Indagações e reflexões feministas sobre o Projeto Genoma

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SÓLO PARA PARTICIPANTES
Fecha: 5 y 6 de noviembre de 2001
ORIGINAL: PORTUGUÉS
Comisión Económica para América Latina y el Caribe - CEPAL
Universidad de Sao Paulo - Núcleo de Estudios de Mulher e Relaçoes Sociais de Género
Conselho Nacional dos Direitos de la Mulher
Fondo de Desarrollo de las Naciones Unidas para la Mujer - UNIFEM
Agencia de Cooperación Técnica Alemana - GTZ
Reunión de Expertos sobre Globalización, Cambio Tecnológico
y Equidad de Género
Sao Paulo, Brasil, 5 y 6 de noviembre de 2001
Indagações e reflexões feministas sobre o
Projeto Genoma Humano
___________________________________
Este documento ha sido preparado por Fátima Oliveira, Médica, Directora de la SBB/Sociedad
Brasilera de Bioética, Consejera del CNDM/Consejo Nacional de los Derechos de la Mujer de
Brasil y Coordinadora de la Red de Información sobre Bioética: bioética & teoría feminista y
antiracial. Las opiniones expresadas en este documento, que no ha sido sometido a revisión
editorial, son de la exclusiva responsabilidad de la autora y pueden no coincidir con las de la
Organización.
Indagações e reflexões feministas sobre o Projeto Genoma Humano*
Fátima Oliveira
Sou encantada com a genética e considero-a uma das áreas mais fascinantes das
biociências. Foi com interesse especial que acompanhei o desenrolar do Projeto Genoma Humano
(PGH) desde quando anunciaram que o genoma (conjunto dos genes de uma espécie) humano
seria mapeado e seqüenciado. Mapear é descobrir onde está cada gene e seqüenciar é descobrir
em que ordem estão os pares de bases nitrogenadas, que no DNA são: A = Adenina; G =
Guanina; C = Citosina; e T = Timina.
O Projeto Genoma Humano – um consórcio científico exclusivo dos países ricos –
iniciado em 1990, visava mapear e seqüenciar o código genético e elaborar o mapa dos genes
humanos. Em 26 de junho de 2.000, em um “rito de passagem”, via satélite, o presidente dos
Estados Unidos, Bill Clinton, e o Primeiro Ministro Britânico, Tony Blair, compartilharam as glórias
do fim da “corrida do genoma humano”, demonstrando o que consideram o maior feito de seus
governos: o privilégio de dizer ao mundo que o mistério da vida foi decifrado e que eles detém o
biopoder.
Sabia-se que restavam mistérios a desvendar, por exemplo quantos eram os genes
humanos? Mas por que anunciar a conclusão de investigações inconclusas? Eis uma questão
ética pertinente e que nos fornece pistas para entender temas vinculados à apropriação privada e
à mercantilização da vida. Especula-se que por trás de tanta pressa está o setor biotecnologia da
indústria farmacêutica no afã de impulsionar os rentáveis negócios dos “kits de diagnósticos
genéticos”, alicerces da medicina preditiva.
O final da “corrida” para decifrar o genoma humano encerrou-se em 12 de fevereiro de
2001 quando as revistas norte-americana Science e a britânica Nature publicaram os resultados
dos dois grupos que trabalhavam com o assunto. A Science (www.sciencemag.org) publicou os
resultados da Celera Genomics e a Nature (www.nature.com) do PGH oficial. As duas equipes
completaram 95% do seqüenciamento do genoma. Ambas concluíram que:
. as áreas de deserto (sem genes) do DNA humano ocupam um quarto da molécula de DNA e não
se sabe o que significam tais espaços sem genes; quanto ao número de genes, afirmam que
possuímos apenas um terço do que se imaginava (falava-se em 100 mil genes). Para a Celera,
temos entre 26 mil e 39 mil, enquanto que para o PGH em torno de 31 mil; e
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. estima-se que entre um terço ou até metade do genoma são seqüências repetidas, denominada
“junk DNA” (“DNA-lixo").
