RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar a

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Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR
A ABORDAGEM DA CLASSE GRAMATICAL “ARTIGO” EM LIVROS
DIDÁTICOS: REFLEXÕES TEÓRICAS E PROPOSIÇÕES DIDÁTICAS
BUREI, Jossária de Oliveira (G-UNIOESTE)
CORBARI, Alcione Tereza (UNIOESTE)
GARBATO, Ana Cristina (G-UNIOESTE)
RESUMO: Pretende-se, neste trabalho, apresentar algumas reflexões propostas na
disciplina Morfologia, Fonética e Fonologia, do Curso de Letras da
UNIOESTE/Cascavel. Mais especificamente, toma-se para análise um conteúdo
alocado pela Gramática Tradicional na área da Morfologia: a classe gramatical artigo.
Inicialmente, faz-se uma análise da abordagem desse conteúdo proposta em dois livros
didáticos de 5ª série: um usado em escola pública, outro, em escola particular. Das
unidades investigadas, serão considerados os conceitos referentes à classe gramatical
em tela e os exercícios propostos. Na segunda parte do trabalho, propõe-se uma análise
do conteúdo em questão com amparo no Funcionalismo e na Linguística Textual. A
partir dessa perspectiva, entende-se que o artigo, mais do que um elemento que
antecede o substantivo, definindo-o ou indefinindo-o, tem papel importante na
interpretação do texto. Para debater essa questão, toma-se uma versão da fábula O Leão
e o Rato, de Esopo (publicada pela Enciclopédia Mundo da Criança, 1992), como
unidade de estudo e como ponto de partida para a proposição de exercícios de análise
linguística. Auxiliam nessa empresa as reflexões propostas por Neves (1991), Costa Val
(1999) e Koch (1992).
PALAVRAS-CHAVES: Livro Didático, Gramática Tradicional, Análise Linguística,
Artigo.
1- Introdução
Muito se tem discutido sobre os problemas do ensino de Língua Portuguesa,
atribuindo-se a culpa aos estudantes, à estrutura, ao método, dentre outros fatores.
Apesar dessas discussões, os resultados esperados não têm sido obtidos, pois,
efetivamente, a prática reflexiva do ensino de gramática continua, de forma geral, sendo
rechaçada em detrimento da prática normativa, preocupada em aplicar exercícios
mecanizados que não levam o aluno à reflexão. Em outras palavras, os conteúdos
gramaticais não são abordados de forma relacionada ao contexto de produção,
circulação e recepção do texto.
Considerando esse contexto, nos propomos, nesta pesquisa, a analisar a
abordagem da classe gramatical artigo feita dois livros de 5ª série, quais sejam: Sistema
Max de Ensino e Português: Idéias & Linguagens (DELMANTO; CASTRO, 2006). O
primeiro é usado em pelo menos uma escola privada de Cascavel; o segundo, em
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algumas escolas públicas desse município. Na segunda parte do trabalho, com base no
Funcionalismo e na Linguística Textual, propomos um trabalho com o artigo a partir da
fábula O Leão e o Rato, de Esopo, considerando o texto como unidade de estudo e
como ponto de partida para a proposição de exercícios de análise linguística.
2- A abordagem do conteúdo artigo em dois livros didáticos
Em ambos os livros acima citados, o conteúdo artigo está inserido em uma
unidade maior, que aborda outros assuntos, inclusive outras classes gramaticais. Pode-se
dizer que o espaço dedicado ao artigo é relativamente pequeno nos livros analisados
(não ultrapassa quatro páginas). No livro utilizado em escolas públicas, o estudo acerca
do artigo está disposto em uma seção no meio da unidade chamada Estudo da língua:
Reflexão e uso. Já no livro usado na escola particular, o conteúdo em tela está alocado
após o texto inicial da unidade (Lisete, de Clarice Lispector), e se insere numa seção
denominada Aprofundando a gramática. Como se pode observar, já os títulos das
seções apontam para perspectivas de análise diferentes: no primeiro caso, voltada para a
análise da língua em uso; no segundo caso, amparada na Gramática Tradicional (GT).
