado civil, 74% são casados, 13% solteiros e viúvos.
Para Freitas et al. (2012) a condição de casado pode estar relacionado
com maior conhecimento sobre uso de plantas, pois o nascimento dos
filhos propicia a busca de soluções imediatas para o tratamento de muitas
doenças.
Os
aposentados
somam
26%
dos
entrevistados.
Os
trabalhadores rurais tem direito a aposentadoria por idade a partir dos 60
anos para os homens e de 55 anos para as mulheres, como está
regulamentado no Decreto 3048/99 (arts. 51 a 55). Todavia, deve ser
cumprida a carência exigida que nesse caso é comprovada através do
exercício de atividade rural no mesmo número de meses correspondente
ao número de contribuições exigidas para a concessão do benefício.
A prova do tempo de serviço na atividade rural conforme artigo
62 do Decreto 3048/99 trata-se entre elas da declaração fundamentada
de sindicato que represente o trabalhador rural, comprovante de cadastro
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, bloco
de notas do produtor rural, notas fiscais de entrada de mercadorias
emitidas pela empresa adquirente da produção, documentos fiscais
relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola.
Conforme relato dos entrevistados, existe uma grande
dificuldade em obter a aposentadoria rural através do Ministério da
Previdência
Social
por
causa
da
documentação
solicitada
para
comprovação da atividade rural, já que nem todos têm o hábito de
guardar nota fiscal de mercadorias. Assim, os proprietários que almejam a
aposentadoria recorrem aos serviços de um advogado.
Verificou-se que 85% das famílias são compostas de 2 a 4
pessoas no núcleo familiar. O número de filhos por família variou de 2 a 8.
Vale ressaltar que do total das famílias entrevistadas, 48% não possuem
nenhum filho na propriedade, pois estes vão para cidade em busca de
melhores condições de vida como educação, emprego, saúde. Outra
36
ressalva a ser feita, é que algumas famílias são compostas apenas por
avós e netos (17%). Os avós acabam criando os seus netos, já que os
pais não possuem condições de sustentar ou cuidar das crianças na
cidade.
O maior tempo de moradia foi de 15 a 17 anos, conforme pode
ser visualizado na Figura 4. Para Fernandes (2011), a permanência da
população na zona rural agrega ao local a existência de uma identidade
social e cultural entre os agricultores. É na convivência que se estimula a
formação das instituições informais e os contatos entre vizinhos tendem a
estruturar a interação social.
FIGURA 4: Tempo de moradia dos entrevistados na Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Quanto à criação de animais, tanto de pequeno quanto de
grande porte, 91% dos entrevistados criam algum tipo, como cachorro
(Canis lupus familiaris) - 89%, galinha (Gallus domesticus) - 74%, porco
(Sus domesticus) - 48%, gato (Felis silvestris catus) - 43%, gado (Bos
taurus) - 43%, cavalo (Equus caballus) - 15%, galinha d’ angola (Numida
galeata meleagris) - 6%, pato (Anas platyrhynchos)- 4%, peru (Meleagris
gallopavo) - 4% e periquito (Brotogeris tirica) - 2%. Vale ressaltar que
neste item os entrevistados podiam citar todos os animais encontrados na
propriedade.
A alimentação desses animais é bem variada, predominando o
uso do milho (Figura 5) que é oferecido tanto para galinhas como para os
37
porcos, cavalos, patos. Grande parte do milho que alimenta esses
animais é proveniente da propriedade, onde após a colheita é
armazenada em um local designado de paiol pelos moradores. A compra
desse produto só acontece quando o armazenado acaba.
FIGURA 5: Produtos usados na alimentação dos animais na Comunidade
São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Os moradores que não possuem meio de locomoção e assim,
contam com a colaboração do motorista do ônibus para entrega dos
insumos em sua propriedade. O proprietário realiza a compra no comércio
em Várzea Grande ou na vila local, entra em contato com o motorista e
avisa que tem mercadoria no “mercado tal”. O motorista passa no local
informado e retira o que foi avisado. A compra é despachada através do
ônibus quando o mesmo passa na frente das propriedades. Mercadorias
grandes, como saco de milho de 60 kg é cobrado R$ 3,00 cada saco para
levar.
Na realização do plantio dos cultivos alguns proprietários levam
em conta a fase da Lua, como, por exemplo, o plantio da mandioca
realizado na Lua Crescente e do milho na Lua Nova, sempre relacionado
ao aumento na produção, como podem ser observados nos relatos:
“Mandioca planta na lua crescente, a rama cresce muito. Na nova não
vinga” (RMJ, 68 anos). “Milho planta na Lua Nova, ele produz mais”
(ADSL, 66 anos).
38
Para Rodrigues (1998) a influência da lua sobre a agricultura
vem do aproveitamento da luminosidade lunar. Conforme o autor, as
plantas que recebem mais luminosidade lunar na sua primeira fase de
vida tendem a brotar rapidamente aumentando o número de folhas e
flores, consequentemente possuem maior área para realizarem a
fotossíntese, que resulta o aumento da produtividade.
Conforme Schiedeck et al. (2007), a lua tem sido o assunto
mais recorrente nas manifestações dos conhecimentos relacionados
pelos agricultores familiares. Porém, Thun (2007) afirma que os efeitos
dos ritmos cósmicos extrapola a simples influência lunar, englobando a
influência dos planetas e constelações.
Existe crença até mesmo na retirada da madeira, sendo que
para alguns dos entrevistados não se deve retirar este material na Lua
Nova e sim na minguante, pois nessa época a madeira é mais vulnerável
ao ataque de carunchos. Na lua nova as fibras da madeira estão
carregadas com muita água e se retiradas nessa época secará com os
poros ainda abertos ficando assim propicio ao ataque de insetos
(RIVERA, 2005). Já na lua minguante, a durabilidade do material é maior,
resiste mais ao ataque de pragas, uma vez que a planta está menos
concentrada de seiva, dificultando a penetração de parasitas (RAS, 2008).
Ainda em relação à retirada da madeira existem aqueles que
acreditam também na influencia do mês do ano, já que não realizam essa
atividade no primeiro dia do mês de agosto, pois afirmam que a
probabilidade de cortar a perna é maior. Tal fato talvez esteja associado à
estigmatização referente ao mês de agosto considerado o mês do
"cachorro louco", e em consequência, o número de acidentes no referido
mês seja maior.
3.2. Estrutura física dos domicílios
A casa de alvenaria foi o tipo de moradia mais encontrado na
comunidade (96%), seguido da madeira e pau-a-pique (2% cada um). No
estudo realizado nos sítios em São Miguel-RN, a casa de alvenaria foi o
tipo mais encontrado também (FREITAS, 2009). Isso demostra que o tipo
39
de residência vem modificando nas comunidades rurais ao longo dos
anos, onde as casas de madeira vem se transformando em casas de
alvenaria, provavelmente, porque as pessoas acreditam que as casas de
alvenaria são melhores ou mais confortáveis.
As casas de madeira e pau-a-pique (Figura 6) são oriundas de
um costume muito comum nas comunidades rurais, onde se partilha a
propriedade quando os filhos se casam e continuam no local. Estes sem
condições financeiras imediatas para construção de uma habitação de
alvenaria aproveitam os recursos disponíveis no local como a madeira
para construção de sua casa.
FIGURA 6: Tipos de moradia encontrada na Comunidade São Miguel.
Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. A: Alvenaria; B: Madeira; C: Pau-apique. Fonte: Autores.
A pequena propriedade é dominante na região, sendo que a
dimensão da área rural de cada família variou de 25 a 43 hectares. O
tamanho das propriedades está de acordo com a Lei 11.326 de 24 de
julho de 2006, que considera agricultor familiar e empreendedor familiar
rural aquele que pratica atividades no meio rural, que não detenha, a
qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais (unidade de
medida de área). Está de acordo também com a Lei 8.629 de 25 de
fevereiro de 1993, inciso II do artigo 4 (quatro), onde a pequena
propriedade é compreendida entre um a quatro módulos fiscais, sendo o
módulo fiscal do Município de Várzea Grande de 70 hectares.
Todas as 46 propriedades visitadas possuem fornecimento de
energia elétrica. As correspondências referentes à conta da energia
elétrica são depositadas por agente específico da companhia em uma
40
caixa de papelão no mercado local, já que o serviço de correio não atende
o local.
Com o programa “Luz para Todos”, o último programa de
eletrificação rural ainda em vigência, até junho de 2013, 3.220.529
famílias receberam o fornecimento de energia elétrica (GÓMEZ e
SILVEIRA, 2010). A inclusão da energia elétrica nas casas proporciona
melhoria do bem-estar, e em comunidades tradicionais a inclusão
energética vai além do conforto, devendo promover um sistema de ações
propícias ao desenvolvimento local (GÓMEZ e SILVEIRA, 2010; ELS et
al., 2012).
No que se refere ao tipo de fogão utilizado nas residências,
constatou-se que 100% das moradias utilizam uma associação entre o
gás de cozinha e lenha. Quanto ao uso da vegetação, não há preferência
por espécies vegetais, sendo utilizadas aquelas que mais facilmente são
encontradas, geralmente as que já se encontram caídas. Do mesmo
modo Barros et al. (2014), pesquisando os aspectos socioeconômicos na
microbacia hidrográfica do riacho Val Paraíso – PB, verificaram que
67,6% dos entrevistados utilizam a associação de lenha e gás de cozinha
como fonte de energia para cozimento dos alimentos, fato que expressa a
etnocategoria combustível e a grande relavância para a etnobotânica.
O abastecimento das residências é obtido através de poços
artesianos (75%), poços manuais (15%) e diretamente do rio (10%).
Alguns moradores utilizam caixas d’água para coletar água na época da
chuva, obtendo assim mais um recurso para suprir as necessidades do
cotidiano (Figura 7).
41
FIGURA 7: Sistema improvisado com caixa d’ água para coleta de água
da chuva na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Fonte: Autores.
Na época da seca a disponibilidade de água é escassa para
aqueles que não possuem poços em sua propriedade. A dificuldade
enfrentada por causa da água para os moradores locais é expressa,
literalmente, por meio da fala dos entrevistados abaixo relatadas: “(...)
puxo água através de bomba colocada no rio. (...) Na seca peço água
para os vizinhos” (M. L. C., 44 anos). “(...) até uma semana atrás levava
água no balde nas costas até em casa” (A. M. C. 35 anos).
Conforme o parágrafo 1º do artigo 12 da Lei Federal nº 9.433,
de 8 de janeiro de 1997 e o parágrafo único do artigo 11 da Lei Estadual
nº 6.945 de 05 de novembro de 1997, os pequenos núcleos populacionais
rurais não necessitam de outorga de direito de uso da água, desde que
use esse bem público para suas necessidades.
Verificou-se que nenhuma propriedade é atendida por rede
pública de esgoto; 93% das residências pesquisadas possuem fossa
negra para destinação dos dejetos e 7% eliminam os dejetos livremente.
A Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, no inciso IV do Art. 49, define
como um dos objetivos da Política Federal de Saneamento Básico,
proporcionar
condições
adequadas
de
salubridade
ambiental
às
populações rurais. Fica claro que as condições encontradas na
comunidade estão em desacordo com a Lei.
42
Em todas as residências visitadas constatou-se que todos
separam o lixo seco do molhado, principalmente porque as famílias criam
pequenos animais (galinhas, gatos, patos) e acabam alimentando os
animais com resto de alimentos. O lixo seco, como as garrafas pet,
sacolas plásticas, papelão, papel higiênico, entre outros, é queimado.
Esses tipos de materiais podem ser transformados em novos produtos e o
reaproveitamento é uma alternativa para melhoria da qualidade ambiental,
além de mudanças nos hábitos da população com a redução do
desperdício.
Os moradores revelaram que quando recebem visitas em suas
casas solicitam aos amigos e/ou parentes que levem novamente para
cidade os resíduos desfrutados na propriedade, como fralda descartável,
latas e garrafas plásticas. Comportamento semelhante foi encontrado por
Vasconcelos (2004) em um remanescente quilombola do Vale da Ribeira
em São Paulo e por Freitas (2009) em uma comunidade no município de
São Miguel/RN.
A prática de queimar lixo é responsável pela grande poluição
do ar, do solo e das águas, que podem acarretar prejuízos à saúde
humana e ao meio ambiente.
O rádio foi o equipamento de comunicação encontrado em
todos os domicílios na região. É um elemento barato e possui maior
independência da energia elétrica, pois na ausência desta pode ser
alimentado por baterias automotivas. Em alguns casos é o único veículo
de informação para os agricultores. Para Fagotti (2012) este meio de
comunicação comporta uma proximidade maior com os ouvintes,
ponderando que o locutor fala abertamente com os espectadores
utilizando
uma
linguagem
coletiva
provocando
sentimento
de
“pertencimento” em quem ouve.
Apesar
propriedades,
o
de
seu
ser
uso
o
equipamento
está
mais
enfraquecendo
encontrado
com
o
nas
tempo.
Provavelmente devido ao advento da energia elétrica a televisão vem
roubando a cena, como pode ser observado no relato de uns dos
moradores: “Antigamente, a gente chegava nas casas do vizinho de longe
a gente ouvia o rádio, agora nem escuta mais” (ASM, 62 anos).
43
O sinal para telefone fixo ou móvel chega à região,
necessitando da instalação de uma antena específica para receber o
sinal, que foi encontrado em apenas sete residências. Por causa dessa
restrição existe uma grande colaboração entre os moradores que contam
com aqueles que possuem linhas telefônicas para receber recados dos
familiares e fazer ligações quando necessário.
3.3. Características da saúde
Dos entrevistados, 83% utilizam água do poço para beber, 10%
água do rio e 7% compram água mineral. De acordo com o relato dos
entrevistados, o principal tratamento empregado na água de beber é
adição de hipoclorito de sódio e filtragem da água em filtros domésticos
doados pelo Incra. Esses resultados são semelhantes aos encontrados
por Barros et al. (2013), onde 80% dos agricultores de Cajazeiras-PB
utilizam algum tipo de tratamento na água de beber. Segundo Tavares
(2009), o tratamento da água empregada pela família é essencial, uma
vez que o emprego de água sem tratamento prévio promove a veiculação
de doenças contagiosas transportadas por via hídrica.
Para atendimento médico a população aguarda o agendamento
das datas pelo agente da saúde que passa pelas residências avisando,
mas em caso de doenças mais graves procuram atendimento no hospital
do Município ou na cidade vizinha como Cuiabá.
As doenças mais simples são tratadas na própria comunidade
utilizando plantas consideradas medicinais encontradas na região através
de seus conhecimentos tradicionais que incorporado às influências
culturais servem para tratar de enfermidades (SOUZA e PASA, 2013).
Assim, a relação entre as doenças mais comuns e as espécies vegetais
indicadas para o tratamento destas doenças (Tabela 2) indica a
importância dos recursos vegetais para a sobrevivência dos moradores na
região que não possui condições financeiras para tratar da saúde.
44
TABELA 2: Doenças mais comuns e a porcentagem de espécies vegetais
indicadas para o tratamento pelos moradores da Comunidade São Miguel.
Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Doenças
Porcentagem de espécies
vegetais indicadas para o
tratamento (%)
Gripe, bronquite, pneumonia, tosse.
22,0
Azia, males do estômago, verminoses.
21,0
Pressão alterada, hemorroida, anemia.
14,0
Febre, infecção, antibiótico.
10,5
Dor de cabeça, estresse, nervosismo
8,5
Ferida, machucados, micoses.
7,0
Cólica menstrual, corrimento.
6,5
Conjuntivite, dengue, viroses.
6,0
Males dos rins, bexiga e cistite.
4,5
Fonte: Autores.
Esta relação com os recursos vegetais tem garantido que o
conhecimento das propriedades medicinas encontradas nas plantas,
assim como sua forma de coleta, preparo e uso, sejam repassados dos
pais para os filhos ao longo das gerações, constituindo vínculo entre os
moradores e os recursos florestais disponíveis na região. Fato constatado
através das entrevistas com os moradores, onde 34% informaram ter
aprendido a usar as plantas como remédio com os vizinhos, 28% com os
pais, 20% alegam ter apreendido com a mãe e18% com as avós.
O conhecimento e o uso a respeito das plantas medicinais são
maiores entre as pessoas idosas. Para De David e Pasa (2013) esse fato
evidencia forte relação cultural de uso da medicina popular na
comunidade. Segundo Medeiros et al. (2004), os meios de comunicação
atuais ocasionam a perda dessa transmissão verbal dos conhecimentos
sobre os usos das plantas.