Como vimos, algumas antigas interrogações continuam muito atuais e sem respostas
definitivas. O genoma humano é patrimônio da humanidade. Consta na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e do Genoma Humano – uma recomendação ética que não tem força de lei –
que “o genoma humano em seu estado natural não deve dar lugar a ganhos financeiros” (Unesco,
1997). Considerando que nossos genes nos pertencem e constituem um direito do qual não
devemos abdicar, é pertinente a perplexidade da indagação que se uma pessoa não é dona de
seus genes, o que lhe restará de seu? Como tais saberes e poderes ressoarão na vida das
mulheres e de grupos populacionais raciais ou étnicos discriminados? Não há na genética NADA
que corrobore teses do ideário racista, porém ela tem sido, historicamente, alvo de desvios
ideológicos para supostamente comprová-las.
Resulta também de tais constatações e indagações, a certeza que entender de genética
hoje é condição indispensável para o exercício da cidadania. Logo, é necessário decodificar a
linguagem científica e disponibilizar os saberes da genética para as pessoas comuns. Eis uma
questão política de grande vulto, pois a ciência, em particular a genética, é importante demais
para ficar só nas mãos de cientistas e de governos, cabe à sociedade exercitar o direito e o dever
de decidir e não apenas ser informada!
Recordando conceitos do mundo mágico da ciência da vida
A biotecnologia talvez seja tão antiga quanto a humanidade. Desde quando as mulheres
inventaram a agricultura, a humanidade vem manipulando genes para garantir a sua
sobrevivência. Isto é, bem antes da estruturação da biologia enquanto ciência.
... Biologia é a ciência que estuda os seres vivos. Genética é a parte da biologia que estuda os
Genes – “pedaços” de uma molécula chamada DNA (ácido desoxirribonucléico), que estão no
interior da célula, em uma estrutura denominada Cromossomo – constituído por uma única
molécula de DNA... Os genes são pedaços da molécula de DNA. É no DNA, mais precisamente,
nos genes, que está “guardado” o segredo da vida das plantas, dos animais e dos seres humanos.
Engenharia genética – é uma biotecnologia que trabalha manipulando o gene. Biotecnologia – é
a aplicação da tecnologia à biologia. Nem toda biotecnologia é engenharia genética, mas a
engenharia genética é uma biotecnologia. Isto é, para que uma biotecnologia seja “enquadrada”
como engenharia genética é necessário que ela manipule os genes.
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As pesquisas sobre o genoma humano, as raças e o racismo
Uma das decorrências mais importantes das pesquisas sobre o genoma humano é,
indubitavelmente, a consolidação da constatação científica que geneticamente não há raças
humanas. A genética molecular pré pesquisas do genoma humano afirma que considerando-se o
DNA como o material hereditário e o gene como unidade de análise biológica é impossível dizer
se estas estruturas pertencem a uma pessoa negra, branca ou amarela, pois o gene carrega
possibilidades de caracteres e não os caracteres! Luca Cavalli-Sforza, em “A geografia dos genes”
(1995), no fundamental prova que a diversidade genética humana é tão incomensurável que é
impossível cientificamente falar-se em raças humanas. Recentes pesquisas evidenciam que a
espécie humana (Homo sapiens) é uma só e que dentro da espécie a variabilidade genética
impõe, como o padrão de normalidade da natureza, a realidade de que cada ser humano é
geneticamente único.
Mas qual a importância da ratificação de tais verdades científicas pelo Projeto Genoma
Humano e pelo Projeto da Diversidade do Genoma Humano (PDGH), em um mundo onde a
opressão racial/étnica é um fato incontestável e sabendo-se que o conceito de “raças humanas”,
se não foi cunhado pelo menos foi apropriado, tem sido reciclado pela ideologia racista? Na
acepção popularizada e de parte dos setores intelectualizados, raça reflete uma compreensão
biológica, de algo que, para usar uma linguagem atual, é fatalisticamente genético. O que não é
apenas discutível. Tais noções são falsas e anti-científicas. Não há um conceito universal sobre o
que seja raça. Conforme os conhecimentos biológicos contemporâneos o significado biológico de
“raça” reside na unicidade da espécie. O racismo repousa, pois, sobre uma mentira
incomensurável.