Uma análise das definições de artigo apresentadas mostra que, nos dois livros
analisados, elas se ancoram na GT:
Artigo é a palavra que antecede o substantivo para determiná-lo. [...]
O artigo pode ser: a) definido: aquele que antecede o substantivo de
modo preciso, específico. Pode ser o, a, os ou as. [...] b) indefinido:
aquele que determina o substantivo de modo vago, impreciso,
genérico. Pode ser um, uma, uns ou umas. (SISTEMA MAXI DE
ENSINO, p. 14).
Essas palavras que antecedem um substantivo definido-lhe o gênero
são chamadas de artigos (femininos ou masculinos). [...] Artigo
definido é a palavra que acompanha o substantivo, individualizando-o,
determinando-o. São artigos definidos: o, a, os, as. Artigo indefinido é
a palavra que acompanha o substantivo, generalizando-o,
indeterminando-o. São artigos indefinidos: um, uma, uns, umas.
(DELMANTO; CASTRO, 2006, p. 148/149).
Como se vê, embora acompanhada de exemplos, as definições dadas são
bastante abstratas se considerarmos que se voltam para a 5ª série. No caso do livro
usado na escola particular, confunde-se a noção morfossintática de „determinante‟ e a
noção semântica de definido/indefinido. Parece-nos difícil para uma criança de 5ª série
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compreender que o artigo serve para „determinar‟ um substantivo de modo impreciso,
por exemplo.
Nesse sentido, o conceito apresentado no livro usado em escolas públicas parece
mais adequado ao público ao qual o livro se dirige, já que não se preocupa em
apresentar o artigo como elemento „determinante‟, noção de difícil compreensão
mesmo para alguns adultos. Porém, mesmo o conceito apresentado no livro usado em
escolas públicas, não tão confuso para a criança, poderia ser melhor trabalhado no nível
metalinguístico. Algumas gramáticas de cunho normativo, inclusive, fazem essa
exposição do conceito de forma mais clara, embora não completa, do que a explicação
apresentada pelos livros didáticos analisados. Tomemos como exemplo Cunha e Cintra
(1985, p. 199):
Dá-se o nome de ARTIGO às palavras o (com as variações a, os, as) e
um (com as variações uma, uns, umas), que se antepõem aos
substantivos para indicar: a) que se trata de um ser já conhecido do
leitor ou ouvinte, seja por ter sido mencionado antes, seja por ser
objeto de um conhecimento de experiência, como nestes exemplos.
[...] b) que se trata de um simples representante de uma dada espécie
ao qual não se fez menção anterior. [...] No primeiro caso, dizemos
que o artigo é DEFINIDO; no segundo, INDEFINIDO.
Um ponto positivo observado em ambos os livros é o fato de a definição não ser
dada logo no início da abordagem do conteúdo. Antes, são apresentados alguns
questionamentos sobre a função do artigo na frase, numa análise comparativa entre
artigo definido e indefinido. O livro usado na escola particular faz isso de maneira
bastante breve, questionando o estudante sobre o motivo de o narrador da história
apresentada no início da unidade ter usado um guardanapo e o guardanapo em
diferentes frases, quais sejam:
I – “Enrolei Lisete num guardanapo e fomos de táxi correndo par um
hospital de bichos”; II – “Voltamos para casa com o guardanapo vazio
e o coração vazio também”. (SISTEMA MAXI DE ENSINO, p. 14).
Nesse caso, não se explicitou em que momento da história cada uma das frases
apareceu, exigindo que essa relação fosse feita pela própria criança. Além disso, não
podemos deixar de observar que se perdeu a oportunidade de trabalhar com os outros
dois artigos que aparecem na frase (que iniciam os sintagmas nominais um hospital de
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bichos e o coração vazio). Embora, nesses casos, não haveria uma frase para comparar
o uso de artigo definido e indefinido em sintagmas com o mesmo núcleo,
questionamentos bem encaminhados poderiam levar o aluno a perceber o motivo de o
produtor usar diferentes artigos em cada caso.