45
3.4. Perfil econômico
A forma de atividade importante para a reprodução do modo de
vida das famílias encontradas na região é a agricultura de pequena escala
ou podemos designar também agricultura de subsistência. Entre os
entrevistados, o número mínimo de explorações agrícolas é de dois
(mandioca e cana-de-açúcar) e o máximo 14 (feijão de corda, feijão andu,
milho, mandioca, banana, mamão, quiabo, abacaxi, limão galego, limão
rosa, batata doce, coentro, açafrão e cana-de-açúcar). A diversidade de
cultivos nas propriedades rurais proporciona ao pequeno produtor a
diversificação da produção e geração de outras fontes de alimento e
renda (FEITOSA et al., 2011).
Entre os produtos cultivados, a mandioca constitui o cultivo
principal (Tabela 3) caracterizado por ser sem fins lucrativos. Dados
semelhantes foram encontrados por Pasa (2007), quanto ao cultivo da
mandioca, em pesquisa de estudo etnobotânico na Comunidade de
Conceição-Açu no município de Cuiabá (MT).
TABELA 3: Espécies cultivadas na Comunidade São Miguel. Várzea
Grande-MT. Brasil. 2014.
Cultivos
Frequência (%)
Mandioca
67,0
Milho
43,5
Banana
43,5
Cana-de-açúcar
35,0
Abobora
35,0
Mamão
24,0
Quiabo
19,5
Limão galego
19,5
Abacaxi
17,5
Feijão de corda
17,5
Cebolinha
15,0
Alface
11,0
Couve
11,0
Laranja
11,0
Limão rosa
9,0
Pimenta malagueta
9,0
Fonte: Autores.
46
Foi registrado ainda que o cultivo de pomares em quintais
complementam os recursos necessários para a sobrevivência destacando
cajus, mangas, limões, goiabas. Da produção agrícola e pomares 72%
são apenas para o consumo familiar (Figura 8) e 13%, além do próprio
consumo, também vendem para cooperativa e/ou para cidades vizinhas
e/ou para vila da comunidade. Aqueles que não cultivam nada em sua
propriedade (15%) informam ser devido à dificuldade de acesso a água, já
que nem todos tem poço na propriedade. Silva et al. (2014) estudando o
perfil socioeconômico dos agricultores nas unidades produtivas da
comunidade Moura no município de Bananeiras (PB) verificaram também
que a maior parte da produção (67%) é destinada ao consumo alimentar
da família.
FIGURA 8: Destino dado à produção agrícola familiar na Comunidade
São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Outra observação interessante a ser feita é a de solidariedade
entre os moradores, onde mesmo os proprietários que plantam com a
finalidade de obter renda, compartilham com os amigos os alimentos
produzidos e dificilmente estes saem da propriedade de mãos vazias.
Entre os animais que prejudicam o desenvolvimento das
plantas e os cultivos, os proprietários citaram a formiga cortadeira (Atta
spp.),
cigarrinha
(Deois
flavopicta),
lagarta
(Anticarsiasp.),
cupim
(Coptotermes sp.), grilo (Gryllus assimilis), pulgão (Metopolophium
dirhodum), besouro (Oryctes sp.), galinha (Gallus domesticus), porco
(Gallus domesticus), gado (Bos taurus), rato (Rattus sp.), capivara
47
(Hydrochoerus hydrochoeris), tucano (Ramphastos toco), periquito
(Brotogeris tirica) e veado (Cervus elaphus).
Apenas
duas
propriedades
participam
da
Produção
Agroecológica Integrada e Sustentável – PAIS, onde receberam curso de
capacitação pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas – Sebrae. Todo o projeto é montado em forma de um círculo
em um terreno plano, próximo a um lençol d’água, energia, irrigação e
animais. O galinheiro fica no centro, ao redor fica a horta, ao lado ficam a
caixa d’água e o quintal agroecológico (Figura 9).
FIGURA 9: Modelo da Tecnologia Social PAIS na Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
A tecnologia social PAIS dispensa o uso de qualquer ação que
possa prejudicar o meio ambiente, como por exemplo, o emprego de
agrotóxicos,
queimadas
e
desmatamentos.
O
projeto
realiza
o
agrupamento da criação de animais com a produção vegetal e também
aproveita insumos da propriedade (folhas, excremento de animais) em
todo o processo produtivo (PAIS, 2009).
Conforme relatos dos proprietários até o momento não
perceberam o benefício dessa tecnologia quando se trata no aumento da
produção e na renda. Nota-se ser um sistema bem diversificado de
cultivos, onde se encontra cebolinha, coentro, alface, berinjela, quiabo,
entre outros, muito próximos em um único ambiente, utilizados como
tempero na culinária local.
48
A produção e o consumo de alimentos orgânicos originam
valores expressivos para a economia brasileira e para a saúde da
população, oferecendo uma forma de sustentabilidade social e econômica
da agricultura familiar (COELHO, 2001). As diversas formas de estimulo
na Agricultura Familiar são essenciais para manter as populações no
campo e diminuir a evasão para as cidades. Para Costa (1997), o papel
do Estado de instigar a noção de responsabilidade socioambiental na
população rural é essencial, pois garante o funcionamento de um sistema
de crédito agrícola, especialmente em sistemas que favoreçam o “Uso
Sustentável” mediante as chamadas “Agriculturas de Base Ecológica”.
Verificou-se que nenhum dos proprietários entrevistados possui
posse de máquinas agrícolas para o trabalho na lavoura, quando
necessário contratam o serviço dos equipamentos disponíveis na
associação.
Quanto ao processo de agregação de valor através do
processamento
de
matéria
prima
na
propriedade,
este
ocorre
especialmente por meio da transformação do leite na produção de
queijos, requeijão, doce de leite; beneficiamento da rapadura de cana-deaçúcar (Figura 10) e doces de frutas que variam conforme a época. Além
da venda da carne dos animais criados nas propriedades como galinha,
porco, gado, galinha d’angola, peru e pato.
49
FIGURA 10: Moenda utilizada para moer cana-de-açúcar. Comunidade
São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Através da confecção de tapetes de crochê, colchas de
retalhos, arranjos florais, bordado, biojóias, as donas de casa obtém uma
renda extra para complementar o sustento da família. Um percentual de
24% delas informaram fazer o artesanato para uso próprio, sendo que
realizam a venda sobre encomenda.
A produção local abastece as necessidades do grupo familiar
com reduzido excedente que pode ser comercializado. Assim, o lucro
adquirido com esta comercialização é utilizado para compra de outros
produtos nos mercados locais como arroz, feijão, café, facão, entre
outros.
Outra forma de comércio existente é a relação da troca do
serviço pelo bem material. Alguns proprietários alugam o pasto em troca
de dinheiro ou serviço na própria propriedade como, por exemplo, a
capina do terreno.
3.5.
Características da organização social
A comunidade possui uma Associação da Comunidade São
Miguel, havendo, portanto, expressão política ou outra forma de
organização que represente os interesses comuns dos moradores da
região. Para Silva (2007) o vínculo com o lugar motiva a comunidade para
50
a luta social, a fim de, defender seu modo de vida, e proporcionar
melhoria das condições socioeconômicas e ambientais nas propriedades
rurais.
A Associação possui equipamentos agrícolas que são alugados
para os proprietários quando necessário. Através também da Associação
as famílias que não possuem meio de locomoção tem acesso ao ônibus
para ir ao centro do município e à Cuiabá.
Uma das formas de diversão encontrada na comunidade é a
cavalgada (Figura 11) que acontece todo mês de junho com duração de
quatro horas, tendo iniciado no ano de 2006 por um morador da
comunidade, que trouxe o costume de Minas Gerais com o simples intuito
de juntar cavalos.
FIGURA 11: Percurso da Cavalgada na Comunidade São Miguel. Várzea
Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autores.
Esse evento conta com ajuda dos comerciantes locais e do
município, onde fornece gratuitamente aos cavaleiros a inscrição, camisa,
água e alojamento, além do apoio da polícia e da fiscalização do Instituto
de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso - Indea. Os cavaleiros
que participam do evento deslocam-se do próprio município e dos
municípios vizinhos como Jangada, Livramento e Poconé.
Participam do evento, cavaleiros com idade entre sete e 70
anos conforme relatado pelo coordenador do evento (WFM, 44 anos).
51
Para ele a cavalgada é uma forma das pessoas fugirem da cidade e
terem mais contato com a natureza.
52
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se que os moradores da comunidade rural São
Miguel-MT apresentam baixa escolaridade, onde vários não tiveram
oportunidade de estudar já que iam para lida no campo desde muito cedo
para ajudar os pais. Apesar do ambiente escolar ter sido reduzido, o
processo de aprendizagem no campo é riquíssimo, pois aprendem na
lavoura, no cuidado com os animais e até no contato com a natureza.
A agricultura de subsistência é a atividade fundamental
encontrada na região e a mandioca é o cultivo principal. Esse cultivo é
rico em nutrientes, sendo consumida como farinha, amido ou cozido (in
natura), usada tanto na alimentação humana e animal, sendo a base da
alimentação de muitas famílias.
Os morados tratam as doenças mais simples através de
plantas
medicinais
encontradas
na
região
por
meio
de
seus
conhecimentos adquiridos com seus pais ou avós.
Observou-se que a comunidade não é atendida pelos serviços
de coleta de lixo e nem de esgoto, ficando claro o descaso do município já
que não está oferecendo condições apropriadas de salubridade ambiental
às populações rurais.
Verificou-se que população local encontra-se vulnerável em
relação aos aspectos socioeconômicos, devido à migração dos jovens em
busca de novas oportunidades de trabalho e estudo, resultando no êxodo
rural. Essa migração é evidente quando observado que 48% das famílias
entrevistadas não possuem nenhum filho na propriedade, ficando apenas
o casal responsável pela produtividade da propriedade.
É necessário o desenvolvimento de ações, como implantação
de postos de saúde, acompanhamento das gestantes durante o pré-natal,
inclusão do ensino médio em período diurno para melhorar a qualidade de
vida da população local. Além da implantação de inovações técnicas e
econômicas adaptadas às condições locais, como, por exemplo, o
estímulo à coleta de produtos florestais não madeireiros (resina, cipó,
óleo, sementes, frutos, flores, plantas ornamentais, plantas medicinais).
53
Essa é uma possível alternativa para equilibrar a conservação da
biodiversidade com a geração de renda local.
54
5.
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59
CAPÍTULO 2
AS UNIDADES DE PAISAGEM NA COMUNIDADE RURAL SÃO
MIGUEL, VÁRZEA GRANDE, MATO GROSSO, BRASIL
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo catalogar, sistematizar e analisar, o
conhecimento etnobotânico que os moradores rurais da comunidade de
São Miguel possuem a respeito da flora local. A coleta de informações
consistiu na aplicação de entrevistas semiestruturadas, observação direta,
registro das entrevistas e fotografias. Para cada espécie foi calculado o
Valor de Uso (UVs) e para determinar as plantas mais importantes quanto
à finalidade foi calculado o Consenso Informante por meio do Nível de
Fidelidade. No total foram entrevistados 46 moradores. Em geral, 80%
dos quintais localizam-se no entorno das residências; apresentam, em
média, um hectare e as mulheres são na maioria responsáveis pelo
manejo do local (43%). A criação de animais domésticos foi encontrada
em 90% dos quintais. Foram citadas 207 espécies ocorrentes nos
quintais, onde as principais famílias botânicas foram Asteraceae,
Fabaceae e Lauraceae. O uso medicinal foi a etnocategoria mais
representativa. A planta que representou muito bem o valor de uso das
plantas locais (Vusp= 3,00) foi Solanum gilo Raddi. As espécies
Plectranthus barbatus Andrews, Gossypium barbadense L. e
Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze apresentaram concordância quanto
aos usos principais (Pcusp) acima de 50%. Para Pcusp acima de 25%,
são referidos 19 casos para problemas digestivo e respiratório (61,5%
cada). Não foram mencionadas dosagens específicas para os remédios
caseiros. O modo de preparo prevalecente foi o chá, obtido por decocção
(45%). A parte da planta mais empregada foi a folha (55,7%). A
agricultura em pequena escala é a principal atividade encontrada na
região, onde grande parte planta apenas para o consumo familiar (72%) e
utilizam excrementos de animais domésticos como adubo. A mandioca é
o cultivo principal. Nas matas de galeriasforam identificadas 68 espécies
vegetais. A maioria das espécies (48%) citadas apresenta hábito arbóreo.
A planta que representou muito bem o valor de uso (Vusp > 1,50) nesta
paisagem foi Myracroduon urundeuva Allemão. Dos entrevistados, 52%
informaram nunca ter extraído produto da mata. Entre os produtos que
foram retirados destaca-se a madeira para construção (50%) e sementes
para produção de mudas (17%). As unidades de paisagem oferecem
meios diversificados para sobrevivência das famílias rurais, portanto são
espaços que merecem ser estudados.
Palavras-chave: Cerrado; Etnocategorias de uso; Mata de galeria;
Quintal; Roça.
60
CHAPTER 2
UNITS OF RURAL COMMUNITY LANDSCAPE IN SÃO MIGUEL,
VÁRZEA GRANDE, MATO GROSSO, BRAZIL
ABSTRACT
This study aimed to catalog, organize and analyze the ethnobotanical
knowledge that rural residents of San Miguel community have about the
local flora. Data collection consisted of the application of semi-structured
interviews, direct observation, record the interviews and photographs. For
each species we calculated the Use Value (UV) and to determine the most
important plants on the purpose we calculated the Informant Consensus
through the Loyalty Level. In total we interviewed 46 residents. Overall,
80% of gardens are located in the vicinity of residences; have, on average,
one hectare and women are mostly responsible for local management
(43%). The breeding of domestic animals was found in 90% of yards. 207
species occurring were cited in backyards, where the main botanical
families were Asteraceae, Fabaceae and Lauraceae. The medicinal use
was the most representative ethnocategory. The plant represented very
well the value in use of local plants (Vusp = 3.00) was Solanum gilo Raddi.
The species Plectranthus barbatus Andrews, Gossypium barbadense L.
and Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze showed agreement regarding the
main uses (Pcusp) above 50%. For Pcusp above 25%, 19 cases are
referred to digestive and respiratory problems (61.5% each). Specific
dosages for home remedies were not mentioned. The prevailing method of
preparation was the tea, obtained by decoction (45%). The part of the
sheet plant was used (55.7%). The small-scale farming is the main activity
found in the region, where most only plant for household consumption
(72%) and use pet droppings as fertilizer. Cassava is the main crop. In the
woods galleries were identified 68 plant species. Most species (48%) cited
presents woody. The plant represented very well the use value (Vusp>
1.50) in this landscape was Myracroduon urundeuva Allemão. Of the
respondents, 52% reported ever having product extracted from the forest.
Among the products that were removed there is the timber (50%) and
seeds for seedlings (17%). Landscape units offer diversified means for
survival of rural families, so are spaces that deserve to be studied.
Keywords: Cerrado; Etnocategories use; Gallery forest; yard; Fields.
61
1.
INTRODUÇÃO
As populações locais possuem um conhecimento acumulado
sobre os espaços que ocupam que pode ser transmitido ao longo das
gerações. Novas informações são adicionadas aos conhecimentos locais
gradativamente e está passível às mudanças em resposta a inovações,
experiências e pressões ambientais externas (ARAUJO, 2007).
A procedência do saber popular está na observação constante
e metódica dos fenômenos e das características da natureza, e na
experimentação desses recursos, o que explica a importância que as
etnocategorias de usos das plantas assumem nos resultados das
investigações etnobotânicas de uma região ou mesmo de uma sociedade
(ALBUQUERQUE E ANDRADE, 2002b).
A etnobotânica surge como o campo interdisciplinar que
envolve o estudo e a explicação do conhecimento que o ser humano
possui da significação cultural, manejo e usos tradicionais dos elementos
da flora (CABALLERO, 1979). Esta ciência visa à busca de conhecimento
e o resgate do saber botânico tradicional, relacionado ao uso dos
recursos da flora (PASA, 2011).
É preciso que haja cada vez mais a realização de trabalhos
que busquem recuperar o conhecimento tradicional, havendo dessa forma
grandes chances de transmiti-lo. Portanto, o presente estudo objetivou
catalogar, sistematizar e analisar, o conhecimento etnobotânico que os
moradores rurais da comunidade de São Miguel possuem a respeito da
flora local.
62
2.