Algumas constatações e especulações sobre Medicina Preditiva
Afinal, o que é medicina preditiva (para alguns: medicina preventiva genética) e quais as
repercussões do Projeto Genoma Humano nela? Em linhas gerais medicina preditiva é,
idealmente, a possibilidade de prever para: prevenir doenças passíveis de prevenção, sem
discriminações; ampliar propostas de tratamentos e de curas; e de garantir a dignidade humana,
tendo em conta os contextos sócio-culturais. A medicina preditiva ainda é um campo repleto de
incógnitas, inclusive técnicas e científicas, algumas incomensuráveis, o que a torna alvo de
esperanças, desconfianças e medos. Considero que a medicina preditiva é um caminho a
construir para responder aos anseios do que ela deve ser: a possibilidade de aumentar a
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qualidade de vida e de minorar sofrimento sempre e de curar quando possível. A publicidade das
benesses, a maioria hipotéticas, é ilusória. As perspectivas de diagnósticos precisos são grandes,
as de curas, e até mesmo tratamentos não fúteis, são poucas, além do que o espectro é pequeno.
A medicina preditiva, embora tenha o diagnóstico genético como o setor mais visível de
suas ações, engloba a “terapia genética” de células somáticas e germinais, a clonagem, a
utilização de embriões para pesquisas e resvala, inexoravelmente, em muitas de suas
intervenções, às escâncaras ou com sutileza, para propósitos eugênicos. Trata-se de um campo,
cujo veio semântico e locus epistemológico não prescindem do reducionismo inerente à
“abordagem genética”, certeira ou probabilística, e das incongruências perigosas e utópicas do
fatalismo genético – a idéia reducionista e equivocada de que os genes não só podem tudo, como
são oráculos infalíveis e se expressam e funcionam sempre sem interação ambiental! A crença no
“DNA ditador” e no “gene egoísta” desvia o foco da verdade básica – o holismo da natureza – e
resulta em estigmatização, invasão da privacidade, diminuição da auto-estima, aumento de
preconceitos e discriminações, temas para análises apuradas, pois dizem respeito ao direito de
decidir e à maternidade voluntária, essências do exercício da cidadania.
Benesses versus malefícios
Embora os estudos sobre o genoma humano acenem com inúmeras hipóteses de coisas
boas, tais como: diagnóstico mais preciso das doenças genéticas e talvez até a cura de algumas
delas, cabe lembrar que as promessas de terapêuticas, armadilhas mais poderosas da
mercantilização da genética, permanecerão décadas como promessas. A pesquisa sobre o
genoma humano nos brindou também com ferramentas para o combate ao racismo, mas nos
legou um conflito bioético de grande vulto, pois os “kits de diagnósticos genéticos” devassam
nossa intimidade, já que os genes portam a nossa história de vida: falam do passado, informam o
presente e podem anunciar muito do futuro, portanto devem ser considerados bens pessoais
indisponíveis e a privacidade genética um direito fundamental a ser protegido.
Não há perspectivas de leis/normas universais sobre genética, mas urge criar referenciais
bioéticos universais que garantam a dignidade, a biossegurança e a vida humanas e possam
enfrentar danos, discriminações e os riscos da erosão e da poluição biológicas. A gênese da
abordagem do diagnóstico e do tratamento das doenças genéticas engloba aspectos conceituais,
clínico-epidemiológicos e os impactos sociais e éticos individuais e populacionais. Estima-se em
torno de 5% as doenças “genuinamente genéticas”, decorrentes de determinismo genético, que
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independem da interação ambiental. É nesses 5% que as empresas apostam, porém há um
imenso mercado para os testes genéticos probabilísticos (que apontam possibilidades, ainda que
remotas, de “vir a ter” uma doença). Das 6000 doenças genéticas passíveis de diagnósticos,
apenas mil têm seus genes localizadas. Há testes para cerca de 800 e tratamento para algumas.