O livro didático usado em escolas públicas despender um tempo maior à análise
linguística, que é feita a partir de diferentes textos (uma tira, um poema e um fragmento
de uma canção), antes de apresentar o conceito que diferencia artigo definido de artigo
indefinido. Assim, os exercícios extrapolam o limite da decodificação, pois apresentam
atividades que levam o aluno à reflexão da função do artigo no texto.
Tomamos como exemplo de atividade de análise linguística o exercício de
reflexão abaixo, dado após apresentação do poema Casa séria, em que aparecem os
sintagmas „o pai‟, „a mãe‟ e „a menina‟:
Se a autora tivesse dito “Um pai é todo arrumado” ou “Uma mãe é
alguém que se irrita facilmente e trabalha sem parar”, estaria
transmitindo a mesma idéia?. (DELMANTO; CASTRO, 2006, p.
149).
Após, faz-se questionamentos sobre os artigos usados em parte da música Eu só
quero um xodó, de Anastácia e Dominguinhos:
Quando o eu-poético (a voz que “fala” no poema) diz que quer um
amor, um bem, um xodó, está se referindo a determinada pessoa?
(DELMANTO; CASTRO, 2006, p. 149).
É comum nesse livro o encaminhamento de afirmações incompletas, que
precisam ser preenchidas pelo aluno, com base no que se observou nos
textos/fragmentos de textos dados, como se vê nessa atividade, dada após a análise do
poema e do fragmento da música:
A partir de suas respostas anteriores, podemos concluir que usamos
artigos definidos (o, a, os, as) quando  e artigos indefinidos (um,
uma, uns, umas) quando . (DELMANTO; CASTRO, 2006, p. 149).
Nesse sentido, para além de considerarem a orientação dada pela gramática
normativa (o que se observa na apresentação dos conceitos), os autores consideram, na
proposição dos exercícios, a gramática reflexiva, pois apresentam atividades de
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observação e reflexão sobre a língua que buscam detectar, levantar suas unidades, regras
e princípios, ou seja, a constituição e funcionamento da língua. (TRAVAGLIA, 2000, p.
33).
Assim, partindo de evidências linguísticas, os exercícios propostos pelo livro
didático usado em escolas públicas, de forma geral, busca explicitar a gramática
implícita do falante, de modo a levar os alunos à consciência dos usos que já faz da
língua.
Já no livro usado na escola particular, fica evidente o uso do texto como pretexto
para ensinar conceitos gramaticais. Com exceção da primeira abordagem do artigo, em
que o aluno precisava explicar a diferença observada entre „um guardanapo‟ e „o
guardanapo‟, todas as outras atividades voltam-se para a simples classificação
morfossintática dos artigos, mesmo sendo as frases retiradas do texto dado no início da
unidade. Numa perspectiva normativista, o livro, então, desconsidera o rico material
linguístico que supostamente explora para se limitar ao ensino prescritivo de gramática.
Para exemplificar o que afirmamos neste parágrafo, apresentamos os enunciados de
alguns dos exercícios propostos:
1. Classifique em definido ou indefinido os artigos em destaque nas
frases a seguir: [...]
2. Circule os artigos presentes nos trechos a seguir e ligue-os aos
substantivos que eles determinam: [...]
3. Classifique os artigos que você identificou no exercício anterior.
4. O artigo sempre se antepõe a um substantivo e concorda com ele
em gênero (masculino/feminino) e número (singular/plural).
Considerando esse fato, diga se nas frases a seguir a palavra funciona
ou não como artigo. (SISTEMA MAXI DE ENSINO, p. 15).