METODOLOGIA
2.1. Área de Estudo
A Comunidade São Miguel está localizada na zona rural do
município de Várzea Grande-MT, sob coordenada geográfica 15°30’22”S
e 56°26’54”W (Figura 1). Segundo a classificação de Köppen o clima da
região é caracterizado como tropical semiúmido (Aw), com precipitação
pluviométrica anual de 1.350 mm. A temperatura média anual é de 26ºC.
A umidade relativa do ar com a média anual em torno de 74%
(VERTRAG, 2007). Solo predominantemente de argila avermelhada,
principalmente na faixa marginal do Rio Cuiabá e vegetação composta
por savana arbórea aberta (cerrado), capoeira e mata ciliar (ROMANCINI
e MOURA, 2012).
FIGURA 1: Localização da Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT.
Brasil. 2014. Fonte: Google Earth modificado pelas autoras.
2.2. Proposta Metodológica
Os dados foram coletados entre março de 2013 a abril de
2014. Primeiramente, aplicou-se um pré-teste através de entrevistas
semiestruturadas com alguns dos moradores. Segundo Pasa et al. (2013),
63
o pré-teste serve para escolher e avaliar as técnicas a serem utilizadas
junto à população local, e ajustar aos intuitos da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas com 46 moradores, realizadas
nas residências dos próprios entrevistados e ocorreram, com uma pessoa
da família que estivesse no local, maior de idade e que possuia
informações a respeito daquele grupo familiar independente do sexo. A
determinação da quantidade de entrevistados se deu a partir da curva de
acumulação de espécies de Colwell e Coddington (1994), demostrando o
tamanho ótimo de espécies.
Contou-se com a ajuda de uma informante para promover o
contato com os moradores por ser alguém de confiança e por participar
ativamente na comunidade. Para que os dados das entrevistas não
fossem influenciados por terceiros a coleta de informação foi realizada
apenas entre pesquisador e o entrevistado. Para Albuquerque et al.
(2010), uma terceira pessoa durante a entrevista pode gerar alterações
nas respostas dos entrevistados.
Para cada entrevistado foi esclarecido os objetivos do estudo e
os moradores que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a realização da
pesquisa. Este termo permite que a pessoa que está sendo convidada a
participar da pesquisa entenda os procedimentos, riscos, desconfortos,
benefícios e direitos envolvidos. Para Clotet (1995) o termo é uma
obrigação moral do pesquisador, é a revelação do respeito às pessoas
envolvidas no projeto.
Para a coleta das informações foram utilizados os seguintes
instrumentos e ferramentas:
Entrevistas
semiestruturadas
utilizando
formulários:
com
perguntas fechadas e abertas. Procurou-se caracterizar a unidade
familiar, participação nos trabalhos, manejo dos cultivos, comercialização,
e aspectos relacionados com a manutenção e conservação das unidades
de paisagem (Quintais, Roças e Matas de Galeria).
Observação direta: Nesta etapa buscou-se observar a rotina da
família nas diversas atividades desenvolvidas por eles. Essa técnica
64
permite lidar com as falas dos entrevistados ressaltando o papel do
entrevistado e do pesquisador.
Diário de campo: registro das informações relacionadas à
pesquisa durante o desenvolvimento do trabalho em campo, bem como
falas e informações dos atores sociais que participaram da investigação.
Registro fotográfico: as fotografias permitiram ampliar a
quantidade de dados coletados e a obtenção de dados relacionados ao
ambiente, nas diferentes unidades de paisagem, bem como eternizar os
momentos vivenciados junto aos moradores.
Levantamento etnobotânico: realização de caminhadas com os
entrevistados dentro da propriedade e/ou em seus arredores para
observação dos vegetais, que são usados pelas pessoas locais nas
diferentes unidades de paisagem informadas.
Plantas: todos os itens pertinentes às plantas citadas foram
anotados, como: origem, habitat, utilidade, aplicabilidade, dosagem, modo
de preparo, parte utilizada. As plantas citadas pelos entrevistados foram
identificadas no local da entrevista de acordo com o conhecimento dos
entrevistados. As coletas de amostras vegetais das espécies (em fases
reprodutiva e vegetativa) foram realizadas durante as caminhadas para
montagem de exsicatas. As exsicatas do material botânico foram
identificadas por especialistas do Herbário Central da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), onde se encontram catalogadas e
depositadas. A grafia dos binômios científicos foi conferida em revisões
taxonômicas recentes e/ou utilizando a base de dados Trópicos, versão
online, acessível pelo sítio http://www.tropicos.org.
2.3. Sistematização e análise dos dados
Primeiramente, elaborou-se um banco de dados com as
informações obtidas nos questionários. Para a análise dos mesmos,
utilizou-se o programa Microsoft Office Excel® 2010, sendo realizada a
estatística descritiva a partir da codificação por tabulação simples,
distribuição de porcentagens, tabelas e figuras.
65
As etnocategorias de uso foram representadas de forma literal,
ou seja, como foram referidos pelos entrevistados:

Uso medicinal (Me): espécies utilizadas pelos moradores para fins
medicinais como “remédios caseiros”;

Uso alimentar (Al): espécies usadas pelos moradores como
alimento;

Uso ornamental (Or): espécies destinadas à ornamentação,
embelezamento dos quintais;

Outras (Ot): inclui espécies empregadas pelos moradores para
diversos fins, como artesanato, condimento, sombreamento, madeira,
místico-religioso, inseticida, repelente, higiene e proteção contra o vento.
Os vegetais foram genericamente divididos nos hábitos:
arbóreo (AV); arbustivo (AB); subarbustivo (SA.); herbáceo (HB), palmeira
(PAL), epífita (EPI) e trepador (TR). A origem foi dividida em nativa (N);
cultivada (C) e espontânea (E).
Para cada espécie foi calculado o Valor de Uso (UVs),
entrevistando-se uma única vez cada morador, conforme referido por
Phillips e Gentry (1993):
a. O valor de uso de cada espécie (sp) por informante (i), dado como:
Onde, Uspi é o número de usos mencionados por informante i por
espécie sp em cada evento, e nspi é o número de eventos (quantidade
de encontros) com o informante i por espécie sp
b. O valor de uso global de cada espécie (VUsp), dado como:
Onde, ns é o numero de informantes entrevistados por espécie.
66
Para determinar as plantas mais importantes quanto à
finalidade foi calculado o Consenso Informante por meio do Nível de
Fidelidade que vem expresso através do Pcusp.
O Nível de Fidelidade (NF) é utilizado para estimar a
importância de cada espécie para uma finalidade particular. O NF igual a
100% demostra que existe uma consistência cultural quanto ao uso da
espécie na comunidade em estudo (AMARAL; GUARIM NETO 2008).
Através
do
consenso
informante
é
possível
avaliar
a
importância de cada planta, calculada diretamente sobre o grau de
consenso das respostas dos entrevistados (FRIEDMAN, 1986), permitindo
definir a frequência relativa de Concordância de Usos principais (Pcusp).
Através desses valores é provável detectar as espécies vegetais
extraídas mais utilizadas e importantes para comunidade, verificando qual
espécie pode estar ameaçada quanto ao seu uso pela comunidade.
Os índices foram calculados de acordo com Friedman (1986),
adaptado por Pasa (2011), conforme a seguir:
Onde, NF é o nível de fidelidade; Fsp é a Frequência absoluta dos
informantes que citaram a espécie; Fid é a Frequência absoluta dos
informantes que citaram os usos principais.
Faz necessário a utilização do Fator de Correção (FC), devido
ocorrer diferenças no número de informantes que citaram usos para cada
espécie, conforme a fórmula abaixo:
Onde, FC é fator de correção; Fsp é o número total de informantes que
citaram a planta para algum uso; IME é o número de informantes que
citaram a espécie mais citada.
67
A frequência relativa de Concordância quanto aos Usos
Principais (Pcusp) foi calculada conforme a seguir:
68
3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Características dos entrevistados
Dos 46 entrevistados, a maior representação foi do sexo
feminino (63%), com média de idade de 50 anos. A maior quantidade de
mulheres na zona rural sugere uma maior participação destas nas
atividades agrícolas, segundo o verificado por Lucena et al. (2012) ao
pesquisarem em uma comunidade rural no nordeste brasileiro.
A maior parte dos entrevistados declarou ter o ensino
fundamental incompleto (46%). Esse resultado se deve ao fato de quando
eram crianças ajudavam a família nas atividades agrícolas.
Grande parte dos entrevistados neste estudo é natural do
estado de Mato Grosso (52%) e é possível perceber a influência de sua
origem nas atividades produtivas desenvolvidas por suas famílias, já que
a agricultura é a segunda principal atividade do estado de Mato Grosso.
Verificou-se
que
54,3%
dos
entrevistados
vivem
na
comunidade há mais de 16 anos, são casados (74%) e católicos (65%),
conforme exemplificado na Tabela 1.
TABELA 1: Características sociodemográficas da Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
CARACTERÍSTICAS CATEGORIAS
Sexo
Feminino
Masculino
Faixa etária (anos)
20-39 anos
40-59 anos
60-79 anos
>80 anos
Naturalidade
Mato Grosso
Outros estados
Tempo de moradia
3-5 anos
6-8 anos
9-11 anos
FA
29
17
7
19
18
2
24
22
2
4
8
FR (%)
63,0
37,0
15,2
41,3
39,1
4,4
52,0
48,0
4,3
9,0
17,4
Continuação...
69
Continuação...
CARACTERÍSTICAS CATEGORIAS
Tempo de moradia
12-14 anos
15-17 anos
Escolaridade
Sem estudo
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio incompleto
Ensino médio completo
Ensino superior incompleto
Ensino superior completo
Profissão
Agricultor (a)
Cozinheiro (a)
Do lar
Outros
Grupos religiosos
Católico
Evangélico
Sem religião
Estado civil
Casados
Viúvos
Solteiros
Números de filhos
0 filhos
1-5 filhos
6-10 filhos
FA
7
25
6
21
3
5
8
0
3
24
2
13
7
30
14
2
34
6
6
26
19
1
FR (%)
15,0
54,3
13,0
46,0
6,5
11,0
17,0
0,0
6,5
52,2
4,3
28,3
15,2
65,2
30,4
4,4
74,0
13,0
13,0
56,5
41,3
2,20
Legenda: FA: Frequência Absoluta; FR: Frequência Relativa. Fonte: Autores.
filhos
3.2. As Unidades de Paisagem
Com o intuito de demostrar graficamente que a utilização de 46
entrevistados foi uma amostra suficientemente representativa, a curva de
acumulação de espécies (COLWELL e CODDINGTON, 1994) apresentase na sequência (Figura 2). A curva de acumulação permite avaliar o
quanto um estudo se aproxima de capturar todas as espécies do local,
sendo que em cada nova entrevista decresce o número de espécies
novas.
70
FIGURA 2: Curva de acumulação de espécies representando a
quantidade de espécies citadas em função do número de entrevistas
realizadas na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Fonte: Autores.
Observa-se que já na 6° entrevista, mais de 50% das espécies
citadas nesse estudo, tinham sido representadas. Percebe-se a partir da
entrevista n° 30 inclinação mínima na curva, demostrando o acréscimo de
poucas espécies e aquelas que foram adicionadas são, em sua maioria,
espécies raras, ou seja, que foram citadas uma única vez por
determinado entrevistado.
Das unidades de paisagem abordadas no presente estudo, o
“quintal” está presente em todas as propriedades, em diferentes
localizações, com diversas espécies cultivadas e algumas hortas
domésticas para o próprio consumo da família. A roça é outra unidade de
paisagem identificada neste estudo, presente em 46% das residências.
Por último, e não menos importante as matas de galeria assim
designadas como as áreas de preservação permanente (APP) no entorno
dos rios Espinheiro e Cascavel presentes na comunidade.
3.2.1 Quintais
Em geral, 80% dos quintais da Comunidade São Miguel
localizam-se no entorno das residências, fazendo divisa com a roça e/ou
71
mata de galeria. O quintal agroflorestal é uma unidade de paisagem
conceituada como uma área de produção posicionada perto da casa,
onde são cultivadas espécies agrícolas e florestais, além da criação de
pequenos animais domésticos (NAIR, 1993; BRITO e COELHO, 2001),
com manejos concebidos e executados de maneira harmoniosa (KUMAR
e NAIR, 2004). Pasa et al. (2005) afirma que o quintal é um sistema de
produção secundário a outros tipos de uso da terra, como a lavoura ou a
pecuária, que fornece uma renda extra para família e oferece uma fonte
de recursos alimentícios e medicinais.
Os quintais agroflorestais estudados possuem, em média, o
tamanho de um hectare conforme declarado pelos entrevistados. Na
comunidade rural Rio da Areia, Rondon Neto et al. (2010) encontraram
quintais com área média de 250 m2. As diferenças culturais de cada
morador podem influenciar nessas diferenças de tamanho, já que cada
ser carrega o modo de cultivar de suas origens.
As plantas remanescentes (que já existiam no local antes dos
moradores entrarem na terra) da vegetação natural que são encontradas
especialmente nos quintais, conforme os moradores são: cumbaru
(Dipteryx alata Vogel), jatobá-do-cerrado (Hymenaea courbarilL), aroeira
(Myracrodruon urundeuva Allemão), angico (Anadenanthera colubrina
(Vell.) Brenan), bocaíuva (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex. Mart.),
quina (Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.) e capitão do campo (Terminalia
argentea Mart.).
Existem espécies que crescem espontaneamente conforme os
entrevistados, além das citadas acima, como o gervão (Stachytarpheta
angustifolia (Mill.) Vahl), mentrasto (Ageratum conyzoidesL.), erva de
santa maria (Chenopodium ambrosioides L.), vassorinha (Scoparia dulcis
L.), assa-peixe (Vernonia ferruginea Less) e embaúba (Cecropia sp.).
Essas plantas, por muitas pessoas, são consideradas pragas e para
outros excelentes remédios caseiros disponíveis a poucos metros de
casa. Neste caso são conservadas, pois proporcionam algum tipo de
utilidade para o proprietário (PINHO et al., 2008). A forma de dispersão
das sementes dessas espécies é diversa, anemocórica (dispersão pelo
72
vento) ou zoocórica (dispersão por animais como pássaros) (ALMEIDA et
al., 2008).
As
árvores
frutíferas
encontradas
nos
quintais
foram
introduzidas pelos próprios moradores através do consumo das frutas que
proporcionaram as sementes para realização das mudas. De acordo com
Kabashima et al. (2009) as espécies de plantas mais encontradas na
maioria dos quintais brasileiros são frutíferas comuns como goiaba
(Psidium guajava L.), manga (Mangifera indica L.), abacate (Persea
americana Mill.) e jaboticaba (Myrciaria sp.).
Para os entrevistados, plantar no quintal é uma maneira prática
de associar alimentação com bem estar, sombra, remédio, lazer, material
para construção, embelezamento, além de outros benefícios como
fertilização do solo, proteção contra ventos fortes e erosão, oxigenação do
ambiente, alimentação e abrigo para fauna, e renda extra. Além de ser um
ambiente destinado às atividades do dia-a-dia como cozinhar, lavar roupa,
louças, desbulhar milho, entre outras.
Para Pasa e Avila (2010) os quintais são locais que as pessoas
utilizam como meio cultural, para confraternização familiar e reunião com
os vizinhos. A importância desse espaço fica evidente nos depoimentos
dos moradores: “(...) meu quintal é meu sustento” (EGM, 32 anos); “(...) as
plantas no quintal embeleza a casa, ajuda na renda, dá mais vida na
casa” (EFNM, 43 anos);
“ (...) gosto do quintal, eu pra mim tem que ter o quintal, pois
evito de comprar, uso pra comer e tratar da criação. Se eu morar e não
tiver, pra mim não tá servindo” (CVP, 62 anos);
O manejo empregado aos quintais é uma atividade realizada
principalmente pelas mulheres (43%), apesar da cooperação de todos os
membros da família, conforme Figura 3. Quanto aos serviços de mão-deobra, 9% dos entrevistados pagam uma pessoa para fazer a manutenção
do quintal, já que não dispõem de tempo para este serviço. De acordo
com Costantin (2005), os quintais são considerados, por muitas mulheres
como uma extensão do serviço doméstico. Para House e Ochoa (1998), a
mulher tem uma percepção multidimensional, buscando ampliar a
biodiversidade de seu quintal, enquanto o homem possui um ponto de
73
vista unidimensional, empenhando-se em melhorar o rendimento de
algumas espécies em particular.
FIGURA 3: Frequência relativa dos entrevistados quanto ao manejo dos
quintais na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Fonte: Autores.