Disponibilizar o diagnóstico genético para doenças ainda incuráveis talvez seja fonte de
angústia e represente diminuição de qualidade de vida para muitas pessoas e a eticidade é no
mínimo questionável. Dado o caráter fatalístico da abordagem genética, cabe lembrar que falsos
resultados não são incomuns, nem desprezíveis, e dependem de coleta adequada, qualidade da
amostra, condições do equipamento utilizado para o exame, competência técnica e até da
subjetividade de quem interpreta os resultados.
Os seguros de saúde e de vida cobram preços exorbitantes e até excluem quem porta
alguma doença/defeito genético. Teoricamente no Brasil não há regulamentação para testes
genéticos. Na prática, os seguros de saúde têm garantido o direto a não cobrir os custos de
tratamentos com doenças congênitas, a não ser dependentes nascidos na vigência do seguro. Os
“testes genéticos” ampliam os horizontes de exclusão dos seguros de saúde e de vida e do
mercado de trabalho, caso a sociedade não imponha freios às ameaças de abusos contra a
privacidade genética. A opinião de alguns bioeticistas que as seguradoras têm o direito de saber
que riscos correm, logo podem exigir testes genéticos, é em si a defesa do abuso de poder.
Os seguros conceitualmente são contratos de risco. Eticamente cabe às seguradoras
arcarem com o ônus e os bônus do negócio e não invadir nossa intimidade genética para
maximizar os bônus. A dimensão ética da proibição da solicitação de testes genéticos diretos e
indiretos (anemia falciforme, por exemplo) pelas companhias de seguros é mensurável pelo seu
caráter de defesa da cidadania em plenitude. Não basta permitir que o mercado regule e só realize
“testagem genética” com a autorização da pessoa, é preciso que sejamos guardiães do direito de
saber e do de não saber.
O direito de saber e o de não saber e o controle de qualidade dos testes
O diagnóstico genético pré-natal objetivando descobrir doenças de gravidade variável e
que as pessoas acometidas podem viver com boa qualidade de vida e dignidade, não é
considerado ético e é proibido em muitos países. A anemia falciforme, uma anemia hereditária – a
doença genética mais comum da população negra e a doença genética de maior incidência na
população brasileira – é exemplar! O diagnóstico genético pré-natal de anemia falciforme é
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polêmico, pois a medicina fetal não descobriu ainda como “curar” um embrião/feto falcêmico, logo
a única prescrição com grau de resolutividade, ainda que conflituosa, seria a indicação do aborto.
Mesmo nos países onde o aborto é legalizado, o dito aborto “eugênico”, “terapêutico” ou “piedoso”
é palco de um debate acalorado. No Brasil, o Programa de Anemia Falciforme do Ministério da
Saúde não oferece diagnóstico fetal para anemia falciforme, mas ele está disponível em serviços
privados e acessível a quem se dispuser a pagar por ele.
O diagnóstico genético pré-natal para detectar doenças sem cura, mas que não
incapacitam para a vida com autonomia e dignidade e cujo desfecho provável é a indicação de
abortamento, exige sérios debates no contexto das diferentes culturas. Em Cuba, o programa de
anemia falciforme oferece o diagnóstico fetal e também o abortamento em caso de feto falcêmico,
se a mãe ou o casal assim o desejarem.