As frases dadas para análise, quando é o caso, foram retiradas do texto Lisete, o
que evidencia que esse texto foi usado apenas como pretexto para propor exercícios de
fixação de conceitos metalinguísticos, que não contribuem de fato para explorar
habilidades linguísticas requeridas na leitura e na produção de texto. Ao limitar a
abordagem do artigo a exercícios estruturais mecanizados, o livro em questão não se
propõe a levar o aluno a refletir sobre os textos que circulam em seu cotidiano e a
entender como interpretar e usar produtivamente os artigos nas atividades de leitura e
produção de texto.
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No livro didático usado em escola pública, como já explicitamos, os exercícios
não são mecanizados e extrapolam a decodificação, levando o aluno a uma análise
linguística que contribui para sua formação como leitor e produtor de texto. Porém,
observamos que, em geral, o texto como um todo não é trabalhado. Ou seja, são
enfocadas as estratégias envolvendo o uso de artigos, mas estas não são relacionadas de
forma explícita a questões mais gerais que precisam ser consideradas quando da
interpretação de um texto, como a finalidade do texto e as intenções do produtor, por
exemplo. Para exemplificar, tomados a tira apresentada em um dos exercícios propostos
(DELMANTO; CASTRO, 2006, p. 151):
O exercício proposto guia o aluno a uma resposta do tipo “o artigo definido
especifica, define o minuto do qual se falou no primeiro quadrinho”, ou algo do gênero.
No entanto, o uso do artigo dá margem à proposição de exercícios muito mais ricos, que
considerem tal uso a partir do gênero utilizado pelo autor. Assim, poderia ser explorado,
por exemplo, o humor gerado pelo uso do artigo definido no último quadrinho, e
mesmo uma certa ironia por parte da personagem que escolhe retomar „um minuto‟ por
„o minuto‟. O conhecimento do gênero „tira‟, de suas finalidades e características
composicionais, contribui para que tais interpretações sejam feitas.
Conforme propõe Neves (2000), o artigo não pode ser estudado de modo
descontextualizado; ao contrário, deve-se levar em conta o contexto linguístico, a
intenção de quem escreve e o conhecimento de mundo de quem lê, dentre outros
fatores. Levando em consideração essas orientações, na seção abaixo, propomos uma
abordagem do conteúdo artigo considerando o texto como unidade de análise e como
ponto de partida para a proposição de exercícios de análise linguística que considerem
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questões de textualidade, as quais justificam o uso dos elementos linguístico atualizados
pelo produtor.
3- Proposição didática: uma análise de artigos atualizados na fábula o Leão e o
Rato
Uma possível sugestão para a abordagem do artigo seria trabalhar com o texto,
levando em consideração que este carrega sentidos, que não é um emaranhado de frases
soltas, mas sim uma unidade sócio-comunicativa, semântica e formal (COSTA VAL,
1999). Em seu processo de produção e compreensão, vários são os fatores que
contribuem para a (re)construção dos sentidos de um texto. Nesse sentido, o professor
precisa trabalhar com os alunos, juntamente com os elementos estritamente linguísticos,
os fatores pragmáticos, ou seja, os aspectos que envolvem o contexto sóciocomunicativo, tais como a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e a
intertextualidade.
Propomos, então, um trabalho com o artigo a partir de textos reais, que circulam
socialmente. Não como fazem os livros didáticos em geral, que usam o texto como
pretexto, retiram dele frases isoladas para, a partir delas, propor exercícios estruturais,
mas sim considerando o texto como unidade de sentido, que passa a ser considerada
mesmo quando se propõe o estudo de um recurso linguístico específico.
Como sugestão, analisamos a fábula O Leão e o Rato. Observamos, nesse
momento, apenas os artigos que encabeçam sintagmas nominas que introduzem ou
retomam as personagens da história. Vamos texto.
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O Leão e o Rato
Esopo
Uma vez, quando o leão já estava dormindo, um ratinho pôs-se a passear em suas costas.