O tempo dedicado para tratar do quintal é em média de uma a
duas horas por dia, todavia há aqueles que preferem realizar a limpeza
em apenas um dia na semana. Os entrevistados relataram que a época
do ano que mais tem trabalho com o quintal é no período das chuvas
(67%) e para outros se trata da seca (33%).
Em algumas residências verificou-se que a limpeza dos
quintais era relevante, entretanto em outras podemos observar restos de
folhas, flores, cascas de frutos, palhas de milho e bagaço de cana. Para
esses moradores, esses materiais protegem o solo e aumentam os
nutrientes para as plantas. Oliveira e Pasa (2013) encontraram dados
semelhantes na Comunidade de Santo Antônio do Caramujo, onde os
entrevistados informaram que esses restos (folhas, frutos, palhas) são
importantes para cobrir o solo colaborando para a produção de biomassa
e o retorno da matéria orgânica ao solo, bem como assegurar a umidade.
As folhas provenientes da manutenção dos quintais são
utilizadas pela maioria dos moradores para fazer adubo, outros alegaram
74
queimar e tem aqueles que preferem deixar no “pé da árvore”, jogar no
pasto ou na mata, colocar tudo em um buraco, amontoar em um canto, e
até mesmo aqueles que usam para nivelar o terreno.
Na preparação do adubo, cada proprietário tem um jeito de
fazer com elementos específicos encontrados no próprio terreno como
podemos observar no relato de um entrevistado:
“Faço o adubo foliar que mistura 500 g de cinza das folhas em
100 litros de água, bosta de vaca curtida por 30 dias. Mistura tudo isso e
planta. Tem também a que usa urina de vaca curtida por 15 dias, que é só
coloca no vão que tá a planta” (EGM, 32 anos).
A urina da vaca é recolhida com um balde comum na hora da
retirada do leite, onde geralmente a vaca conforme relato do entrevistado.
O sistema de plantio utilizado no quintal é bastante
diversificado, encontramos plantas diretamente no solo, através de covas
e/ou canteiros, em vasos de latas, garrafas plásticas, máquina de lavar,
canteiros elevados de madeira com recipientes variados, e até em caules
de árvores (Figura 4). Chagas et al. (2014) verificaram que na
Comunidade São Francisco, Iranduba, AM, os diversos recipientes
usados no plantio, como vasos plásticos, latas e/ou canoas velhas, são
utilizados para as plantas empregadas na alimentação e na cura de
doenças.
FIGURA 4: Recipientes utilizados para plantio nos quintais na
Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. A: Coco; B:
Parte do estipe de buriti; C: Garrafa pet; D: Tronco de árvore. Fonte:
Autores.
75
Ao abordar os aspectos etnobiológicos locais, a criação de
animais domésticos foi encontrada em 90% dos quintais. Estes são para
consumo ou apenas de estimação, como cachorro (Canis lupus familiaris)
– 89%, galinha (Gallus domesticus) – 74%, gato (Felis silvestris catus) –
43%, galinha-d’angola (Numida galeata meleagris) – 6%, peru (Meleagris
gallopavo) – 4%, pato (Anas platyrhynchos) – 4%, porco (Sus domesticus)
- 48%, gado (Bos taurus) – 43% e cavalos (Equus caballus) – 15%.
Os cachorros, gatos, galinhas, galinhas-d’angola, perus e patos
são animais criados soltos nos quintais. Os cachorros ficam soltos a fim
de proteger a propriedade de qualquer mudança anormal, se alimentam
de ração e/ou restos de comidas. Essa alimentação também é recebida
pelo único animal que tem acesso ao quintal e a casa do proprietário que
é o gato, devido ser muito dócil. As galinhas, galinhas-d’angola, perus e
patos criados soltos nos quintais com o intuito de produzir carne, ovos e
esterco. Esses animais são alimentados com grãos de milhos, farelo de
milho e quirela, fornecidos pelos proprietários, e pelo ciscar no quintal e
arredores.
A relação entre animais e humanos é visto em culturas de todo
o mundo em várias formas de interação com a fauna local (ALVES e
SOLTO, 2011), contudo conforme Silva et al. (2013) essa relação precisa
ser cautelosa, pois existe grande possibilidade de ocorrência de
zoonoses, sobretudo em comunidades rurais onde o status sanitário,
geralmente, é baixo. Vários gêneros de helmintos e protozoários utilizamse dos animais domésticos como hospedeiros e podem contaminar
facilmente o homem (LEITE et al., 2007).
Os porcos são criados de forma confinada em baias de
madeira, construídas nas áreas dos quintais, onde se alimentam de cana,
milho inteiro, restos de alimentos, frutas e hortaliças oriundos dos
quintais. Esses animais produzem carne e banha, usados exclusivamente
para consumo da família. Os bovinos e equinos são encontrados nos
quintais e/ou em suas imediações, mesmo existindo piquetes com
pastagens formadas artificialmente. Em média, criam-se sete cabeças de
bovinos por propriedade, com a exclusiva finalidade de produzir leite para
consumo da família.
76
Algumas propriedades apresentam hortas caseiras de pequeno
porte, cercada de tela galvanizada, a fim de evitar a entrada de animais,
especialmente de aves domésticas. As hortas são utilizadas para cultivo
de hortaliças para a subsistência da família, sendo manejadas
principalmente pelas mulheres, sem o uso de agrotóxicos e adubos
químicos, cultivadas no solo e/ou às vezes em vasilhas. Vários itens são
encontrados nessas hortas caseiras como alface, couve, cebolinha, jiló,
tomate, pepino, entre outros.
Para combater as pragas, alguns dos moradores utilizam de
insumo natural a base de plantas, como o uso da pimenta malagueta ou
do fumo, como declarou um dos entrevistados:
“Eu pego uma garrafa de plástico de 1 litro e coloco um
punhado da pimenta malagueta amassada e deixo curti por uma semana
com água, depois é só passar para matar as lagartas, as formigas
cortadeiras. Pra acabar com pulgão pego fumo, desse pronto em
mercado, deixo de molho um dia, com água e pronto” (EGM, 32 anos).
As espécies vegetais presentes nos quintais da comunidade
São Miguel expõe uma combinação entre espécies arbóreas, herbáceas e
culturas agrícolas, demostrando a diversidade vegetal que foi introduzida
para diversas finalidades de uso naquele espaço para facilitar o cotidiano
dos moradores. Foram citadas 207 espécies, sendo estas distribuídas em
64 famílias Botânicas e 153 gêneros. Dentre as quais, Asteraceae e
Fabaceae com 17 espécies cada uma, Lauraceae com 13 espécies e
Solanaceae com 10 espécies. Dentro dessa riqueza vegetal, as 207
espécies vegetais foram contempladas em cinco etnocategorias de usos,
sendo o uso medicinal a categoria mais representativa (Figura 5). É
importante ressaltar que uma espécie pode ser agrupada em mais de
uma categoria de uso, sendo comum que as citações dos entrevistados
para uma determinada planta pudessem ser agrupadas em categorias de
uso diferentes.
77
FIGURA 5: Número de famílias botânicas e espécies encontradas nas
etnocategorias de uso na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT.
Brasil. 2014. Fonte: Autores.
A maioria das espécies (64%) citadas é de origem cultivada,
seguida das nativas (26%) e as espontâneas (10%). As cultivadas são
encontradas nas hortas e quintais das residências. Vale ressaltar que as
nativas (espécies do Cerrado) podem ser remanescentes, espontâneas
ou cultivadas. O hábito herbáceo (39%) é o mais representativo, seguido
de arbustivo (26%), arbóreo (22%), subarbustivo (7%), trepadeira (4%),
epífita e palmeira (1% cada um).
As espécies de plantas medicinais nativas continuam sendo
bastante usadas, apesar do número de espécies de plantas medicinais
cultivadas serem maior, em relação às plantas citadas. Para Pasa et al.
(2005) a ampla quantidade de herbáceas deve-se ao fato de que muitas
destas espécies podem ter sido introduzidas por imigrantes devido à sua
facilidade de transporte de um lugar para o outro.
Na Tabela 2 são apresentadas as espécies presentes nos
quintais da Comunidade São Miguel, classificadas conforme ordem
decrescente do Vusp facilitando visualizar a importância das plantas.
78
TABELA 2: Espécies presentes nos quintais da Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Nome Vernacular
Nome Científico
Jiló
Neen
Café
Pimenta malagueta
Aroeira
Laranja
Acerola
Feijão andu
Goiaba
Limão galego
Açafrão
Abacaxi
Guiné
Abacate
Alho
Amora
Carapiá
Chico-magro
Fortuna
Jurubeba
Mangava mansa
Pau-de-óleo
Seriguela
Tamarindo
Vergateza
Solanum gilo Raddi
Azadirachta indica A. Juss.
Coffea arabica L.
Capsicum frutescens L.
Myracrodruon urundeuva Allemão
Citrus aurantium L.
Malpighia glabra L.
Cajanus cajan (L.) Huth
Psidium guajava L.
Citrus sp. L.
Crocus sativus L.
Ananas comosus (L.) Merril
Petiveria alliacea L.
Persea americana Mill.
Allium sativum L.
Morus nigra L.
Dorstenia cayapia Vell.
Guazuma ulmifolia Lam.
Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken
Solanum lycocarpum A. St.-Hil.
Hancornia speciosa Gomes
Copaifera langsdorffii Desf.
Spondias lutea L.
Tamarindus indica L.
Anemopaegma arvense (Vell.) Stellfeld
ex J.F. Souza
Família
Usos
Vusp
Solanaceae
Meliaceae
Rubiaceae
Solanaceae
Anacardiaceae
Rutaceae
Malpighiaceae
Fabaceae
Myrtaceae
Rutaceae
Iridaceae
Bromeliaceae
Phytolaccaceae
Lauraceae
Amaryllidaceae
Moraceae
Moraceae
Malvaceae
Crassulaceae
Solanaceae
Apocynaceae
Fabaceae
Anacardiaceae
Fabaceae
Bignoniaceae
Al, Me
Me, Or, Ot
Al, Me
Me, Ot
Me, Ot
Al, Me
Al, Me
Al, Me
Al, Me, Ot
Al, Me
Me, Ot
Al, Me
Me, Ot
Al, Me, Ot
Me, Ot
Al, Me
Al, Me
Me, Ot
Or
Al, Me
Me
Me
Al, Ot
Al, Me, Ot
Me
3,00
2,33
2,00
2,00
1,86
1,83
1,82
1,75
1,75
1,73
1,67
1,60
1,60
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
Hábito Origem
SA
AV
AB
SA
AV
AB
AB
AB
AB
AB
HB
HB
HB
HB
HB
AV
HB
AV
HB
AB
AV
AV
AV
AV
AB
C
C
C
C
N
C
C
C
C
C
N
C
C
C
C
C
E
N
C
C
N
N
C
C
N
Continuação...
79
Continuação...
Nome Vernacular
Nome Científico
Lima
Bocaiúva
Carambola
Colônia
Cumbarú
Capim-cidreira
Jatobá-do-cerrado
Citrus limetta Risso
Acrocomia aculeata (Jacq.)Lodd. ex.
Mart.
Saccharum officinarum L.
Terminalia argentea Mart.
Handroanthus heptaphyllus (Vell.)
Mattos
Genipa americana L.
Ricinus communis L.
Mangifera indica L.
Anacardium occidentale L.
Bixa urucurana Willd.
Ruta graveolens L.
Philodendron imbe Schott ex Endl.
Myrciaria cauliflora (Mart.) O. Berg.
Eucalyptus sp. L’Hér.
Alloe vera L.
Hibiscus esculentus L.
Stryphnodendron adstringens
(Mart.)Coville
Averrhoa carambola L.
Alpinia speciosa (Blume) D. Dietr.
Dipteryx alata Vogel
Cymbopogon citratus (DC.) Stapf
Hymenaea courbaril L.
Mamão papaia
Carica papaya L.
Cana-de-açúcar
Capitão do campo
Ipê roxo
Jenipapo
Mamona
Manga
Cajú
Urucum
Arruda
Imbé
Jabuticaba
Eucalipto
Babosa
Quiabo
Barbatimão
Família
Usos
Vusp
Hábito Origem
Rutaceae
Arecaceae
Al, Me
Al, Me
1,40
1,33
AB
PAL
C
N
Poaceae
Combretaceae
Bignoniaceae
Al, Me
Me
Me, Or
1,33
1,33
1,33
AB
AV
AV
C
N
N
Rubiaceae
Euphorbiaceae
Anacardiaceae
Anacardiaceae
Bixaceae
Rutaceae
Araceae
Myrtaceae
Myrtaceae
Asphodelaceae
Malvaceae
Fabaceae
Al, Me, Ot
Me
Al, Me, Ot
Al, Me
Me, Ot
Me, Ot
Me, Or
Me, Or
Me, Or
Me, Or
Al, Me
Me, Ot
1,33
1,33
1,33
1,30
1,30
1,25
1,25
1,25
1,20
1,18
1,18
1,17
AV
AB
AV
AB
AB
SA
HB
AB
AV
HB
SA
AV
C
C
C
N
C
C
C
C
C
C
C
N
Oxaliadaceae
Zingiberaceae
Fabaceae
Poaceae
Fabaceae
Al, Me
Me
Al, Me, Ot
Al, Me
Me, Ot
1,17
1,14
1,14
1,12
1,11
AV
HB
AV
HB
AV
C
C
N
C
N
Caricaceae
Al, Me
1,11
AB
C
Continuação...
80
Continuação...
Nome Vernacular
Nome Científico
Alfavacão
Alfavaquinha
Algodão
Algodãozinho
Algodãozinho-do-campo
Ocimum gratissimum L.
Ocimum sp. L.
Gossypium barbadense L.
Brosimum gaudichaudii Trécul
Cochlospermum regium (Schrank) Pilg.
Alho social
Anador
Antúrio
Araticum
Arnica-do-campo
Artemije
Assa-peixe
Ata
Avelós
Avenca
Bacuri
Tulbaghia violaceaHarv.
Justicia pectoralis Jacq.
Anthurium andraeanum Linden
Annona crassiflora Mart.
Brickelliasp. Elliott
Artemisia verlotorum Lamotte
Vernonia ferruginea Less.
Annona squamosa L.
Euphorbia sect. Tirucalli Boiss.
Adiantum capillus Sw.
Rheedia brasiliensis (Mart.)Planch. &
Triana
Cotyledon orbiculata L.
Solanum tuberosum L.
Operculina macrocarpa (L.) Urb.
Begoniasp. L.
Catharanthus roseus (L.) G. Don
Plectranthus barbatus Andrews
Cactus sp. L.
Cactus grandiflorus L.
Vernonia polyanthes (Spreng.)Less.
Bálsamo
Batata inglesa
Batata maruleite
Begônia
Boa noite
Boldo
Cacto
Cacto mandacaru
Caferana
Família
Usos
Vusp
Hábito Origem
Lamiaceae
Lamiaceae
Malvaceae
Moraceae
Bixaceae
Me
Me
Me
Me
Me
1,07
1,00
1,00
1,00
1,00
TR
TR
AB
AB
HB
N
N
N
N
N
Amaryllidaceae
Acanthaceae
Araceae
Annonaceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Annonaceae
Euphorbiaceae
Pteridaceae
Clusiaceae
Or
Me
Or
Al
Me
Me
Me
Al
Me
Or
Al, Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
HB
HB
AB
HB
HB
SA
AB
AB
HB
AV
C
C
C
C
E
C
N
C
C
C
N
Crassulaceae
Solanaceae
Convolvulaceae
Begoniaceae
Apocynaceae
Lamiaceae
Cactaceae
Cactaceae
Asteraceae
Me
Al
Al, Me
Or
Or
Me
Or
Me, Or
Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
C
HB
C
AB
C
HB
C
HB
C
AB
C
HB
C
AV
C
AB
C
Continuação...
81
Continuação...
Nome Vernacular
Cajá-manga
Caldo santo
Camomila
Camomila amarela
Cana-de-macaco
Cancerosa
Capim-amargoso
Cará-moela
Carrapicho-de-carneiro
Caruru
Cebolinha
Cedro
Coco-da-baía
Coentro
Coentro bravo
Colírio de Santa Luzia
Comigo-ninguém-pode
Confrei
Congonha-de-bugre
Coração amargurado
Cordão-de-sãofrancisco
Dipirona
Elixir
Nome Científico
Spondias dulcis L.
Cnicus benedictus L.
Matricaria recutita L.
Matricaria sp. L.