É consensual no movimento feminista e hegemônico no movimento bioético que a mulher
deve ser apoiada pelo Estado quando deseja ou não ter uma prole, o que inclui a legalização do
aborto, que por sua vez não significa a compulsoriedade de abortar, apenas possibilita à mulher
fazê-lo sem apelar para a desobediência civil no exercício do “direito de decidir sobre o próprio
corpo”. A defesa conseqüente do direito ao aborto conforme a necessidade, a consciência e a
opção da mulher, independe do motivo pelo qual ela precisa interromper a gravidez; se opõe ao
uso do aborto para controle ou “melhoramento” populacional e abomina a culpabilidade e a
penalização de mulheres que pariram crianças tidas como “defeituosas” ou “cargas sociais”.
Bioeticistas e bioeticólogo(a)s alertaram que no pós desvendamento do genoma humano
o epicentro da luta pelos direitos humanos seria o direito ao próprio gene, que revitalizaria direitos
correlatos e desnudaria como é obsceno que as patentes tenham primazia sobre o direito à
atenção médica, ao remédio e à vida. Foram proféticos!
Os genes humanos, podem, devem, ou não ser patenteados?
O saber que o DNA é o elo de ligação entre os seres vivos tem sido banalizado. A vida –
reduzida a uma molécula de DNA manipulável – é matéria-prima do setor sagrado da
biotecnologia, a engenharia genética, e é idolatrada nos “laboratórios/oratórios” de biologia
molecular, locus dos processos que a tornam mercadoria. Lembrando a justeza da intolerância
bioética, é condenável a pregação de cientistas que o direito ao próprio gene e o genoma humano
como patrimônio da humanidade estão no plano do simbólico. Querem nos convencer que a
expressão material da vida é uma miragem!
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A alegação espúria, pois carece de respaldo moral, de qualquer uma, de que é ética a
propriedade intelectual de genes humanos está alicerçada na ideologia escravocrata e na
megalomania de alguns “deuses da ciência”, pois ninguém inventa a vida! As patentes, desde o
início (1883), são um contrato entre inventor(a) e a sociedade, baseado na simultaneidade de:
invenção, novidade e interesse industrial. Descoberta não é invenção e não sendo a vida um
invento, não pode ser objeto de patentes!
O esforço descomunal visando burlar as regras do jogo patentário para nelas inserir as
descobertas das biociências é o arraigado e histórico abuso de poder das classes dominantes,
sob nova plumagem. Do cenário
emerge uma verdade irrefutável: o conceito de classes
dominantes não está superado e elas hoje lutam para definir quem comandará a sua revitalização,
via biotecnologia. Não à toa, Clinton aliou-se a Tony Blair, anunciou que o genoma humano é
patrimônio da humanidade (de qual humanidade?) e que as descobertas seriam de domínio
público. Conseguiu “conter” a sede insaciável com que Craig Venter e o setor privado, indústria
farmacêutica à frente, estavam indo ao “pote de ouro” do DNA humano. No que consistiu a
negociata entre ciência pública e privada não sabemos. Especula-se que é parte dela a
declaração de Clinton de que patentes para o genoma humano dependeriam do contexto!
Na corrida rumo às patentes humanas, setores da comunidade científica, esquecem a
função social da ciência e antigos compromissos éticos (Resoluções da I Conferência Sul-Norte
do Genoma Humano, 1992), renegam a não mercantilização do DNA humano, mesmo admitindo
que a possibilidade de patentes humanas provoca intranqüilidade. Enquanto alguns cientistas
retiraram suas máscaras, os governos ainda mantém as suas (até quando?). A sociedade, que
paga as corridas da big science, precisa entender que finalizado o Projeto Genoma Humano
descobriremos quem somos, mas... para onde caminha a humanidade sob os signos das bios
(tecnologia e ética)?