Isso logo acordou o leão, que segurou o bichinho com a sua enorme pata e abriu a boca enorme
para engoli-lo.
– Perdão, rei dos animais – gritou o ratinho – Deixe-me ir, não o importunarei mais. Quem sabe
um dia não conseguirei pagar-lhe este favor?
O leão riu-se muito ao pensar na possibilidade de o ratinho ajudá-lo em alguma coisa. Afinal,
soltou-o.
Algum tempo depois, o leão caiu numa armadilha. Os caçadores, que desejavam levá-lo vivo ao
rei, amarraram-no numa árvore, enquanto iam providenciar uma carroça para transportá-lo. Nesse
momento, apareceu o ratinho. Vendo o apuro em que se encontrava o leão, lembrou-se de sua
promessa e num instante roeu as cordas que o prendiam à árvore.
– Eu disse que talvez um dia pudesse ajudá-lo? – lembrou o rato.
A moral desta história é que amigos pequenos podem ser grandes nas horas difíceis.
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É possível observar que, ao serem atualizados em um texto real, os artigos
empregados, tanto definidos quanto indefinidos, revelam sentidos que contribuem para
a interpretação e para o estabelecimento da coerência textual. Assim, por meio das
escolhas linguísticas que faz – inclusive da escolha que faz dentre os elementos que
pertencem às classes fechadas, como é o caso do artigo –, o produtor vai revelando
intenções e moldando o texto em função da sua aceitabilidade.
De início, observemos o artigo do sintagma nominal (SN) referente a um dos
protagonistas. No começo da fábula, o autor insere a personagem leão acompanhado do
artigo definido. Antes de abordar essa introdução da personagem, é pertinente que o
professor crie condições, recorrendo a textos reais, para que os alunos cheguem à
conclusão de que “o artigo indefinido tem como emprego bem característico a
introdução, no texto, de um referente que, na seqüência, poderá ser referenciado por
qualquer das palavras fóricas, especialmente pelo artigo definido (NEVES, 2000, p.
514, grifos da autora). Com essa análise, o professor cria um espaço propício para
questionar os estudantes sobre as intenções do autor ao “ignorar” essa regra geral.
Espera-se, com isso, que os alunos percebam que a escolha pelo artigo definido
não é gratuita. A construção linguística em tela (o leão - linha 1) aponta para um leitor
previsto, que deve ser capaz de fazer relações intertextuais – manifestadas quando o
autor se apropria dos conhecimentos de outros textos para escrever o seu (COSTA
VAL, 1999). Isso porque o artigo definido, ao individualizar o sentido do substantivo,
aponta para um leão específico, aquele personagem único, rei da floresta, já conhecido
pelo leitor – que, ao chegar a esse texto, já teve contato com outros exemplares da
narrativa ficcional, especialmente com o gênero fábula (esse é o leitor previsto).
Se fosse usado o artigo indefinido, o sentido atualizado seria outro, já que “o
sintagma nominal com artigo indefinido apresenta uma pessoa ou coisa simplesmente
por referência à classe particular à qual ela pertence, ou seja, apresenta-a como
elemento de uma classe” (NEVES, 2000, p. 513, grifos da autora).
Assim, ao recorrer à definitização e apontar para um leão específico, o produtor
garante a recuperação de uma atmosfera fictícia, que remonta ao cenário da floresta
habitada por animais falantes, distribuídos conforme uma relação hierárquica, cujo topo
é ocupado pelo leão. É evidente que elementos como o layout do texto, o título e a
expressão uma vez (linha 1) já apontam para o gênero escolhido. Porém, o uso do artigo
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definido na introdução da personagem reforça a garanta de atualização do cenário
fictício por parte do leitor. Isso porque, por constituírem “realizações prototípicas da
chamada definitude, seu [artigos definidos] uso é, em geral, indicativo de um
conhecimento compartilhado” (CALLOU et al., 2000, p. 84).