Costus arabicus L.
Synadenium grantii Hook. f.
Digitaria insularis (L.) Fedde
Dioscorea bulbifera L.
Acanthospermum australe (Loefl.)
Kuntze
Amaranthus viridis L.
Allium fistulosum L.
Cedrela fissilis Vell.
Cocos nucifera L.
Cichorium endivia L.
Eryngium foetidum L.
Commelina nudiflora L.
Dieffenbachia picta Schott
Symphytum officinale L.
Rudgea viburnoides (Cham.) Benth.
Solenostemon scutellarioides (L.) Codd
Marsypianthes chamaedrys (Vahl)
Kuntze
Alternanthera Forssk.
Pothomorphe umbellata (L.) Miq.
Família
Anacardiaceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Costaceae
Euphorbiaceae
Poaceae
Dioscoreaceae
Asteraceae
Usos
Al
Me
Me, Ot
Me
Me
Me
Me
Al
Me
Vusp
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Hábito Origem
AV
C
HB
C
HB
C
HB
C
HB
C
AB
C
HB
N
TR
C
HB
E
Amaranthaceae
Liliaceae
Meliaceae
Arecaceae
Asteraceae
Apiaceae
Commelinaceae
Araceae
Boraginaceae
Rubiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Al, Me
Ot
Ot
Al, Or, Me
Ot
Ot
Me
Or
Me
Me
Or
Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
HB
AV
AV
HB
HB
HB
HB
HB
AB
HB
HB
Amaranthaceae
Piperaceae
Me
Me
1,00
1,00
HB
C
TR
E
Continuação...
E
C
N
C
C
E
C
C
C
N
C
E
82
Continuação...
Nome Vernacular
Embaúba
Erva cidreira
Nome Científico
Cecropia pachystachya Trécul
Lippia alba (Mill.) N.E. Br. ex Britton &
P. Wilson
Família
Urticaceae
Verbenaceae
Usos
Me
Al, Me
Vusp
1,00
1,00
Erva-de-santa-maria
Espada de ogum
Chenopodium ambrosioides L.
Sansevieria cylindrica Bojer ex Hook.
Amaranthaceae
Asparagaceae
Me
Or, Ot
1,00
1,00
HB
HB
E
C
Espada-de-são-jorge
Espinheira santa
Espirradeira
Espondi
Estomalina
Sansevieria trifasciata Prain
Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek
Nerium oleander L.
Mimosasp. L.
Gymnanthemum amygdalinum (Delile)
Sch. Bip. ex Walp.
Senna occidentalis (L.) Link
Ficus carica L.
Philodendron sp. Schott
Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray
Senecio scandensBuch.-Ham. ex D.
Don
Bryophyllum calycinumSalisb.
Artocarpus altilis (Parkinson) Fosberg
Annona reticulata L.
Nicotiana tabacum L.
Zingiber officinale Roscoe
Stachytarpheta angustifolia (Mill.)Vahl
Astronium fraxinifolium Schott
Annona muricata L.
Aspidosperma polyneuron Müll. Arg.
Asparagaceae
Celastraceae
Apocynaceae
Fabaceae
Asteraceae
Or
Me
Me, Or
Me
Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
AB
AV
AV
HB
C
C
C
N
C
Fabaceae
Moraceae
Araceae
Asteraceae
Asteraceae
Me
Al
Or
Me, Or
Or
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
AB
AB
HB
AB
AB
E
C
C
C
C
Crassulaceae
Moraceae
Annonaceae
Solanaceae
Zingiberaceae
Verbenaceae
Anacardiaceae
Annonaceae
Apocynaceae
Me, Or
Al
Al
Me
Ot, Me
Me
Me,
Al, Me
Me, Ot
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
C
AB
N
AB
C
SA
C
HB
C
HB
E
AV
N
AV
C
AV
N
Continuação...
Fedegoso
Figo
Filodendro
Flor da Amazônia
Flor-de-finado
Folha santa
Fruta pão
Fruta-do-conde
Fumo
Gengibre
Gervão
Gonçaleiro
Graviola
Guatambu
Hábito Origem
AV
E
HB
E
83
Continuação...
Nome Vernacular
Gueiroba
Hortelã doce
Hortelã pimenta
Hortelão do campo
Hortelãzinha
Imburana
Ingá
Ingá-do-mato
Insulina
Jaborandi
Jaca
Jamelão
Jasmim
Jucá
Laranja cida
Limão rosa
Língua de vaca
Língua-de-cão
Lírio-da-paz
Lírio-são-José
Lixeira
Lixinha
Losna
Louro pardo
Nome Científico
Syagrus oleracea (Mart.) Becc.
Mentha arvensis L.
Plectranthus amboinicus (Lour.)
Spreng.
Hyptis crenata Pohl ex Benth.
Mentha piperita L.
Amburana cearensis (Allemão) A.C.
Sm.
Inga edulis Mart.
Inga heterophylla Willd.
Cissus sicyoides L.
Piper tuberculatum Jacq.
Artocarpus integrifolia L. f.
Syzygium jambolanum (Lam.) DC.
Gardenia jasminoides J. Ellis
Caesalpinia ferrea Mart.
Citrus sp.L.
Citrus sp.L.
Orthopappus angustifolius (Sw.)
Gleason
Cynoglossum creticum L.
Spathiphyllum wallisii Regel
Hemerocallis flava (L.) L.
Curatella americana L.
Davilla elliptica A. St. -Hil
Artemisia absinthium L.
Cordia trichotoma (Vell.) Arráb. ex
Steud.
Família
Arecaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Usos
Al
Me
Me
Vusp
1,00
1,00
1,00
Hábito Origem
AV
C
HB
C
HB
C
Lamiaceae
Lamiaceae
Fabaceae
Fabaceae
Fabaceae
Vitaceae
Piperaceae
Moraceae
Myrtaceae
Rubiaceae
Fabaceae
Rutaceae
Rutaceae
Asteraceae
Ot, Me
Me
Me
Al, Me
Al, Me
Me
Me
Al
Al
Or
Me
Al
Al
Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
HB
AV
AV
AV
HB
AB
AV
AV
AB
AV
AB
AB
HB
C
C
C
C
N
C
N
C
C
C
N
C
C
C
Boraginaceae
Araceae
Xanthorrhoeaceae
Dilleniaceae
Dilleniaceae
Asteraceae
Boraginaceae
Me
Or
Or
Me
Me
Me
Ot
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
HB
HB
HB
AV
AB
SA
AV
C
C
C
N
N
C
N
Continuação...
84
Continuação...
Nome Vernacular
Malva amarela
Malva branca
Mamão formosa
Mamica-de-porca
Mandioca
Mangava brava
Maracujá
Maravilha
Maria-pobre
Mentrasto
Mirindiba
Nó-de-cachorro
Noni
Ora-pro-nobis
Orquídea cebola
Orquídea roxa
Papoula
Paratudo
Pata-de-vaca-do- campo
Pata-de-vaca
Pau-terra macho
Pé-de-anta
Pega-pinto
Picão branco
Nome Científico
Melochia tomentosa L.
Malva sp.L.
Carica sp. L.
Zanthoxylum rhoifolium Lam.
Manihot esculenta Crantz
Lafoensia pacari A.St.-Hil.
Passiflora edulis Sims
Mirabilis jalapa L.
Dilodendron bipinnatum Radlk.
Ageratum conyzoides L.
Buchenavia tomentosa Eichler
Heteropterys tomentosa A. Juss.
Morinda citrifolia L.
Pereskia aculeataMill.
Oncidium cebolleta (Jacq.) Sw.
Cattleya violaceae (Kunth) Rolfe
Hibiscus rosa-sinensis L.
Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. &
Hook.
f. ex
S. Moore
Bauhinia
bongardiiSteud.
Bauhinia rufa (Bong.) Steud.
Qualea multiflora Mart.
Cybistax antisyphilitica (Mart.) Mart.
Boerhavia diffusa L.
Bidens gardneri Baker
Família
Malvaceae
Malvaceae
Caricaceae
Rutaceae
Euphorbiaceae
Lythraceae
Passifloraceae
Nyctaginaceae
Sapindaceae
Asteraceae
Combretaceae
Malpighiaceae
Rubiaceae
Cactaceae
Orchidaceae
Orchidaceae
Malvaceae
Bignoniaceae
Fabaceae
Fabaceae
Vochysiaceae
Bignoniaceae
Nyctaginaceae
Asteraceae
Usos
Me
Me
Al
Me
Al
Me
Al, Me
Or
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Or
Or
Or
Me, Or, Ot
Me
Me, Or, Ot
Me
Me
Me
Me
Vusp
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Hábito Origem
HB
E
HB
E
AB
C
AV
N
AB
C
AV
N
TR
C
HB
C
AV
N
HB
N
AV
N
HB
N
AB
C
HB
E
EPI
N
EPI
N
AB
C
AB
N
HB
N
AB
N
AV
N
AV
N
HB
E
SA
N
Continuação...
85
Continuação...
Nome Vernacular
Picão preto
Pimenta bodinha
Pimenta chumbinho
Pimenta preta
Pimenta-de-cheiro
Pingo de ouro
Pinhão roxo
Pinhão branco
Pitanga
Piteira
Pitomba
Poejo
Poncã
Primavera laranjada
Primavera vermelha
Pronto-alívio
Quebra pedra
Quina
Rabo-de-bugiu
Romã
Rosa vermelha
Sabugueira
Saião
Nome Científico
Bidens pilosa L.
Capsicum sp. L.
Capsicum sp. L.
Capsicum sp. L.
Capsicum odoratum Steud.
Duranta erecta L.
Jatropha gossypiifolia L.
Jatropha curcas L.
Eugenia uniflora L.
Agave angustifoliaHaw.
Talisia esculenta (A. St.-Hil.) Radlk.
Mentha pulegium L.
Citrus reticulata Blanco
Bougainvillea sp. Comm. ex Juss.
Bougainvillea glabra Choisy
Achillea millefolium L.
Phyllanthus orbiculatus Rich.
Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.
Phlebodium aureum (L.) J. Sm.
Punica granatum L.
Rosa gallica L.
Sambucus nigra L.
Kalanchoe brasiliensis Cambess.
Família
Asteraceae
Solanaceae
Solanaceae
Solanaceae
Solanaceae
Verbenaceae
Euphorbiaceae
Euphorbiaceae
Myrtaceae
Asparagaceae
Sapindaceae
Lamiaceae
Rutaceae
Nyctaginaceae
Nyctaginaceae
Asteraceae
Phyllanthaceae
Loganiaceae
Polypodiaceae
Lythraceae
Rosaceae
Adoxaceae
Crassulaceae
Usos
Me
Al
Me, Ot
Ot
Me, Ot
Or
Me
Me
Al
Me
Al
Me
Al
Or
Or
Me
Me
Me, Ot
Me, Or
Al, Me
Or
Me
Me, Or
Vusp
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Hábito Origem
SA
N
SA
C
SA
C
SA
C
SA
C
AB
C
AB
C
AB
C
AB
C
HB
C
AB
C
HB
C
AB
C
AB
C
AB
C
HB
C
HB
E
AV
N
HB
C
AB
C
SA
C
AV
C
HB
C
Continuação...
86
Continuação...
Nome Vernacular
Samambaia
Samambaia chifre-deveado
Samambaia macaco
Samambaia paulista
Sangra D'água
Sete copas
Singônio
Tapera velha
Tento
Terramicina
Timbó
Tomate cereja
Tripa de galinha
Unha de boi
Unha de lagartixa
Vassourinha
Vick
Nome Científico
Nephrolepis exaltata (L.) Schott
Platycerium bifurcatum (Cav.) C. Chr.
Família
Davalliaceae
Polypodiaceae
Usos
Or
Or
Vusp
1,00
1,00
Dicranopteris nervosa (Kaulf.) Maxon
Nephrolepis cordifolia (L.) C. Presl
Croton salutaris Casar.
Terminalia catappa L.
Syngonium angustatum Schott
Hyptis suaveolens (L.) Poit.
Abrus precatorius L.
Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze
Magonia pubescens A. St.-Hil.
Solanum lycopersicum L.
Bauhinia glabra Jacq.
Bauhinia rufa (Bong.) Steud.
z (Willd.) DC.
Scoparia dulcis L.
Mentha spicata L.
Gleicheniaceae
Davalliaceae
Euphorbiaceae
Combretaceae
Araceae
Lamiaceae
Fabaceae
Amaranthaceae
Sapindaceae
Solanaceae
Fabaceae
Fabaceae
Rubiaceae
Plantaginaceae
Lamiaceae
Or
Or
Me
Me, Ot
Or
Me
Ot
Me
Ot
Al
Me
Me
Me
Me
Me
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Hábito Origem
HB
C
HB
C
HB
HB
AV
AV
HB
HB
TR
HB
AB
HB
TR
SA
TR
HB
HB
C
C
N
C
C
E
E
N
N
C
N
N
E
E
C
Legenda: Usos: medicinal (Me), alimento (Al), condimento (Co), ornamental (Or) e outros (Ot).Vusp= Valor de uso de
cada espécie. Hábito: HB= Herbácea; SA= Subarbustivo; AB= Arbustivo; AV= Arbóreo; PAL= Palmeira; EPI= Epífita;
TR=Trepadeira. Origem: N= Nativa; C= Cultivada; E= Espontânea. Fonte: Autoras.
87
Para o cálculo do Valor de Uso, o número de usos
mencionados para uma espécie estabelece a importância dela para a
comunidade de São Miguel, pois demostra o valor de uso da planta
estatisticamente. A valoração utilitária das espécies apresentadas na
Tabela 2 mostrou que 75% das mesmas possuem Vusp = 1,00. As
plantas que representaram muito bem o valor de uso das plantas locais
foram: Vusp = 3,00: jiló (Solanum gilo); Vusp = 2,33: neem (Azadirachta
indica); Vusp = 2,0: café (Coffea arabica), pimenta malagueta (Capsicum
frutescens L.) e aroeira (Myracrodruon urundeuva).
Albuquerque e Andrade (2002a) afirmam que as espécies mais
importantes para uma comunidade não são necessariamente as mais
abundantes ou as mais empregadas para diferentes fins, comprovando
que as espécies raras às vezes possuem mais diversificação de uso que
as mais comuns. Portanto, os dados de valor de uso são mais elevados
em espécies mencionadas por apenas poucas pessoas, já que estas
pessoas conhecem e utilizam uma determinada espécie para diversos
fins.
Pasa (2004) salienta que a categoria de uso de uma espécie
vegetal pode ser cumulativa, uma espécie pode ser utilizada para a
alimentação e ser medicinal. Neste estudo, as espécies que se
destacaram por apresentar usos múltiplos foram: cumbaru (Dipteryx
alata), tamarindo (Tamarindus indica), abacate (Persea americana),
goiaba (Psidium guajava), jenipapo (Genipa americana), coco-da-baía
(Cocos nucifera), paratudo (Tabebuia aurea), tripa de galinha (Bauhinia
glabra) e neem (Azadirachta indica).
Para Aquino et al. (2007) algumas espécies podem ser
utilizadas para outros fins diferentes que não foram aqui consideradas,
tais como: apícola (mangava mansa - Hancornia speciosa), aromatizante
(algodãozinho
-Brosimum
gaudichaudii),
artesanal
(vinhático
-
Plathymenia reticulata), tanífero (cajú - Anacardium occidentale) e tintorial
(pau-de-óleo - Copaifera langsdorffii).
Do total das espécies, 50 são utilizadas como alimentícias,
pertencentes às famílias: Fabaceae, Moraceae e Solanaceae (10% cada
uma). As espécies mais frequentes nos quintais na categoria alimentar
88
foram manga (Mangifera indica) - 24%, acerola (Malpighia glabra) - 22%,
mamão formosa (Caricasp.) - 20%, caju (Anacardium occidentale) e limão
galego (Citrus sp.) -18% cada um.
Na categoria ornamental foram registradas 43 espécies
vegetais, preponderando às famílias Araceae (14%), Crassulaceae e
Nyctaginaceae (7% cada uma). Dentro desse grupo 37% das espécies
são consideradas pelos entrevistados como ornamentais e medicinais,
como o caso babosa (Alloe vera), imbé (Philodendron imbe), espirradeira
(Nerium oleander) e folha santa (Bryophyllum calycinum). Assim, ao
mesmo tempo em que embelezam os quintais das propriedades, são
remédios caseiros de fácil acesso aos moradores.