* Publicado, em inglês e espanhol, em LOLA Press – revista feminista internacional, nov. 2000-abril 2001, número 14,
p 8-15: www.lolapres.org
El Proyecto Genoma Humano/Secretos y mentiras. www.lolapress.org/artspanish/olis14.htm
The Human Genome Project - Secrets and lies. www.lolapress.org/artenglish/olie14.htm
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As Revoluções da Biologia
1ª Revolução: Teoria Celular, elaborada nos anos de 1838 e 1839. A célula foi descoberta em 1665 pelo físico inglês
Robert Hooke (1635-1703). Quase dois séculos depois o botânico alemão Mattias-Jakob Schleiden (1804-1881) e o
zoólogo prussiano Theodore Schwann (1810-1882) elaboraram a Teoria Celular, respectivamente em 1838 e 1839,
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que diz: “Todos os seres vivos são constituídos por células. A célula é a unidade morfológica e funcional dos seres
vivos e elas se agrupam para formar os tecidos, estes se reúnem para formar os órgãos”.
2ª Revolução: Teoria da Evolução (TE) de Darwin/Wallace, elaborada em 1858. É uma das maiores revoluções
intelectuais de todos os tempos, cujas repercussões extrapolam o campo das biociências, pois do ponto de vista
científico reuniu evidências de que os seres vivos não são imutáveis, isto é evoluem, e no aspecto cultural separou
definitivamente a ciência da religião.
3ª Revolução: a descoberta da estrutura da molécula de DNA (A dupla hélice), em 1953, pelo biólogo norteamericano James Dewey Watson (n. 1928), pelos físicos ingleses Francis Harry Compton Crick (n. 1916) e Maurice
Huge Frederick Wilkins (n. 1916) e pela cristálografa inglesa Rosalind Franklin (1920-1958). Watson e Crick
conseguiram, através das fotografias obtidas por Rosalind – que trabalhava no Laboratório dirigido por Maurice
Wilkins, King's College, Londres, Inglaterra – propor o modelo da estrutura do DNA, uma hélice dupla, que “guarda” e
transmite o código de produção de proteínas (código genético). A engenharia genética – ramo da biologia molecular
que utiliza biotecnologias específicas para a recombinação genética – é uma decorrência direta da descoberta da
dupla hélice, portanto é considerada parte da 3a. Revolução da Biologia.
Os megaprojetos da genética humana
Os três megaprojetos do Século XX (Manhattan, Apolo e Genoma Humano) contaram com a “liderança” dos
EUA. O Projeto Manhattan, década de 1940, foi o “esforço internacional” dos EUA, Grã-Bretanha e Canadá, que
resultou na bomba atômica e no genocídio de Hiroshima e Nagasaki (1945); o Projeto Apolo levou o 1º norteamericano à lua, julho de 1969,
empreitada exclusiva dos EUA. Mas toda a humanidade pagou as faturas
(econômicas, sanitárias e ecológicas) de tais aventuras.
PROJETO GENOMA HUMANO (PGH). A idéia de desvendar o genoma humano foi tornada pública, como uma
pretensão do governo dos EUA, em 1986, por Charles DeLisi (chefe da Agência de Pesquisa em Saúde e Meio
Ambiente do DOE – Departamento de Energia, responsável pela militarização do conhecimento tecnocientífico do
governo norte-americano), com objetivos “patrióticos” de elevar a auto-estima norte-americana (que, segundo a
imprensa, estava “em baixa” por causa da derrota na Guerra do Vietnã). Antes, era uma proposta isolada dos biólogos
Robert Sinsheimer (diretor da Universidade da Califórnia, Santa Cruz) e Renato Dulbecco (Salk Institute de La Jolla,
Califórnia; Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, 1975).