Nesse sentido, a intertextualidade é fator relevante para a atribuição de
coerência ao texto, já que o autor não considera necessário inserir a personagem por
meio de um SN com artigo indefinido, para depois retomá-lo com um SN introduzido
por um elemento definido (artigo definido, pronome etc.). Com essa análise, espera-se
que o estudante chegue à conclusão de que o artigo definido se refere, então, não só a
um elemento textual anterior, mas também a um elemento do contexto situacional cuja
referência é partilhada pelos interlocutores, por intermédio de inferências (KOCH;
VILELA, 2001), feitas a partir das pistas deixadas pelo contexto de comunicação. E,
ainda, que compreenda que a presença do artigo definido é determinada pela intenção
do falante bem como pela maneira como o usuário da língua pretende comunicar uma
dada experiência, conforme analisa Neves (2000). Para a autora “o uso do artigo é, pois,
extremamente dependente do conjunto de circunstâncias, lingüísticas ou não, que
cercam a produção do enunciado” (NEVES, 2000, p. 391).
Numa análise contrastiva em relação àquela sugerida para o sintagma o leão
(linha 1), o professor pode chamar a atenção dos alunos para o fato de a outra
personagem ser introduzida por um artigo indefinido (um ratinho – linha 1). Nesse caso,
faz-se referência a um rato qualquer, logo, um ser insignificante dentre os outros de sua
classe. Cria-se, assim, uma imagem de uma personagem „coitadinha‟, fraca, sem
importância. Certamente consideramos que o substantivo no diminutivo tem uma carga
maior nessa caracterização. Porém, é preciso observar que a indefinitude contribui
sobremaneira para a imagem que vai se construindo da personagem. Essa imagem e
aquela que se faz do leão contribuem para a coerência textual, já justificam as ações
narradas no texto.
Já nas demais referências às personagens centrais, são usados artigos definidos.
Isso ocorre porque existem regras para o emprego dos artigos como formas remissivas:
um termo introduzido por um artigo indefinido só pode ser retomado por artigo definido
(KOCH, 1992). Esta aí uma oportunidade de o professor explorar as restrições da língua
quanto ao uso de artigos, permitindo que os alunos percebam as nuances de sentido
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atualizadas por meio dessa classe gramatical. Além disso, o professor pode chamar a
atenção dos estudantes para a relação que se estabelece entre as retomadas e a
manutenção temática, relevante para o estabelecimento de coerência ao texto.
A análise feita em relação ao uso do artigo definido em o leão (linha 1) é
extensiva aos casos de introdução das personagens os caçadores e (linha 8) e o rei
(linhas 8/9). Essas personagens também são introduzidas por artigos definidos por
serem recorrentes em textos fabulosos. Assim, o gênero justifica a forma de abordagem
das personagens. A título de ilustração, podemos imaginar uma notícia de jornal em que
se diz que o leão foi preso pelos caçadores. Obviamente haveria, aí, uma dificuldade de
aceitação do texto como uma unidade coerente, pois o leitor se perguntaria: que leão?
que caçadores? No caso da realidade brasileira, menos aceitável ainda seria o texto se
se falasse no rei. Assim, a escolha pelo artigo definido, que conta com o conhecimento
prévio do leitor, é feita tendo em vista a aceitabilidade por parte do leitor. Isso porque,
ao reconhecer as intenções do produtor, o leitor aceita o texto como coerente, porque o
reconhece como um texto fabuloso.
Nesse sentido, torna-se relevante para a análise a situacionalidade, fator de
textualidade que está ligada à situação comunicativa: o contexto em que produtor e
leitor estiverem inseridos influenciará na escolha do gênero textual necessário, na
organização estrutural do texto, no vocabulário e na linguagem mais adequados
(COSTA VAL, 1999). Assim, um texto – e, de forma mais específica, as estratégias
linguísticas atualizadas – que pode ser compreendido como adequado à determinada
situação de interação pode não ser em outra.