Nas
outras
categorias
foram
registradas
30
espécies,
distribuídas em 23 famílias botânicas. Entre as espécies encontradas nos
quintais
como
arruda
(Ruta
graveolens),
comigo-ninguém-pode
(Dieffenbachia picta), espada de ogum (Sansevieria trifasciata), espada-
de-são-jorge (Sansevieria cylindrica) e guiné (Petiveria alliacea) foram
mencionadas como de “proteção” fundamentado no uso em crenças e
ritos espirituais.
Algumas espécies, como a guiné, são utilizadas para proteção
(“mau-olhado”), localizada bem na entrada da casa, pois acreditam que a
planta é um ser tão sensível que absorve a influência negativa antes da
pessoa entrar em sua casa. A guiné também é utilizada em banhos
protetores, que podem estar relacionados apenas a uma parte do corpo
ou no corpo inteiro, dependendo da parte do corpo que o mal acomete.
Pasa (2007) refere-se à guiné, como uma planta indicada para espantar
maus espíritos, inveja e mau-olhado. Igualmente a espada-de-são-jorge,
arruda, alho, café, para fazer banho do “corpo todo” e defumação da
casa.
Algumas espécies usadas como temperos no dia a dia dos
moradores também são empregadas na medicina caseira como gengibre
(Zingiber officinale), pimenta malagueta (Capsicum frutescens), urucum
(Bixa urucurana) e açafrão (Crocus sativus).
Quanto às medicinais, 119 espécies são utilizadas no
tratamento de doenças, sobressaindo às famílias Fabaceae (13%),
89
Asteraceae (12%) e Lamiaceae (6%). Em uma comunidade rural do
semiárido da Paraíba, Santos et al. (2012) encontraram uma grande
riqueza de plantas medicinais registrando 143 espécies pertencentes a 43
famílias. O número significativo de espécies de plantas medicinais citadas
comprova o rico conhecimento etnobotânico da população local.
As famílias com destaque para categoria medicinal no presente
estudo foi comumente encontradas como as mais significativas em outros
estudos etnobotânicos no estado de Mato Grosso, como Souza e Felfili
(2005), Fracaro e Guarim (2008), Pasa (2011), Almeida et al. (2014). Esse
fato pode estar relacionado à presença de compostos fitoquímicos que
são na maioria das vezes empregados em medicamentos (MING e
AMARAL JUNIOR, 1995).
As plantas usadas como medicinais mais citadas foram: aroeira
(Myracrodruon urundeuva) - 26 citações, acerola (Malpighia glabra) - 20
citações, limão (Citrus sp.) - 19 citações, cana-de-açúcar (Saccharum
officinarum) - 16 citações, goiaba (Psidium guajava) - 14 citações e
laranja (Citrus aurantium) - 11 citações.
Foram encontradas 26 espécies vegetais usadas tanto na
alimentação como na medicina caseira, destacando acerola (Malpighia
glabra),
amora
(Morus
nigra),
abacaxi
(Ananas
comosus),
caju
(Anacardium occidentale), cana-de-açúcar (Saccharum officinarum),
capim-cidreira (Cymbopogon citratus), entre outras.
Para
a
obtenção
do
resultado
da
Porcentagem
de
Concordância quanto aos usos principais (Pcusp) foi utilizada somente as
espécies da etnocategoria medicinal, pois apresentaram maior número de
citação comparado às outras categorias. Os resultados encontram-se na
Tabela 3, que está ordenada em função do Pcusp em ordem decrescente,
elucidando as espécies mais importantes.
As oito espécies consideradas mais importantes para a
população estudada, em ordem decrescente de Concordância de uso são
(Tabela
3):
herbaceum),
(Sambucus
boldo
(Plectranthus
terramicina
nigra),
barbatus),
(Alternanthera
capim-cidreira
algodão
(Gossypium
brasiliana),
sabugueira
(Cymbopogon
citratus),
jatobá
90
(Hymenaea stigonocarpa), quina (Strychnos pseudoquina) e losna
(Artemisia absinthium).
TABELA 3: Valor relativo de concordância quanto aos usos principais.
Comunidade São Miguel, Várzea Grande-MT. 2014.
Nome comum
Boldo
Algodão
Terramicina
Capim-cidreira
Jatobá
Quina
Losna
Aroeira
Caferana
Alfavacão
Goiaba
Mangava-brava
Romã
Erva de santa maria
Hortelãzinha
Lima
Gervão
Manga
Flôr da amazônia
Urucum
Barbatimão
Noni
Sabugueira
Anador
Camomila
Melão-De-SãoCaetano
Avelos
Angico
Hortelã
Acerola
Carambola
Ipê roxo
Pata-de-vaca
Açafrão
Malva branca
Vassorinha
Aplicação
NU FID
Estomago
5
17
Inflamação
7
11
Inflamação
3
11
Calmante
5
9
Tuberculose
10
8
Dor de cabeça
9
8
Estomago
3
7
Diarreia
10
7
Estomago
3
7
Febre
8
7
Desinteria
1
7
Úlcera
5
6
Inflamação
2
6
Verme
5
6
Verme
3
6
Calmante
3
6
Gastrite
5
6
Tosse
4
5
Dor no estomago 3
5
Pressão alta
6
5
Infecção
4
5
Câncer
2
5
Sarampo
2
5
Gripe
3
5
Diarreia
4
5
Coceira
Gastrite
Tuberculose
Tosse
Gripe
Pressão alta
Expectorante
Diabete
Garganta
Corrimento
Machucado
6
3
5
6
3
2
2
2
4
3
3
5
5
5
5
5
5
4
4
4
4
4
FSP
20
16
14
15
20
16
9
14
8
16
10
10
8
9
7
7
7
12
6
12
6
6
4
5
8
9
5
5
11
7
5
2
5
4
5
4
NF
85,00
68,75
78,57
60,00
40,00
50,00
77,78
50,00
87,50
43,75
70,00
60,00
75,00
66,67
85,71
85,71
85,71
41,67
83,33
41,67
83,33
83,33
125,00
100,00
62,50
FC
1,00
0,80
0,70
0,75
1,00
0,80
0,45
0,70
0,40
0,80
0,50
0,50
0,40
0,45
0,35
0,35
0,35
0,60
0,30
0,60
0,30
0,30
0,20
0,25
0,40
Pcusp(%)
85
55
55
45
40
40
35
35
35
35
35
30
30
30
30
30
30
25
25
25
25
25
25
25
25
55,56 0,45
25
100,00 0,25
25
100,00 0,25
25
45,45 0,55
25
71,43 0,35
25
100,00 0,25
25
200,00 0,10
20
80,00 0,25
20
100,00 0,20
20
80,00 0,25
20
100,00 0,20
20
Continuação...
91
Continuação...
Nome comum
Aplicação
NU FID FSP NF
FC Pcusp(%)
Erva cidreira
Calmante
2
4
8
50,00 0,40
20
Pau-terra macho
Diarreia
1
4
4 100,00 0,20
20
Colônia
Calmante
3
4
8
50,00 0,40
20
Cancerosa
Cicatrizante
2
4
6
66,67 0,30
20
Angelim margoso
Figado
6
4
7
57,14 0,35
20
Cumbarú
Fígado
12
4
12 33,33 0,60
20
Tripa de galinha
Desinteria
5
4
6
66,67 0,30
20
Passo livre
Males do Rim
1
3
3 100,00 0,15
15
Guatambu
Diabete
1
3
3 100,00 0,15
15
Velame branco
Cicatrizante
2
3
4
75,00 0,20
15
Assa-peixe
Gripe
3
3
4
75,00 0,20
15
Picão
Diuretico
4
3
4
75,00 0,20
15
Paratudo
Pulmão
4
3
5
60,00 0,25
15
Arnica-do-campo
Machucado
4
3
6
50,00 0,30
15
Nó-de-cachorro
Dor de barriga
3
3
5
60,00 0,25
15
Amora
Hormonio
2
3
4
75,00 0,20
15
Guiné (Tipi)
Reumatismo
2
3
4
75,00 0,20
15
Gengibre
Gripe
3
3
4
75,00 0,20
15
Babosa
Hemorroida
9
3
14 21,43 0,70
15
Mamona
Dor de cabeça
7
3
7
42,86 0,35
15
Tamarindo
Hemorroída
6
3
7
42,86 0,35
15
Poejo
Dor de barriga
4
3
7
42,86 0,35
15
Arruda
Cólica
3
3
7
42,86 0,35
15
Embaúba
Bronquite
5
3
7
42,86 0,35
15
Legenda: NU: número de usos mencionados pelo informante para cada espécie;
FID: número de informantes que recomendaram o uso de uma espécie para uma
finalidade maior; FSP: número total de informantes que citaram a planta para
algum uso; NF: Nível de fidelidade; FC: fator de correção; Pcusp: frequência
relativa de concordância quanto aos usos principais. Fonte: Autores.
Três espécies apresentaram concordância quanto aos usos
principais (Pcusp) acima de 50%, possivelmente sendo essas as mais
utilizadas pela população. O Boldo (Plectranthus barbatus) destacou-se
em primeiro lugar entre os moradores da comunidade, apresentando
frequência relativa de concordância quanto aos usos principais (Pcusp) de
85%, sendo amplamente utilizado para o tratamento de doenças do
estômago, fígado e indigestão. O Algodão (Gossypium barbadense) e a
Terramicina (Alternanthera brasiliana) ocupam o segundo lugar com 55 %
cada uma.
92
Uma espécie que tenha vários entrevistados acordando com
um mesmo uso terapêutico, pode-se confirmar estatisticamente uma real
efetividade no tratamento da afecção (PINTO et al., 2006) e, podem
auxiliar na constatação da eficácia de determinada espécie para uso
medicinal, que, no futuro, poderão servir de base para estudos
farmacológicos buscando a descoberta de novas curas para doenças e/ou
a melhoria de medicamentos já existentes (ROQUE et al., 2010).
Das 31 espécies que apresentaram concordância quanto aos
usos principais (Pcusp) acima de 25%, são referidos 19 casos para
problemas digestivo e respiratório (61,5% cada); sete casos para
problemas circulatório e nervoso (22,5%); e o restante representa 16%.
Na comunidade São Miguel, 23% das plantas foram citadas para três
tipos de doenças (NU = 3), 19% para cinco tipos de doenças (NU = 5),
17% para quatro tipos de doenças (NU = 4), 13% para seis tipos de
doenças (NU = 6), 12% para dois tipos de doenças (NU = 2) e 17% para
as outras quantidades de doenças citadas.
O alto número de indicações para afecções do sistema
respiratório também foi encontrado na abordagem etnobotânica feita por
Zucchi et al. (2013) na comunidade de Ipameri pertencente ao Estado de
Goiás. A alta incidência de problemas respiratórios possivelmente seja
devido à grande quantidade de poeira proveniente das estradas de chão e
da falta de água local.
A dosagem dos remédios caseiros variou entre as pessoas,
não sendo mencionadas dosagens específicas. Para Pasa et al. (2011) a
utilização de uma posologia informal pode acarretar consequências
graves aos seres humanos, pois conforme Oliveira et al. (2009) várias
plantas
úteis
aos
seres
humanos
podem
produzir
substâncias
potencialmente tóxicas, se utilizadas em dosagens inadequadas.
O uso adequado das espécies medicinais através do resgaste
e da difusão de conhecimento é muito importante, pois várias pessoas
não sabem identificá-las, ou as preparam e as empregam de maneira
incorreta (SILVA et al., 2013). Como afirma Carlini (2004), que os
principais problemas causados pelo uso indiscriminado e prolongado de
93
espécies medicinais, estão nas reações alérgicas e os efeitos tóxicos em
vários órgãos.
Algumas espécies vegetais possuem substâncias tóxicas em
sua composição química, havendo necessidades especiais em sua
administração. Para que uma planta venha a ser avaliada como espécie
tóxica, sua toxicidade deve ser confirmada experimentalmente, conforme
Matos et al. (2011): “Os testes de toxicidade são elaborados com o
objetivo de avaliar ou prever os efeitos tóxicos que uma substância pode
produzir e estabelecer as condições de uso seguro para não causar dano
ao meio ambiente e à saúde dos animais de outros seres vivos”. Para
esses autores todas as partes da espirradeira (Nerium oleander L.) são
tóxicas para homens, animais e insetos, assim como os frutos da
carambola (Averrhoa carambola L.), o látex do avelós (Euphorbia sect.
Tirucalli Boiss.), a semente do pinhão-branco (Jatropha curcas L.), entre
outras.
Algumas espécies citadas pelos moradores da comunidade
tiveram alguma atividade farmacológica encontrada na literatura, como:
Gossypium herbaceum (algodão): restaura fluxo menstrual e limpeza
interna dos órgãos femininos; Curatella americana (lixeira): atividade antihipertensiva e vasodilatadora; Matricaria chamomila (camomila): efeito
sedativo; Myracrodruon urundeuva (aroeira): atividade cicatrizante, antiinflamatória e analgésica.
O modo de preparo prevalecente foi o chá, obtido por
decocção, com 45% (Figura 6). A parte da planta mais empregada foi a
folha (55,7%), seguida da casca do tronco (18,5%), raiz (9,5%), fruto
(6,2%) e semente (3,9%). De modo similar, o largo uso das folhas na
preparação dos remédios também foi detectado por Souza e Pasa (2013),
que analisaram a preferência da folha no preparo dos remédios caseiros
como um cuidado com a conservação de recursos naturais da região,
retirando partes que possam ser repostas sem causar maiores danos à
planta.
94
FIGURA 6: Modo de preparo dos remédios caseiros na Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte: Autoras.
Algumas espécies medicinais além do uso humano também
são empregadas no tratamento de enfermidades de animais (Tabela 4).
Este recurso é uma opção de baixo custo, que pode ser associada a
outras formas de tratamento. Segundo Vieira (2003), o uso da fitoterapia
no controle de verminoses visa reduzir o custo com a aquisição de antihelmínticos, além de prolongar o aparecimento de resistência por uso
contínuo desses medicamentos.
TABELA 4: Espécies vegetais citadas para fins terapêuticos em animais
na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Família/ Nome científico/ Nome
vulgar
Parte
Utilizada
Indicação
Terapêutica
Espécie
Animal
Folha
Vermífugo
Tosse
Galináceo
Canino
Suíno
Cicatrizante
Doença
Galináceo
Canino
Suíno
Equino
Bovino
Amaranthaceae
Chenopodium ambrosioides L.
(erva-de-santa-maria)
Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze Folha
(terramicina)
Continuação...
95
Continuação...
Anacardiaceae
Myracrodruon urundeuva Allemão
(aroeira)
Caryocaraceae
Folha
Doença
Galináceo
Caryocar brasiliense Cambess.
(pequi)
Euphorbiaceae
Casca
Cicatrizante
Bovino
Doença
Galináceo
Suíno
Equino
Bovino
Disenteria
Bovino
Cicatrizante
Canino
Suíno
Equino
Bovino
Folha
Cicatrizante
Galináceo
Canino
Suíno
Equino
Bovino
Folha
Carrapato
Coceira
Repelente
Bovino
Canino
Jatropha curcas L. (pinhão-branco) Fruto
Fabaceae
Dipteryx alata Vogel (cumbarú)
Casca
Copaifera langsdorffii Desf. (pau d’ Óleo
Oléo)
Malvaceae
Gossypium barbadense L.
(algodão)
Meliaceae
Azadirachta indica A. Juss.
(neen)
Rubiaceae
Chiococca brachiata Ruiz & Pav.
(cainca)
Casca
Estimulador de
apetite
Equino
Rutaceae
Zanthoxylum rhoifolium Lam.
(mamica-de-porca)
Folha
Coceira
Canino
Folha
Vermífugo
Suíno
Zingiberaceae
Alpinia speciosa (Blume) D. Dietr.
(colônia)
Fonte: Autoras.
Entre as nove indicações gerais mencionadas, três se
destacaram: anti-helmíntica e anti-inflamatória (21% cada uma), e anticoceira (14%). Fica evidente a importância das plantas com ação
96
antiparasitária, principalmente para comunidades onde o medicamento
convencional é de difícil aquisição.
Alguns animais também são usados no tratamento de
enfermidades na Comunidade São Miguel, como o Caramujo associado
com a erva-de-santa-maria usado na cura de “feridas bravas” (conforme
relato de moradores o uso da gosma do caramujo fecha ferida em metade
do tempo que levaria normalmente, sem receber nenhum outro remédio);
a banha da Cascavel para dores no corpo; o mel de Jataí para bronquite e
o chifre do boi (leva o chifre no fogo de lenha e raspa as bolhas que vão
formando) para criança “assustada”.