O PGH foi implantado em 1990, após acaloradas controvérsias e repúdio de célebres biólogos moleculares,
como um projeto nacional dos EUA, desenvolvido pelo DOE (Departamento de Energia) em parceria com o INH
(Institutos Nacionais de Saúde). Embora tenha sido proposto inicialmente por cientistas, deixou de ser um projeto da
“comunidade científica”, pois pertence à “cooperação internacional” entre os sete países mais ricos do mundo (Grupo
dos sete, G7: EUA, Alemanha, Japão, França, Itália, Grã-Bretanha e Canadá), com cerca de 16 laboratórios nos EUA,
Japão e Europa, sob comando dos EUA. A discriminação dos países pobres foi transparente, pois mesmo aqueles
que possuíam condições científicas e tecnológicas foram alijados do projeto. Para amainar as polêmicas e disputas,
cedendo às pressões de vários países desenvolvidos, os EUA elaboraram um acordo que resultou na criação da
HUGO – Organização do Genoma Humano (1988), que realizou seu primeiro encontro na Suíça, ocasião em que
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James Watson (co-descobridor da “dupla hélice”), a estrela cotada para dirigir o projeto, exigiu que 3% do orçamento
total fosse destinado às questões éticas. No que foi atendido.
A HUGO, atualmente é apenas uma sociedade científica (e não uma instituição de pesquisa, logo não as
realiza), mas originalmente era um Conselho Consultivo do PGH, composto por 42 pesquisadores de países ricos
(EUA, Alemanha Ocidental, URSS, Japão, Canadá, Grã-Bretanha, Itália, França, Holanda, Suíça, Suécia, Austrália e
Grécia), que depois agregou “pontualmente” pesquisadores de outros países. Ter cientistas na HUGO não é sinônimo
de participação do país no PGH. O Brasil não participa do PGH, embora realize, dentre outras, Iniciativas Genômicas
Humanas (câncer) e tenha demonstrado rara competência tecnocientífica ao mapear e seqüenciar o genoma da
Xillela fastidiosa e possua cientistas notáveis. Isto é, não é suficiente “notório saber” para integrar o PGH...
PROJETO DA DIVERSIDADE DO GENOMA HUMANO (PDGH) ou PROJETO DA DIVERSIDADE GENÔMICA
HUMANA (PDGH). Se propõe a estudar amostragens representativas do genoma de populações ancestrais, para
estabelecer a árvore genealógica humana; elaborar a história das migrações e definir com maior precisão a história da
diferenciação do Homo sapiens, através do perfil genético de populações representativas dos cinco continentes. Esta
“caçada genética” pretende remontar até a origem do Homo sapiens. Ao contrário do PGH, o PDGH não foi “pensado”
como uma proposta governamental, mas de parte da comunidade científica (antropólogos e geneticistas), como uma
contraposição de cientistas à forma de imperialismo cultural e econômico como o PGH fora implantado.
O PDGH foi criado em maio de 1992, durante a I Conferência Sul-Norte do Genoma Humano, Caxambu,
Minas Gerais, Brasil – evento que contou com a presença de cerca de 200 cientistas de 22 países, cujas principais
resoluções foram o PDGH e a posição contra as biopatentes humanas. Foi organizada pelo Programa LatinoAmericano do Genoma Humano (PLAGH) – associação de cientistas e proprietários de empresas de engenharia
genética da América Latina), criado em 1990, visando assegurar o direito de aprender e garantir a liberdade do uso do
conhecimento. Quando de sua fundação, o PLAGH foi uma resposta política da comunidade e instituições científicas
latino-americanas à atitude colonialista dos países ricos na estruturação do PGH, pois eles excluíram governos e
empresas de bioengenharia dos países pobres, inclusive do seu Conselho Consultivo (HUGO).
A partir de 1993 acumulam-se as denúncias sobre infrações éticas cometidas por algumas equipes
do PDGH, os chamados “caçadores de genes”. Está em curso uma grande e justa resistência das pessoas
objetos desta “caçada genética”, sob o argumento de que o que move o interesse de cientistas “ávidos por
genomas” é o desejo de “imortalizar” em um “museu de genes” os genomas de grupos populacionais
ameaçados de extinção. Preserva-se “peças genéticas históricas”, ao mesmo tempo em que quase nada se faz
para que as pessoas portadoras delas sobrevivam! O paradoxo é que não há melhor maneira de preservar
“peças genéticas” do que lutar pela sobrevivência das pessoas que as contém.
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