O uso dos artigos, então, contribui para gerar os sentidos que se deseja que o
leitor atualize, pois o produtor (ou, talvez, nesse caso, o tradutor) articula os artigos
definidos e indefinidos conforme lhe convém, visando, no entanto, a aceitabilidade.
Nesse sentido, intencionalidade e aceitabilidade são elementos que entram na análise
linguística. Conforme Costa Val (1999), a intencionalidade pode ser compreendida
como a maneira pela qual o produtor realiza escolhas para atingir seu objetivo na
situação sócio-comunicativa em que está envolvido. Interferem também nas escolhas
que o produtor realiza as antecipações que faz em relação ao destinatário de seu texto.
Em contrapartida, tem-se o processo de aceitabilidade, que consiste em o receptor
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aceitar ou não o que o produtor lhe oferece como um discurso/texto que faça sentido e
que seja útil e relevante à suas expectativas.
Considerando a importância dos fatores da textualidade para a interpretação do
texto, entendemos que eles podem e devem ser investigados mesmo quando se enfoca
um único elemento linguístico, como a classe gramatical artigo, por exemplo. O
trabalho com estruturas linguísticas específicas tendo em vista tais fatores pode
enriquecer as aulas de Língua Portuguesa e contribuir para a formação de um leitor
atento às estratégias que pode usar, quando produtor do texto, e às que o outro usa,
quando leitor.
4- Considerações finais
Neste trabalho, observamos que o livro usado na escola particular apresenta
conceitos propostos pela GT e exercícios que se limitam a explicitar a função
morfossintática dos artigos. Além disso, explora exercícios de forma mecanizada e
simplória, não levando os alunos a refletir sobre o uso efetivo dessa classe de palavras
em situações reais de comunicação. Há que se observar, ainda, que o exercício de
metalinguagem disfarça-se na abordagem do artigo em orações retiradas de um texto.
Mas aplica-se, nesse caso, a análise apresentada por Neves (1991, p. 42): “isso, nada
mais significa que usar o texto como pretexto. [...] „partir do texto‟ representa extrair do
texto frases ou palavras e, sobre elas, exercitar a metalinguagem”.
No livro usado em escolas públicas, a abordagem da classe gramatical em
questão extrapola essa perspectiva, ao se proporem exercícios que visam a refletir sobre
o uso do artigo e da linguagem. Porém, as estratégias linguísticas que envolvem o
artigo não são relacionadas com os fatores textuais que levam em conta o contexto
sócio-comunicativo, tais com a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade e a
intertextualidade.
Partindo desses resultados, propomos uma análise de um texto visando não só
trabalhar a gramática reflexiva, mas também observar a atualização de elementos
linguísticos em um texto, que, na análise, é considerado como um todo, uma unidade de
estudo que requer a abordagem de questões mais amplas de textualidade. Acreditamos
que, assim, estaremos mais próximos de propiciar uma formação sólida de leitores
críticos e produtores de texto competentes.
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Vale ressaltar que entendemos que a Gramática Tradicional deve ser de domínio
do professor. No entanto, quando se trata do ensino, ela não pode ser a única referência
teórica a que se recorre, já que não considera o texto como uma unidade de análise, mas
se limita ao estude de sentenças descontextualizadas. A melhor forma de ensinar
gramática é provocando reflexões, considerando o conhecimento prévio do aluno e
aplicando a gramática em textos, considerando os fatores pragmáticos aí envolvidos,
tais como as situações de produção, circulação e recepção dos textos estudados.
Referências
CALLOU, D. et al. Dinâmica do específico e do genérico: artigo definido e construções
existenciais.In: Veredas, revista de estudos linguísticos, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, p. 8188, 2000.
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[reformulada]. São Paulo: Saraiva, 2006.
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CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova Gramática do Português contemporâneo. Rio de
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ESOPO. O leão e o Rato. In: Enciclopédia Mundo da Criança. v.1. Rio de Janeiro:
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TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para ensino de gramática no
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