3.2.4. Roças
As roças são ambientes de produção agrícola que acontecem
nas áreas abertas no interior da vegetação natural, proveniente da
derrubada da mata ripária ou nas bordas do campo cerrado fazendo limite
com as matas (PASA, 2011). Foram levantadas 48 variedades de cultivos
alimentares (Figura 7), abrangendo as árvores frutíferas. O manejo nesta
unidade é realizado apenas pelas unidades familiares.
FIGURA 7: Exemplo de cultivos encontrado na Comunidade São Miguel.
Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. A: Cebola, B: Cará-moela e C: Mamão
papaia. Fonte: Autoras.
Entre os entrevistados, o número mínimo de produção agrícola
é de dois, como a Manihot esculenta (mandioca) e a Saccharum
officinarum (cana-de-açúcar), e o máximo 14, sendo Vigna unguiculata
(feijão de corda), Cajanus cajan (feijão andu), Zea mays (milho), M.
97
esculenta (mandioca), Musa parasidiaca (banana), Carica papaya
(mamão), Hibiscus esculentus (quiabo), Ananas comosus (abacaxi),
Citrussp. (limão galego), Citrussp. (limão rosa), Ipomoea batatas (batata
doce), Cichorium endivia (coentro), Cucurbita pepo (abobrinha) e
Saccharum officinarum (cana-de-açúcar). A diversidade de cultivos nas
propriedades rurais proporciona ao pequeno produtor a diversificação da
produção e gera outras fontes de alimento e renda (FEITOSA et al.,
2011).
As culturas com maior número de citações foram a mandioca
(67%), o milho (43%), a banana (43%) e, cana-de-açúcar e abóbora (cada
uma com 35%), as frutíferas somam 24% do total das variedades e os
restantes 19% correspondem às hortaliças (Figura 8). Resultados
parecidos foram encontrados por Pasa et al. (2005) em estudo
etnobotânico na Comunidade de Conceição-Açu em Cuiabá, quanto ao
cultivo da mandioca.
FIGURA 8: Frequência relativa dos cultivos nas roças das propriedades
rurais na Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Fonte: Autoras.
O uso dos produtos agrícolas destina-se na maioria (72%) para
o próprio consumo da família e para tratar dos animais domésticos, 13%
além do próprio consumo, também vendem para cooperativa e/ou para
98
cidades vizinhas e/ou para vila da comunidade e 15% não produzem.
Resultados semelhantes foram encontrados por Silva et al. (2013) que
estudando o perfil socioeconômico dos agricultores nas unidades
produtivas da comunidade Moura no município de Bananeiras (PB)
verificaram também que a maior parte da produção (67%) são destinadas
para o consumo alimentar da família.
Aqueles que nada cultivam informam ser devido à dificuldade
de acesso a água, já que nem todos têm poço na propriedade. Essas
pessoas sobrevivem dos salários e da aposentadoria.
Uma característica a ser destacada dessa comunidade é o
potencial de cooperação existente entre eles, pois até mesmo os
proprietários que cultivam com a finalidade de obter renda, compartilham
com os amigos os alimentos produzidos.
Do total de 46 entrevistas, somente dois moradores participam
da Produção Agroecológica Integrada e Sustentável – PAIS, onde
receberam curso de capacitação pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas – Sebrae. O projeto é organizado em forma de um
círculo em um terreno plano na convivência com animais e plantas. Deste
modo, gera alimento saudável e diversificado, melhorando a qualidade de
vida dos produtores. Além de oferecer aos animais os alimentos que não
pode ser consumido por humanos (PAIS, 2009).
Os alimentos orgânicos geram valores significativos para a
economia brasileira e para a saúde da população, proporcionando uma
forma de sustentabilidade social e econômica da agricultura familiar
(COELHO, 2001). As diversas formas de estimulo na Agricultura Familiar
são essenciais para manter as populações no campo e diminuir a evasão
para as cidades. Para Costa (1997), o papel do Estado de instigar a
noção de responsabilidade socioambiental na população rural é essencial,
pois garante o funcionamento de um sistema de crédito agrícola,
especialmente em sistemas que favoreçam o “Uso Sustentável” mediante
as chamadas “Agriculturas de Base Ecológica”.
Em 72% das propriedades os adubos utilizados nas roças são
provenientes dos excrementos de animais domésticos, restos de
alimentos, urina de gado e folhas aproveitadas da manutenção do quintal.
99
Apenas
28%
dos
proprietários
utilizam
adubos
químicos
como
fertilizantes, normalmente aqueles que comercializam a sua produção. Os
restos de comida são cascas de verduras e legumes. Pasa (2011)
realizando estudo etnobotânico na Comunidade Conceição-Açu verificou
que 80% das propriedades utilizavam o esterco de animais domésticos e
restos de alimentos como adubo.
Para o preparo do solo nas lavouras são usados equipamentos
agrícolas alugados da Associação local, logo que nenhum dos
proprietários entrevistados possui posse de máquinas agrícolas. A
aquisição de máquinas agrícolas representa um dos mais elevados
investimentos do produtor, e sua obtenção depende de diversos fatores
como
os
produtos
cultivados,
abertura
de
fronteiras
agrícolas,
rentabilidade do produtor.
Entre os animais que prejudicam o desenvolvimento das
plantas e os cultivos, os proprietários citaram formiga cortadeira (Atta sp.),
cigarrinha (Deois flavopicta), lagarta (Anticarsia sp.), cupim (Coptotermes
sp.), grilo (Gryllus assimilis), pulgão (Metopolophium dirhodum), besouro
(Oryctes sp.), galinha (Gallus domesticus), porco (Gallus domesticus),
gado
(Bos
taurus),
rato
(Rattus
sp.),
capivara
(Hydrochoerus
hydrochoeris), tucano (Ramphastos toco), periquito (Brotogeris tirica) e
veado (Cervus elaphus).
Os animais considerados pragas como o pulgão, lagarta,
cupim, são controlados através de plantas como, por exemplo, o uso da
pimenta malagueta. Outros são mantidos cercados (galinha, gado, porco)
para evitar que prejudiquem as plantações e tem aqueles que não se têm
o que fazer como o tucano, o periquito, a capivara e o veado.
3.2.5.
Matas de galeria
As matas protegem a vegetação nativa e são consideradas
como Áreas de Preservação Permanente - APP resguardadas conforme
artigo 3 e 4 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, tanto em zonas
rurais quanto urbanas, “com a função ambiental de preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar
100
o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar
das populações humanas”. Portanto, a presença da mata de galeria é de
grande importância na vida da população regional, pois oferece remédios
e alimentos para a subsistência das famílias, e consequentemente
contribui para a conservação dos recursos nela existentes.
Entre as espécies vegetais foram identificadas um total de 68
espécies vegetais distribuídas em 39 famílias botânicas e 63 gêneros
(Figura
9).
As
espécies
citadas
foram
contempladas
em
três
etnocategorias de Usos: Alimento (5 espécies), Medicinal (59 espécies) e
Outras (20 espécies). A maioria das espécies (48%) citadas apresenta
hábito
arbóreo,
seguido
de
arbustivo
(15%),
herbáceo
(13%),
subarbustivo (9%), trepadeira (7%), epífita e palmeira (3% cada um).
FIGURA 9: Principais famílias botânicas encontradas na Mata de Galeria
da Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. Fonte:
Autoras.
Na Tabela 5 estão relacionadas as plantas encontradas na
Mata de Galeria em ordem descrescente do Vusp, promovendo a
visualização da importância das plantas nessa unidade de paisagem.
101
TABELA 5: Plantas da mata de galeria usadas pela Comunidade São Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014.
Nome comum
Aroeira
Angico
Cainca
Carapiá
Chico-magro
Mangava mansa
Olho-de-boi
Pau-de-óleo
Vergateza
Bocaiúva
Ipê roxo
Cipó Imbé
Barbatimão
Cumbarú
Jatobá
Abacaxi-do-cerrado
Angelim margoso
Azedinha
Bambu
Bucha
Calção de velho
Nome Científico
Myracrodruon urundeuva Allemão
Anadenanthera colubrina var. cebil (Griseb.) Reis
Chiococca brachiata Ruiz & Pav.
Dorstenia cayapia Vell.
Guazuma ulmifolia Lam.
Hancornia speciosa Gomes
Diospyros hispida A. DC.
Copaifera langsdorffii Desf.
Anemopaegma arvense (Vell.) Stellfeld ex J.F. Souza
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex. Mart.
Handroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos
Philodendron imbe Schott ex Endl.
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville
Dipteryx alata Vogel
Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne
Ananas ananassoides (Baker) L.B. Sm.
Vatairea macrocarpa (Benth.) Ducke
Oxalis hirsutissima Mart. ex Zucc.
Bambusa vulgaris Schrad. ex J.C. Wendl.
Luffa cylindrica (L.) M. Roem.
Cordia insignis Cham.
Família
Anacardiaceae
Fabaceae
Rubiaceae
Moraceae
Malvaceae
Apocynaceae
Ebenaceae
Fabaceae
Bignoniaceae
Arecaceae
Bignoniaceae
Araceae
Fabaceae
Fabaceae
Fabaceae
Bromeliaceae
Fabaceae
Oxalidaceae
Poaceae
Cucurbitaceae
Boraginaceae
Usos
Me, Ot
Me, Ot
Me
Al, Me
Me, Ot
Me
Me
Me
Me
Al, Me
Me, Ot
Me, Ot
Me, Ot
Al, Me, Ot
Me, Ot
Me
Me, Ot
Me
Ot
Ot
Me
Calunga
Carvão branco
Carvão vermelho
Cedro
Curraleira
Simaba ferruginea A. St.-Hil.
Callisthene fasciculata Mart.
Diptychandra aurantiaca Tul.
Cedrela fissilis Vell.
Croton antisyphiliticus Mart.
Simaroubaceae
Vochysiaceae
Fabaceae
Meliaceae
Euphorbiaceae
Me
Ot
Ot
Ot
Me
Hábito
AV
AV
AB
HB
AV
AV
AV
AV
SA
PAL
AV
EPI
AV
AV
AV
HB
AV
HB
HB
TR
AB
VUsp
1,86
1,71
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,50
1,33
1,33
1,25
1,17
1,14
1,12
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
AB
1,00
AV
1,00
AV
1,00
AV
1,00
HB
1,00
Contiuação...
102
Contiuação...
Nome comum
Douradão do campo
Douradinha
Embaúba
Erva-de-bicho
Espinheira santa
Esporão de galo
Fruta-do-conde
Gervão
Gonçaleiro
Gravatá
Guatambu
Ingá-do-mato
Jaborandi
Jucá
Lixeira
Lixinha
Louro pardo
Mamica-de-porca
Mangava-brava
Maria-pobre
Marmelada-bola
Melão-de-são-caetano
Milho-de-grilo
Murici
Muricizinho
Nome Científico
Palicourea rigida Kunth
Palicourea coriacea (Cham) K. Schum.
Cecropia pachystachya Trécul
Polygonum acre Lam.
Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek
Celtis iguanaea (Jacq.) Sarg.
Annona reticulata L.
Stachytarpheta angustifolia (Mill.) Vahl
Astronium fraxinifolium Schott
Bromelia balansae Mez
Aspidosperma polyneuron Müll. Arg.
Inga heterophylla Willd.
Piper tuberculatum Jacq.
Caesalpinia ferrea Mart.
Curatella americana L.
Davilla elliptica A. St. -Hil
Cordia trichotoma (Vell.) Arráb. ex Steud.
Zanthoxylum rhoifolium Lam.
Lafoensia pacari A.St.-Hil.
Dilodendron bipinnatum Radlk.
Cordiera edulis (Rich.) Kuntze
Momordica charantia L.
Lantana lilacina Desf.
Byrsonima verbascifolia (L.) DC.
Byrsonima orbignyana A. Juss.
Família
Rubiaceae
Rubiaceae
Urticaceae
Polygonaceae
Celastraceae
Cannabaceae
Annonaceae
Verbenaceae
Anacardiaceae
Bromeliaceae
Apocynaceae
Fabaceae
Piperaceae
Fabaceae
Dilleniaceae
Dilleniaceae
Boraginaceae
Rutaceae
Lythraceae
Sapindaceae
Rubiaceae
Cucurbitaceae
Verbenaceae
Malpighiaceae
Malpighiaceae
Usos
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Al
Me
Me,
Me
Me, Ot
Al, Me
Me
Me
Me
Me
Ot
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Hábito
AB
SA
AV
HB
AB
AB
AV
HB
AV
BR
AV
AV
AB
AV
AV
AB
AV
AV
AV
AV
AB
TR
SA
AV
AB
VUsp
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Contiuação...
103
Contiuação...
Nome comum
Negramina
Panaceia
Paratudo
Pau-doce
Nome Científico
Siparuna guianensis Aubl.
Solanum cernuum Vell.
Tabebuia aurea (Silva Manso) Benth. & Hook. f. ex S.
Moore
Vochysia rufa Mart.
Pau-terra macho
Pé-de-anta
Peroba
Porangaba
Quebra pedra
Quina
Salsaparrilha
Sete sangria
Suma roxa
Três folha
Unha de boi
Velame branco
Vinhático
Qualea multiflora Mart.
Cybistax antisyphilitica (Mart.) Mart.
Aspidosperma tomentosum Mart.
Cordia sp. L.
Phyllanthus orbiculatus Rich.
Strychnos pseudoquina A. St.-Hil.
Smilax sp. L.
Euphorbia sp. L.
Anchietea salutaris A. St.-Hil.
Galactia glaucescens Kunth
Bauhinia rufa (Bong.) Steud.
Macrosiphonia velame (A. St.-Hil.) Müll. Arg.
Plathymenia reticulata Benth.
Família
Siparunaceae
Solanaceae
Bignoniaceae
Usos
Me
Me
Me, Ot
Hábito VUsp
AV
1,00
SA
1,00
AV
1,00
Vochysiaceae
Me
AV
1,00
Vochysiaceae
Bignoniaceae
Apocynaceae
Boraginaceae
Phyllanthaceae
Loganiaceae
Smilacaceae
Euphorbiaceae
Violaceae
Fabaceae
Fabaceae
Apocynaceae
Mimosaceae
Me
Me
Ot
Me
Me
Me, Ot
Me
Me
Me
Me
Me
Me
Ot
AV
AV
AV
SA
HB
AV
TR
HB
TR
TR
AB
SA
AV
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Legenda: Categorias de uso: medicinal (Me), alimento (Al) e outros (Ot) = artesanato, condimento, lenha, madeira.
Vusp= Valor de uso de cada espécie; Hábito: HB= Herbácea; SA= Subarbustivo; AB= Arbustivo; AV= Arbóreo; PAL=
Palmeira; EPI= Epífita; TR= Trepadeira. Origem: N= Nativa; C= Cultivada; E= Espontânea. Fonte: Autoras.
104
A valoração utilitária das espécies apresentadas na tabela 5 mostrou
que 79% das mesmas possuem Vusp = 1,00, como carvão branco (Callisthene
fasciculata), carvão vermelho (Diptychandra aurantiaca), mamica de porca
(Zanthoxylum rhoifolium), entre outras.
Outras espécies que representam muito bem o valor de uso das
plantas locais (Vusp > 1,50) são: aroeira (Myracroduon urundeuva), angico
(Anadenanthera colubrina), cainça (Chiococca brachiata), carapiá (Dorstenia
cayapia), chico-magro (Guazuma ulmifolia), mangava mansa (Hancornia
speciosa), olho-de-boi (Diospyros hispida), pau-de-óleo (Copaifera langsdorffii)
e vergateza (Anemopaegma arvense).
Com valoração utilitária Vusp >1,0 e < 1,5, tem-se: bocaiúva
(Acrocomia
aculeata),
ipê-roxo
(Handroanthus
heptaphyllus),
imbé
(Philodendron imbe), barbatimão (Stryphnodendron adstringens), cumbaru
(Dipteryx alata) e jatobá (Hymenaea stigonocarpa).
Poucas espécies conseguiram alto valor de uso, assim como em
Chocó, Colômbia, onde se constatou que a maioria das espécies utilizáveis
possuía baixos valores de uso, enquanto altos valores estavam concentrados
em apenas quatro espécies (GALEANO, 2000). Em Alagoinha, Albuquerque et
al. (2005) também relataram a concentração de poucas espécies com altos
valores de uso. Os dados revelam que algumas plantas possuem seu uso mais
difundido do que outras, havendo a necessidade de produção dessas plantas
para que não sejam existintas.
Quanto à coleta de produtos na mata de galeria, 52% informaram
nunca ter extraído produto, enquanto 48% confirmaram já ter tirado produto
dessa unidade de paisagem, como madeira para construção (50%), sementes
para produção de mudas (17%), frutas para consumo (9%) e sementes para
confecção de biojóias (24%).
Outras espécies presentes nas matas da região, como jatobá
(Hymenea stignocarpa), ipê-roxo (Handroanthus heptaphyllus), inga (Inga
heterophylla), quina (Strychnos pseudoquina) e cedro (Cedrela fissilis), são
bastante conhecidas e utilizadas pela população local. São árvores de terra
firme e de certos lugares úmidos. Sua madeira é usada para confecção de
móveis, prateleiras, bancos, cercas e mourões (Figura10). Alguns frutos são
comestíveis e usados como remédio na medicina caseira. Vale ressaltar que as
105
plantas lenhosas foram utilizadas apenas para atividades de subsistência e não
ao comércio, assim como no estudo de Galeano (2000).
FIGURA 10: Diversas formas da utilização da madeira na Comunidade São
Miguel. Várzea Grande-MT. Brasil. 2014. A: Prateleira, B: Mesa, C: Banco; D:
Cabo de ferramenta, E: Casa, F: Arco (para pedra). Fonte: Autoras.
A característica de algumas plantas terem utilização múltipla
expressa os valores dados às mesmas. Logo, aquelas que acumulam o uso de
alimentar com outros dois ou três (medicinal, artesanal, madeira, etc) são as
mais valoradas por serem as mais utilizadas pela população local. Angico
(Anadenanthera colubrina), cumbaru (Dipteryx alata) e aroeira (Myracrodruon
urundeuva) foram as espécies associadas ao maior número de categorias de
uso, mas destacaram-se pelos seus usos madeireiros.
Notou-se um grande constrangimento por parte dos entrevistados
quando mencionaram as madeiras que foram retiradas da mata, principalmente
a aroeira (M. urundeuva), considerada ameaçada de extinção conforme art. 4º
da Instrução Normativa no6, de 23 de setembro de 2008. Entretanto, conforme
o art. 69 da Lei Complementar n° 233 de 21 de dezembro de 2005, é permitido
a utilização dessa espécie por parte dos proprietários dentro de sua
propriedade, sendo proibida a sua comercialização. . Por falta de conhecimento
dessa legislação por qual são amparados, os entrevistados preferem se
resguardar omitindo certas informações.
106
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os quintais localizam-se no entorno das residências, oferecendo
alimentos, remédios, lazer, tudo próximo a casa. O cuidado com essa unidade
de paisagem é uma atividade realizada especialmente pelas mulheres, onde
ocorre um sistema de plantio bem diversificado com garrafas plásticas, troncos
de árvores e até mesmo diretamente no solo como as árvores frutíferas.
A criação de animais domésticos do tipo bovino é para alguns uma
forma de complementar a renda da família e a alimentação do dia-a-dia.
Nos quintais as plantas que se destacaram quanto ao valor de uso,
demostrando a sua importância para a comunidade, foram o jiló (Solanum gilo),
o neen (Azadirachta indica), o café (Coffea arabica), a pimenta malagueta
(Capsicum frutescens L.) e a aroeira (Myracrodruon urundeuva). Essas
espécies comprovam que as espécies raras às vezes possuem mais
diversificação de uso que as mais comuns.
O cumbaru (Dipteryx alata), tamarindo (Tamarindus indica), abacate
(Persea americana), goiaba (Psidium guajava), jenipapo (Genipa americana),
coco-da-baía (Cocos nucifera), paratudo (Tabebuia aurea), tripa de galinha
(Bauhinia glabra) e neen (Azadirachta indica) foram as espécies que
apresentaram usos múltiplos.
O boldo (Plectranthus barbatus), o algodão (Gossypium barbadense)
e a terramicina (Alternanthera brasiliana) tiveram os maiores valores no
Consenso do Informante. Logo, esse resultado pode contribuir para verificação
da eficácia das espécies para uso medicinal, servindo como base para novos
estudos farmacológicos.
Tanto nos quintais quanto as matas de galeria, as plantas são
utilizadas principalmente para fins medicinais. Observamos que o uso de uma
planta pode ser empregada para mais de uma enfermidade, e que várias
espécies podem ser usadas separadamente ou em combinação para tratar
uma doença.
Algumas espécies medicinais também são usadas na cura de
enfermidades de animais, sendo, portanto uma opção barata para o
proprietário segundo relato dos informantes locais.
107
Nas roças, os cultivos com maior número de citações foram à
mandioca, o milho, a banana e a cana-de-açúcar. A variedade nos cultivos
oferece uma diversificação na produção, além de uma fonte de alimento para
família e para cuidar dos animais e, uma renda extra.
Os adubos utilizados nas roças são procedentes dos dejetos de
animais domésticos, restos de alimentos, urina de gado e folhas da
manutenção do quintal. Os proprietários não possuim equipamentos agrícolas,
quando necessário alugam da Associação local.
A mata de galeria é muito importante para a comunidade, uma vez
que proporciona remédio, alimento, madeira para construção, sementes para
produção de mudas, artigos para artesanato, além de protegem a vegetação
nativa. Na mata de galeria, o angico (Anadenanthera colubrina), o cumbarú
(Dipteryx alata) e a aroeira (Myracrodruon urundeuva) foram as espécies com
maior número de categorias de uso.
Os estudos etnobotânicos podem ser uma importante ferramenta no
auxilio à conservação do conhecimento de populações como a comunidade
São Miguel. Portanto, esse tipo de estudo pode ser uma alternativa para evitar
a perda das informações presentes na cultura da comunidade com o passar do
tempo e assim evitando a erosão cultural local.
108
5.
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v. 15, n. 2, p. 273-279, 2013.
114
4.
CONCLUSÕES GERAIS
Através da análise das condições socioeconômicas da população,
verificou-se necessária a implantação de inovações técnicas e econômicas
adaptadas às condições locais capazes de promover a valorização dos
recursos produtivos em suas diversas combinações, como por exemplo, o
incentivo a coleta de produtos florestais não madeireiros, uma possível
alternativa para equilibrar a conservação da biodiversidade com a geração de
renda. Portanto, mais estudos nesse sentido são necessários, buscando cruzar
informações sobre o conhecimento local e medidas de extração.
Para evitar a migração da população local se faz necessário o
desenvolvimento de ações, como implantação de postos de saúde,
acompanhamento das gestantes durante o pré-natal, inclusão do ensino médio
em período diurno. A migração dos jovens em busca de melhores
oportunidades sejam elas na educação ou no trabalho é evidente quando
observado que 48% das famílias entrevistadas não possuem nenhum filho na
propriedade, ficando apenas o casal responsável pela produtividade da
propriedade.
Tanto o homem quanto a mulher apresentaram posição de destaque
nas atividades de conservação e biodiversidade dos quintais, introduzindo
novas espécies, e mantendo formas de manejo ecológico. A interação das
pessoas
com
o
ambiente
propicia
experiências
que
resultam
no
desenvolvimento de um conhecimento sobre os recursos naturais e sobre o
ambiente.
Os quintais desempenham diversas funções socioambientais
importantíssimas para vida do homem na zona rural, permite a conservação da
biodiversidade, ao mesmo tempo em que valoriza os aspectos culturais da
agricultura familiar. Para os moradores em questão, este ambiente corresponde
à extensão de suas casas, onde a família se reúne em momentos de
comemoração, descontração, etc. Trata-se de um local cujos alimentos são
cultivados de acordo com o gosto e tradição das famílias, além do que muito do
que se produz nos quintais é consumida pelas famílias, principalmente
115
verduras e frutas, consomem também os animais criados nesse sistema de
manejo e seus derivados, essa prástica minimiza significativamente o impacto
na renda das famílias e ajuda na segurança alimentar.
Os quintais da comunidade em estudo, por serem de grande
expansão, proporcionam o cultivo de plantas para diversas finalidades, sendo o
uso medicinal a categoria mais representativa. As famílias dos entrevistados
fazem uso de plantas consideradas medicinais na região para prevenção e
cura de diversas doenças. Este conhecimento etnobotânco revelou a existência
de 119 plantas utilizadas como medicinais demostrando que os entrevistados
possuem vasto conhecimento das espécies vegetais com propriedades
curativas.
As roças oferecem produção agrícola (verduras, legumes) que
garantem qualidade e o complemento das refeições diárias das famílias com
reduzido excedente que pode ser comercializado, onde o lucro adquirido com
esta venda é usado para compra de outros produtos como arroz, feijão, café,
facão, entre outros nos comércios locais. E as características dessas unidades
são definidas pelas condições estabelecidas pelos proprietários e pela
detenção de conhecimento transmitido entre as gerações. Não existem roças
coletivas na comunidade.
As matas de galerias possuem uma grande função ambiental, pois
preservam os recursos hídricos, a paisagem, a biodiversidade, protegem o
solo, além de garantir o bem-estar das populações humanas e disponibilizar
recursos para sua alimentação, tratamento de enfermidades, materiais para
construção, ente outros.
As unidades de paisagem oferecem meios diversificados para
sobrevivência das famílias que vivem na terra e da terra, portanto são espaços
que merecem ser estudados. Logo, estudos voltados para o resgaste do
etnoconhecimento pode ser uma alternativa para evitar a perda das
informações presente na cultura das comunidades com o passar do tempo.
Tanto o Cerrado como as espécies arbóreas encontradas nessas
unidades comprovam a valorização dos elementos naturais por parte da
agricultura familiar, que contribuem de maneira real para a preservação da
biodiversidade e a grande utilização dessas espécies para “remédios caseiros”
demostra o potencial para a indústria farmacêutica. Desta forma, oferece-se
116
uma importante contribuição, a fim que surjam outras pesquisas para ampliar o
conhecimento do bioma, especialmente no que se refere à exploração racional
dos seus recursos naturais.
As informações levantadas neste estudo reforçam a importância da
região de Várzea Grande como um panorama de oportunidades para o
desenvolvimento de estudos e de estratégias integradas que tendam à
conservação in situ da biodiversidade local, bem como a conservação e o
resgate do etnoconhecimento. Assim, a universidade, através dos Programas
de Pós Graduação assume um papel importantíssimo nestas comunidades,
pois através de suas pesquisas contribui para a valorização e conservação do
saber local e das formas de construção deste saber.
117
5. DEVOLUTIVAS
Será elaborada uma cartilha informativa como atividade devolutiva
dos resultados desta pesquisa, com os principais resultados obtidos nesse
levantamento etnobotânico, destacando a importância da conservação dos
remanescentes florestais nativos, tanto para a manutenção da diversidade
biológica, como pelo potencial de recursos vegetais que apresenta, conforme
citados pelos entrevistados.
Abordará também as principais plantas utilizadas na comunidade; a
automedicação; cuidados com o cultivo, coleta e armazenamento das plantas
medicinais; fabricação de remédios caseiros; precauções sobre o uso desses
medicamentos; plantas tóxicas; indicações terapêuticas e efeitos colaterais dos
vegetais.
Este material será desenvolvido com linguagem acessível e com
diversas ilustrações, para ser distribuído aos entrevistados da pesquisa e para
a biblioteca da escola local.
118
ANEXOS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) a participar como informante, em uma
pesquisa sobre conhecimento popular. Após ser esclarecido (a) sobre as
informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assino no final
deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e outra e do
pesquisador responsável. Em caso de dúvida, você pode entrar em contato
com a Coordenadação da Pós-graduação de Ciências Florestais e Ambientais.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do projeto: A Etnobotânica na Comunidade São Miguel, Várzea Grande,
MT.
Pesquisadora Responsável: Jeneffer Soares dos Santos Mamede
Pesquisadora Orientadora: Prof. Dra. Maria Corette Pasa/UFMT
Telefone para contato: (65) 3615-8685
Nome e assinatura do pesquisador:
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO
Eu,
____________________________________,
portador
do
RG
___________________ e CPF _______________________, abaixo assinado,
concordo em participar do estudo como informante, disponibilizando
informação de interesse da pesquisa como relatos, gravações e fotografias,
desde que não me exponha perante a comunidade. Fui devidamente informado
e esclarecido pela pesquisadora sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos.
Local e data: _______________________________________________
Nome e assinatura do sujeito ou responsável: __________________________
119
FORMULÁRIO
1. Nome:..............................................................................................................
2. Sexo: ..............................................................................................................
3. Idade: ..............................................................................................................
4. Estado de Origem: ..........................................................................................
5. Estado Civil:....................................................................................................
6. Grau de Escolaridade: ....................................................................................
7. Quanto Tempo Reside no Local?....................................................................
8. Religião da Família?........................................................................................
9. Número de Pessoas na Família:.....................................................................
10. Número de filhos:
11. Todos Trabalham Na Propriedade? (....) Sim (....) Não
12. Quem trabalha fora desenvolve qual atividade?.............................................
13. Tem alguém aposentado? Quantos?..............................................................
14. Que atividade exerce atualmente?..................................................................
15. Que tipos de cultivos possuem na propriedade?............................................
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
16. Faz algum tipo de artesanato? (...) Sim (...) Não
17. Qual?...............................................................................................................
18. Em que situação? (....) Uso Próprio (....) Para Vender (....) Outros
19. De onde vem a água que vocês usam para beber e cozinhar?......................
20. Quais os implementos agrícolas que vocês usam?........................................
PLANTAS MEDICINAIS
21. Tem plantas que curam?
Quais são? Modo de preparo? Qual parte da
planta usa? Seca ou fresca? É associada a outras plantas? Como é
armazenada?........................................................................................................
...............................................................................................................................
22. Como aprendeu? ............................................................................................
23. Frequência de uso?.........................................................................................
120
DADOS DO I MÓVEL
24. Forma de apropriação do imóvel:
( )proprietário ( )aluguel
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
( ) mora de favor
( )outro
Documento que possui: .................................................................................
Dimensão do imóvel: ......................................................................................
Área construída: .............................................................................................
Área de (quintal): ....................................outras áreas: ................................
Tipo de habitação: (...) Alvenaria (...) Madeira (...) Estuque
Possui energia elétrica? .................................................................................
Possui água encanada? .................................................................................
Possui fossa séptica? .....................................................................................
QUINTAL
33. Localização do quintal: ( )fundos ( )ao lado ( )na frente
34. Planta no quintal?
( ) sim
(
)entorno
( ) não
35. Ha quanto tempo............................................................................................
36. Por quê?.........................................................................................................
37. Quais as plantas remanescentes da vegetação natural?
...........................................................................................................................................
............
38. Quem cuida do quintal?..................................................................................
39. Quanto tempo gasta diariamente cuidando do quintal?..................................
40. Qual época do ano tem mais trabalho com o quintal?....................................
41. como planta? (conhecimento empregado): ....................................................
...........................................................................................................................................
............
42. Com quem aprendeu a plantar? .....................................................................
43. O que faz com as folhas e restos de capinas do quintal?
44. ( )queima ( )joga no lixo
( )faz adubo (composto)
( ) outro
45. Caso faça composto, explicar como?.............................................................
...........................................................................................................................................
...........
46. Compra algum insumo para usar no quintal?
( ) não
( ) sim
47. Quais?.......................................................................................................................
48. Cultivam plantas em outras áreas da residência? ( ) sim ( ) não
121
49. Onde?
Quais?
Para
que?
................................................................................
50. Usa os resíduos:
( ) na horta ( )nas fruteiras ( ) nas ornamentais( )vende
51. Outras utilidades das plantas no quintal..........................................................
Dados sobre atividades realizadas no quintal
52. É costume reunir no quintal?
( ) sim
( ) não
53. Paraque?..................................................................................................................
............
54. Outras atividades no quintal (por que?):.........................................................
...............................................................................................................................
55. Qual a importância do quintal para o sr.(a)? .................................................
56. Você já tirou/tira produtos da mata?.............................................................
61. Quais as plantas, por que e para que?
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Animais
57. Cria animais na residência?
(
) sim
(
) não
58. Quais as espécies?
59. Quantidade (unidade): ....................................................................................
60. Instalações:( ) cercado
( ) solto
61. Alimentação:
62. Que animais são encontrados no quintal?.....................................................
...............................................................................................................................
63. Existem animais no quintal que prejudicam o crescimento e
Desenvolvimento das plantas?.............................................................................
...............................................................................................................................
64. Como lidam com esses animais?..................................................................
...............................................................................................................................
65. Como eles agem nas
plantas?.................................................................................................................
..............
122
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